A Herdeira do Quarto Trono escrita por R31


Capítulo 12
Mais Perto


Notas iniciais do capítulo

Olá senhoras e senhores, meninas e meninos, como vão todos vocês? Olha só quem viva ainda está, trazendo um novo capítulo fresquinho para vocês, que demorou um mês inteiro para sair!
Primeiro porque eu dei de cara com um bloqueio criativo, segundo porque eu tinha um curso para terminar e graças ao bom Deus, eu paaaaaassssssssssssssssssseeeeeeeeeiiiiii!!!!!!-
E agora tenho um tempo livre a mais para por minha vida em ordem! Iupi!

OK, sei que vocês estão ansiosos para ler o cap, mas antes de mais nada, eu queria dizer que eu até tenho uma lista de agradecimentos para fazer, mas, considerando que meu tempo é curto e o caminho é longo, vou deixar tudo para o próximo.

Ah, outra coisa, não foi dessa vez que eu consegui escrever tudo, mas vamos passar por essa fase SIM! E EU NÃO DESISTI!!!! Tô aqui ainda!!!

Desculpem a demora, mas...

Aproveitem! ^ ^



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“Não, a verdade é simples. Mentiras é que são complicadas

Adaptado de A 5° Onda.

 

O que se espera de um bom jantar? Comida bem feita, ambiente agradável, paz à mesa, estar se sentindo bem consigo mesmo e estar junto à uma companhia interessante também é mais que bem-vinda. Mas e quando um ou mais desses componentes estão em falta? Certamente é difícil manter a compostura e se fazer parecer interessado em permanecer e ver o que está para acontecer em seguida.

As cadeiras à mesa da família Willians estavam dispostas de maneira calculada para que cada um ali sentado tivesse espaço para mover os cotovelos e sair e voltar da mesa à vontade e, ainda assim, ninguém se sentisse excluído. A toalha de mesa era impecavelmente branca, os pratos e taças eram de cristal, cada peça era entalhada com espirais únicas feitas à mão e os talheres eram de prata. E a comida, que, em tese deveria ser a estrela do momento, certamente não iria deixar à desejar, seus molhos, iguarias, massas e carnes tinham o melhor dos cheiros e era de fato, sabores maravilhosos que fariam qualquer um ficar tentado a se empanturrar até passar mal. Mas do que adianta uma mesa farta e agradável se ninguém à mesa sente mais fome que preocupação, ansiedade e desconforto?

Junto à cabeceira de cada lado, estavam Maicon Willians e George Crawford, à esquerda, sentavam-se Susana e Evelym, cada uma ao lado de seus respectivos maridos e, entre elas, estava sentado Liam, que, mesmo muito agitado, estava com medo de chegar perto da Srª Crawford. Já à direita, sentavam-se Laura e Nathan.

À frente de cada um, estavam seus devidos copos e talheres, Laura e Nathan, assim como Susana e Maicon preferiam que certas pessoas não estivessem presentes no jantar, mas como não era possível, em nome das aparências, quase todos à mesa sorriram por um momento e não demoraram em se servir. O jantar tinha, assim, seu início.

Enquanto Maicon e George falavam sobre negócios, Liam não conseguia parar quieto por algum motivo que perturbava o garoto, Susana estava tentando conter seu filho e dar-lhe comida, e Evelym não parava de dar-lhe palpites de como Susana deveria criar o próprio filho, o que já estava começando a irritar Susana profundamente. Mas quem realmente não estava se sentindo bem e não via a hora dessa refeição chegar ao fim eram Laura e Nathan e seus motivos para isso não eram muito diferentes.

Os dois estudantes de direito se serviram e começaram a comer em silêncio, sem trocar muitas palavras entre si ou com os demais ali presentes. Tanto um quanto o outro estavam com os pensamentos à mil e a maioria era de como seria a hora que seguiria depois do jantar. Enquanto Laura refletia sobre quais perguntas deveria fazer, Nathan pensava até que ponto da verdade ele seria capaz de revelar à Laura sem que ela brigue ainda mais com ele. Outra razão do silêncio dos dois eram suas mãos estarem os incomodando muito. Nathan mantinha a mão esquerda debaixo da mesa, apoiada em sua perna. Já Laura fazia o mesmo, só que com a mão direita.

