Re;Blade escrita por phmmoura


Capítulo 3
Capítulo 2 - A Espada




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Então foi assim que morri, pensou Tetsuko, deixando a realidade afundar-se em sua mente. Estou morta…

Uma sensação de vazio preencheu a alma dela. Fui idiota e descuidada demais… sempre que vejo uma arma, perco a cabeça… Se eu tivesse saído da forja com uma lâmina pronta… Merda… havia tanto que eu queria fazer ainda…

Sempre quis ter a chance de usar aquele metal estrangeiro outra vez… Deixar minhas mãos e mente fazerem o que sempre quiseram com aquilo.

Ainda lembro daquelas estacas de metal que aquela garota trouxe… foi um metal incrível… tão diferente dos que eu tinha… Só de lembrar de fazer aquela espada… Quantas vezes eu sonhei em colocar aquela lâmina contra uma espada bárbara?

Mas, agora, eu nunca irei… Merda… por que eu tinha que morrer tão cedo?

Não importa o quanto se lamentasse, não havia como mudar a realidade.

A ferreira conhecida como Tetsuko morreu.

Então como ainda posso pensar? Onde estou?

Então ela olhou em volta. Logo soube onde estava.

Um campo de batalha… Tetsuko vira muitos para não reconhecer um. Mas, até para ela, era uma cena brutal. Até onde podia ver, fora um massacre.

Parece que cai no mundo dos humanos de novo…

A maioria dos mortos ao seu redor dividia os mesmos atributos, não usavam armaduras, suas armas eram feitas de metal pobre ou até de madeira, e tinham tinta verde sobre o rosto.

Tetsuko tentou pegar a espada mais próxima, mas não conseguia se mover. Não podia sentir seu corpo.

Ela tentou erguer ao menos a mão, mas notou que não tinha braços. Ela olhou para baixo e, em vez do corpo, havia uma espada.

Uma espada de dois gumes longa e fina e de uma mão. Mas o cabo era grande o suficiente para poder ser empunhada com as duas mãos e não havia nada escrito ou quaisquer ornamentos em lugar algum.

Me tornei uma espada… uma espada bárbara…

As palavras ecoaram em sua mente, seguidas pelo silêncio. No momento seguinte, ela gargalhou.

Passei minha vida toda fazendo espadas. Dediquei toda a minha vida às lâminas. Eu até abandonei a felicidade de uma mulher para continuar no caminho de um ferreiro! E agora me tornei uma espada depois de morrer!

Demorou um pouco para ela parar de rir.

Acho que o que o pai dizia era verdade; um ferreiro coloca a alma no trabalho. E alguém colocou a minha nesta lâmina… uma pena que seja uma espada bárbara…

Será que já fiz isso também?

Depois de ponderar por algum tempo, ela desistiu. Não vai me levar a lugar algum, ela pensou, suspirando mentalmente.

A mulher, não, espada não sabia o que sentir. Acho que era meu destino… virar uma lâmina…

Mas é estranho… Mesmo sem olhos, podia ver a morte em torno dela. Mesmo meus ouvidos, podia escutar os corvos no céu. Mesmo sem nariz, podia sentir o fedor do sangue.

Mesmo sem corpo, ainda tinha os sentidos.

Sabendo que não alcançaria uma resposta não importa o quanto tentasse, Tetsuko desistiu. Ela voltou sua atenção para seu novo corpo.

Essa lâmina é bem feita, pensou, embora sua ferreira interna não quisesse admitir.

Apesar de ser uma forjadora de espadas japonesa, ela não conseguia conter sua admiração pelas estrangeiras. Mesmo com a batalha em volta, não há uma única lasca ou arranhões nas pontas. E o metal… é de uma liga estranha…

Mas isso não foi o que chamou sua atenção. Havia algo dentro do metal, dentro dela.

Sinto algo estranho vindo de dentro… do meu corpo novo… como uma correnteza fraca…

Não importa o quanto tentasse, não conseguia descobrir o que era. Mas ela definitivamente sentiu.

Era um pequeno fluxo correndo dentro do metal. É como se tivesse uma energia dentro de mim, tanto quente e gelada…

Tetsuko se concentrou no fluxo de energia, tentando controlá-lo, direcioná-lo…

Mas, não importa o quanto tentasse, nada acontecia.

