Espion Noir escrita por carlotakuy


Capítulo 39
XXXIX.


Notas iniciais do capítulo

Dois capítulos de novo?, vocês me perguntam. Dois capítulos de novo!, eu respondo.

[não fiquem mal acostumados, hein?]



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Quando a dupla apareceu na sala, já banhados e com a melhor aparência que conseguiram compor, encontraram Bill bem acomodado de frente a lareira acesa. Eles trocaram um olhar rápido e a confirmação se deu automaticamente: era hora da verdade.

O homem olhou de soslaio e abriu um sorriso de lado, vendo-os surgir de mãos dadas. O casal logo se adiantou sentando no sofá próximo a poltrona do velho, que os fitou de imediato.

A sala parecia mais escura do que antes, com a lareira já acesa e iluminando com dificuldade o local, que após uma breve inspeção dos olhos astutos do garoto constataram a falta de lâmpadas, auxiliando ainda mais a escuridão predominante. Ele se encolheu.

O homem tragou o charuto tranquilamente enquanto a dupla se acomodava.

— Pelo que percebo muita coisa mudou, sim?

Arabella assentiu séria.

— Sim, conversamos bastante e ele já está a par de tudo.

O olhar que Bill desceu sobre Arabella fez Alex sentir uma aparente tensão se instalar no local, mas acostumada com o homem, tudo que a jovem fez foi confortavelmente cruzar as pernas.

— Você o contou tudo?

— Sim, ele tinha o direito de saber.

A troca de olhares entre os familiares durou longos segundos até Bill desistir do embate, derrubando as cinzas de seu charuto num cinzeiro próximo. Se sua neta havia decidido daquela forma ele nada poderia fazer. Fora contatado para auxilia-la contra a organização, não para lhe dar conselhos.

Bill tinha a certeza interna de que a mesma saberia lidar com aquilo, e ainda que não soubesse, ele a ajudaria, de uma forma ou de outra. Arabella o havia conquistado afinal.

Ele sorriu com o pensamento.

— Então meu garoto – Bill inclinou-se para o sofá.

Alex sentiu o coração pular dentro do peito, mas lhe dirigiu a melhor atuação que conseguia de um garoto bem resolvido e firme, ainda que estivesse querendo fugir daquele homem amedrontador a sua frente.

— O que acha de tudo isso?

A pergunta foi acompanhada de um sorriso do velho, que fez toda a agitação dentro do mesmo se aquietar. Ele não parecia tão terrível quanto Alex criou em sua cabeça.

O garoto fixou seu olhar sobre ele e sem saber como responder tal pergunta, disse a primeira coisa que lhe veio a mente:

— Uma loucura.

Bill riu abertamente, balançando a cabeça em confirmação, fazendo Alex sorrir em resposta.

— Sim, sim, realmente é uma loucura – o homem apoiou o cotovelo no braço da poltrona – mas o que fará agora que sabe sobre toda essa loucura?

Alex permaneceu observando o velho em silêncio, enquanto este também o fazia. Arabella, por sua vez, reveza o olhar de um para o outro lentamente, sabendo exatamente a resposta de Alex e também as intenções de Bill.

O velho estava dando um ultimato ao garoto. Para saber se ele se comprometeria, saber se entraria em seu jogo.

— Eu não sei o que vou fazer – respondeu Alex após segundos de silêncio, fazendo as sobrancelhas do homem erguerem-se interrogativas – mas com certeza farei algo. Farei qualquer coisa, eu quero estar nisso com vocês.

Quando Bill abriu seu sorriso animado, ouvindo exatamente o que pretendia, ele lançou seu olhar sobre a jovem, lhe transmitindo silenciosamente que estava aceitando-o.

No final, Alex falava sua língua.

— Então estamos certos!

Bill se levantou com dificuldade da poltrona enquanto Alex trocava olhares com Arabella, recebendo da mesma um sorriso confortador.

— Certo, certo – repetiu o homem de pé, remexendo em algo sobre uma das mesas no local – onde estava mesmo? – murmurou em sua procura – Ah! Achei!

Quando o velho virou novamente em direção ao sofá a dupla visualizou com clareza um aparelho pequeno e achatado, com uma luz incandescente preenchendo sua tela. Alex franziu a sobrancelha com o objeto, mas a garota ao seu lado sequer se mexeu.

— Já que vai estar nessa conosco, sinto que devo ensiná-lo alguns truques – continuou o homem sentando novamente a poltrona – você sabe usar uma arma?

Alex arregalou os olhos com a pergunta e Arabella encarou o homem.

