Quando finalmente acordei, estava deitada em uma cama macia, cheia de travesseiros e mimos. Olhei para os lados, confusa, tentando me levantar, mas Mercedes foi mais rápida e me empurrou de volta para a cama.

- Calma querida... você tem que descansar...

- O que aconteceu? E porque eu estou deitada na cama do Henry?

- Você está deitada na cama dele porque não tinha outro lugar confortável para deitar você... Mary, você foi ferida quando vocês estavam sendo perseguidos por Black Bart, mas graças a deus conseguimos cuidar desse machucado – Mercedes parou por um momento colocando as mãos no rosto quase chorando - ...pensei que fosse te perder Mary...todos pensamos...você estava ai deitada sem acordar a mais de duas semanas...não sabe o quanto estou feliz em te ver acordada...

Mercedes começou a chorar e a segurar o próprio rosto, já que não podia me abraçar. Eu não sabia que eles se preocupavam tanto comigo. Tudo bem que estou aqui há algum tempo, mas é pouco e ainda me sinto uma desconhecida. Levantei a mão e puxei uma das mãos de Mercedes, eu não quero que ela chore, não quero que ninguém chore.

- Bom, estou um pouco assustada por descobrir que dormi por duas semanas...ou mais... só que você não precisa chorar, eu estou aqui e viva não é mesmo? Por favor Mercedes, se não eu vou me sentir mal quando nos despedirmos...

- O que?

Uma terceira voz infantil veio da porta. Era Carly trazendo uma toalhinha molhada nas mãos. Ela se aproximou e tirou a que estava na minha testa e colocou a nova.

- Achei que fizesse parte da tripulação Senhorita Mary, você vai embora?

Ela parecia desapontada e Mercedes meio chocada, mas elas já deveriam saber disso, Henry tinha que ter contado, era o nosso trato.

- Não Carly... eu apenas... é...

Eu quero contar o que aconteceu, mas como posso dizer a historia sem ofender o precioso Henry que ela Katherine tanto amam?

- ... uma longa historia...

Terminei a frase e olhei para o outro lado. Vazio.

- Onde está Katherine? – Perguntei curiosa olhando para Carly

- A Madame está lá fora conversando com Henry... sabe, eles tem se divertido muito!

- Carly...

Mercedes cutucou Carly com olhar de reprovação.

- Mas não era pra dizer isso pra ela não se preocupar com o Henry?

A pequena tentou se defender e acabou entregando o assunto, alias, metade dele. Mercedes continuou com o mesmo olhar e pediu para que Carly saísse do quarto, ela se despediu de mim, dizendo que tínhamos coisas para conversar (não sei o que) e saiu do quarto fazendo cara feia para Mercedes.

- Essa menina...

- O que tem o Henry?

- Ele está se sentindo culpado...

Mercedes estava seria e tinha começado a falar, quando a porta se abriu rapidamente e Katherine, não espera...os peitos primeiro, depois ela, entrou triunfante no quarto se aproximando de mim.

- A bebe acordou! Graças aos mares! Como está se sentindo? Está com muita dor? Quer uma massagem?

Ela parecia mesmo muito feliz em me ver acordada, mas a única coisa que consigo pensar agora é: Porque ela está me chamando de bebe?

- Estou bem Katherine, não precisa ser tão dramática... eu não morri... – sorri de forma amigável.

- Mas quase morreu! Foi terrível! Você quase não se mexia, parecia que as vezes parava de respirar, sentia tanta dor quando trocávamos seus curativos...

Eu não preciso de tanta atenção assim. Muito menos de pessoas que eu salvei e tecnicamente vi só uma vez na vida.

- Sim! Todas vocês quase morreram e se não fosse pelo meu ato heróico, talvez não estivessem vivas para contar a historia...

