Espion Noir escrita por carlotakuy


Capítulo 23
XXIII.




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Naquela noite Alex revirou-se diversas vezes na cama buscando um sono que não vinha. Quando fechava seus olhos podia ver Arabella, nua, gemendo, gritando seu nome. Podia sentir na lembrança o calor que lhe consumia e pronto: lá estava ele excitado de novo.

O jovem bufou indignado. Levantou pela terceira vez e caminhou cego pelo cômodo em direção ao banheiro do corredor. Lavou o rosto e passou as mãos molhadas por sobre os braços e pernas, afim de proporcionar uma falsa sensação pós-banho.

Quando voltou ao quarto e se deitou na cama o sono veio lento e gradual, e enquanto seus pensamentos vagavam entre a garota e biologia seus olhos fecharam.

No momento em que sua consciência cedeu um sorriso surgiu no rosto do rapaz e ele trocou de lado no colchão.

Durante o final de semana Arabella não apareceu.

Não que tivessem aulas nos finais de semana ou coisa do gênero, mas nas últimas semanas ela sempre aparecia para ajudar sua mãe, fosse para ficar com Clara ou para dividir as tarefas domésticas. Entretanto, durante aqueles dias, não houve um sinal sequer.

 

•••

 

Alex acordou na segunda-feira como todos os dias, preguiçoso e com sono. Levantou com ainda menos motivação e fez todo seu ritual matinal. 

A ausência​ da garota durante aqueles dois dias abalaram o mesmo. Não porque ele não a havia visto, mas porque não vê-la o fazia sentir seu temor ser mais real.

O temor dela desaparecer como um sonho.

Ele cogitou muitas outras coisas também, como a piora da febre, mas sua consciência sempre insistia em voltar ao mesmo ponto. 

Sua insegurança.

A caminho da escola Alex ficou surpreso por encontrar Henry ao invés de Thomas. O moreno comentou com o amigo a crise de estômago que o outro tivera e que não iria aquele dia para a escola. O caminho foi preenchido de conversas tranquilas.

Henry, apesar de estar sempre junto a Brad e receber a má fama do amigo por tabela, e dissesse claramente não se importar com isso, era completamente diferente do loiro. Sua cabeça era diferente, seu jeito, sua personalidade. 

Diferente de Brad o moreno era naturalmente sociável, pensava muito além de garotas e aventuras adolescentes, se preocupando seriamente com o futuro e já cogitando os cursos que pretendia fazer e seguir para o resto da vida. 

Eles eram como água e vinho.

Diante de tantas divergências nem mesmo Alex saberia dizer quando foi que a amizade entre o quarteto começou. Eles eram tão diferentes e ainda assim eram bons amigos.

— E então, como passou o final de semana?

As palavras do moreno fizeram Alex piscar despertando de seus pensamentos e inconscientemente suspirar.

— Foi normal. Só o de sempre.

— Com esse suspiro? – sorriu de lado – Duvido muito. Isso significa: ou uma decepção muito grande ou frustração ainda maior.

Eles se entreolharam e Alex sorriu. Havia esquecido o quanto Henry conseguia ler as pessoas.

— Posso dizer que foi um pouco dos dois – admitiu – mas é um assunto que prefiro não comentar.

— Você que sabe. Espero que aquelas garotas não tenham mexido tanto assim com você.

— Garotas?

O olhar do moreno foi o suficiente para esclarecer suas próprias palavras: ele estava falando de Cléo e Arabella. O garoto negou com a cabeça.

— Não, elas não me preocupam mais.

— Qual é, eu via como você me encarava quase furioso enquanto falava com a Anna Bella.

— Arabella – corrigiu automaticamente fazendo o amigo sorrir numa confirmação.

— Enquanto eu conversava com a Arabella. Sinto minhas costas doendo até agora depois de tanto ser fuzilado por seus olhos.

Alex riu e o garoto o acompanhou, alongando os braços preguiçosamente.

— Você é muito transparente às vezes. Está interessado nela? Quer ajuda? – sorriu brincalhão.