— Bill!

— Eu sei, eu sei, ele tem... Quantos anos você tem garoto?

— Dezessete – murmurou o jovem.

— ...só tem dezessete anos. Mas saiba que a sua primeira arma quem lhe deu e a ensinou a usar fui eu mocinha e você nem tinha quinze anos completos ainda.

A garota bufou cruzando os braços em contrariedade.

— Não o quero sujando as mãos de sangue.

— Ele não precisa sujar se não quiser – o olhar do velho caiu sobre o garoto, divertido – é só ir se esconder debaixo da saia da mamãe.

Alex retribuiu o olhar desafiador.

— Eu disse que farei o que for preciso – repetiu entredentes.

Arabella olhou do garoto para o avô e suspirou afundando no sofá de veludo.

— Vocês dois façam o que quiserem. Homens!

Bill riu da reação da neta, acompanhado de Alex, que por sua vez acariciou a mão da jovem.

— Nós já conversamos sobre isso – explicou-se com o olhar terno sobre ela – sim?

— Tudo bem – Arabella suspirou – vocês dois são impossíveis.

Alex sorriu e o homem pigarreou, roubando a atenção de ambos para si.

— Repito a pergunta: sabe usar uma arma?

— Apenas na teoria.

As sobrancelhas do velho se ergueram confusas.

— As uso muito em jogos – explicou-se – tenho consciência das mecânicas e forma de manejar, mas não a habilidade.

— Certo – Bill apertou um dos botões do aparelho – prefere uma pistola ou algo mais pesado?

— Vô! – pronunciou-se novamente a jovem – Daqui a pouco está perguntando se ele prefere um tanque de guerra ou uma bazuca!

Bill sorriu animado.

— Você gostaria de uma bazuca?

Alex riu quando Arabella novamente o retrucou, fazendo o sorriso sair do rosto do homem, que se limitou a oferecê-lo fuzis, com mira por pedido dele. 

O homem continuou um interrogatório sobre os itens para combate: como coletes, pentes e até mesmo kits para primeiros socorros.

Em determinado momento, entre as pequenas discussões de Arabella com o velho, sobre oferecer coisas muito perigosas para o jovem, algo cruzou a mente de Alex. Uma questão muito importante.

— Isso tudo é para quê?

Bill olhou do garoto para Arabella e como que percebendo a situação, murchou toda a sua animação.

— Não vai ter mais, não é?

Arabella negou com a cabeça, ressentida ao vê-lo cabisbaixo.

— Ter o que?

O velho depositou o aparelho na mesa ao seu lado e suspirou, fixando seus olhos em Alex e sua pergunta.

— Nós íamos invadir a sede da organização.

As palavras foram lenta e gradualmente se traduzindo na cabeça de Alex que arregalou os olhos ao perceber o sentido delas. Eles iam invadir a organização. A organização que estava atrás dele. A organização que tinha diversos profissionais altamente qualificados. Eles iam invadir.

— Com o garoto conosco nosso plano suicida não pode mais ser posto em prática, certo?

A pergunta que o velho lançou para Arabella fez a mesma estalar a língua, negando com a cabeça. Eles não podiam colocar Alex em fogo cruzado quando a prioridade era sua segurança. Se ele não tivesse surgido e invertido toda a situação ela teria ido contra tudo e contra todos de cabeça.

Mas situação já não era mais a mesma.

— Então foi bom eu ter aparecido?

— Bom para quem? – a resposta de Bill foi quase retrucada, se não fosse a desanimação em sua voz.

A resposta-pergunta de Bill fez o estômago do garoto revirar. Uma mudança de planos tão brusca quanto aquela influenciaria em todo o desenrolar da história. Se até então eles possuíam alguma chance de vitória, e Alex tinha quase certeza que havia alguma, ela evaporou no momento em que ele pisou ali.

Mas, por mais que fosse extremamente angustiante saber que todos estavam na estaca zero, a compreensão de que a vida de Arabella tinha sido poupada naqueles poucos segundos de reconciliação, deixava Alex aliviado.

Eles só precisavam de um novo plano.

— Posso fazer uma pergunta?

Os olhos da jovem e de Bill caíram sobre Alex, que encarava pensativo o tapete felpudo.

— Eles estão atrás de mim por causa dos dados que estou baixando, não é?

Ambos assentiram.

— Talvez, se eu parasse com o download deles, a organização pararia de ir atrás de mim?

Tanto Alex quanto Arabella voltaram-se ao homem, que sem demora negou com a cabeça.

