Espion Noir escrita por carlotakuy


Capítulo 37
XXXVII.




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Quando a porta da mansão abriu, com seu característico ranger, Bill virou-se para a mesma. Ele estava de pé na sala em frente a entrada, remexendo na lareira, aparentemente tentando acende-la, com as mãos sujas de cinza. Ao seu lado jazia seu charuto, pela metade, e um copo de whisky apoiado na mesa próxima, denunciando-o.

O velho sorriu ao ver Arabella entrar, mas sua expressão logo tornou-se de confusão com Alex a seguindo, ainda com a farda da escola e sua bolsa nas costas. 

Antes que qualquer palavra saísse de sua boca, a jovem adiantou-se.

— Ele já sabe dos homens.

Bill fez uma careta e fitou o garoto que o olhava ainda cauteloso. O velho aproximou-se da dupla sem pressa, esquadrilhando Alex da cabeça aos pés. 

Aquele era o rapaz que sua neta estava tentando proteger com tanto afinco...

Uma risada ficou presa na garganta do velho. Ele era uma criança, uma pura e inocente criança, que o olhava com um genuíno olhar assustado e apavorado.

Ele havia ficado tão feio e assustador assim com a idade?

Naquele momento, além de avaliá-lo, o mínimo que ele podia fazer, até mesmo como anfitrião, era o cumprimentar.

E foi isso que fez.

— Sou Bill – estendeu-lhe a mão – avô de Arabella.

Alex apertou a mão do homem, mas não sem deixar de lançar para a garota seu melhor olhar de surpresa. Apesar de tudo que viera acontecendo, tudo que havia descoberto, sequer pensou um só momento sobre a família dela.

Sabia bem que a história que Arabella lhe contara brevemente no início, sobre a morte de seus pais e a saída do interior, era obviamente mentira. Mas estar ali, frente a frente com um familiar seu parecia bastante estranho.

Começando pela sensação de estar quase pedindo-a em namoro aquele homem.

Quase que lendo a mente do garoto Bill riu, acordando-o dos pensamentos, e soltando sua mão.

— Alex, muito prazer – apressou-se o jovem.

Os olhos afiados do homem caíram sobre ele enquanto seu corpo voltava em passos calmos até seu charuto.

— Eu não teria tanto prazer se fosse você – respondeu o grisalho tragando o fumo.

Alex virou-se para Arabella confuso, mas ela apenas começou a andar, lançando um olhar de aviso para o mesmo a seguir. Ele fitou o homem, incerto, mas ao vê-lo sorrir e acenar na direção da jovem, a seguiu de pronto.

Juntos subiram a enorme escada enquanto os olhos do garoto dançavam pela decoração exagerada e chamativa. Arabella riu do mesmo quando ele chegou a tropeçar nos degraus, perdido em tanta surpresa, e recebeu uma careta do jovem como resposta.

Em passos calculados a dupla cruzou o corredor esquerdo, com Alex admirando o lugar e Arabella lhe alertando sobre onde se encontravam os móveis, quando o garoto se perdia em devaneios. 

Sem pressa a jovem destrancou a última porta do corredor e acenou com a cabeça para o rapaz para que entrasse.

Lá dentro Alex se permitiu exclamar enquanto ouvia de fundo a risada da garota. 

— Esse é meu novo quarto – ela disse fechando a porta – ninguém vai nos perturbar.

Alex apenas assentiu.

O local era tão grande quanto o quarto de Arabella no apartamento, com duas vezes o seu espaço e com móveis grandes e de madeira grossa.

Além da cama no centro se dispersavam pelo local uma escrivaninha recheada de papéis espalhados, uma cômoda, uma estante preenchida até a metade de livros e um armário suspenso, que deixava visível, através das portas de vidro, uma AK polida.

— E então, aprovado?

Alex assentiu novamente fazendo Arabella sorrir.

