Underwing escrita por Blogbi


Capítulo 3
Frio




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Frisk

Cheguei nervosa em casa, fechando a porta devagar tentando não fazer barulho. Minhas mãos tremiam, ainda sentia nelas a poeira daquele montinho que fiz, e essa imagem não saía dos meus pensamentos.  Me sentia culpada, uma criatura terrível... Mas eu tinha gostado! Estava sorrindo apesar das lágrimas que escorriam pelo meu rosto...

Eu podia fazer isso de novo!

Só de pensar em sentir aquilo mais uma vez, uma mistura de culpa com um imenso prazer juntos da adrenalina, um riso fraco fugiu da minha garganta. Talvez essa história de viver de olhos fechados seja uma completa bobagem!

Mas o que é que está pensando?! Você não viu o que fez?

Me repreendi. Mas era estranho, esses não pareciam ser meus pensamentos, como se fosse mamãe me dando uma bronca.

Imagina só a dor da família daquele monstro quando perceberem que ele não está em casa ao acordarem!

—-- Seria divertido ver a cara deles... --- deixo escapar em voz alta.

CALA A BOCA!! Não seria nada divertido, então mantenha seus olhos fechados para que isso não aconteça novamente!

Resmunguei me rendendo, parece que minha consciência seria mais forte que eu.

Fui cambaleando me guiando pelas paredes, já que não podia abrir os olhos. Quando cheguei na escada subi os primeiros degraus de boa, sem tombos nem nada, mas no meio da subida tropecei no meu próprio pé batendo o nariz na quina do degrau seguinte.

Senti um líquido quente escorrer por ele. Sangue. Assim que soube o que era entrei em desespero. Admito que sou um pouco dramática com relação a dor física, então abri o berreiro... Mas acho que o fato de ter quatro anos ajudou.

Olhei ao meu redor pela fenda que deixei se abrir e consegui ver Toriel sair de seu quarto, o rosto em evidente preocupação. Ela correu na minha direção.

—-- Oh meu Deus, minha criança! --- ela disse, parecia que iria começar a chorar como eu --- O que houve com você?

—-- E-e... e-eu c-ca-í n-na es-c-cada! --- falei, com muito esforço, em meio aos soluços.

—-- Acalme-se minha pequena, e-eu irei lhe curar. --- ela disse tentando manter seu tom firme, mas pude perceber que estava tão nervosa quanto eu.

Um fogo verde se projetou em suas mãos, que se aproximaram de mim. A princípio fiquei com medo, mas quando as labaredas entraram em contato com meu rosto tudo que senti foi um calor agradável.

—-- O-o que é i-isso? --- perguntei depois que consegui me acalmar.

—-- É fogo mágico, minha pequena. Ele pode ser usado tanto para ferir quanto para curar e seu calor depende das intenções de quem o usa. --- minha mãe responde com um sorriso no rosto, aparentemente feliz por eu ter me interessado, mas esse sorriso logo desmanchou-se quando ela se pôs a me analisar atentamente --- Frisk, por que está carregando sua mochila? --- ela perguntou com um tom sério, muito diferente do doce que usava antes.

Congelei.

Não porque ela notou a mochila, mas sim porque ela só me chamava pelo nome quando eu estava ferrada.

—-- B-b-b-bem... err... b-b-bom... --- tentei justificar, mas o nervosismo tomou conta de minha voz, fazendo-me gaguejar como uma louca. Senti uma gota de suor frio escorrer por minha têmpora.

—-- Frisk. --- ela repetiu.

—-- N-na verdade, eu meio que saí de casa...? --- disse num fio de voz intencional, na esperança de que ela não ouvisse.

Apenas esperanças.

—-- Você o que?! --- como imaginei, ela começou a surtar --- Ah céus, alguém lutou com você? Tem mais algum machucado? Conseguiu esse em uma luta? --- ela estava listando todas as possibilidades, menos a que eu fiz.

—-- N-não mãe, eu estou bem, olhe! --- me levantei esticando os braços para mostrar que não havia mais nenhum ferimento.

Toriel solta um suspiro de alívio, mas logo depois sua expressão se torna algo que não consigo ler, talvez decepção ou frustração? De qualquer forma, eu me aproximei e ela disse.

—-- Eu sabia que isso iria acontecer cedo ou tarde, apenas estava esperando que fosse mais tarde. --- ela diz sem me encarar --- Mas agora vejo que não poderei te segurar, uma hora ou outra você vai querer ver o mundo lá fora... então, minha pequena, eu só gostaria que você não fosse sem mim.

Não tinha certeza do que ela estava querendo dizer, mas se fosse o que eu estava pensando eu não podia acreditar!

—-- Como assim, mãe? --- perguntei somente para tirar minhas dúvidas.

