Espion Noir escrita por carlotakuy


Capítulo 7
VII.




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Dieu D’or, organização francesa especializada em serviços confidenciais de cunho investigativo. 

Foi na sede desta que Arabella entrou e em passos calculados pegou o elevador. Os olhos esverdeados correram pelos espelhos espalhados ao seu redor e vendo seu próprio reflexo fez uma careta.

A questão sobre o porquê de estar ali veio a tona e ela encarou o chão do elevador. Sabia que toda a estrutura da organização era baseada em um quadro rígido e hierarquizado quanto as missões. As mais fáceis (ranking B) e sem qualquer grau de perigo eram dadas aos novatos, as medianas (ranking A) com a necessidade de precaução também seguia para os novos empregados.

Mas aquela não. Aquela era meticulosa, de ranking S, e com perigo no pacote. Fazia quanto tempo que Arabella não ia em uma missão dessas? Dois anos?

Ela sorriu lembrando da última missão de ranking S que havia ido. Tivera que invadir um museu na Europa para reaver um item de um contratante e combatera meia dúzia de seguranças.

Aquele período na Europa lhe ensinou muita coisa. Ainda mais a não subestimar homens fardados.

A porta do elevador abriu e ela deu os primeiros passos para o longo e único corredor do local. Seus olhos fixaram-se na porta ao final do prático túnel e ela respirou fundo. Mais um trabalho, de novo.

A porta da sala se abriu e Arabella sorriu de lado ao ver sua mãe sentada à mesa redonda. O lugar era coberto por janelas de vidro, dando uma ar de elegância ao cômodo, e toda a mobília, que era composta por uma grande mesa de reunião e cadeiras suficientes para contorná-la, eram cobertas de um tom cinza escuro.

Dois homens altos, que jaziam de pé próximos a mãe da jovem, numa conversa intensa, voltaram sua atenção a mesma assim que a viram entrar, lhe sorrindo simpáticos.

— Bem vinda querida, como devo chamá-la dessa vez? – pronunciou-se o moreno.

Ele vestia um fino terno de linho que contrastava ao tom soturno da sala, em uma coloração quente. Seus cabelos eram ralos e seu rosto rechonchudo, saltando as sadias bochechas. Os olhos, de um castanho escuro e quase negro, avaliaram a garota de cima a baixo buscando aparentemente reconhecer seu novo personagem.

— Arabella – respondeu sentando ao lado de sua mãe – e você?

— Samuel – piscou com um sorriso de orelha a orelha, sentando-se de frente as duas.

— Já que se apresentaram – interveio o outro homem com ironia – devemos começar a reunião?

O nome dele todos da instalação já conheciam: Steve, diretor geral do setor de missões ranking S. 

O homem era dono de um bronzeado suave e cabelos grisalhos, com uma fina barba de mesma cor. Sua roupa, também um terno, era predominantemente preta, exceto pela parte branca da camisa social que saltava próxima ao pescoço. Seus olhos eram de um cinza rígido, escondidos por um grosso par de óculos.

— Como quiser – a mãe da jovem assentiu e os outros a seguiram.

O grisalho caminhou até a extremidade da mesa e sentou calmamente, apoiando os dois cotovelos sobre ela. Nesse momento Arabella percebeu a pasta escura ao lado do homem que deslizou até as mãos do mesmo.

— Vocês dois vieram aqui para uma missão que chegou a nós essa tarde.

Steve abriu a pasta.

— O contratante de nossos serviços preferiu se manter anônimo – alertou de início – e a tarefa de vocês será se infiltrar em uma comemoração, dada hoje a noite, por uma empresa muito poderosa no mercado.

Steve riu brevemente enquanto lia um dos papéis que tirara da pasta.

— O lugar vai ser a casa do sócio majoritário.

— Quanta audácia – comentou a mãe da jovem.

O grisalho lhe retribuiu com um olhar de concordância.

— O objetivo é conseguir documentos confidenciais que se encontram no cofre da mansão, que segundo nosso contratante, fica escondido no escritório do homem.

Com mãos ágeis Steve lançou para Arabella e Samuel um anexo de papéis presos por um clip. Em seguida, desceu um olhar penetrante sobre a dupla.

— Não iremos admitir erros ou fracassos, estou entendido?

