Outra maneira? escrita por donelena


Capítulo 10
Bolero de Ravel


Notas iniciais do capítulo

começou a parte q a gnt ama, continua aii



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368 dias desde o assalto.

Raquel andava rápido pelo aeroporto, sem olhar para os lados, focava apenas no número que tinha que seguir. 
Um portão.
Um avião.
Um hotel.
"Sergio" 
Ela entrou na fila para mostrar a passagem e embarcar no avião. Procurou na bolsa o que tinha que entregar. Respirou fundo: tudo nessa viagem a deixava com medo. E se ele já estivesse em outro lugar? Ela iria até lá para nada, e isso tudo só alimentaria o sentimento que ela sabia que teria que esquecer.
Enquanto olhava para o nada e esperava a fila andar, sentiu alguém tocar seu ombro.
Virou-se.
Era uma mulher, pouco mais jovem que ela. Cabelo preto, óculos escuros. Sorriso largo. 
— Desculpe, você pode me ajudar? Preciso achar esse local de embarque. Você sabe onde fica? - a moça mostrou a ela uma passagem com um número que ela não lembrava de ter visto daquele lado do aeroporto
— Não sei, me desculpe. - Raquel encarou a mulher, e podia jurar que ela lhe era, de alguma forma, familiar.
— Ah, tudo bem. Muito obrigada. - a moça parecia muito animada - É que tenho que encontrar um amigo e ele não suporta que eu erre ou atrase nada. Ele tem, como posso dizer...? - ela olhou para Raquel e tirou os óculos - Ele tem tudo planejado, sabe?
Raquel olhou para ela. Ela tinha um sotaque, mas não reconhecia de onde. Mas como ela lhe era familiar!
— Obrigada, de qualquer jeito. - a moça sorriu e se foi, e Raquel encarou-a até que a fila andou. 
A ex-inspetora sentiu-se confusa e inquieta. Será que seu Professor tinha tudo, mesmo, planejado? Se sim, Raquel podia sentir que ele a estava esperando. Sorriu. 
"Maldito" pensou nele, sentindo raiva por gostar de alguém que, simplesmente, sabia de todos os passos que ela poderia dar. Sabia tanto que mandava alguém absolutamente aleatório para mostrar a ela que ele estava, de fato, esperando-a naquela ilha tão distante. E ela ainda sabia tão pouco dele. 