— Não sei de quem ele puxou esse pecado da luxúria, mas não sou eu quem vai reclamar – comentou a jovem sentando-se na cama.

O garoto riu brevemente.

— Ele realmente é uma figura. É seu avô de verdade? – virou-se para a jovem.

Arabella sorriu de lado. Sabia que a imagem que sua mentira havia causado em Alex não sumiria do dia para a noite, mas ainda assim se sentia incomodada com a forma como o termo verdade e mentira soavam em sua boca.

— Sim, ele é – ela se espreguiçou – pai da minha mãe.

— E sua mãe, onde está?

A garota fez uma careta.

— Na organização.

Alex franziu as sobrancelhas em uma confusão rápida.

— Já que o assunto começou, que tal irmos do início?

Alex concordou, ainda de pé no meio do quarto, e Arabella lhe observou a postura. Ele não estava na defensiva e muito menos na ofensiva e ao contrário daquela noite, que a expulsou de seu quarto, parecia genuinamente interessado.

Com uma respiração profunda ela fitou os olhos amendoados.

— Minha história e da minha família começa lá na França, nosso país de origem.

— Mas você fala muito bem nosso idioma!

— Anos de prática – um sorriso fraco tomou o rosto de Arabella.

O garoto se calou instantaneamente observando-a.

— Todos nós somos de lá – ela apoiou uma perna dobrada na cama – eu, minha mãe, meu pai, meu avô e minhas irmãs.

Alex tentou não transparecer surpresa, mas falhou miseravelmente.

— Você tem irmãs?

A garota riu pela expressão do jovem.

— Sim, tenho duas irmãs. Não são fisicamente parecidas comigo, somos de pais diferentes – fez uma careta – e eu sou a caçula.

Um suspiro escapou dos lábios da mesma.

— Tudo o que posso falar com sinceridade é que toda minha família trabalha no ramo de espionagem, com exceção de meu pai, que era um empresário na cidade em que morávamos.

Os olhos deles se encontraram e uma breve sombra se instalou nos de Arabella, passando despercebida pelo jovem.

— Não tenho muitas lembranças do meu pai como você tem do seu – a expressão em seu rosto foi lentamente se tornando inexpressiva – e nem tenho uma família tão amorosa quanto a sua. Minha mãe é uma mulher de gênio forte e odeia ser contrariada, é rígida ao extremo e é uma das principais diretoras da organização em que trabalho.

— Espera um pouco – ele a interrompeu – sua mãe é sua chefe?

Arabella sorriu com espanto no rosto de Alex.

— Sim, ela é minha chefe e, se não me engano, deve estar a frente como principal interessada na missão de... você sabe.

A garota lançou um olhar autoexplicativo e Alex apenas assentiu.

— A verdade é que ela é mais minha chefe do que minha mãe – um sorriso forçado cruzou o rosto da mesma – assim como minhas irmãs são mais parceiras de trabalho do que propriamente parentes.

Alex tentou e conseguiu esconder muito bem o sentimento de tristeza que o tomou ao observar Arabella a sua frente. Ela tomou fôlego e em seguida continuou:

— Desde muito nova fui treinada por elas para ser uma espiã.

— Desde de pequena? – Alex sentou-se na frente da jovem, no chão – com quantos anos você entrou nisso tudo?

— Dez – a voz de Arabella saiu num sussurro.

Os olhos de Alex se arregalaram de surpresa. Com dez anos ele deveria estar no fundamental, brincando com seus amigos e jogando no tempo livre enquanto Arabella...

Essa percepção o impactou. O quão diferentes eles eram?

— Que tipo de missão põem crianças?

Os olhos esverdeados pousaram sobre o garoto e ela sorriu de lado, tristonha.

— A de monitorar as pessoas.

Os olhos da garota sobre si fizeram Alex engolir sua própria saliva. Se a missão dele era de monitoramento, por que não enviaram uma criança ao invés dela?

Praticamente lendo sua expressão Arabella adiantou-se.

