Espion Noir escrita por carlotakuy


Capítulo 30
XXX.


Notas iniciais do capítulo

Gente, mil desculpas! Mais do que mil, milhões, trilhões, quantos pedidos eu puder fazer a vocês!
Me sobrecarreguei muito essas semanas e fiquei impossibilitada inclusive de respirar.
Mas sem mais explicações, pretendo compensar todo o tempo longe! E ainda mais a tensão que deixei na mão de vocês! Hehehe. Let's go!



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Durante a sexta-feira, com Alex na escola e Clara bem acomodada na casa de sua irmã, Sofia rumou ao supermercado. Precisava com urgência fazer as compras para o mês e seu salário havia acabado de ficar disponível na conta.

Apressada ela entrou na enorme instalação, puxando um carrinho qualquer e seguindo pelos corredores movimentados. Haviam muitas pessoas, abarrotadas umas as outras, quase se espremendo intencionalmente a cada corredor.

Foi essa euforia coletiva que causou uma briga no setor de carnes e acabou fazendo Sofia se adiantar na área de lanches. Ela sorriu consigo, nostálgica, ao ver os achocolatados e biscoitos que Alex costumava adorar na escola primária.

Clara não era muito fã dos biscoitos do irmão e os trocava facilmente por qualquer lanche mais vistoso, como salgadinhos em formados de animais ou doces em tiras coloridas.

Eles eram tão diferentes.

O carrinho caminhou tranquilo em um corredor ao fundo, esquecido pela multidão agitada em busca de suas refeições. Sofia passeou pelo mesmo, sem nada pegar, apenas se lembrando da infância do garoto.

Alex era um garoto energético e alegre, sempre brincando com os vizinhos e com o pai. Poucas foram as vezes em que ele chegou limpo em casa após uma tarde de brincadeira, e menos ainda as vezes em que ele não gostava de chegar assim.

Mas a infância passou muito rápido e agora, na adolescência, ele era completamente diferente. Se tornou retraído e mal saia de casa. O contato com os vizinhos foi perdido e além do computador e alguns poucos amigos da escola, Alex se fechava cada vez mais.

Sofia suspirou.

Eles sempre tiveram uma boa relação de mãe e filho, que se tornou ainda mais forte depois da morte de seu pai. Sofia era a base da família e tomando conta de tudo e todos ela os reestabeleceu, tanto financeiramente quanto emocionalmente.

Mas ainda sentia esse distanciamento.

Quando Arabella chegou mexeu em algum ponto de Alex que Sofia não conhecia. E apesar de vê-lo tão diferente de sempre, ela gostou do que viu. Arabella era um ponto de equilíbrio para seu filho e vê-lo tão abalado daquela forma só podia significar a perda dele.

Quando Arabella voltaria?

— Ela nem me deixou um bilhete – resmungou parando e pegando uma embalagem de leite.

Depois de examinar a pequena lata e colocá-la em seu carrinho Sofia puxou de seu bolso uma extensa lista de compras. Os itens ocupavam mais espaço que o papel e com uma caneta estratégica ela riscou os itens já presentes no carrinho, conferindo um por um.

De repente algo se encostou nas costas dela e Sofia paralisou. Pensou em pedir licença a pessoa, em reclamar ou até mesmo se afastar, mas tudo isso desapareceu num piscar de olhos ao ouvir a voz familiar.

— Sofia, sou eu.

A mulher tentou falar, mas foi impedida.

— Não vire para mim.

Ela obedeceu, ainda que confusa.

— O que está acontecendo? – perguntou Sofia, baixinho.

Arabella estava de frente a uma estante de achocolatados e retirando um da mesma, começou a examiná-lo com os olhos. Ao redor delas alguns poucas pessoas se mantinham, cada uma em um lugar específico.

— Muita coisa que não posso explicar, mas preciso que confie em mim.

Sofia assentiu nervosa.

Não entendia porque Arabella estava agindo daquela forma tão estranha, mas se ela tinha suas razões, não as contestaria. Sabia o quanto podia confiar nela e sentiu durante todo o tempo em que estiveram juntas toda a verdade por de trás de sua personalidade.

Não havia ninguém melhor que Sofia para julgar a personalidade de alguém.

— Tem a ver com o que está acontecendo com Alex?

A expressão de Arabella se fechou, tensa, e encarando o achocolatado ela estalou a língua. O barulho respondeu a Sofia: sim.

