Espion Noir escrita por carlotakuy


Capítulo 6
VI.




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Na aula seguinte Alex não chegou a resistir a Arabella. Não quando ela, sorridente, lhe chegou com uma caixa de chocolates para incentivar nos estudos.

Mas nenhum dos dois seguiu a regra de usar o doce como reforço positivo e a caixa do mesmo jazia aberta e pela metade na pequena mesa dobrável.

Arabella estava sentada na cadeira giratória do computador, com as pernas encolhidas e apoiadas na mesma. A garota possuía os cabelos presos em um coque desajeitado e ria de uma das experiências de Alex na escola.

— Não acredito nisso. Vocês são péssimos!

Alex riu das palavras da garota. Havia contado a jovem duas histórias sua com seus amigos e estava inclinado a contar mais quando a mesma apontou para o seu caderno acusadora.

— É por isso que não presta atenção às aulas, não é? – insinuou com um sorriso.

O garoto sorriu de lado e se inclinou sobre a mesinha. Arabella acompanhou o movimento com os olhos silenciosa e pôde perceber os músculos do mesmo se sobressaírem na camisa. Ela respirou fundo com a percepção.

— Não tenho culpa se as aulas de que se refere são tão desinteressantes – fez uma expressão esnobe.

A garota riu baixo e deslizou da cadeira para a almofada no chão. Ao ficarem frente a frente ela imitou a posição do mesmo, pegando um dos chocolates da caixa.

— Então trazer esses chocolates aumentaram os pontos de interesse na aula?

Arabella balançou o doce na frente do garoto que sorriu. Ele levou a mão para o chocolate que ela segurava e nos breves segundos em que se tocaram ambos os olhos chocaram-se.

Algo dentro de Alex agitou-se e lentamente ele puxou o chocolate para si. Arabella sorriu ao perceber o rosado que tomava o rosto do garoto e ergueu a sobrancelha reforçando a pergunta.

O gesto foi suficiente para o garoto sorrir e morder o doce.

— Seus pontos aumentaram muito.

Arabella alargou ainda mais o sorriso e em seguida mudou a página do livro que se encontrava sobre a mesa.

— Seus amigos parecem ser pessoas muito legais, mas não vão ser eles que o ajudarão a passar de ano – examinou a folha com os olhos – então vamos voltar aos estudos – completou sua fala voltando-se ao garoto com um sorriso fechado e um caderno virado para ele.

Por breves segundos Alex a observou. Quem era ela? Como podia uma estranha surgir simplesmente do nada e ocupar tanto espaço ali, em seu quarto, e ele não a ver como algo fora do lugar, mas pertencente ali? Quanto tempo fazia que havia estado com ela? Horas?

— Alô, terra para Alex.

A voz dela o acordou e o mesmo rapidamente aceitou o caderno. Ela riu de sua falta de jeito e o mesmo sorriu de lado, envergonhado. Fazendo as expressões que ela adorava.

Minutos depois de iniciarem mais uma sequência de revisão no assunto o garoto concluiu, acabado, de ler um texto de treze páginas.

— Já está assim? E nós mal começamos! – brincou Arabella.

Ela se encontrava rabiscando numa folha de papel um quadro com os principais conceitos estudados até o momento.

— Você, realmente, veio pronta para acabar comigo.

A risada da mesma o fez sorrir e todo seu cansaço pareceu não incomodar tanto.

— Só um pouquinho – ela piscou – mas veja pelo lado bom, só falta você fazer um resumo do que o texto fala sobre biologia.

— Só isso – frizou Alex suspirando.

Sem pensar duas vezes Arabella tomou a mão dele para si. O ato o surpreendeu, porém não mais do que o olhar determinado e terno que ela lhe lançou.

— Por favor, faça um esforço. Se tem algo que você pode fazer agora pelo seu futuro é isso. Não desista tão fácil.

Era o dever de Arabella espioná-lo. Ela possuía uma história para manter, uma história inventada para aquela personagem que ela vivia. Mas a garota não conseguiu se conter e as palavras que saíram de sua boca eram sua parte mais verdadeira e intima.

Ela não teve poder de escolha em seu destino e não queria que isso se repetisse com o garoto, que tinha tantas oportunidades em sua frente. Vê-lo refletia uma parte sua que permanecia latente. Nenhum personagem havia saído tão rápido quanto aquele.

Alex não se afastou do aperto, mas em contra partida segurou as mãos dela na sua.

— Por que você se tornou professora? - ele fez uma breve pausa – de reforço?

Arabella sorriu de lado.

— Minha família era de interior – murmurou sabendo que era mentira – e nós éramos pobres. Todo meu ensino foi precário naquela época.

— Por isso...