— Eu não sei porque me colocaram nessa missão. Não sou eu quem as escolho.

Lentamente o garoto concordou com a cabeça.

— Dieu D’or é uma organização muito antiga e secreta. Poucos sabem da sua existência e em geral, seus contratantes, são sempre pertencentes a um certo grupo de empresas.

— Isso explica porque você veio atrás das informações da empresa.

Arabella afirmou.

— Se as missões de monitoramento são para crianças quais seriam as missões para você? – perguntou o garoto, inclinado na direção de Arabella, soando mais animado do que deveria.

Arabella sorriu de lado ao ver a perceptível animação na voz de Alex e o mesmo, por sua vez, balançou a cabeça afim de apressa-la com a resposta. Apesar de tudo que havia acontecido o contexto de uma organização de espionagem era muito surreal para ser verdade.

Mas já que era, o interesse de Alex se aguçou. A cada palavra de Arabella explicando aquela rede tudo parecia de repente empolgante. Espiões, uma organização secreta, missões.

Ele havia esquecido completamente do caráter de mistério por detrás de tudo isso quando brigou com a garota. Mas lá estava ele agora, ouvindo atento cada palavra da jovem.

Não perderia os detalhes por nada.

— Veja bem – a voz de Arabella o fez focar no movimento de suas mãos – as missões não são separadas por idade ou coisa do gênero. São divididas em rankings de perigo e importância.

Arabella elevou as mãos simulando um quadro, apontando ilusoriamente para uma lista invisível.

— As missões de ranking B são as mais fáceis, de monitoramento, sem qualquer grau de perigo e geralmente sem grau de importância também, então tanto faz você achar o que procura ou não.

Ela pulou para a próxima “linha”.

— As de ranking A já são mais meticulosas e mesmo sem perigo envolvido a importância é maior. Essas geralmente envolvem furtos de objetos em locais sem segurança.

Alex assentiu rapidamente.

— Essas duas são geralmente dadas aos novatos. Além dessas existem as de ranking S e de ranking SS. Elas seguem a mesma lógica, mas os graus de perigo e importância são bem maiores.

Arabella esqueceu o quadro e posicionou as mãos separadamente.

— Essas de ranking S – girou a mão esquerda – são voltadas a infiltrações de dois gêneros. Infiltrações para roubos e infiltrações para obter informações. As voltadas a roubo são sempre em busca de algum objeto ou documento, geralmente guardados a sete chaves e com alta segurança, e costumam ser às mais comuns nesse ranking.

A jovem estalou a língua.

— Nas de informações, normalmente, agimos como espiões infiltrados, repassando informações de determinadas empresas para outras. O grau de perigo não chega a ser tão grande durante o período, mas geralmente, quando descobertos, os agentes entram numa luta pela vida.

O olhar sombrio no rosto da jovem voltou e desta vez Alex o percebeu de imediato, vendo-a estremecer.

— Esse mundo de gigantes em que a organização é inserida por si só já é muito perigoso. Grande parte das empresas não ligam para a vida das pessoas e matam por brincadeira. Vários agentes descobertos morreram nas mãos delas nessas missões

Alex fixou seu olhar no de Arabella e estremeceu junto com a garota.

— Você já... foi numa missão dessas?

Os olhos esverdeados responderam sem precisar de palavras, fazendo o coração do garoto apertar dentro do peito.

— Sim, duas vezes.

O coração de Alex falhou uma batida.

— Duas? – a voz do garoto saiu incrédula.

— Sim. Esse tipo de missão é muito incomum e quando surge demora muito tempo, às vezes anos.

— Anos...

Arabella assentiu desviando o olhar.

— A minha primeira missão nesse ranking foi fácil e rápida. Eu me infiltrei num movimento de resistência jovem contra a criação de uma usina, se me lembro bem, e desviei as informações para a empresa em questão. Quando os participantes desconfiaram de um traidor eu já estava longe e a usina em construção.