A sorte era que Laura era canhota e Nathan era destro. Ainda assim, tais gestos teriam passado despercebidos se não fosse por um pequeno detalhe:

Com eles estavam sentados lado à lado, usando apenas seus garfos, deixando as facas de lado, com suas mãos debaixo da mesa, quem olhava de fora para os dois poderia pensar que eles estavam de mãos dadas e não querem que ninguém soubesse.

Conversa ia e vinha, ainda assim, chegou um momento que até mesmo os pais de Nathan não conseguiam ignorá-los.

—Afinal de contas, o que há com vocês? -Questionou George, em direção à Laura e Nathan, antes de dar um gole de seu vinho branco. -Parecem estar tão... -O homem hesita, tentando encontrar a palavra mais adequada -dispersos…

—Não é nada, pai -diz Nathan, com o cuidado de mascarar a irritação que ele realmente sentia, a coceira em sua mão e a tensão ambiental o estava enlouquecendo -, apenas tivemos um dia muito estranho.

—Pois é -comentou Laura, sendo o mais evasiva possível. Ela olhou de relance para Susana, como quem quer dizer “Eu não falei, mãe?”. Mas Susana já sabia disso, não estava mais tão surpresa e na realidade,  seus temores e pensamentos já estavam em outra rota, com outras preocupações. Laura continuou: -Algo em Londres está acontecendo, mas vai saber o que é?

—Ah, graças aos céus, pensei que somente eu tive um dia conturbado por loucos acontecimentos - disse Evelym se perdigando em seu lugar -, cada absurdo que havia chegado à redação hoje. Afinal, o que o Parlamento pretende fazer em relação aos ataques animalescos que vem acontecendo? -Evelym olhou em direção à Maicon, esperando sua resposta.

Maicon hesitou. Tinha plena consciência de que não deveria falar nada a respeito dos planos do Parlamento, não até segunda ordem do Primeiro Ministro. Ele já havia arriscado muito dizendo a verdade para Laura, não faria o mesmo naquela ocasião em hipótese alguma.

George, por outro lado, suspirou pesadamente, pousando seus talheres sobre o prato, já estava cansado de ouvir a mesma pergunta de sua mulher e ela,  quando não conseguiu extrair nenhuma informação dele, resolver perturbar Maicon com aquilo.

—Evelym, eu já lhe disse, é segredo de Estado, nós não podemos falar sobre isso, inclusive Maicon. -Diz o homem, num tom frio e duro. Mas a mulher não se deu por vencida.

—Mas isto é um absurdo! Uma afronta para toda a comunidade de Londres! Como o povo poderá sair nas ruas amanhã tranquilamente, sem saber se quem rege o poder neste país poderá se calar mais uma vez perante ataques futuros?

Laura odiava admitir, mas no fundo, a mulher estava certa.

—Como se você se importasse com isso, querida. -Resmungou George.

—Mas é claro que eu me importo! -Exclamou a mulher, irritada. -Sou uma cidadã de Londres, vivo e trabalho aqui! Além disso, se o povo sentir medo de sair às ruas, ninguém mais há de comprar minhas revistas!

—Mãe, tenho certeza de que as coisas não chegarão à esse ponto. -Comentou Nathan, tentando agir e pensar racionalmente.

Ainda não, filho. -Acrescentou Evelyn.

—Medo generalizado causa pânico -comentou Laura, discordando de Nathan, no entanto, parece dizer isso mais para si mesma que para os demais presentes-, e pânico leva à anarquias.

—Acham mesmo que Londres poderá chegar à este patamar? -Questiona George.