— Não, impossível, isso não mudaria nada. Só de saberem que você pode vir a baixar novamente em qualquer momento já é perigoso, ainda mais agora que você se tornou ranking SS.

O garoto suspirou pesaroso.

— Então nada pode pará-los?

Com a pergunta o velho franziu a sobrancelha pensativo. As mãos ágeis do mesmo alcançaram mais uma vez o aparelho esquecido sobre a mesa de apoio e um sorriso de lado surgiu em seu rosto.

Alex e Arabella se entreolharam, confusos, mas a atenção da dupla logo foi fisgada por Bill, que pulou da poltrona para o sofá.

— Nós temos algo que pode pará-los.

— O que? – a voz de Arabella soou quase num grito ansioso.

— Alex é o seu nome, não é?

O garoto assentiu.

— Eu quero que você continue baixando as informações da empresa como vem fazendo.

O olhar confuso de Alex vagou de Bill para Arabella e dela para ele por duas vezes, até a jovem se pronunciar.

— O que quer dizer com isso?

— Vocês vão saber na hora certa, ainda vou elaborar melhor. Preciso me organizar antes de qualquer coisa!

O semblante animado voltou ao rosto do homem, fazendo Arabella sorrir automaticamente. Se ele tivera alguma ideia, esta com certeza os ajudaria, era só questão de confiança. E no pouco tempo que esteve ali confiança foi o que não faltou em relação a Bill.

Ele era um homem bom apesar de tudo, e depois de tantos dias em sua companhia Arabella conseguia sentir que o mesmo era mais do que simplesmente um lunático por adrenalina.

Bill era inteligente e meticuloso, sempre a par de tudo o que acontecia, tanto na organização quanto fora dela, e apesar de tentar esconder, sempre ficava alegre quando Arabella aparecia, tirando-o de sua estranha solidão.

Ele tinha se apegado a neta no final das contas, e Arabella não podia dizer o contrário do seu lado. Bill havia sido, naquele curto espaço de tempo, tudo o que sua família nunca foi para ela. Ele a apoiou quando precisou, a aconselhou e se preocupou com a mesma, ainda que ela não tivesse lhe dado ouvidos em muitos pontos.

Família tinha agora um novo significado e sabor para a jovem que sorriu mais uma vez ao constatar a animação do velho sentado ao seu lado.

— Então, nesse seu plano misterioso, eu só tenho que baixar as informações?

Bill sorriu abertamente, assentindo, e teclando calorosamente no aparelho, fazendo soar uma sonora confirmação de algo.

— Sim, exatamente, e eu vou separar para você algumas coisas para ajudar nisso – dedilhou mais um pouco – tem algum maquiador de IP?

Alex franziu as sobrancelhas​, mas concordou.

— Sim, eu tenho.

— Ótimo! Mas vou lhe enviar um de todo jeito, o meu deve ser melhor para o serviço.

O garoto assentiu novamente, mas nada disse. Tão logo os movimentos no aparelho pararam Bill levantou e se encaminhou a sua mesa de bebidas, enchendo prontamente três copos.

— Os equipamentos necessários estão sendo colocados no seu carro – acenou com a cabeça para a jovem, que assentiu – e a última coisa que você, garoto, tem que saber é: assim que concluir o download dos arquivos, traga-os imediatamente para cá, entendido?

— Certo, trarei imediatamente para cá.

— Você aprende rápido garoto, gostei de você.

Alex sorriu, sem saber se constrangido, ofendido ou alegre.

Ainda que não soubesse o propósito, Alex os ajudaria no que fosse possível e se concluir o download das informações os auxiliasse, seria isso que faria.

Arabella entrelaçou suas mãos nnas de Alex e sorriu para o garoto, sendo retribuída de imediato. Estar ali sozinha durante tanto tempo parecia algo tão distante quanto seu passado infantil. O presente era estar ali com Alex e, independente do que acontecesse, ela sabia que permaneceriam juntos, protegendo um ao outro.

— Eu proponho um brinde – a voz de Bill tirou a dupla do pequeno transe – a reconciliação de vocês, que tal?

O sorriso no rosto do velho só não foi maior do que o de Alex que prontamente levantou e, se prostrando ao lado do mesmo, aceitou o copo de whisky.

Arabella sorriu com a estranha comparação visual entre os dois de pé.

Perto de seu avô Alex não parecia o garoto que era. Naquele ângulo, naquela posição, naquela forma de se manter, ele era um homem. 

Com esse pensamento a jovem também aceitou o copo e após minutos de uma palestra irreverente de Bill, agradecendo inclusive as bundas que chutaria em breve, eles entornaram o líquido.

