Capuz Vermelho - 2ª Temporada escrita por L R Rodrigues


Capítulo 7
Uivando de dor (Parte 1)


Notas iniciais do capítulo

Capítulo 2x05.

Que os urros agudos soem como prenúncios do dia prometido.

Um grito na escuridão...



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/755986/chapter/7

Naquele exíguo espaço - que mais parecia um pequeno-médio círculo -, a chama alaranjada provinda de um maçarico era a única fonte de iluminação, cintilando uma figura refém do medo, ajoelhada, semi-nua e acorrentada. Um homem calvo, aparentando ter lá seus 40 e poucos anos. Assassino de aluguel da mais requisitada experiência. Arquejava de pânico, o olhar parado fitando o chão. Em suas costas escorria um suor que não se sabia se era do desespero ou do calor gerado pela chama. Atrás dele, homens vestindo mortalhas e mantos vermelhos, escondendo-se nas trevas fixadas no local. Um deles estava perfeitamente visível, sendo o que segurava o maçarico.

O homem levantou a cabeça, sentindo uma presença vindo até ele. O olhar arregalado de pavor encarando um ser da escuridão aproximando-se. A chama do maçarico voltou-se para a pessoa que chegara.

Era Michael, sendo iluminado de baixo para cima pela luz laranja, lhe dando um aspecto tenebroso. O Mestre de Cerimônias mostrava-se de mãos juntas com os dedos cruzados, as mangas da mortalha caídas. Sua face estava séria, olhava para seu selecionado com arrogância exalante.

— Eu não estou entendendo... - a voz do homem era trêmula, gaguejante. - Você me contratou não foi? Era sua voz no telefone, não era? - assentia com a cabeça esperando uma confirmação.

Michael deu mais um passo à frente.

— Senhor Lark. - disse, em tom firme. - A fraternidade alterou seus protocolos recentemente. O senhor aceitou, por livre e espontânea vontade, agir a favor de nossos planos. Concordou com os termos. Portanto, sou eu quem não entendo.

— O... o que você não entende? - o homem passou a tremer mais rápido.

— Por que está com medo? - Michael inclinou seu rosto para vê-lo melhor. - Como um assassino como o senhor, inescrupuloso e preciso, pode estar neste estado? Você não leu o contrato que lhe mandaram por encomenda?

O refém passou a balançar a cabeça em negação freneticamente, desesperando-se mais e mais.

— Eu sinto muito... só li o parágrafo que dizia sobre a recompensa. - fez uma pausa, tentando lembrar do valor. - 20 milhões de euros! Você prometeu!

— Então dinheiro é mais honroso do que participar de nossas atividades? É isto que quer dizer?

— Não! - o homem olhou de relance para os dois lados. - Não é isso... Eu só não esperava que fosse chegar à esse ponto! E é claro, isso me dá medo, muito medo!

Michael dera uma risada baixa, evidenciando a covinha em suas bochechas.

— Não precisa ter medo de trabalhar conosco. - e inclinou mais sua face, deixando a luz da chama ilumina-la por completo. - Apenas tenha medo de recusar nossas propostas.

Lark remexeu os ombros em espanto. As pesadas algemas lhe apertavam os pulsos que certamente deixariam marcas. Sentiu o peso do arrependimento como uma bigorna afundando sua cabeça.

— O que vão fazer comigo? - disse, quase aos prantos.

Uma lágrima rolou pelo rosto do assassino, tomando brilho pela luz da chama.

Michael nem respondeu. Fez um gesto com os dedos e uma mão surgira da escuridão por detrás dele, lhe entregando o que parecia ser um ferro de marcar. Expondo o objeto à luz, revelou a ponta do mesmo como sendo um círculo "cortado" por uma linha curva.

Aproximou o símbolo à chama do maçarico. Lark observava atento, e escutou o chiado da figura circular entrando em brasas.

Significava uma lua, aparentemente minguante. Michael logo apontou o ferro para o peito nu de Lark, demonstrando não esperar nem um segundo a mais. Se seu pai ainda estivesse são o suficiente para testemunhar aquilo, certamente revoltar-se-ia com aquelas drásticas mudanças, tão contradizentes e radicais em relação às regras deixadas para trás.

— Todos aqueles que possuem o mesmo ofício que o seu, fizeram a iniciação. - Michael chegara mais perto dele, a lua de ferro toda em brasas estralando ameaçadora. - Seja bem-vindo à fraternidade, senhor Lark. Definitivamente.

Em um movimento rápido como uma bala, O Mestre de Cerimônias marcou o peito de Lark à fogo, a carne chiando e queimando. Uma marcação profunda, pode-se constatar.

Um estridente e apavorante grito ecoou por todo o negrejante ambiente. O esconderijo secreto dos Red Wolfs ainda mantinha-se em segredo absoluto.