—Com todo o respeito, Sr. Crawford, mas pessoalmente, acredito sim. Isso, ou a ascensão de um tirano no poder. -Disse Laura, isso para ela parecia óbvio, se considerar que essa situação pode se arrastar muito tempo. -Exemplos é algo que não nos falta, certo? A Queda da Bastilha, na França: se sucedeu devido à uma série de descontentamentos populacionais contra a monarquia francesa. Alemanha pós-guerra: teve a ascensão de Hitler no poder pois sua população estava praticamente indo à falência, havia fome e desemprego, uma nação desesperada que se agarrou a primeira voz que soasse racional e milagrosa. Não estou dizendo que é isso que vá acontecer aqui, mas digo que, se ataques continuarem e o Parlamento não demonstrar nenhuma ação em favor de seu povo, pode ocorrer uma revolta popular.  Quem sabe uma revolução política inglesa?

Laura se calou, pensativa, olhando para seu prato, muito longe de ter comido a metade do conteúdo ali, antes de notar o silêncio ao seu redor e olhar para cima e ver que todos a encaravam. Dentre os olhares que mais lhe chamaram a atenção estava os de seus pais e os de Nathan.

—O que foi? Esse é o pior cenário possível, mas posso estar errada. -Diz a jovem rapidamente.

—“Conheça o passado ou estará fadado à repeti-lo”? -Citou Nathan, sem lembrar de onde exatamente ele leu isso anteriormente.

—Alguma coisa assim. -Concordou Laura.

—Você não deixa de ter razão, filha, mas até segunda ordem do primeiro ministro, não há nada que possamos fazer a não ser esperar. Com sorte, amanhã já teremos uma mudança significativa. -Diz Maicon, esquecendo-se que segurava sua taça de vinho. Susana olhava a cena espantada consigo mesma. Não estava surpresa com as palavras de sua filha, mas sim com o orgulho que surgiu em seu peito ao ver Laura falar com tamanha certeza e fluência, tão diplomática quanto outrora seus irmão foram ou quanto Maicon.

Susana sorriu, ainda que isso a assustasse, via que a liderança corria nas veias de Laura e a mulher se sentiu orgulhosa, afinal, aquela era sua filha e ela sentia que Laura tinha um grande destino à sua frente. Assim, Susan tomou sua taça e um dos talheres não usados de sobre a mesa, como fizera tantas vezes como rainha em Nárnia, deu leves e suaves batidinhas com o talher em sua taça, chamando facilmente a atenção de todos:

—Sem querer diminuir o assunto, mas sabendo que não se pode fazer nada a respeito, sugiro, que de forma civilizada, mudemos de assunto, para que o motivo que nos trouxe aqui não se altere. Afinal, não estamos aqui por razões políticas, sim?

—O que sugere, querida? -Diz Maicon, com um sorriso gentil no rosto. Ele, assim com Laura, via nesse ato a esperança de que a rainha que Susana um dia fora, ainda vivia. Susana hesitou, mas sem perder a compostura.

—Bom, eu gostaria de saber mais como tem sido as coisas para Nathan, por exemplo. Faz muito tempo que ele não vem à nossa casa...

—É, bem... -Nathan diz, totalmente surpreso com a mudança repentina de assunto. -Eu o fiz por respeito à Laura. Ela não queria mais falar comigo depois de... Hã, alguns desentendimentos nossos. Eu optei por respeitar essa decisão. Mas de todo jeito, nossa briga foi apenas uma… Bobagem de adolescentes apenas. -Diz ele, sorriu, mas sem humor. Laura ouviu à tudo isso, com atenção disfarçada, imaginara que ele fosse dizer algo assim, mas não esperava era ver como Nathan e seu pai trocaram um olhar estranho. George estava sério, Nathan estava tenso. Apenas Laura pôde perceber que, sob a mesa, a mão do rapaz se contorcia como se estive senso torturada.

—Mas vocês se entenderam, certo? -Diz Susana, curiosa, algo que não era típico à ela.

—Estamos trabalhando nisso, mãe. -Diz Laura, desejando morrer devido à vergonha que sentiu. “Por que agora, logo agora minha mãe resolveu agir como, bem, como minha mãe?”, pensou ela, em pânico.