A garota enlaçou suas próprias mãos sobre as pernas.

— A segunda foi em conjunto a alguns colegas de trabalho. Entramos como funcionários de serviços gerais numa empresa, para coletar material sobre as ações por debaixo do pano que os sócios praticavam. Mas fomos rapidamente descobertos.

Alex ficou estático por segundos a fio.

— Dois de nossos companheiros morreram enquanto fugíamos.

Ela olhou para o garoto com os olhos marejados. As vivências daquele dia pareciam ressoar em suas lembranças e os sentimentos se embolarem.

— Eu ouvi os pedidos de socorro deles. Os gritos de dor. E depois, quando tudo acabou, tive que fingir não me importar com o que havia acontecido. Que era apenas um acidente de trabalho como qualquer outro.

Arabella apertou suas mãos.

— Na época é claro que me importei, mas parecia que só eu me importava. Os outros sequer ligaram e quando falei com minha mãe, ela me disse o mesmo que todos os outros. Acontece.

Alex aproximou-se, deslizando pelo chão, e segurou as mãos da garota. Arabella o fitou e sorriu sem força, afagando a mão do mesmo.

— As missões de ranking SS – continuou sem soltá-lo – são três vezes mais perigosas. Possuem perigo real, frente a frente. Se você vacilar, você morre. Geralmente os melhores agente são convocados para essas que envolvem invasões à mão armada, entre outros.

 Todas as informações de Arabella pareciam pouco a pouco se encaixar uma na outra, e logo tantas outras coisas passavam a fazer sentido, impressionando-o. Como a morte de seu pai depois da descoberta da empresa.

— E então veio você.

As palavras da jovem fizeram o olhar de Alex chocar-se com as orbes esverdeadas de Arabella que sorriu de lado.

— Entre tantas missões de ranking A, S e SS, eu recebi a sua, de ranking B e monitoramento.

— Não sou perigoso?

— Aparentemente não, mas tenho certeza que Miguel sabe sim.

Ambos riram e as mãos se entrelaçaram.

— Particularmente, não gostei nem um pouco de ter que monitorar um garoto. E venhamos e convenhamos, pra quem derrubou titãs ficar de olho num garotinho era bobagem.

Alex franziu as sobrancelhas fazendo a garota rir.

— Mas depois de nossa amigável apresentação algo mudou.

Arabella sorriu de lado lembrando-se.

— Você me desafiou!

Alex riu brevemente.

— A verdade é que quanto mais ficávamos juntos, mais eu esquecia da missão. E era uma missão tão boba que pensei que tiraria de letra, como tantas outras nas costas. Mas a cada dia que passava mais eu deixava de lado tudo o que me levou até lá.

Ela apertou a mão do garoto.

— Arabella era para ser uma personagem, um papel que eu tinha que desempenhar. Mas – a jovem suspirou – ela se tornou uma versão de mim mesma. E eu, no final, me tornei Arabella.

Alex encarou suas mãos juntas sem saber o que pensar.

— E quando naquele dia que voltamos das doações – ela mordeu o lábio, prendendo os sentimentos que insistiam em sair – eu recebi a mensagem de que a atividade hacker, que me levou até você, foi encontrada, perdi completamente o chão.

A respiração da mesma se desregulou.

— E pra piorar veio a maldita ligação dizendo que eu tinha que matar você.

— Então...

— Eu saí desesperada para ir alertar você. Você era tudo que pensava. Não havia mais missão, não havia trabalho ou qualquer outra coisa mais importante. Eu me apaixonei por você nas entrelinhas Alex e isso me desregulou completamente.

A garota sorriu enquanto os olhos do mesmo acompanhavam sua expressão. Depois de segundos observando-a Alex apoiou sua testa nas mãos juntas. Ele havia sido um verdadeiro imbecil o tempo inteiro.