Alex retribuiu o colega com um sorriso distraído, sentindo as lembranças preenchendo sua consciência.

— É algo muito maior – comentou o mesmo trocando de calçada.

No curto espaço de tempo que tiveram Alex despejou tudo que vivera nas últimas semanas sobre o amigo. Todos os momentos juntos, os gestos, as ações, os sentimentos... Era tanta coisa que o breve resumo não chegou aos pés de tudo que os envolvia.

Ao final do conto, e já de frente ao portão, Henry parou sua caminhada e murmurou uma afirmativa, tocando amigavelmente no ombro de Alex. Seus olhos chocolates eram pura compreensão.

— Entendo você. As mulheres fazem isso com a gente, é complicado. Seja mais confiante em si mesmo.

Alex observou o mesmo e sem saber como responder sua afirmativa assentiu, observando o baixo movimento na entrada da instituição.

Era mais fácil falar do que ser, pensou.

— E a propósito, tudo o que falei com ela foi sobre o projeto, não se preocupe – Henry sorriu divertido.

E antes que Alex pudesse retrucar um eu não perguntei nada disso, o moreno se afastou correndo em direção a um grupo de amigos de outra classe. 

Ainda parado no portão Alex não conseguiu deixar de sorrir.

Ele com certeza tinha bons amigos.

 

•••

 

Arabella se encontrava de frente ao grande espelho de seu banheiro encarando com determinação a imagem ali refletida. Aquela garota dentro dele, aquele reflexo era ela, ninguém mais.

Com um suspiro a mesma abriu uma das gavetas e puxou de lá uma tesoura afiada, encarando-a sem seguida.

Os olhos avaliaram críticos a lâmina e depois de revezar entre ela e o espelho duas vezes, a jovem suspirou.

A verdade era que ela não conseguia se lembrar de seu nome real, se é que possuía um. Nunca havia sido nomeada por sua mãe e a primeira vez que a chamaram por um nome, ela já tinha dez anos e estava em uma missão.

Foi um caso fácil, assim como todos os enviados aos novatos. 

Ela fora enviada a um orfanato e adotada por seus primeiros alvos. Doutor Andrew era um homem bom e sábio, lhe ensinou muito sobre valores e ética. Senhora Érica, sua esposa, era gentil e calorosa, e sempre lhe oferecia biscoitos quando ela seguia a etiqueta.

Aquele casal só cometeu um erro de conduta: eram tão podres quanto merda, envolvidos em negócios sujos de prostituição de menores.

Arabella, chamada Suzana nesse período, incumbida de investigar o caso, foi muito bem na sua primeira missão, acabando-a em duas semanas.

Eles foram presos e ela voltou ao orfanato, na concepção deles. 

Dali em diante ela se chamou Ana, Daniela, Sandy, Charlotte, Lúcia. Ela nunca saia de um papel, uma roupagem. Era sempre outra pessoa que ela tinha que ser. 

Não era ela.

Os olhos esverdeados cravaram-se vívidos em sua expressão de melancolia no espelho. Alex havia a feito enxergar tantas outras coisas, a abriu tantas portas e possibilidades. Era hora dela mesma dar seus primeiros passos.

Ela, não uma personagem.

A tesoura iniciou seu trabalho.

 

•••

 

Alex revirou os olhos mais uma vez depois da segunda explicação de Wiliam sobre genética. Havia visto aquele assunto superficialmente com Arabella e conseguiria dar uma aula bem melhor do que aquela, que sequer havia saído das primeiras linhas do livro.

Toda a sala estava separada em duplas e Alex se juntara a Henry, com Brad a sua frente fazendo par com um dos garotos de seu ciclo de amigos. O loiro jazia virado de lado e conversava animado com Henry e o garoto, quase num quarteto.

O professor, depois de meia hora explicando o assunto e ainda assim o deixando vago, anotou no quadro um total de cinco questões. 

Parando ao lado de sua mesa e com toda a falsa atenção dos alunos sobre si sorriu com superioridade.

— Vocês devem responder essas cinco questões em sala. Se todas estiverem certas, ganham dois pontos. Para os que possam não ter tanta familiaridade com o tema vou lhes ajudar.