—Nathan uma vez comentou que vocês estão na mesma turma de direito. -Diz George sem parecer ter maiores intenções, mas Nathan leu as entrelinhas e não gostou do que viu. George queria saber, na verdade, o quanto Nathan tinha de liberdade para revelar a verdade sobre o passado da família para Laura sem que George possa interferir, como fez quatro anos antes.

—Bem, isso é verdade -disse Laura, cutucando a carne com o garfo- apesar de estarmos lá por razões diferentes.

—Como assim? -Questionou Evelym, confusa.

—O ramo do direito é muito amplo, mãe - suspirou Nathan. Faz três anos que ele que o rapaz está na universidade e ainda assim, sua mãe parece não saber nada a respeito -, eu estou lá para tornar-me advogado, Laura quer ser juíza.

Laura observou a reação dos pais de Nathan diante dessa informação e não viu nada mais do que esperava deles, expressões de espanto e repulsa, quase como se ouvisse os pensamentos deles em voz alta: “Uma mulher à frente de um tribunal? Impossível!”.

Fingindo que não viu o mesmo, Nathan olha para seus pais com presunção e solta, totalmente de propósito:

—E ela é excelente, tanto que temos um trabalho em equipe para fazer, e o professor a nomeou como nossa líder!

—Mas querida, tem certeza de que é apta para tamanha responsabilidade? -Perguntou Evelym se voltando para Laura.

—Se eu tivesse total aptidão para isso, não estaria na universidade, me desenvolvendo no ramo, estaria num tribunal agora mesmo, exercendo a função que eu amo, porque é o que eu quero! -Solta Laura num tom afiado, sem pensar que iria soar indelicada. Mas dane-se! Ela estava cansada de ser subestimada! -Tem algum problema nisso, por acaso? -Ela olhou para os pais de Nathan, os desafiando à contrariá-la. Eles, George e Evelym, franzem os lábios, criticando internamente a audácia da garota.

—Não, querida, não há... -Evelym sorriu, mas foi um sorriso para mascarar a raiva.

—E não há mesmo, ela é a aluna mais aplicada da sala, muitos rapazes se sentem ameaçados por ela. -Nathan diz, olhando com orgulho para a garota à seu lado.

—Eu também me sentiria -soltou George -, ora onde já se viu? Você não se importa de ser superado por uma mulher, Nathan? -A voz do homem soou horrorizada.

—Os tempos são outros, meu caro colega. -Diz Maicon, com calma. Nathan respirou fundo:

—Honestamente, não me importo mesmo. A função que Laura quer exige muito mais que a minha, então, naturalmente…

—Isso só pode ser brincadeira! Um ultraje! -Rosnou o Crawford mais velho.

—Senhor Crawford, o senhor deveria repensar suas ideias a respeito do assunto. Nathan e eu somos diferentes, temos habilidades diferentes, que nos fazem seguir ramos diferentes, mas ainda dentro do direito. Eu tenho de realizar três anos de especialização à mais que seu filho, apenas para ser considerada habilitada para exercer a profissão. Eu tenho de saber analisar todos os mínimos detalhes de um caso, identificar quem fala a verdade ou não, quem está certo ou não, tenho de saber decidir corretamente o destino de vidas, ser parcial e indiferente, saber que cada caso é um caso. A aplicação de uma lei pode ser válida para um determinado caso e não para outro. Eu tenho mais sete anos de estudos e trabalhos pela frente. Seu filho, apenas quatro. Seu filho não é nem nunca foi menos capaz do que eu, mas sim tem um desafio mais fácil de ser alcançado.

Laura não percebeu que, no calor de sua fala, ela se levantou de seu lugar, encarando a todos ao seu redor e um brilho de raiva e resolução cintilavam em seus olhos.

—Nathan seria capaz de fazer o mesmo que eu, mais ainda se assim desejasse. Mas não é o que ele quer, ele mesmo me disse isso hoje mais cedo. Não é uma questão de quem é mais capaz que o outro. É uma questão de cada um fazer o que gosta e o fazer com excelência. Esta é a questão aqui. -Continuou ela. Um silêncio pairou pelo local, todos olhavam espantados para a garota. -Agora, se derem licença, vou me retirar. Acho que minha presença não é necessária aqui.