— Pra falar a verdade, eu nunca desejei me tornar uma professora de reforço.

O coração de Arabella comprimiu-se ao desviar-se da história posta para ela, mas apertando ainda mais a mão do garoto ela continuou.

— Mas quando cheguei aqui e você me desafiou me senti muito inclinada a continuar – piscou soltando lentamente a mão dele – estou aqui por você e para você, e não quero vê-lo reprovar por algo tão banal quanto biologia.

A expressão que tomou o rosto do rapaz foi serena. As palavras que Arabella lhe dizia lhe acertavam em cheio, inclusive no coração.

— Você não sabe nada sobre mim – sussurrou.

— Claro que sei!

Com um sorriso de lado a garota comentou sobre toda a estrutura celular presente dentro de Alex, roubando um riso do mesmo.

— Mas se não se importar – ela aprumou-se na almofada levando toda a atenção do garoto para si – gostaria de saber mais do que isso.

Alex sentiu todo o quarto parar momentaneamente. Eram palavras de incentivo, ele sabia. Mas o tom de voz dela, tão casual, o fazia sentir-se frente a uma declaração.

Quando as orelhas do garoto começaram a tornar-se vermelhas Arabella sorriu consigo. Era verdade o que dizia. Diferente de todos os outros Alex a trazia para seu lado mais verdadeiro.

— Mas claro – ela falou e o garoto pareceu acordar – agora você tem que terminar o resumo ou sairemos daqui só amanhã.

Alex assentiu e rapidamente tomou o caderno em mãos. Longos minutos se passaram. Arabella já organizava o material para partir quando o garoto terminou o texto, caindo teatralmente no chão.

— Finalmente acabei!

Arabella riu puxando um sorriso de Alex.

— Muito bem! – parabenizou a garota pegando o último chocolate da caixa.

Atravessando o pequeno espaço do quarto ela parou ao lado do rapaz. Com delicadeza depositou o doce na boca de Alex que o mastigou em seguida.

— Bom garoto – afagou o cabelo do mesmo.

— Não sou uma criança – resmungou sentando-se – tenho dezessete anos.

Arabella sorriu.

— Você só tem dezessete anos.

— E você tem quanto?

A garota remexeu-se e virou para ele.

— Quanto você me dá?

Alex pôs a mão no queixo e a avaliou. Arabella esperou decidida a resposta, o encarando com um sorriso divertido no rosto.

— Trinta e um.

— Não acredito! Você acha que sou tão velha?

Alex riu com a reação da garota e a mesma balançou negativamente a cabeça diversas vezes, não acreditando no que ouvia.

— Não pode ser. Tenho tantas rugas assim?

O garoto riu novamente fazendo a mesma inchar levemente as bochechas.

— Não é engraçado. É um ultraje dizer isso a uma mulher!

— Quantos você tem de verdade?

Arabella cruzou os braços com uma suave expressão de ofensa.

— Tenho vinte e dois.

Alex piscou diversas vezes.

— Vinte e dois?

— Sim, vinte e dois.

A repetição a fez recordar-se de que estava atuando em mais um personagem e ela desejou internamente que a idade desse fosse igual a sua.

Os pensamentos da garota esvaíram-se quando Alex se inclinou para ela com um sorriso no rosto.

— Então não somos tão diferentes assim.

Arabella sorriu de volta e com delicadeza tocou no nariz do rapaz com o dedo.

— Para mim, você continua sendo como uma criança.

Alex corou. A expressão que corria pelo rosto da garota era indecifrável, mas o encheu de uma estranha agitação. Ela, por sua vez, ao notar a vermelhidão abriu ainda mais o sorriso. 

Num movimento rápido a jovem pegou o resumo e o livro que haviam utilizado e os juntou aos materiais já prontos para voltar consigo.

— Então pelo que vejo já terminamos por hoje.

Alex assentiu apressado e afastou-se da pequena mesa entre eles.

— Certo – Arabella levantou – nos encontraremos aqui no mesmo horário, tudo bem?

— Com você aqui dentro antes de eu chegar? Tudo bem – o garoto a imitou.

— Se incomodar posso esperar na sala.

— Não incomoda – Alex deu de ombros – só estava implicando um pouco.

Arabella lançou sobre ele uma das bolinhas de papel que jazia sobre a mesa pronta para ir pro lixo. O garoto riu com o ataque.

— Então vou indo – ela direcionou-se a porta.

— Eu levo você até a entrada.

Arabella virou-se para ele com um sorriso divertido.

— Que cavalheiro.

Ele adiantou-se e abriu a porta do quarto, dando espaço para a garota passar.

— Ainda não viu nada senhorita – curvou-se levemente.