Desistindo, Tetsuko continuou a examinar seu corpo novo, sua visão correndo pela lâmina, sua ferreira interior analisava cada detalhe da espada.

Só então percebeu que a ponta perfurava alguém.

Quando viu o rosto familiar do cadáver que esfaqueara na barriga, sentiu um vazio dominando-a.

Eu… estou esfaqueando a mim mesma…

Mas não pode ser eu, pensou ela após um tempo.

O cadáver da mulher qual o novo corpo de Tetsuko esfaqueava era mais alto, com uma pele levemente mais escura e um longo e belo cabelo vermelho.

O rosto dela é parecido com o meu… quase idêntico, na verdade… mas não acho que essa mulher também foi ferreira… não tem nenhum sinal. Seja a pele, ou as mãos… Ela foi uma caçadora ou guerreira…

Mas Tetsuko parou no rosto dela.

Por que essa mulher tem o meu rosto?

Um gemido baixo pegou a atenção de Tetsuko.

Algo se moveu debaixo de uma das pilhas de corpos. O cadáver no topo caiu rolando e uma mão apareceu, os dedos sangrentos e sujos.

Com grande esforço, a mão abriu espaço até seu dono estar livre.

O homem baixo usava as mesmas roupas que a maioria dos cadáveres à sua volta. Havia alguns traços de tinta no rosto, mas a maioria sumira por culpa do sangue, sujeira e suor.

O homem arfou. Só o esforço de ficar parado parecia ser demais para ele. Mesmo assim olhou em volta, o rosto cheio de dor no começo. Mas, no instante em que viu seu arredor, tristeza encheu seus olhos.

Ele se arrastou pelo campo de batalha, virando a cabeça em todas as direções, na esperança de encontrar alguém ainda vivo.

Ele falou algo, mas Tetsuko não entendeu.

Em que língua ele está falando? Não é japonês.

Então, seus olhos finalmente encontraram Tetsuko.

Mas, quando viu o cadáver perfurado pela lâmina, a dor desapareceu de seu rosto e foi substituída por desolação.

A ex-ferreira soube na hora. Ele amava essa mulher.

Lágrimas caíram do rosto do homem enquanto ele se arrastava até ela.

Ignorando toda sua dor, ele tentou tirar Tetsuko da mulher, mas não tinha forças. A espada não se moveu.

Desistindo, ele se sentou perto da mulher. Com muito cuidado, ergueu a cabeça dela o máximo que podia.

— Lia… Ei, Lia… fale comigo… por favor… me deixe escutar sua doce voz cantar de novo… como nos velhos tempos… por favor… — falou ele por entre as lágrimas, acariciando o rosto da garota com o dedão.

Mas Tetsuko sabia que, não importa quantas vezes ele chamasse a mulher que amava, ela nunca mais responderia, nunca mais abriria os olhos novamente.

Não consigo sentir aquele fraco fluxo de energia vindo de dentro dela…

Então Tetsuko percebeu algo. Eu entendi ele. Mas por quê? Quando ele falou antes, eu não entendi… Foi porque ele me tocou?

O homem beijou a mulher na testa, suas lágrimas caindo nela.

Ele fechou os olhos e abraçou sua cabeça gentilmente, chorando ainda mais.

Mesmo quando não havia mais voz para chorar, Tetsuko pode sentir sua dor.

Após muito tempo, após ter aceitado a verdade, as lágrimas finalmente pararam.

Ele não podia chorar mais. Era um homem vazio agora.

Só havia pesar naqueles olhos vermelhos e inchados.

O resto do mundo não importava mais. Havia apenas a mulher que ele amava.

O homem colocou a mulher chamada Lia no chão novamente.

Com cuidado para evitar a lâmina, ele a pegou nos braços e os cruzou sobre o peito dela.

Ele ficou parado lá por um bom tempo, observando o rosto da mulher que amava.

Então, quando o único som era dos corvos no céu, uma risada distante atravessou o silêncio.

O homem tirou os olhos da mulher e virou-se na direção do som.

A voz aumentou. Então juntou-se a outra, também cheia de uma alegria que não se encaixava com as mortes no campo de batalha.

O homem olhou para Lia e depois para a espada.