Pensara, no momento em que ela entrou no quarto, que havia ido ali porque tinha sido descoberta. Idiota. Foi ele o descoberto nisso tudo.

— E quando cheguei...

Arabella afagou os cabelos do garoto apoiado em seu colo.

— Quando falou aquelas coisas eu sabia que estava com raiva, ressentido e triste. Mas queria que soubesse que jamais ri ou brinquei com você. Ser ou não um adolescente viciado em jogos e ruim em biologia não importou nem um pouco depois desses sentimentos. Era você e só você Alex.

Alex fechou os olhos com força ainda contra as mãos macias da jovem. Ele se sentia estúpido. As palavras de Arabella saiam tranquilas, mas ele sabia que também a havia magoado. 

As lágrimas​ que ele a ouviu derramar naquela noite o dilaceravam por dentro naquele momento.

— Depois de não conseguir te avisar sobre o perigo, recebi uma ligação da minha irmã mais velha e vim para cá.

O garoto afastou-se das mãos da mesma fitando-a atentamente.

— Sua irmã mais velha?

Arabella assentiu.

— O que ela disse pra você vir para cá?

Um sorriso de lado cruzou o rosto da jovem.

— E quem disse que eu já não vinha para cá antes?

Alex retribuiu ao sorriso enquanto Arabella se inclinava para ele.

— Ela me disse que eu deveria deixar as coisas se acalmarem para você e para mim.

— Que tipo de relacionamento vocês tem? Você me disse que eram como colegas de trabalho...

Arabella abanou a mão no ar.

— Foi uma coincidência a ligação, mas acho que acabei me abrindo mais do que deveria para ela...

Pensando sobre isso a mesma sorriu.

— Não que tenha sido ruim. Penso que se não fosse ela, não poderíamos estar aqui agora.

O garoto balançou a cabeça concordando.

— Por isso sumiu? Pelo que ela lhe disse?

Arabella fez uma careta.

— Eu não sabia o que fazer – deu de ombros – só pensei que seria melhor assim. Dar um tempo pra você.

Alex se remexeu no chão.

— Eu fui atrás de você.

Os olhos da garota encontraram, surpresos, os de Alex que sorriu minimamente ao notar a expressão.

— Mas você não estava mais no apartamento, nem na escola. Sua sala no segundo andar estava vazia e no seu edifício você era como um fantasma, seu nome não estava em lugar algum.

A garota não precisou de esforço para deduzir o que havia acontecido.

— Foram eles.

— Eles?

— A organização – explicou – no dia em que decidi te proteger e descumpri as ordens, desertei.

— Como aqueles homens falaram.

— Sim. Com isso eles apagaram os vestígios da minha nova identidade.

— Por isso cancelaram as aulas...

— Você não está tendo mais aulas? Que ultraje!

Alex riu.

— Isso é realmente importante agora?

Arabella cruzou os braços, contrariada, fazendo o garoto rir novamente e em seguida suspirou.

— Na verdade, não tanto. Mas é bom saber que está estudando por si mesmo.

— Espera – ele ergueu a sobrancelha – como você sabe?

A garota sorriu abanando a mão.

— Estive com você todos esses dias – admitiu – pra te proteger tive que ficar quase vinte e quatro horas por perto.
Alex assentiu.

— E em momento nenhum pensou em falar comigo?

— O tempo todo – sorriu tristonha – mas cada dia ficava mais difícil.

— Falar comigo?

— Estar com você.

Arabella mexeu os pés sobre o piso frio com os olhos fixos neles.

— Eram tantos agentes, todos os dias te perseguindo, prontos para te matarem na primeira chance que eu simplesmente não podia. Eu não podia te trazer para dentro desse mundo.

Alex não soube o que dizer. A garota a sua frente parecia tão abatida e agora que ele sabia o porquê daquilo, algo se revirava em seu peito. Um fardo ainda maior.