Henry entrou no quarto, todo arrogante. Ele parecia um pouco diferente, apesar de estar agindo da mesma forma, parecia que ele estava tentando esconder alguma coisa. Katherine foi correndo para os braços dele e começou a falar varias coisas e possíveis qualidades dele, que eu sinceramente não conheço. Os dois ficaram ali falando besteiras e se agarrando.

- Mercedes.. – falei confusa - ...Henry não parece nenhum pouco preocupado, na verdade ele está agindo tão normal que até assusta...

- Isso... – ela começou a rir - ...é típico dele Mary...

- Tem certeza?

Mercedes apenas balançou a cabeça e saiu do quarto falando que precisava cuidar da vida dos outros tripulantes e levou Carly com ela.

- éé...Henry, preciso falar com você sobre aquele assunto sabe...

Já que Mercedes não está aqui tentei me levantar, mas Katherine foi mais rápida e soltou Henry correndo até mim e me empurrando para baixo.

- não não, fique ai...

Katherine parecia tão amorosa, a expressão de seu rosto era calma e ela sorria de forma doce passando a mão no meu rosto. Me senti bem apesar da situação em que eu me encontro. Parando para pensar, o que na minha vida foi normal depois que eu conheci o Henry? Depois daquele dia tudo mudou, até o meu jeito de ver a vida parece diferente. Eu era uma camponesa calma e normal que vivia para ajudar o velho pai... meu pai... ele sabia desde o inicio o que ia acontecer, se não jamais teria me feito ficar na loja. E sabe o que é mais contraditório? Eu estou na tripulação do cara que matou a minha família, ele está cuidando de mim e eu quase perdi a vida pelo medo idiota dele. Eu não tinha pensado nisso antes... mas o outro lado é, por mais que eu odeie esse jeito imbecil de Henry eu não consigo ter raiva dele quando penso nisso, afinal, querendo ou não, ele salvou minha vida. E agora deitada nessa cama olhando para aqueles olhos ternos de Katherine me fez sentir como se eu nunca tivesse tido outra vida, como se eu vivesse ali naquele barco a minha vida toda, sem a parte da minha família.

- O que foi? Porque está me olhando assim?

Os olhos dela começaram a lacrimejar e vi uma lagrima sair de seus olhos e percorrerem seu rosto até chegar no queixo. Katherine limpou rapidamente, mas era tarde para esconder, ela tinha sentindo a lagrima tarde demais.

- Porque está chorando? O que aconteceu aqui que vocês não me contaram...

Ela olhou para Henry e automaticamente virei o meu rosto também, ele esta muito quieto para o meu gosto e foi então que eu vi a coisa mais inédita do mundo. Ele estava parando olhando o horizonte pela pequena janela do quarto, com seus olhos perdidos e brilhantes, como se tivesse esperança de algo acontecer, estava serio e o vento que batia fazia algumas mexas loiras do cabelo se mexer levemente. Henry esta tão... bonito assim.

O silencio durou pouco da parte de Katherine que voltou a olhar para mim, mas calma dessa vez.

- Vou ser sincera com você... quando Henry te colocou na cama, depois de você ter desmaiado você não estava respirando Mary... não sei o que aconteceu, mesmo! Mas você voltou só depois de algumas horas... a questão é... quando não vimos você respirando pensamos no pior, que você tinha...

- morrido... – terminei a frase.

- Exatamente...e foi então que comecei a pensar seriamente em tudo o que tinha acontecido até eu chegar aqui e finalmente estar salva... você me salvou Mary... não só a mim mais também Carly que teve o mesmo pensamento que eu. Você se importou com a gente, quis nos ajudar mesmo não conhecendo a gente, pensou que nossa vida, nossa existência era tão significante que estava disposta a dar a vida por nós...sabe quantas pessoas fariam isso, ou pensam a mesma coisa de nós?

Eu não tinha pensando até agora por esse lado, mas mesmo elas sendo duas cortesãs malucas... elas tem uma historia por trás desses sorrisos alegres, bobos e jeito brincalhão.