Laura olhou para Nathan e em seguida para seus pais. Foi Susana quem acenou com a cabeça uma permissão para que Laura se retirasse.

Laura deu as costas e saiu da sala de jantar em passos firmes. Um segundo após a saía da jovem, Nathan limpou a boca antes de levantar-se também.

—Me deem licença... - Murmurou ele, antes seguir Laura.

Susana trocou um olhar preocupado com seu marido com a saída repentina dos jovens, mas Maicon lançou à ela um olhar que queria dizer “Deixe-os em paz, eles precisam conversar à sós”, para, em seguida se voltar para os pais de Nathan.

—Minha filha não merece ouvir tais insultos, George. Se ousar diminuir o potencial dela mais uma vez na minha frente, encerrarei imediatamente nossas negociações e terei de pedir que se retire da minha casa.

—Me desculpe Maicon - diz George, rangendo os dentes -, eu apenas não estou acostumado com a ideia de…

—Uma mulher ter voz acima de homens como você? - Susana riu, de desdém para George. -Isso porque você deve ter se esquecido de minha irmã, a Lúcia. Já se esqueceu de como ela sabia o colocar em seu devido lugar?

A raiva ferveu no sangue do Crawford mais velho, diante da lembrança das inúmeras discussões perdidas contra Lúcia Pevensie. Já Evelym, por outro lado, riu internamente das lembranças.

—Portanto, acredito que esse assunto esteja agora seguramente morto e enterrado. -Diz Maicon.

Por um momento, silêncio. Silêncio suficiente para todos ali ainda presentes perceberem a agitação incomum dos cães e gatos do lado de fora da casa. Miados furiosos e latidos começaram ao longe, mas o som começou a se estender pela rua. Mas ninguém se importou em ir até a janela e verificar se algo estava acontecendo.

—Então - balbuciou Evelym, inquieta -, onde estávamos mesmo? Sobre as negociações?

 

§

 

Ao subir as escadas para o segundo andar da casa, uma sensação estranha tomou conta de Nathan, dobrando as mangas de sua camisa social até a altura dos cotovelos, o rapaz tentou ensaiar o que ia dizer, mas de cada três palavras ensaiadas, quatro eram gaguejadas sem coerência alguma.

—Laura? Laura, sou eu, posso entrar? -Nathan bateu à porta do quarto de Laura, onde ela havia entrado poucos segundos antes.

—Espere um minuto Nathan -a voz da garota soou, abafada pela porta. O rapaz se aproximou mais e sua mão pairou sobre a maçaneta, hesitante, ele preferiu aproximar o ouvido da porta, tentando ouvir o que a garota fazia naquele momento. De tão tenso que estava, não se deu conta de que, socialmente falando, o que fazia parecia uma perversão. Se uma das criadas dos Willians o pegassem ali naquele momento e naquele jeito, um caos horroroso se instalaria ali.

Do outro lado da porta, Laura tirou os sapatos aos chutes, ainda com raiva, e tirou o vestido com a mesma ferocidade. Sua mente agitava-se em torno de pensamentos furiosos, tais como “Quem eles pensam que são, para chegar à minha casa e tentar me dizer o que uma moça pode ou não fazer? Quem George Crawford pensa que é para falar comigo daquele jeito?!”. A garota vestiu jeans, as meias quentes e botas, o casaco de lã e a jaqueta, como se fosse sair para algum lugar. Ela nem pensou no que iria fazer a seguir, mas o desejo de sair de casa, nem que fosse para dar uma simples volta no bairro havia a tomado. Desde muito jovem, Laura era do tipo de pessoa que só se acalmava depois de caminhar, pois se não o fizer, ela sente que poderia explodir. Quando calçava as luvas, pronta para sair, uma nova e mais insistente batida na porta soou, tirando-a de seus devaneios.

—Laura, por favor, me deixe entrar, eu só quero falar com você... -O tom de voz de Nathan era sincero e Laura lançou à porta um olhar de quem acaba de sair de um sonho, mesmo estando acordada. Só então ela praticamente se lembrou que ele estava ali.