Antes que um dos dois pudesse responder, ele mesmo respondeu.

— Muito bom. Uma missão dessas é para se fazer de olhos fechados. Nesses papéis estão todas as informações necessárias, os equipamentos estão na sala secundária e os trajes também. Alguma pergunta?

— Não, senhor – responderam os dois em uníssono.

Steve sorriu satisfeito e se levantou, recolhendo sua pasta sobre a mesa.

— Leiam o material rápido, preciso que estejam prontos às sete horas. O helicóptero os levará ao local indicado.

Os olhos gelados pousaram sobre o grupo uma última vez antes de sair da sala.

— Estamos contando com vocês.

Assim que a porta fechou, e os passos dele se afastaram o suficiente para não serem mais ouvidos, todos se entreolharam. Arabella e Samuel riram de imediato, enquanto a loira ao lado deles contentou-se com um sorriso.

— Ele nunca muda, não é? – comentou Samuel debruçando-se sobre a mesa.

— Cada dia mais velho e mais chato – completou Arabella folheando os papéis em mãos.

— Vocês que continuam os mesmos – a mulher afastou-se da mesa, encostando todo o corpo na cadeira.

— Por falar nisso – Arabella falou sem tirar os olhos do papel – como devo chamá-la agora, mãe?

— De mãe que não é – retrucou a mesma levantando – por um período indeterminado serei Diana.

— Certo – balbuciou a jovem.

Ela conhecia aquela mulher muito bem. Era sempre assim.

— Vou sair agora, tenho que voltar ao meu posto.

Ela levantou. Quando os olhos esverdeados caíram sobre a loira a garota sentiu que devia falar alguma coisa. Qualquer coisa. Aquela indiferença na relação delas a mata aos poucos. Mas nada nunca mudava.

E parecia que seria assim para sempre.

— Quer alguma coisa? – a sobrancelha loira ergueu-se.

Arabella sorriu superficialmente e negou com a cabeça, voltando de imediato ao papel em suas mãos.

— Um suco, pode ser? – brincou Samuel fazendo Arabella rir e a mulher o fuzilar com os olhos.

— Não sou sua empregada – resmungou seguindo até a porta – agora se me dão licença tenho coisas mais importantes a fazer.

Nos passos agudos de seu salto Diana saiu da sala. Samuel encarou a jovem compenetrada no texto a sua frente e sorriu consigo. Há vários anos viera trabalhando com Arabella e sabia bem de suas qualidades, que eram muitas, e lá estava ela, em mais uma missão consigo, tão profissional quanto conseguia se lembrar.

A jovem, por sua vez, passava rápida pelas linhas concluindo a leitura com um suspiro.

— Então vou ter que subir até o escritório? – soltou a jovem.

Os olhos castanhos piscaram aturdidos e ele assentiu de imediato. Arabella fez uma careta e bateu com as folhas na mesa.

— Ficar com a parte mais difícil é um saco. Não quer trocar de lugar? Eu adoraria ficar conversando com empresários esnobes e ricos.

Samuel sorriu.

— Claro que não! E eu vou perder a parte boa?

A dupla riu brevemente.

— Faz muito tempo, não é? – comentou Arabella observando o homem a sua frente – Que fizemos uma missão juntos.

Samuel sorriu de lado e assentiu, retribuindo o olhar dela.

— Sim. Dubai nunca foi a mesma depois de nós.

Arabella riu seguida do homem.

— Mas e então, saindo desse tema, de qual grande missão tiraram você?

O moreno se apoiou à mesa com imensa curiosidade. Ainda que internamente estivesse só esperando para que pudesse dizer a sua própria missão e se gabar por estar envolvido em um movimento milionário.

Antes de responder Arabella fez uma careta e dedilhou o papel em mãos.

 — Estou vigiando um adolescente.

A primeira tentativa de risada do homem foi impedida por um chiado vindo de sua própria boca, mas a segunda, incontrolável, ecoou por toda a sala enquanto a jovem o fitava com um sorriso de lado.

 — Um adolescente? – repetiu aos berros.

— Sim, um adolescente. Algo errado?

— Tudo errado! – ele riu mais um pouco – Você é uma das melhores profissionais aqui. Como foi parar nessa?

Arabella deu de ombros.