- Nós nunca fomos valorizadas na vida... porque se acontece alguma coisa com a gente tem outra para repor...estou tão acostumada com isso que até cheguei a pensar que minha vida não tinha importância...

- Não... eu não penso assim Katherine... não existe nenhuma pessoa que possa substituir a outra, somos todos diferentes... 

- Você me fez enxergar isso Mary... obrigada por mostrar que minha vida tem valor e que eu podia encontrar novamente alguém muito importante pra mim...

Katherine já não continha as lagrimas agora e confesso estou morrendo de vontade de chorar também, não consigo acreditar que não tinha pensando no que elas tinham passado até agora, eu estava sendo tão egoísta com elas.

Henry estava ali escutando toda a conversa, então presumi que ele já sabia o quanto Katherine gostava dele. Agora ela estava olhando para ele esperando alguma resposta com aquele sorriso apaixonado, Henry demorou um pouco mais virou o rosto, de inicio serio e depois sorriu amigavelmente para Katherine. É impressão minha ou isso é um amor não correspondido? Katherine está apaixonada por Henry. Porque isso me deixa um tanto quanto arrepiada e irritada?É... talvez seja porque eu não consigo imaginar alguém gostando disso ai.

Depois daquele pequeno encontro de olhares entre os dois, Henry voltou seus olhos para mim, deixando aquele sorriso se desfazer dando lugar a uma expressão de dor e angustia. Odeio isso, odeio ver ele assim, porque? Porque eu me sinto mal! Só consegui encará-lo por pouco tempo, dando um leve sorriso e voltei a olhar para Katherine que estava freneticamente limpando suas lagrimas. Era para mim estar com raiva, irritada, brigando com todo mundo pelo meu estado, mas depois do que ela me disse, sinto que foi a melhor coisa que eu poderia ter feito. Não porque elas seriam eternamente gratas, mas porque meu coração se encheu de alegria ao perceber que eu tinha acabado com o sofrimento delas e que elas estavam seguras agora. Eu sempre odiei drama, mas agora não tinha como evitar.

- Eu me sinto honrada por ter ajudado vocês Katherine... se tiver mais algo que eu possa fazer por vocês, é só me avisar... – Falei alto e bem sorridente para tirar aquele clima dramático quarto.

- Então eu tenho um pedido Mary.. – Katherine se levantou ficando em sua postura impecável - Fique... – Ela falou sorridente se direcionando até a porta - ... não vá embora...

Então ele tinha contado.

- Katherine... qualquer pedido me—

- Ela não vai ficar Katherine... – Henry a interrompeu se aproximando da porta - ... ela não quer e a escolha é dela certo? Agora vamos, ela precisa descansar...

Isso era golpe baixo! Como assim ele fala uma coisa dessas? Aposto que eles pensam que vou mudar de idéia! Estão muito enganados! Só porque estou fraca não significa que vou começar a pensar em ficar aqui. Eles cuidaram de mim, é verdade, mas não justifica eu ficar aqui! Não agora que tem outras mulheres neste barco... Mercedes não precisa mais de mim.

Eles saíram do quarto fechando a porta e pude escutar um pedacinho da conversa.

- Você não deveria ter feito isso... a Mary é cabeça dura... - ele disse preocupado

- Você quer que ela fique não é mesmo?

Pude perceber claramente o tom de dor na voz de Katherine quando pronunciou aquela frase e Henry não respondeu, pelo menos não perto da porta, porque depois disso não escutei nada.

Ninguém veio no decorrer da tarde, fiquei sozinha lá dentro olhando para o teto e pensando seriamente nas besteiras que eu ia dizer para Henry quando ele aparecesse naquele quarto. Junto com a noite veio a escuridão e eu comecei a entrar em pânico. Ficar sozinha em um quarto todo escuro e você mal podendo se mexer é terrível! Então a melhor opção foi... dormir.

Fechei os olhos e... a porta abriu.

- Mary?

A voz de Henry ecoou pelo quarto.