Arabella riu e aceitou a gentileza, dobrando suavemente o joelho, como se estivesse usando uma longa saia. Rindo a dupla saiu do quarto.

Os corredores se encontravam escuros e a cada interruptor Alex acendia a luz.

— Me desculpe por ontem te deixar descer sozinha, sabia que minha mãe não estava em casa e ainda assim...

— Ela não está?

— Não, normalmente a essa hora ela leva minha irmã menor ao balé.

A garota fez um barulho de concordância com a garganta.

— Ela fica fora muito tempo?

— Normalmente até as cinco, cinco e meia mais ou menos. Por quê?

— Por nada – Arabella engatou uma descida nas escadas – Sofia me falou sobre sua irmã. Quantos anos ela tem?

— Fez três esse ano. Olha ela aqui – apontou para um porta retrato na parede.

A garota, que seguia atrás do rapaz, parou junto ao mesmo para admirar a fotografia.

— Ela é muito linda.

— Mas é tão agitada que você nem imagina. Às vezes acho que ela sobrevive a base de baterias.

Arabella riu.

— Parece com você – deixou escapar.

Alex terminou de descer as escadas e sorriu.

— Também acho. Algum dia você vai conhecê-la.

— Estou ansiosa por isso.

Arabella pegou de volta seu sobretudo e o vestiu. Alex abriu a porta para a mesma.

— Até amanhã, Alex.

— Até amanhã, professora.

Arabella sorriu e seguiu para fora da casa. Lá, na parte exterior, o frio parecia ter aumentado e o sol se escondia entre as grossas nuvens. Em passos rápidos ela atravessou o quintal e antes de tomar seu rumo voltou-se ao garoto prostrado na porta. E acenou.

Pela primeira vez ela foi retribuída e sorrindo ainda mais foi embora. Alex a observou sumir pela rua e voltou para dentro de casa. Após subir as escadas e voltar ao quarto sorriu automaticamente ao notar um novo memorando sobre a mesa.

Desta vez não haviam desenhos, mas numa bela caligrafia se lia: "Hoje demos um passo, amanhã serão dois". E anexado a ele se encontrava todo o esquema de conceitos que ela havia rabiscado durante a tarde.

Após segundos encarando os papéis em mãos ele os depositou na gaveta da mesinha ao lado da cama e pôs-se a organizar a bagunça que haviam deixado no quarto.

 

•••

 

Arabella chegou ao apartamento morrendo de frio. Sua última missão havia sido feita em um lugar tropical e a troca repentina de clima estava acabando com ela. A garota depositou o sobretudo ao lado da porta e os livros sobre o centro da sala, correndo para o banheiro.

Após um banho quente ela vestiu a primeira roupa que encontrou e seguiu de volta a sala. Pegou o controle remoto e rapidamente apertou o botão desejado. A grande televisão que permanecia suspensa na parede flutuou entre canais por breves segundos.

A garota jogou-se no sofá enquanto penteava o cabelo. A tela piscou e lá se encontrava: todos os ângulos das câmeras que Arabella havia instalado no quarto de Alex.

Ela o viu arrumar o quarto, pondo a mesa em seu lugar e juntar todos os livros que sobraram em pilhas ao lado da mesa do computador.

Seus olhos caíram sobre os livros de biologia que havia comprado no dia anterior e sobre os que trouxera da casa dele, todos sobre a sua mesa de centro. Com um suspiro ela levantou e caminhou até a pequena cozinha pegando um suco em caixa qualquer.

— O que você está fazendo? – pensou alto.

Era apenas para ela o observar. Descobrir seus segredos e não contar a ele os seus. Agora Alex sabia que ela não queria se tornar professora, mesmo que toda a ficha de Arabella dissesse que sim.

Desistindo dos pensamentos ela voltou ao sofá e ficou dedilhando o controle entre as câmeras. Minutos depois, quando o sol caía frio sobre a janela, perdendo seu pouco brilho com o final da tarde, o celular de Arabella tocou.

Ela encarou o dispositivo vibrando sobre a mesa de canto da sala, próxima a janela, e num salto percorreu o caminho atendendo o mesmo.

A voz do outro lado era bastante conhecida e a jovem reconheceu de imediato. Era sua mãe.

Não diga nada— foram suas primeiras palavras – venha imediatamente para o edifício da organização, surgiu uma missão secundária para você.

Os olhos agitados da garota pousaram na televisão. Alex continuava no seu quarto, mexendo no computador enquanto cantava desafinado uma canção desconhecida por Arabella. 

Piscando aturdida ela voltou seu olhar as flores a sua frente e tudo que conseguiu dizer foi:

Entendido.


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Notas finais do capítulo

Heheheh, câmbio desligo.



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