— Você sabe que quem controla minhas missões é minha mãe.

— E por que diabos ela colocaria você nessa missão tão besta? Até um macaco pode fazer!

— Se está achando tão ruim vá perguntar a ela – retrucou voltando a pegar os papéis na mesa.

Samuel se remexeu no assento parando de rir aos poucos.

— Me desculpe, me desculpe, me exaltei.

— Eu percebi.

— Mas é só que...

— Olha, não precisa tentar arranjar argumentos para justificar que eu não deveria estar nessa missão – Arabella se inclinou para ele – mas talvez, será que em vez de não precisar da missão não é a missão que precisa de mim?

Samuel fez sua melhor expressão de confusão e a jovem sorriu. Era óbvio que ele não entenderia. Só ela podia entender. Afinal, nessa frase, Alex era sua missão.

— Certo... – ele a fitou como uma louca – mas quer saber qual foi a minha missão agora?

Arabella sorriu, sabendo da necessidade narcisista do colega de trabalho, e assentiu lhe dando espaço para fala. Samuel lhe contou, com o seu melhor ângulo de nariz empinado, sobre sua grandiosa missão de seduzir uma milionária e interceptar informações entre ela e um negócio de drogas, que andava indo muito bem.

O papo, entretanto, não durou muito. O dever os chamava e a dupla rumou até a sala secundária.

As salas da sede eram reservadas de acordo com as missões, usadas como apoio para os agentes. Lá os funcionários fixos depositavam tudo que fosse necessário ao trabalho, desde roupas à armas em formato de caneta.

Samuel, assim que entrou na sala, rapidamente iniciou uma vistoria nos seus equipamentos e trajes e Arabella, ao vê-lo, fez o mesmo. Com o conhecimento do ranking e mantendo sempre a precaução, Arabella depositou debaixo de seu longo vestido, de um vermelho chamativo e brilhoso, um canivete e sua inseparável arma de bolso.

O objeto era tão antigo quanto ela poderia se lembrar. Ganhara do avô, também espião, e sempre a levava consigo pelas missões devido ao fácil manuseio e a praticidade de sua utilização. Ainda mais quando precisava pensar rápido numa situação de vida ou morte.

Infelizmente toda a utilidade dele havia decaído com sua missão primária de monitorar Alex. Para quê usaria uma arma num garoto de dezessete anos, que mal saberia usar ele mesmo uma?

Arabella suspirou ao terminar de pôr a roupa. E novamente o fez ao final de sua maquiagem. Por que pensava nele em plena missão? Por que lembrava tão nitidamente de suas bochechas coradas e das​ risadas que ele dava de suas palavras? Por que o movimento de seus poucos músculos pareciam dançar entre todos os seus pensamentos?

— Pronta?

Arabella virou-se para a voz finalizando uma trança caprichada. Samuel lhe sorriu, fazendo pose com seu traje de gala, e a jovem sorriu de lado ao lembrar que estavam indo, antes de tudo, para uma festa.

Ela girou trezentos e sessenta graus, parando de frente para o moreno, e com um só movimento piscou mostrando com gestos a longa saia do seu vestido cintilante.

— Com certeza.

Rindo a dupla saiu do local com todos os equipamentos necessários distribuídos em compartimentos adjacentes em seus trajes. De braços dados Samuel guiou a jovem escada a cima, parando com graça no telhado e principal heliporto da instalação.

Rapidamente ambos subiram no helicóptero que os esperava e de cintos bem apertados sentiram-se sair do chão. Os olhos de Arabella caíram sobre o edifício que aos poucos se distanciava enquanto ao seu lado Samuel tagarelava indiscriminadamente sobre trajes e festas.

Por um momento, quando seus olhos enxergaram as pequenas pessoas que andavam pelas ruas de baixo do grande prédio, Arabella pensou qual seria a diferença entre estar indo roubar informações para um contratante e impedir que outro estivesse roubando.

Qual era a grande diferença entre a acusação que caia sobre Alex e a que ela mesma estava indo fazer? Qual dos dois lados estaria certo?

Ela simplesmente não conseguia responder essa pergunta.


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Notas finais do capítulo

Um pouco da vida profissional de nossa queridinha pra vocês, hehe ♥

[Dieu D'or — Deus de ouro, em francês]



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