— O que está fazendo aqui agora?

— Eu não sei.

Sofia quis sorrir com a afirmação tão sincera da garota. Se elas estavam num contexto que exigia tamanha discrição uma ação tão deliberada poderia estragar tudo.

— Eu queria poder ver você – admitiu, segundos depois – e falar com você. Eu estou indo embora Sofia e queria poder me despedir. Você foi uma pessoa muito especial para mim.

A mulher sorriu e remexeu seu carrinho, catando, entre as compras já postas, um saquinho.

— Obrigada por tudo.

— Não precisa agradecer – Sofia encarou o saquinho em suas mãos – você também foi especial querida, durante todos esses dias em que me ajudou, você foi como uma filha para mim.

Lágrimas despontaram nos olhos de Arabella e a mesma segurou-as. Aquelas palavras eram tão ternas vindas dela, tão doces, tão especiais. Sofia era especial. Não só para Arabella, ou como a mãe que era.

Sofia era especial como pessoa.

— Muito obrigada – a jovem devolveu o achocolatado para a estante – agora eu preciso ir.

— Para onde está indo?

— Não posso dizer – Arabella fez uma careta – mas é muito longe.

— Tem algo a ver com essa posição estranha que estamos conversando? Ou é coisa da minha cabeça?

A garota riu baixinho, acompanhada da mulher.

— Tem a ver sim.

— Certo.

— Eu queria pedir uma última coisa.

— Por favor – Sofia rodou o pequeno saco nas mãos.

— Por favor, continue cuidando de Alex como você sempre fez.

A mulher parou de rodar o saco e o encarou pensativa.

— Eu vou, não se preocupe. Mas e você?

— Eu? – Arabella sorriu, ela também iria – Vai ser muito perigoso.

— Perigoso?

A garota se xingou mentalmente por falar besteira.

— Sim – a mesma suspirou pelo que fez – algo assim.

— Por isso estamos de costas uma para a outra fingindo ler rótulos?

— Sim...

Sofia riu deixando a jovem confusa. De repente a mulher virou-se a abraçou, deixando-a momentaneamente estática. Lentamente o calor de Sofia a preencheu.

— Isso...

— Alguns riscos merecem ser corridos.

Arabella deixou que rasas lágrimas vazassem de seus olhos ao abraça-la de volta com toda sua força. Jamais a colocaria em perigo. Tudo aquilo era apenas para não ter que encará-la depois de magoar seu filho.

Mas Sofia era tão maior do que isso que a acolheu, mesmo sabendo do que havia feito e do que não. A abraçou com a força de uma mãe e a confortou como tal.

Depois de longos segundos de um abraço quente e de despedida, elas se separaram. Olho no olho ambas sorriram e Sofia alisou suavemente o rosto da jovem.

— Para onde quer que vá, tome cuidado. Espero encontrá-la um dia novamente.

Arabella assentiu, apertando um lábio contra o outro, tentando controlar as emoções e as lágrimas. Sofia depositou cuidadosamente nas mãos da jovem o saquinho de confeitos e lhe sorriu.

— Cuide dele pra mim – foram as únicas palavras que Arabella conseguiu dizer antes de desabar em lágrimas e apertar com força o saco em mãos.

Sofia a abraçou novamente e escondeu o rosto da jovem em seu colo, afagando-a. Um beijo singelo entre os cabelos negros fez todo o corpo de Arabella começar se acalmar.

Ela fez um chiado breve, acalentando-a, e as poucas pessoas no corredor olharam para elas perplexas e comovidas. Algumas poucas se afastaram enquanto outras decidiram passar para o outro lado por um outro corredor.

Quando ambas se afastaram novamente e sorriram, não disseram mais nada. Sofia depositou um beijo terno na testa de Arabella e se afastou com seu carrinho, lançando olhares para a jovem vez ou outra.

Arabella permaneceu parada no corredor ainda sentindo por todo seu corpo o calor daquela mulher. O quanto sentiria falta das palavras dela? De apoio e incentivo? Os conselhos e o bom humor?

Com certeza muito.

Limpando o resto das lágrimas a jovem respirou fundo e deu meia volta. Apertou o saco em mãos com força e sentiu o açúcar dos doces marcar seus dedos. Encarando o corredor a sua frente em passos firmes e sem olhar para trás ela saiu do supermercado, já com um destino e um objetivo.