— No meio disso tudo até cheguei a cogitar que estava bom assim. Talvez se você continuasse com raiva de mim... seria mais fácil te deixar ir. Você não precisaria estar aqui agora, com ainda mais preocupações em suas costas.

As sobrancelhas do garoto se ergueram instintivamente inquisidoras.

— Mas – Arabella suspirou se curvando e cobrindo o rosto com as próprias mãos – fui tão egoísta... e estou tão feliz por isso.

Alex não conseguiu controlar o sorriso. As palavras dela eram tão sinceras e a expressão em seu rosto, escondido por suas mãos, transparecia claramente uma alegria contida.

— Por que você foi hoje lá na escola?

Arabella afrouxou as mãos sobre o rosto permitindo aos seus olhos descerem sobre o garoto.

— Eu fui desistir de você.

O garoto processou lentamente as palavras da mesma.

— Por que?

Um suspiro pesaroso escapou dos lábios de Arabella enquanto ela deslizava da cama para o chão, parando sentada na frente do garoto. Ela tomou as mãos dele nas suas e encaixou seus olhos nos dele. Alex prendeu a respiração em expectativa.

— Sua missão, Alex, passou de ranking B para ranking SS.

As palavras vagarosamente se traduziram para Alex que abriu os olhos em surpresa. Se a missão havia mudado de ranking os agentes que estavam vindo mudariam completamente.

Tudo se fez mais claro para o garoto quando o olhar de Arabella lhe respondeu positivamente, sem palavras. Ele, que já estava em perigo, praticamente estava com a cabeça a prêmio para os mais profissionais da organização.

— Você entende que agora não vão ser só dois homens correndo atrás de você, vão ser vários muito bem armados. Você está correndo um perigo muito maior do antes e sozinha não vou poder te proteger.

Alex assentiu sem força sentindo todo o corpo dormente pela percepção do que estava acontecendo nas entrelinhas. E Arabella esteve ali o tempo inteiro, protegendo-o. O quão patético ele ainda podia ser no meio daquilo tudo?

— Eu não posso te deixar no meio disso tudo.

Arabella ergueu ambas as sobrancelhas juntas enquanto o garoto a mirava determinado.

— Eu não vou lhe deixar sozinha.

— Alex... é muito perigoso e...

— Eu já estou em perigo – retrucou – eu quero poder fazer algo para ajudar você. Quero estar ao seu lado.

Arabella sorriu apertando suas mãos juntas.

— Eu também quero, mas não posso permitir que se exponha a esse perigo.

— Não preciso de permissão – cruzou os braços.

— Alex, por favor...

— Não Arabella, não. Eu não vou ficar escondido enquanto você se machuca ainda mais. Não quero e nem vou fazer isso. Eu quero proteger você e aparentemente, além de todos esses agentes, de você mesma também.

A garota quis retrucar. Estava pronta para confronta-lo a altura se fosse necessário. Estar todos os dias nas sombras lutando contra as ameaças a Alex não iria mais fazer sentido se ele se colocasse em fogo cruzado. Proteger ele era prioridade, não ela.

— Eu não vou aceitar o que quer que você esteja pensando – resmungou Alex antes de Arabella se pronunciar – eu sei que todos vocês estão fazendo isso para me proteger, mas tente entender a minha situação. Você estar em perigo me faz também querer protegê-la.

Ele respirou fundo.

— Eu sei que provavelmente não vou ser de grande ajuda, mas não posso ficar parado vendo você se sacrificar por mim.

As mãos de Alex tocaram gentilmente no rosto da jovem.

— Você está pálida e cansada, está se destruindo aos poucos. Sabe o quanto isso me dói? Saber que eu sou a causa de tudo isso?

— Você não fez...

— Não, se não fosse por mim você não teria desertado ou estaria nessa situação.

Arabella calou-se. Era verdade no final das contas. Mas só de pensar em Alex estar em perigo ela ficava apreensiva. Sabia muito bem como era o contexto em que estavam e ele era peixe pequeno demais para tudo aquilo.