—Entre, Nathan. -Suspirou ela, antes de se sentar à mesa de sua escrivaninha.

Hesitante, o rapaz girou a maçaneta e entrou no local, surpreso em se deparar com o atual estado do quarto de Laura. Era bem diferente da última vez em que esteve ali.

A cama de menininha fora substituída por uma imponente cama de casal, mas totalmente desorganizada num amontoado de roupas, livros, cadernos, papeladas, vestidos, cobertores e travesseiros. As paredes que antes eram totalmente rosas, agora eram vermelhas claras, com exceção da parede onde a mesa e as prateleiras de livros estavam, ali o tom era azul marinho. Não havia mais bonecas ou robôs antigos em lugar algum, mas ainda tinha um avião de brinquedo na cor vermelho sangue ao lado dos livros de legislação e os livros de Edmundo sobre a mesa dela. Mas de tudo isso, o que mais mudou mesmo foi a própria Laura.

—Laura? O que você... Por que trocou de roupa? -Questiona o rapaz, olhando firmemente para Laura, antes de encostar a porta atrás de si. Ela ainda estava bonita, mas sem o vestido vermelho, ela parecia um pouco menos intensa, no entanto, ela ainda parecia-lhe um farol brilhante em meio a escuridão, guiando-o para o local mais seguro.

—Na verdade, eu ia sair. -Admitiu ela, desviando o olhar dele, Laura evitou observar como a camisa branca cobria a pele dele com perfeição, e as mangas dobradas sobre os cotovelos tornava o visual dele ainda mais casual e masculino. Ela pegou seu caderno e fingiu prestar atenção no que estava escrito na folha mais próxima. -Eu tenho esse costume, sabe, de caminhar quando fico com muita raiva de algo, ou de alguém. Eu não ia muito longe, só preciso caminhar um pouco e respirar ar puro. -Ela sorriu por um momento. -Eu quase me esqueci de você, me desculpe. Seus pais me deixaram muito nervosa, eu até tentar disfarçar, mas…

—Mas, se ficasse lá por mais um minuto, iria perder a postura? -Diz ele, arqueando as sobrancelhas. -É, eu entendo isso. E você não precisa se desculpar por querer esfriar a cabeça. Acho que foi uma atitude muito sensata de sua parte.

—Você acha mesmo? -Os ombros de Laura se inclinaram de uma maneira que parecia que um peso grande fora tirado deles. -Por que eu não tenho tanta certeza assim.

—Bom, você não é a primeira e nem a última pessoa a se irritar com eles, você sabe disso. Não se preocupe, não vale a pena ficar remoendo isso. -Disse Nathan, se aproximando de Laura e se ajoelhando na frente dela, ele tirou o livro de Laura e o colocou sobre a mesa, em seguida, segurou as mãos da jovem, tirando as luvas delas com delicadeza. Laura ficou tão surpresa que nem se moveu e pareceu até se esquecer de como se faz para respirar. Tomando em suas mãos as luvas, Nathan as deixa sobre a mesa junto do livro.

—O que você está fazendo? -Laura sussurrou, abismada com tamanho cuidado e atenção. Nathan sorriu levemente, antes de entrelaçar seus dedos nos dela, sentindo a maciez e a delicadeza da pele das mãos dela, as mesmas mãos que manejam um arco e flechas de forma letal, as mesmas mãos que tremiam ao escalar colunas de dragões e estantes altas, as mesmas mãos que agora tremiam, mas não de frio. Sem responder, ele observou suas mãos juntas, antes de virar a mão dela, a que tinha a cicatriz atravessando a palma. A linha avermelhada que marcava a mão dela não parecia pulsar, mas as veias no pulso dela sim, pulsavam sob o toque de seus dedos. E ele sorriu ao perceber que isso era reflexo do coração pulsante dentro de Laura. Um ritmo tão frenético quanto o que pulsava dentro de si mesmo. Se havia uma hora para falar a verdade, era agora.