Sofia cuidaria de Alex.

Arabella o protegeria.

 

•••

 

As aulas foram um saco e Alex agradeceu mentalmente quando o sinal soou anunciando a hora de largar. O grupo imediatamente seguiu até a porta e parado no corredor ele encarou a escadaria.

Arabella não havia ido em sua casa, mas estaria ela lá em sua sala?

Thomas chamou o amigo e dando uma última olhada para os degraus Alex o seguiu. Durante o percurso até a entrada os pensamentos dele voltaram-se todos para a jovem, imaginando-a lá em cima, sozinha.

Por um breve momento ele soube o sentimento que jazia dentro de si.

Saudade.

Alex parou de caminhar e puxou o ombro de Thomas, fazendo-o voltar-se para ele enquanto os outros continuavam seu caminho.

— Eu preciso fazer uma coisa, vão na frente.

O castanho sorriu, assentindo, tendo uma vaga ideia do que o amigo faria, e  quando Alex virou-se e correu para dentro do colégio, Thomas voltou a caminhar alcançando sem dificuldade a dupla logo a frente.

Alex subiu os degraus como um raio. Parado no segundo andar ele podia ouvir sua respiração descompassada ecoar pelo corredor. Tomado de ansiedade em ver a jovem ele correu mais uma vez até a porta e a abriu com tudo.

Tamanha foi a decepção dele ao ver, a sala que dias atrás foi cenário de seus beijos calorosos, completamente vazia. 

Não havia um só móvel e tirando o ar-condicionado só se podia ver um relógio suspenso, que com seu barulho irritante, mostrava a hora.

Alex caminhou para dentro do cômodo, sem acreditar no que via, e inspirou tristonho o ar abafado. Sua respiração lentamente foi se regulando e ele suspirou mais uma vez. O que estava acontecendo? Onde estavam todos os móveis?

Várias possibilidades atravessaram sua cabeça, e ele correu novamente, batendo a porta em sua saída e seguindo apressado até a diretoria. Arfou, buscando ar, quando parou de frente a porta da secretária e assim que se recuperou fez sua melhor postura, entrando na sala.

A velhinha que jazia na escrivaninha, carimbando papéis, voltou-se ao jovem com um olhar afiado por detrás dos óculos quadrados. Alex respirou fundo sentando de frente a ela.

— Boa tarde, o que deseja?

— É sobre o projeto social...

— Ah, sim. Você não é o primeiro que vem aqui me perguntar sobre ele – a idosa puxou um papel da gaveta – infelizmente sinto informar, mas o projeto foi cancelado pelo patrocinador.

— Patrocinador?

— Sim – a mulher o encarou pensativa – o investidor do projeto ligou hoje se retirando e, infelizmente, o cancelamos por falta de recursos.

— Pensei que ele fosse feito pela escola.

A idosa riu.

— Você realmente achou isso? A direção e seus truques...

Alex se levantou da cadeira.

— Obrigado pela informação.

— Por nada querido.

— Só mais uma pergunta.

A mulher o olhou na expectativa e ele engoliu a própria saliva em ansiedade.

— A coordenadora do projeto, Arabella, sabe dizer algo sobre ela?

A velha abaixou o olhar, quase como se estivesse triste.

— Infelizmente não meu garoto – suspirou – ela não apareceu desde terça-feira, e não atende qualquer ligação minha.

Alex ergueu lentamente a sobrancelha.

— Sua?

— Sim – a mulher fitou o jovem de pé a sua frente – nos tornamos amigas com o tempo que ela passou aqui, e vê-la desaparecer assim do nada me deixou bastante preocupada.

— Eu entendo – ele abaixou o olhar para o chão.

— Agora tenho que trabalhar – ela lhe sorriu de lado – me desculpe ter que expulsá-lo, mas realmente estou cheia de coisas para fazer.

— Não, não se preocupe. Obrigado pela informação.

Alex saiu cabisbaixo da sala fechando lentamente a porta atrás de si.

Arabella havia desaparecido, assim como ele lhe disse para fazer. Da sua vida, da sua casa, da sua escola.

Em passos lentos o garoto rumou a saída, refletindo sobre tudo o que estava acontecendo. Ele realmente queria ver ela novamente? Arabella ter sumido não era o melhor para ele?