Seu rosto perdeu todos os traços de tristeza. Sua respiração ficou mais forte e profunda enquanto a raiva enchia o homem.

— Durma bem, querida — sussurrou ele, beijando a mulher no chão. — Terminarei o que começamos e então me encontrarei com você.

Ele se forçou a levantar. Quando parou de ofegar, fechou os olhos e pegou a espada.

No instante em que seus dedos se fecharam em torno do cabo, Tetsuko, a alma dentro da lâmina, sentiu um choque.

A energia dentro dela reagiu ao toque do homem. Ficou mais quente, mais rápida.

Posso sentir isso nele também… ele tem uma energia similar dentro de si…

Mas, ao mesmo tempo, ela soube de algo; aquele homem também era importante para a mulher que dividia o mesmo rosto e destino que ela.

Não sei seu nome, jovem, mas essa mulher, Lia, queria que você vivesse. Ela nunca desejaria que se juntasse a ela depois. Não faça isso, ela tentou dizer para ele, mas sua voz era escutada somente por ela.

Droga… Mantive meus sentidos, mas não posso falar com ele.

Ela tentou se concentrar na energia dentro de si, controlá-la e colocar um pouco na mão dele.

Não fez diferença; mesmo que sua energia reagisse ao toque dele, ela ainda não conseguia controlá-la.

Embora não soubesse seu nome, Tetsuko sentiu pena dele.

Por causa disso, ela quis pará-lo, contrariá-lo enquanto tentava tirá-la do corpo de Lia.

Mas não havia nada que pudesse fazer além de assistir.

O jovem estava exausto e sentia dor.

Estava claro em seu rosto.

Ainda assim, ele arranjou força com cada passo que dava em direção às vozes.

Na pequena formação rochosa, havia quatro homens que conseguiam rir no campo de batalha.

Seus passos ficaram mais rápidos até que ele corria até eles.

— Vou matar todos vocês! — gritou para eles, colocando Tetsuko perante si.

Tolo, pensou Tetsuko, fechando os olhos que não tinha mais. Deveria ter tirado vantagem e atacado por trás.

Mas ela sabia que ele nunca faria isso. Ainda que nunca tivesse visto o jovem, algo dentro dela sabia que ele jamais faria uso de algo tão baixo quanto um ataque por trás.

Ele é um tolo. Um tolo honesto que nunca usaria truques sujos…

Enquanto os homens se viravam para ele, Tetsuko compreendeu.

Esse garoto vai morrer. Para a surpresa dela, a ideia a entristeceu um pouco.

— Ei, olha só. Alguém ainda está vivo — disse o homem que ainda ria, passando a mão pelo cabelo curto.

— Não só vivo, como se movendo — respondeu outro, balançando a cabeça. — E logo o traidor.

— Deveria ter se fingido de morto e aproveitando a chance pra fugir — disse o careca.

— É. Jogou fora sua chance de viver, traidor

Enquanto as risadas ecoavam, Tetsuko sentiu o garoto apertando seu cabo. Ele mordeu seus lábios e inspirou ar pelo nariz.

— Um membro… da Tribo da Floresta… nunca fugiria… — Conseguiu gritar o jovem, posicionando a espada perante si.

Os três riram, mas o quarto apenas fechou os olhos e balançou a cabeça.

— Então você escolhe a morte ao futuro, Fael — disse ele com a voz grave. — Ainda que seja um traidor, é triste termos que tirar a vida de outro compatriota.

— Outro compatriota? — Apesar da expressão rígida, a raiva borbulhava dentro dele.

Tetsuko podia sentir. A energia dentro ele fluía descontroladamente. Se ele usasse isso, ficaria mais forte? Poderia vencer?

— Não somos compatriotas! Vocês… o reino nunca nos ajudou. Nem quando estávamos morrendo!

— Uma pena que pense assim… — O homem mostrou uma expressão triste.

— Chefe, deixe que cuidamos dele — disse o careca.

— Não precisa sujar sua lâmina mais.

No momento em que terminou de falar, ele desembainhou sua arma, seguido dos outros dois. O metal de suas armaduras tilintou quando se levantaram para encarar o jovem.

Só o capitão continuou onde estava.

Fael abaixou a espada e correu até eles.