—-- Eu gostaria que você me acompanhasse durante minhas visitas diárias ao buraco na barreira. --- como imaginei.

Ao ouvir isto me enchi de alegria! Não precisaria mais sair escondido à noite, pois já poderia sair sem levar uma bronca e, melhor ainda, na companhia de minha mãe!

—-- Mesmo?!

Ela balançou a cabeça de forma positiva. Não me segurei e a abracei.

Pelo menos agora teremos uma vigia. Então não tem desculpas para fazer aquilo de novo!

Me peguei pensando. Ainda era esquisito pensar como se estivesse conversando com outra pessoa, mas procurei me acostumar.

                              *****

Mais dois anos se passaram. Agora eu estava com seis anos. Em todo esse tempo, eu me acostumei a acordar cedo para acompanhar Toriel, mas era muito tedioso, nunca encontrávamos ninguém lá, e eu mal conseguia enxergar o caminho por poder, no máximo, abrir um espaço mínimo entre minhas pálpebras sem que minha consciência me cobrasse para fechá-las ou me lembrasse do que aconteceu da última vez.

Por falar nela, foi bem legal conhecê-la, ela sempre me fazia companhia quando mamãe estava ocupada, e o estranho fato de que parecia que era outra pessoa a deixava melhor, pois ela nunca dizia o que eu queria ouvir se não fosse verdade. Eu gosto muito disso.

—-- Frisk!! Já está pronta, meu amor? --- Toriel me chamou para mais uma de nossas chatas caminhadas.

—-- JÁ ESTOU INDO!! --- tive que gritar, pois minha voz era muito baixa, mas admito que deixei um pouco do quanto que não queria ir escapar pelo meu tom.

Assim que desci, Toriel me segurou pela minha mão e saímos de casa para fazer aquele mesmo trajeto de novo.

Chegamos ao buraco na barreira, onde embaixo havia uma cama de flores douradas. Aquelas flores me intrigavam e perturbavam meus pensamentos desde que as vi. Quem as plantou? ou Como cresceram sem quaisquer cuidados? eram perguntas frequentes que me vinham.

Elas também me causavam certo temor, como se algo ruim ocorrera ali e eu não queria me lembrar, por isso sempre evitava chegar muito perto delas.

Por manter a distância, não via direito o que estava em cima das flores, mas já soltei o ar frustrada por não ver nada e pensar que não havia nada, de novo.

Mas o que me surpreendeu foi que Toriel saiu correndo em direção aquela caminha natural. Não queria chegar mais perto, parecia até que algo me empurrava para longe dali, mas minha curiosidade sempre foi maior que tudo, então deixei esses sentimentos de lado e me aproximei.

Assim que toquei a primeira das flores com meus pés um pânico se apossou de mim E senti um arrepio que percorreu minha espinha espalhando um frio anormal por todo meu corpo. Mas permaneci ali, pensando que seria passageiro.

Um engano.

Quanto mais tempo eu ficava mais medo sentia, e aquele frio, mesmo eu vestindo um casaco e uma calça por baixo do short curto, não só era mais forte que um simples vento mas também parecia me seguir.

Nem estava ligando para que tipo de criatura estava a minha frente, eu só queria ir embora.

—--M-mãe --- disse batendo os dentes --- , podemos ir para casa?

—--Não, minha criança! --- pude perceber o espanto no tom de sua voz --- Ele está ferido e inconsciente, precisa de cuidados.

—-- Então eu posso voltar para casa? --- disse me afastando na esperança de que isso que sentia passasse.

—-- De maneira alguma! Você pode acabar se machucando ou pior! Não te deixarei sozinha.

—-- E-então carregue-o até em casa, você é forte o suficiente para fazer isso, não é?

—-- Sou sim, mas por que quer tanto voltar?

—-- Este lugar está me assustando! --- disse inventando uma desculpa qualquer.

—-- Mas nunca te assustou, por que Agora? --- ela me olha como semblante preocupado.

—-- EU NÃO SEI! --- disse já perdendo a paciência --- ... Eu só --- abaixei meu tom envergonhada --- , só sinto que algo ruim vai acontecer...

Minha voz já estava chorosa e, vendo isso, Toriel parece achar subitamente que ir para casa era uma ótima ideia.

Ela pega o ser em seu colo e me pede para segui-lá. Assim eu faço.

Chegando em casa eu digo a ela que pode ir  cuidar do nosso hóspede, que eu iria para o meu quarto. Ela parece muito preocupada comigo, mas concorda que o estado dele é muito pior do que o meu.

Então subo as escadas e entro em meu quarto, indo diretamente para a minha cama e puxando as cobertas. Mas mais uma vez o frio não se afastou.


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