Riram depois do quinto brinde, já alcoolizados, e Arabella se prontificou em levar Alex embora. Mas, ao invés de ir dirigindo, um dos empregados de Bill assumiu o volante de seu Fox, e sob diversos protestos da garota sobre as possibilidades quase inexistentes de batida, eles pegaram a estrada.

Alex e Arabella mal conversaram durante o caminho. A presença de uma terceira pessoa no carro os retraiu, mas ao invés de palavras, as mãos de ambos permaneceram juntas, se acariciando no decorrer da estrada, transmitindo algo além do que as conversas poderiam proporcionar.

Quando o automóvel parou na frente da casa de Alex a dupla desceu sem pressa. O funcionário permaneceu dentro do carro enquanto Arabella abria o porta-malas e tirava dali uma mochila escolar, com o peso de um animal imenso.

— Está muito pesada – queixou-se.

— Passa pra cá – Alex puxou a bolsa e apoiou em suas costas, junto a sua própria.

A garota fechou o porta-malas e virou-se para Alex, sendo surpreendida por um abraço do mesmo.

— Estava com tanta saudade – ele lhe sussurrou entre as finas mechas de seu cabelo.

Arabella sorriu o retribuindo no aperto, se encaixando preguiçosamente nele.

— Sim, eu também.

— O que alguns minutos não fazem com uma vida?

Arabella riu baixinho para si mesma. Era verdade. Uma rápida discussão os separou e o tempo de um beijo os reconciliou. A vida era uma caixinha de surpresas e sem ter a menor ideia do que viria pela frente, ela estava certa de seguiria pelo caminho que havia decidido trilhar.

Ainda que sob os protestos histéricos que podia imaginar sua mãe fazer.

Lentamente eles se separaram, com os olhos um no outro, e sorrisos de orelha a orelha. Alex a beijou com delicadeza e foi uma breve despedida, com a certeza de um reencontro.

— Se quiser subir minha mãe não está em casa – disse o garoto com a expressão mais maliciosa que possuía.

Arabella riu, lhe enchendo de breves tapas.

— Quando você se tornou tão safado?

— Depois de você, claro – respondeu roubando um beijo rápido da mesma.

A jovem não conseguiu deixar de sorrir.

— Não posso – abanou a mão afastando as imagens impróprias que passavam por seus pensamentos – comecei a ajudar meu avô em alguns trabalhos, tenho mesmo que ir.

Alex contraiu as sobrancelhas.

— Que tipo de trabalhos?

A mesma riu da reação do garoto.

— Por incrível que pareça ele é dono de uma empresa – o garoto não escondeu a surpresa – para espionar as ações da organização segundo ele, mas é péssimo com contabilidade e organizar papelada – fez uma careta – estou ajudando ele nisso esses dias, não é nada tão perigoso quanto, como ele mesmo diria, chutar umas bundas por aí.

Ambos riram e Alex assentiu, aceitando o argumento da mesma, mas puxando-a para mais um beijo.

— Tome cuidado, tá bom?

Arabella sorriu com a preocupação do jovem e concordou com a cabeça, tomando as mãos dele para si.
— Tomarei sim, mas deveria dizer isso sou eu. Cuidado.

Alex fez um maneio afirmativo e após mais uma série de beijos, incontáveis pela rapidez e quantidade, eles se separaram. Arabella entrou no carro junto ao funcionário de seu avô, já reclamando com o mesmo sobre ele ter parado o carro a centímetros do meio fio.

O garoto riu da discussão boba e acenou para a dupla, que o retribuiu e sumiu pela estrada. Entrando dentro de casa Alex respirou fundo e enquanto subia as escadas para seu quarto, repassou todo o dia em sua cabeça.

Ele sorriu ao entrar no quarto, recordando-se dos momentos com Arabella, mas fez uma careta ao deixar a mochila do velho sobre sua poltrona, sentindo o peso deixar seu corpo.

Os olhos do mesmo encararam a mochila num misto de curiosidade e tensão. Ele estava no meio de uma luta pela sobrevivência e ter consciência de que sua vida corria risco, parecia fazer seu sangue ferver.

Não em medo ou pavor, mas numa clara conscientização de que ele deveria, mais do que nunca, se pôr na realidade.

E ele estava ansioso para conhecer ainda mais sobre essa realidade.


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Notas finais do capítulo

Esses últimos capítulos não estão sendo 100% revisados, então, por favor, caso encontrem algum erro, só avisar!



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