Garoto tolo, pensou Tetsuko. Ela era uma ferreira, não uma espadachim, mas também sabia como lutar.

Um ferreiro que não pode usar seu próprio trabalho não é um ferreiro, dizia o pai quando estava vivo. Só sabendo como usar uma espada é que você pode criar uma.

Por isso, Tetsuko sabia como julgar a força de alguém até certo grau.

Fael, escute a minha voz, escute a sua espada. Ainda que seja do mesmo nível que eles, correr na direção de múltiplos inimigos de frente sem plano algum só vai levá-lo a sua morte, pensou Tetsuko, tentando passar seus sentimentos por meio da energia.

Mas, novamente, nada aconteceu. Sua voz nunca o alcançou.

Tetsuko só podia observar enquanto o garoto a balançou com toda a força que tinha.

O homem com cabelo curto ergueu seu machado para bloquear.

A ex-humana se preparou para a dor.

Mas, quando metal colidiu contra metal, ela não sentiu nada.

Não me feriu, percebeu Tetsuko com certa surpresa. Acho que, por ser uma arma, fui feita para cortar, atacar e matar… esse tipo de coisa não deveria doer… até certa certo ponto…

O homem de cabelo curto ergueu sua arma na direção de Fael.

O garoto evitou dando um passo para frente.

Ele bateu com o ombro no inimigo com toda a sua força.

Ele está mais acostumado a lutar do que parece… Sem recuar perante um inimigo desses, pensou Tetsuko enquanto observava ambos homens caírem no chão.

Antes que o homem cabelo curto pudesse fazer qualquer coisa. Fael usou ambas as mãos para enfiar Tetsuko em seu estômago.

Os gritos encheram o campo de batalha. A terra bebeu sangue mais uma vez, sua sede ainda insaciável.

E não seria a última vez.

— Como ousa! — gritou um dos camaradas, abaixando o martelo por sobre o garoto.

Fael rolou para o lado, para fugir da morte, e levantou-se com a espada em mãos.

Idiota! Atrás de você, gritou Tetsuko mentalmente quando o terceiro homem atacou-o por trás com um grito.

Ela não soube se ele escutou ou não, mas Fael agachou, sua cabeça escapando da lâmina por milímetros.

Ele saltou para trás, batendo a cabeça no queixo do homem.

Careca caiu com a dor, sangue espalhando-se de sua boca enquanto um pedaço de língua voava no ar.

Fael não perdeu tempo e bradou Tetsuko no homem, mirando em seu pescoço.

Ele não poderia evitar a tempo e a lâmina cortou sua garganta.

Arfando e ensopado de sangue que não era seu, Fael virou-se para o inimigo com o martelo.

O homem ergueu sua arma contra o garoto.

É uma finta! Não bloqueie! Ataque, novamente, Tetsuko gritou quando notou o que o inimigo planejava.

Em vez de bloquear ou desviar, Fael deu um passo adiante. Ele mirou Tetsuko no pescoço do homem.

Martelo saiu do caminho, mas a espada o perfurou no ombro. Ainda que usasse uma armadura, não poderia fazer nada contra o fio de Tetsuko.

Ele gritou e caiu, soltando a arma para tentar parar o sangramento com as mãos.

Incrível… Esse garoto é mais forte do que imaginei, pensou Tetsuko, virando a visão para olhar no rosto daquele que lhe empunhava.

Não… não é que ele seja forte… ele apenas desistiu de sobreviver… Está focando tudo que tem em seus ataques e abandonou a defesa.

Arfando ainda mais, Fael virou-se para o capitão, que apenas assistia.

O homem alto fechou os olhos, o rosto demonstrando uma expressão sombria.

Mas, quando os abriu novamente, não havia tristeza nele mais.

Ele parou de ver outro compatriota.

Só pôde ver um inimigo que precisava matar. Pelo bem de seu reino.

Mas, mesmo recebendo aquele olhar cheio de intenção assassina, Fael não hesitou.

Tudo que o garoto fez foi erguer sua espada para o último inimigo.

Ainda que ela não tivesse mais uma boca, Tetsuko sentiu-se sorrir.

Ele é uma fera encurralada que lutará até o último fôlego…

Alguém digno de usar uma espada como eu.


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