- Está acordada? – Ele arriscou perguntar.

Como não estou com a mínima vontade de discutir, resolvi ficar quieta. Na verdade me deu vontade de saber o que ele vai fazer ou falar enquanto pensa que estou dormindo. Escutei os passos dele se aproximando da cama, a respiração calma enquanto ele tentava pateticamente não fazer muito barulho. Abri meus olhos só um pouquinho para ver onde ele estava, já que esta escuro ele não vai ver mesmo, e lá estava ele ajoelhado no meu lado. Estranho, o que ele vai fazer?

- Odeio esse seu jeito arrogante de querer resolver as coisas sozinha, viu o que aconteceu? Se não fosse pela Mercedes você teria morrido... e me deixado a culpa da sua morte.

Então era isso... ele estava se sentindo culpado pelo meu ferimento. Ótimo.

- Mas eu estou feliz que você esteja aqui... Katherine e Carly também... não tinha percebido até agora o quanto você é importante para a tripulação... eles querem que você fique, será que não pode começar a pensar um pouco neles?

Como se eu não tivesse pensando em ninguém até agora. Idiota!

- Eu sei que somos piratas, chatos, arrogantes, nenhum pouco delicados, beberrões, egoístas e não demonstramos muito bem o que sentimos... mas não somos tão cruéis assim, você já deve ter percebido isso nesse pouco tempo que ficou aqui... somos seres humanos também e erramos... eu me sinto tão culpado pelo que mandei fazerem com a sua família... me sinto mal por ter mandando você sair do barco, eu causei toda essa confusão... nunca me senti tão mal em toda a minha vida...

Henry tinha dito essas palavras tão seriamente que comecei a pensar o quanto eu estava fazendo falta para aquela tripulação, e se ele vê os próprios defeitos porque não os corrige? Senti um leve toque na área machucada e a cabeça dele encostada em minha barriga.

- Eu não sei porque estou falando tudo isso... até agora não consegui entender como consigo ser tão idiota com você... justo com alguém tão corajosa... você deveria merecer meu respeito, minha confiança...

- Você... quer que eu fique mesmo?

Não podia deixar aquela situação progredir, alguma coisa estava me dizendo desde quando ele entrou naquele quarto, que se eu deixasse ele falar mais alguma coisa, a situação ficaria FEIIIA...

Mas como era esperado ele se levantou rapidamente me olhando espantado.

- Você estava acordada?

- Não! Eu sou sonâmbula! O que acha? – Falei irritada me levantando com cuidado e me sentando.

Henry começou a ficar tão vermelho quanto um tomate e se afastar de mim mais e mais até chegar perto da porta e depois saiu correndo.

- Idiota...

Estou inconformada com a atitude infantil dele. Ele poderia ter feito qualquer coisa, menos sair correndo que nem um coelho assustado. Mas para a minha surpresa ele voltou com a foto da mãe dele e colocou na minha cara.

- Tá vendo mãe! É ela! Eu disse que não dava para confiar nessa menina!

- O que você pensa que você tá fazendo seu imbecil?!

- Viu! Ela me trata tão mal! Isso não é justo mãe! Não é justo eles quererem ela na tripulação!

- A sua mãe não tá vendo nada! Isso é só uma FOTO! Agora vai me responder ou não!?

- Ingrata!

- Imbecil!

- Chata!

- Convencido!

- Idiota!

- Grosso!

- Tonta!

- Egocêntrico!

- O que vocês estão fazendo discutindo à uma hora dessas?

Mercedes disse entrando no quarto.

 - Foi ele/ela que começou! – falamos juntos apontando o dedo um para o outro.

É... não dá pra ter todas as respostas que queremos. Mas eu já decidi, vou ficar aqui... tenho outra escolha?

- Mercedeees! – Henry disse chorando, correndo até ela.

Só temo as conseqüências de conviver com alguém tão retardado como ele... mas estou feliz. Bom, pelo menos até agora!