Ele apontou com a palma da mão na direção da lousa.

— Uma dessas cinco questões vai valer um ponto diretamente na prova. Não vou dizer qual é, então, boa caça as notas.

O sorriso que ele lançou, tão mal intencionado, caiu sobre Alex que o encarou desafiador de volta. Quando começou a fazer a atividade junto a Henry o mesmo notou que precisava apenas de poucas associações com o que já sabia.

Era fácil como cobrir letrinhas.

— As aulas estão dando resultados hein – comentou Brad, inclinando-se para filar.

Alex sorriu, mas nada disse, enquanto Henry por sua vez concordou audivelmente com o amigo.

— Em breve teremos um professor de biologia.

— Não exagera.

Brad sorriu.

— Mas você ficou realmente bom, nem parece que perdeu quase todo o ensino médio.

— Eu não perdi quase todo ensino médio.

O loiro ergueu a sobrancelha e Henry riu da expressão do garoto.

— É verdade Brad, ele perdeu todo o ensino médio.

A dupla riu e Alex fez uma careta, voltando às questões. No final os quatro terminaram a atividade e, surpreendentemente, acertaram todas. Comemorando pelos dois pontos recebidos o grupo saiu da sala.

Os olhos traiçoeiros do garoto caíram sobre a escadaria. Arabella estaria lá na sala do projeto? Por que não havia aparecido em sua casa como fizera nas semanas anteriores? Teria algo a ver com a febre ou com ele? Miguel estaria lá em cima com ela?

Seu estômago revirou desgostoso.

A mão de Henry o despertou apertando seu ombro. O moreno sorriu acenando para os degraus com a cabeça.

— Vai lá, eu arrumo uma desculpa no lugar de Thomas pra hoje.

Alex sorriu automaticamente e assentiu, observando o grupo se afastar. Encarando os degraus e respirando fundo ele iniciou sua subida.

Um degrau por vez ele foi ficando mais próximo do segundo andar,  com suas mãos​ suando, externando o nervosismo.

Ela agiria como agiu após a festa, como se nada tivesse acontecido? Estaria Miguel lá dentro pronto para devolver seu soco? Nenhuma das possibilidades acalentava seu coração e de frente ao corredor ele encarou sua própria insegurança.

O que tivesse de ser seria.

Tentando esvaziar seus pensamentos ele seguiu até a sala e parou de frente a porta. Tomou um novo fôlego. Quando a maçaneta girou e a porta abriu Alex entrou sem cerimônia, mas para sua surpresa não havia ninguém lá dentro.

O único zumbido vinha do ar-condicionado e de um irritante tique do relógio. Os olhos curiosos do jovem percorreram toda a sala e, reparando nos detalhes, notou que o nome de Miguel já não se encontrava sobre a sua escrivaninha.

Passos ecoaram no corredor. Alguém correndo.

Alex, assustado, virou-se automaticamente para a porta e a visão lhe fez prender a respiração. Arabella se encontrava levemente suada e corada pela corrida e pelo frio. Suas roupas eram mais leves e ao invés das vestes sociais de sempre, ela trajava um macacão curto jeans, sobreposto a uma blusa escura.

Ela sorriu ao vê-lo, ressaltando os lábios cobertos de uma suave coloração rosada. 

O vento soprou quente de fora para dentro da sala. Os cabelos dela esvoaçaram, curtos. A longa cabeleira parecia ter sumido para dar lugar a leves fios negros que brigavam por espaço ao redor do seu rosto.

Alex a admirou por segundos a fio. Sua voz parecia faltar e o choque entre o ar frio e o quente se fez ainda mais presente. 

Arabella sentia-se igualmente agitada, com todo o corpo reagindo a visão do garoto na sua frente. Quanto tempo estavam longe? 

Pareciam séculos.

Uma única pergunta rondou os pensamentos do rapaz.

Como ela o receberia?

Respondendo-o Arabella se lançou sobre ele num beijo profundo.


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Notas finais do capítulo

Aaaahhhh a juventude...



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