Quando ele a viu, seu coração bateu rápido. Ele estava eufórico e foi muito difícil se controlar para não abraçá-la assim, de pronto. Ele a viu passar. Ela foi em direção ao coreto e olhou o mar. Sergio pensou em diversas formas de se aproximar. Podia levantar e chamá-la. Mas isso poderia assustá-la. Podia esperar até que ela voltasse para perto e, assim, chamá-la mais delicadamente. Podia segui-la até onde ela estava hospedada. Mas seria muito doentio. Enquanto decidia, ela já havia se movimentado de novo. E vinha… Em direção ao bar onde estava. Sergio se virou para o outro lado. 
Será que ela poderia ouvir o coração do Professor martelando em seu peito? 
— Excuse me. Do you have a charger? 
Ao ouvir a voz da mulher, Sergio sorriu e, nervoso, mal conseguiu se mexer. 
— A charger, please. For the phone. 
Sergio nunca foi bom de flertes, mas era inteligente o suficiente para reconhecer a oportunidade perfeita para um. 
— Se é importante - ele se virou, tirando o chapéu e encarando firmemente a ex-inspetora Murillo - Pode usar o meu.
"Canalha" ela pensou, sorrindo.
A euforia de vê-lo era imensa e ela sentiu vontade de chorar. Ele riu. E ela sorriu na tentativa de se conter para não começar a soluçar no meio do bar. 
O barman, que, sem entender o que ela havia perguntado, entendeu muito menos o que se passava ali e, por isso, foi para o outro lado. Raquel se aproximou dele, lentamente, enquanto ele se levantava. 
A mulher olhou pra ele: mesmo óculos, mesmo cabelo, mesma barba. As roupas agora diferentes, um branco limpíssimo do chapéu em cima da bancada. 
Ele a olhou: os olhos tão diferentes, um vestido tão delicado. A expressão menos dura. 
Ficaram parados um na frente do outro, só se olhando. Ele reviveu todo aquele sentimento que tinha tentado esconder, racionalizar e até queimar. Ela sentia o coração pesar no peito. Cada batimento parecia mais lento e mais forte. Será que teria um ataque? Reacendia neles o que tinha esmorecido com o tempo.
Sergio levantou os dedos e tocou o rosto dela. Raquel encarou a boca dele. 
Nervosa e sem controle de seu corpo, a mulher ia levantar o rosto para beijá-lo quando sentiu seu telefone escorregar de sua mão, batendo no chão e fazendo com que o barulho os tirasse daquela espécie de transe. 
Se assustando, ela abaixou e pegou o telefone.
— Merda, o que fiz!? - Raquel se levantou e guardou o telefone na mochila, colocando-a em cima do banco do bar.
— Está nervosa? - Sergio perguntou, sorrindo.
Ela encarou aquele sorriso, e em sua mente um flashback extremamente rápido passou. Tudo. Todas as palavras e gestos. Queria dar-lhe um tapa, talvez porque tinha raiva do que ele a fazia sentir, um infantil sentimento de desejo e afeto; talvez porque sentia-se muito burra de ter demorado tanto tempo para achá-lo; talvez porque sentia qualquer necessidade de contato físico extremo com ele, algo que o fizesse entender o que ela agora sentia pulsar nas veias. Talvez até pelo fato de ele a estar esperando logo agora, logo ali. Ele sabia. 
Ele tinha tudo planejado. 
E aquilo a incomodava de uma maneira esquisita. 
Mas era tão bom olhar agora para ele. 
Soube, ali, que teria muito tempo para contatos físicos extremos e que faria muito bem, para ela, apenas flertar. Porque agora tudo estava bem. Tudo fazia sentido, como um ciclo que se fecha. Seus caminhos tinham se cruzado de novo, mesmo que não acidentalmente. E ela entendeu que ele era dela até o presente momento. E que se teriam no final do dia. Sem hora para acabar. Sem promessas nem prazos. Como se o mundo fosse só deles. Como se eles pudessem ter tudo. E, na realidade, eles tinham.
— Um pouco. Você não? - ela levantou as sobrancelhas
Sergio ajeitou os óculos.
— Bom, um pouco. Raquel, eu…
Ela o abraçou, encostando a cabeça em seu peito. Tudo o que era dela ele achava raro. O cheiro. O cabelo. Os olhos. Ela conseguia escutar o coração dele batendo forte, e podia jurar que o dela batia no mesmo ritmo. Foram longos segundos aqueles que se passaram enquanto estavam abraçados, e Raquel só conseguia pensar no que faria depois que o largasse.
Soltaram-se, se afastando levemente.
Sergio a olhou. Sentia uma vontade enorme de arrancar a roupa dela ali mesmo, como num ataque de fúria. E de devorar-lhe a boca, num desespero que tinha demonstrado apenas uma vez, quando ela ainda estava amarrada pelas mãos no hangar depois de ter apontado uma arma para ele. 
Sergio pensou por um minuto e não conseguiu decidir o que era mais problemático do que o relacionamento deles, cheio de camadas e pesos diferentes. Um monte de personagens e faces de cada um, Professor, Sergio, Salva, Raquel, inspetora e, por fim, só a mulher que encarava agora calado, sem saber de que modo prosseguir a conversa, se num tom divertido de flerte ou num tom emotivo e sincero e clichê. 
— Eu quero te contar tudo - foi o que ele disse, e se sentiu muito idiota de ter soltado algo assim
— E eu quero ouvir tudo - ela disse, encostando os dedos pelo rosto dele - Mas não agora. 
Ela deu a mão a ele, pegou a mochila e o puxou para fora do bar. Sergio parou e voltou para pagar a taça de vinho que nem tinha sido tomada, seus dedos tremendo ao encostar nas notas. Pegou o chapéu em cima do balcão
Ela foi em direçao ao coreto com aquela vista magnífica. Eles encararam o horizonte.
— Você planejou tudo isso, não foi? Como…?
— Raquel - ele interrompeu - Você sabe como.
Ela, inconformada, mas feliz, entrou no coreto e se debruçou no parapeito. Ele entrou devagar e ela esperou que ele se aproximasse e se virou. Quando estava prensada entre ele e a madeira vermelha, ela sussurrou:
— Não diga nada. Só escute. - ele sacudiu a cabeça levemente, concordando. Ela foi tirando os óculos dele de modo delicado e lento - Eu não sei como isso vai acabar, mas eu cheguei até aqui. E eu quero saber de tudo, só que agora eu…- ela guardou os óculos no bolso do paletó branco que ele vestia - Eu não quero falar nada.
— Certo - ele sussurrou de volta.
O sol brilhava e um brisa suave passava por ali. Os dedos de Sergio tocaram a cintura de Raquel.
E quando se beijaram, ele soube que tinha tudo.


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Notas finais do capítulo

quero criticas sugestoes e gritos obg



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