—Quando tudo começou, eu nem sabia no que exatamente eu estava me envolvendo -sussurrou ele, antes que as palavras perdessem toda a coerência -, mesmo que já estivesse prestes a me tornar adulto.

Laura olhou-o diretamente nos olhos, mas temeu que se reagisse à surpresa de forma brusca, ele voltaria a se calar. Ele disse que iria contar-lhe a verdade, mas não acreditou muito nisso até aquele momento.

—Tudo porque Eliotte e eu achamos uma maldita carta no meio das nossas correspondências. Essa carta se endereçada ao nosso pai, no remetente constava o nome de uma mulher. Stefany. Helena Stefany, diretora do Campo de Marte, aquele clube idiota para rapazes e moças da Alta Elite Britânica, que meu pai me colocou com Eliotte, lembra?

—Como esquecer? Seu pai insistiu tanto para que o meu me inscrever lá, mas de repente, ele mudou de ideia e nunca mais tocou no assunto. Foi quando você mudou.

—Sim, mas não por escolha. Descobrimos sem querer, que anexado à carta de nossa aprovação ao Campo de Marte, veio um bilhete pessoal de Helena. Foi assim que percebemos que meu pai estava tendo um caso extraconjugal com a Srª Stefany. Meu pai soube e fez de tudo para isolar à mim e ao meu irmão lá, foi um pesadelo, os pais e coordenadores do local já eram rudes de natureza, o que não é surpresa, por causa do nome do lugar, e, porque vimos o bilhete antes, nosso próprio pai garantiu que o pior do lugar se aplicasse à nós e, se contássemos para minha mãe…

Laura assentiu com a cabeça. Na mitologia romana, Marte era o deus da guerra, seu equivalente grego era conhecido por Ares. Um lugar com um nome desses já devia dizer algo sobre seus frequentadores. Foi por esse mesmo nome que Maicon hesitou em colocar a própria filha nesse clube.

—Depois de um tempo, somente nosso silêncio não bastava mais. Meu pai quis garantir que Eliotte e eu nunca ousaríamos questionar e desobedecê-lo. Então ele mesmo falou com os demais rapazes do Campo, instigando-os a fazer mau à você e a Sarah, apenas porque vocês eram próximas à nós. Você, por ser próxima à mim. Sarah porque ela era próxima de Eliotte. Descobrimos isso a tempo de nos desvincular de vocês, o que acabou com a graça deles. Tivemos de fazer amizades estratégicas dentro daquele lugar, já que muitos dos sócios do clube estudavam no mesmo colégio de nós. Qualquer pessoa próxima de mim e de Eliotte teriam de ser do Campo, essa era a regra: “Se quer nossa amizade somente conosco deve andar.” Era isso que nos disseram. O lema mais imbecil de todos os tempos. E quando nossa formatura chegou… -Ele hesitou, fechou os olhos e levou as mão de Laura aos lábios, sentindo a pele dela, seu cheiro e maciez. -Você estava tão linda, maravilhosamente bela, e eu a observando sempre de longe, morrendo de vontade de falar com você, dançar com você…

—Mas... Mas você foi falar comigo. -Lembrou Laura, um pouco confusa.

—Sim, você estava sozinha, a única pessoa a sentar numa mesa para dez pessoas. Olhava emburrada para o cretino que a convidou para o baile para depois, a deixar de lado pela novata com o rosto cravejado de sardas e que ainda usava aparelho. Francamente, até hoje me pergunto o que aquele babaca tinha na cabeça por te trocar por aquela… Hã… coisa. Você era, é e sempre será a melhor, a dama mais bela e interessante de toda a Londres. Quem aquele babaca pensava que era?!

—Foi por isso que você deu um gancho de direita no nariz dele?

—Com certeza. Mas você sabia que ele era do Campo de Marte também? Quando eu o soquei, quebrei o código do Campo e eles sacaram na hora que foi por sua causa.

—Por isso que outros seis caras surgiram do nada para te atacar…

—Sim.  Ainda bem que Eliotte conseguiu trazer uns cinco ou seis sócios do clube para nosso lado. Se não, eu não conseguiria tirar você de lá com segurança.