Alex não sabia responder e passo a passo a angústia em seu peito aumentava. Ele caminhou despretensiosamente até sua casa, vendo as ruas passarem em câmera lenta por seus olhos, lembrando-se do percurso junto a jovem.

Eles sempre conversavam animados.

De repente, ao dobrar uma das ruas, Alex notou um trio nada discreto logo a frente, cochichando entre si. Uma de suas sobrancelhas se ergueu de imediato ao ver a cabeleira loira de Brad e as bolsas de Thomas e Henry.

Ele apressou o passo.

— O que estão fazendo aqui?

Thomas virou-se para o amigo com um sorriso de lado enquanto Henry tentava assobiar sem sucesso.

— Estávamos só...

— A gente estava te esperando – delatou Brad.

O garoto recebeu olhares de reprovação dos amigos.

— Qual é, a gente estava esperando sim – voltou-se a Alex – amigos fazem isso, se preocupam com os outros.

Alex olhou de Brad para a dupla e Thomas sorriu de lado, coçando o próprio cabelo em constrangimento, enquanto Henry dava de ombros assentindo.

— Vocês resolveram me esperar?

— Sim – murmurou Thomas – pensamos que talvez o que pudesse vir a acontecer lá te deixasse mais abalado, então...

— Estamos aqui só pra conferir que ia ficar tudo bem – adiantou-se o moreno.

Alex, ainda sem forças, não deixou de sorrir. Aquela era uma amizade que ele iria guardar para sempre consigo.

Buscando acalmar os pensamentos sobre a jovem e a emoção de ver seus amigos tão unidos e empenhados em lhe ver melhor, Alex tomou a dianteira do grupo, puxando Thomas pelo pescoço.

— Então que tal, já que sobrevivi lá dentro, irmos a lanchonete comer alguma coisa?

Henry sorriu de lado e Brad adiantou-se para perto dos amigos.

— Convite aceito! – comemorou o loiro, fazendo todos rirem.

— Alguém me explica direito isso – disse Henry alcançando os amigos na caminhada – nós viemos para subir o astral dele ou ele o nosso?

Todos riram novamente e o grupo rumou, entre conversas paralelas e histórias malucas de Brad, para a lanchonete.

 

•••

 

Durante toda a semana seguinte os dias se deram assim, num clima leve e de descontração, e aos poucos, quanto mais Alex se distraía com os amigos, menos triste se sentia. 

Chegou a rir em alto e bom som quando Henry falou sobre sua experiência na cozinha de casa, com tempero para todo lado.

Mas ainda que conseguisse apaziguar as coisas dentro de si, elas nunca iam embora. Arabella sempre voltava, vez ou outra, para lhe incomodar, fosse pelas lembranças dos momentos com ela, fosse pelo cheiro adocicado que ela deixou em seu quarto, sua casa, seu corpo.

E nesses momentos, de pura saudade, Alex se revirava buscando aquela cabeleira negra, agora já curta, tão macia ao escorrer por seus dedos. Mas nada encontrando, se retraia novamente, sem saber o que fazer.

Durante a semana ligaram para Sofia, a avisando que a professora de reforço havia sido substituída e que mandariam outra em breve, mas a mulher declinou e cancelou as aulas. 

Alex não tinha mais reforço e quando, no topo da escada, ouviu a ligação de cancelamento, soube que estava tudo acabado.

Naquela mesma semana Alex conseguiu voltar a mexer em seu computador. Ainda que nenhum jogo conseguisse lhe reter a atenção por muito tempo, ele se divertiu por poucos minutos em cada um deles. E claro, continuou com seu plano.

Todos os dias, ao chegar da escola, após sair com os amigos, ele se sentava em sua escrivaninha e com dedos ágeis ia aos poucos fazendo download das informações da empresa em que seu pai estava envolvido.

Com apenas uma semana hackeando discretamente o sistema ele já se encontrava com dois terços do conteúdo salvo e podia ver a caricatura do que seu pai havia descoberto e que tanto a empresa queria esconder: um assassinato em massa de trabalhadores.

Mas apesar de tantas coisas se normalizarem, algo permanecia incompleto e quando Alex dormia a noite seu sono era turbulento. Arabella estava sempre ali, no fundo durante o dia, e em seus pensamentos mais vívidos durante a noite.

A saudade se fazia cada vez mais presente e por um momento ele desejou nunca tê-la expulsado.


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Notas finais do capítulo

Next!



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