Mas a expressão determinada no rosto dele a fazia vacilar.

Como sempre.

— Nós estamos aqui para proteger você, não está entendendo?

— E eu estou aqui para proteger você! Você tem que me entender. Já passei tempo demais longe, não quero perdê-la.

— Não sei se escutou a história que acabei de contar, mas sou uma das melhores agentes da organização.

Os olhos de Alex a fizeram estremecer.

— Você ainda é humana.

As palavras de sua irmã invadiram os pensamentos da garota. Era isso que ela estava querendo lhe dizer o tempo inteiro. 

Arabella sempre havia sido a melhor da organização e todos a enxergavam como isso, uma máquina profissional. Quando Alex surgiu, diferente de tantos outros, ele a tratou como uma pessoa ao invés de uma agente.

Ele a tratou como um outro, ao invés de seus outros alvos, que sempre desejavam algo em troca da mesma.

Ele a tirou de seus papéis, de sua missão, de sua racionalidade exacerbada apenas para mostrar o quão humana ela era. E foi descobrindo isso que Arabella se permitiu gostar dele, se apaixonar por ele, amá-lo. Como uma humana.

— Eu não estou pedindo muito – continuou o jovem – eu só queria poder estar do seu lado, sem tudo isso. Mas não dá pra fingir que nada está acontecendo quando vejo você desse jeito. Eu sinto que preciso fazer alguma coisa para te ajudar. Por você e por mim. Seu bem estar é minha maior preocupação no momento.

Arabella o olhou, no fundo dos olhos, e suspirou. Era incrível como ele lhe desestabilizava. Ela não conseguia pensar racionalmente. Sabia que deveria estar expondo e ponderando os perigos e as consequências, mas o toque e o olhar dele faziam-na acreditar que apesar de tudo era isso que devia ser feito.

Ela lutou tanto tempo sozinha que a oportunidade de estar novamente junto a Alex parecia nublar sua precaução. E ele, ali na sua frente, a intimando, não fazia muito diferente.

Era uma escolha difícil, mas a resposta não poderia ser mais óbvia.

— Você realmente nunca me escuta, não é?

O sorriso de Arabella fez um ainda maior surgir no rosto de Alex.

— Se eu deixasse você falar com certeza perderia.

A garota o deu um tapa leve.

— Quanta audácia!

Alex a puxou pela cintura e a encaixou ao redor de si na posição em que se encontravam, com as pernas da jovem enlaçando a cintura do garoto. Arabella o fitou surpresa e ele sorriu de lado, beijando-a.

Ela o retribuiu e por minutos a fio eram só eles ali. Longe do perigo, longe da organização, longe de biologia. Arabella e Alex e simplesmente eles. Cada um com sua história, com seu passado e com um futuro pela frente.

Alex a enganchou em sua própria cintura e levantou num só movimento. Ela o apertou contra si, permitindo as mãos brincarem no cabelo do mesmo enquanto a boca explorava cada canto permitido, numa busca pelo tempo perdido.

Alex deitou Arabella na cama e sobre ela, afastando-se de mais um beijo intenso, a admirou. 

Os cabelos ondulados amassados pela cama, a pele alva queimada levemente pelo frio do inverno, os olhos intensos, a boca rósea inchada pelos beijos trocados, as finas mãos cravadas na sua blusa e o peito inquieto, subindo e descendo constantemente.

Há quanto tempo estava longe de Arabella? Por quanto tempo se martirizou por tê-la deixado ir? O que tudo aquilo que estavam vivendo dizia sobre eles? Quando Alex e Arabella deixariam de ser ficção para se tornar realidade?

Ele não sabia, mas o gosto doce da boca dela lhe dizia que em breve descobririam. Juntos.


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Notas finais do capítulo

Beeem grande, como prometido! Hehe. [atrasado também, mas shhhh]



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