—E eu o culpei por tudo aquilo. -Sussurrou ela, sentindo dentro de si uma sensação de mau estar, como se tivesse alguma parcela de culpa por tudo o que os havia separado nos últimos três anos. -Por Aslam, eu o culpei por isso e tantas outras coisas... Mas não entendo, quando a ameaça do Campo de Marte acabou? E porque você voltou a se dar bem com todos, menos comigo?

—É complicado, eu nem sei como começar à lhe explicar…

—Não, Nathan, mentiras são complicadas.

—Eu não sei se você vai acreditar em mim, Laura.

—Se não tentar, nunca vai saber.

—Okay, então eu digo. -Com o coração martelando no peito, Nathan pressionou os lábios sobre a mão de Laura por um momento, temendo a reação dela. -  Ainda no mesmo dia da nossa formatura, depois de eu a levar para casa à força praticamente, de você jogar tudo o que pensava de mim e ter batido a porta da sua casa na minha cara, eu fui para casa, mais amargurado do que nunca com a vida, com meu pai, comigo mesmo, quando, de repente, meus pés começaram a se afundar no asfalto, como se eu tivesse pisando em areia movediça, só que, ainda mais rápido. Eu pensei ter sonhado ou estava deliberando, mas quando dei por mim, não estava mais em Londres, nem mesmo na Inglaterra eu me encontrava. Só muito tempo depois eu me dei conta que estava em Nárnia!

Nathan se calou, esperando de Laura um grito, uma exclamação alta, qualquer coisa, mas ela apenas arqueou as sobrancelhas e murmurou:

—Ah, agora muitas coisas fazem sentido…

—O quê?

—O dragão, acabou por se revelar o tal do Larash, ele veio aqui em busca de vingança, só pode ter sido de você. Você lutou mais que bem, você sabia muito sobre as armas, sabia sobre os dragões, sabia de muita coisa, falava o que Narnianos e Calormanos costumam falar, ditados que só fazem sentido lá. Quem você se tornou lá? -Laura disse, ansiosa, agarrando as mãos dele e desta vez, trouxe-as para si.

—Eu fiquei conhecido como o Lorde de Calormânia.

—O Lorde? -Desta vez, Laura realmente se mostrou surpresa. -Sério?!

—Sim. Não tenho porque mentir sobre isso.

—Por que nunca me contou antes? -Depois de um longo silêncio, foi tudo o que ela disse, num sussurro.

—Primeiro, porque Aslam me recomendou contar a verdade quando eu sentisse que você estivesse pronta. E o momento chegou, hoje de manhã, com tudo o que se passou na biblioteca. E agora estou aqui. Minha jornada em Nárnia foi muito longa, eu levaria semanas para contar e explicar tudo à você… Segundo, era difícil falar com você sem pensar em Nárnia. Acabei tendo de continuar longe de você para conseguir ficar de boca fechada.

—Mas acabamos fazendo a mesma universidade.

—Um tiro que saiu totalmente pela culatra. Espero que você possa me perdoar por tudo o que eu te fiz passar.

—E como terminou a história do Campo de Marte?

—Ah, acabou que tudo se resolveu sozinho. O clube fechou, a Srª Stefany se mudou para os Estados Unidos, meu pai sossegou o facho, até onde eu sei, e todos os moleques encrenqueiros do clube arrumaram coisas melhores para fazer. Eliotte reconquistou Sarah. E todos viveram felizes para sempre.

—Todos mesmo? -Laura o olhou com mais intensidade, e ele não conseguiu evitar que seu olhar se prendesse ao dela.

—Bem, na verdade, eu ainda estou correndo atrás do prejuízo. Não cheguei ao final feliz para sempre ainda.

Nathan, sem conseguir se conter nem por um segundo a mais, soltou as mãos de Laura sobre o colo dela, antes de segurar o rosto da garota com paixão e colar seus lábios sobre os dela.


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Notas finais do capítulo

Por hoje, é só, mas espero vocês no próximo capítulo! ^ ^



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