                                                                              ***

Um pesado e empoeirado livro fora jogado sobre a mesa, produzindo um barulho estrondoso. Tanto a poeira do livro quanto da móvel lançaram-se no ar e fundiram-se em uma só nuvem. O sol mostrava-se calmo com seus cintilantes raios atravessando as duas janelas retangulares daquela sala. Charlie dissipava com a mão a poeira que ofuscava sua visão. Uma segunda reunião estava sendo realizada naquela manhã, cujos participantes acordaram empolgados para novas descobertas.

Um espirro fora dado por Lester ao se aproximar da mesa, curioso, segurando uma xícara.

— Atchin!! - o café quase derramou-se. - Nossa! Que velharia é essa? - rodeou a mesa, analisando o livro.

— É o exemplar original da Bíblia de Abamanu. - respondeu Charlie, contemplando a grandeza da obra. - Eu gostaria muito que vocês tivessem trazido o escrito pelos Red Wolfs, assim eu faria uma comparação tanto das capas quanto do conteúdo. Certamente ambos tem diferenças.

— Tem razão. - Êmina se aproximou comendo um cookie, não tirando os olhos do livro. - A capa do livro que temos é diferente. E é menor. Este é maior e mais velho do que qualquer outra coisa que já vi.

— Ué, você não tem avós? - disse Lester, piadista.

— Cala a boca. - disse ela, lançando-lhe um olhar fulminante. O caçador estrategista aproveitou para rir consigo mesmo em baixo tom enquanto tomava mais um gole de café.

— Err... acho que Adam e Alexia já deviam ter vindo, não é? - perguntou Charlie, meio ansioso.

— Acho que já devem ter acordado. - disse Êmina, dando mais uma mordida no biscoito. - Me diz uma coisa, Charlie: Os magos do tempo possuíam algum mecanismo de defesa, alguma arma, escudo, qualquer coisa que pudessem lutar contra os Coletores?

O jovem suspirou levemente, novamente sentindo a tensão e o caos no nome de seus inimigos. No entanto, aquilo não o impediu de proferir uma resposta.

— Quando Cronos nos falou do que ocorreu às últimas gerações, nos instruiu a usar armas, de fato. - fizera uma pausa, coçando a barba por fazer. - Usávamos uma espécie de lança prateada , concedidas à nós pelo próprio Cronos. Contudo, nada disso foi suficientemente eficaz para barrar a ameaça. Foi quando... foi quando vi meus amigos serem mortos por suas próprias armas. Era impossível reagir. Os Coletores são imunes a qualquer arma de caráter humano.

Lester não deixou de expor sua dúvida.

— Mas espera aí. As lanças foram dadas por Cronos, então ele, obviamente, as criou. Não foi?

— Sim, ele as fez, mas a explicação lógica para isso está no fato das armas perderem seu "fator divino de criação" logo ao chegarem a este mundo. A lança foi criada pelo homem desde os tempos das cavernas. Então era lógico para Cronos que elas não surtiriam efeitos permanentes à seres maiores, por ser uma criação originalmente humana. - explicou, mantendo o semblante firme, sem deixar nenhuma brecha para um lampejo emocional. - Se Cronos fizesse cópias de sua foice, incitaria ainda mais a ambição dos Coletores, os tornando mais violentos. Creio que nesse caso, eu já não estaria mais vivo.

— Acredite Charlie. - disse Êmina, chegando mais perto dele, as tranças laterais destacando-se. - Também não é fácil ser um caçador. Principalmente quando se é da Legião. Ás vezes as perdas geram mais marcas do que as conquistas. - disse, adquirindo uma expressão triste.

Lester a olhou como se adivinhasse seus pensamentos, a face mais séria desta vez em seu branco rosto. Ambos recordavam a tragédia que marcou na diminuição do grupo. Dois caçadores mortos por um massivo ataque de lobisomens Lycans em uma aldeia pobre, eram bastante queridos dentro da equipe. Estavam próximos de serem promovidos, não fazia nem 1 mês que ainda haviam sido escalados para missões de alto risco.

— Eu entendo perfeitamente o que sente, Êmina. Devem ter passado por muitas dores. - concordou Charlie, baixando a cabeça, reflexivo.

A porta da sala finalmente se abrira, o rangido alto quebrantando o silêncio. Eram Adam e Alexia, entrando no recinto com olhares calmos, porém, que transmitiam certo temor. O braço-forte da Legião pegara uma cadeira e sentara-se perto da caixa onde Charlie guardava seus disfarces de idoso. Passou a mão pelo rosto, suspirando pesadamente, parecendo querer despertar para a realidade. Alexia dera um fraco "Bom-dia" para os presentes.

Lester, analítico como sempre, não deixou passar despercebido o ar abatido de ambos.

— Vocês dois estão bem? Parece que não tiveram uma noite muito boa. - e deu um último gole do café.

— Claro... - disse Alexia, tentando encontrar palavras. - Eu dormi bem, sim. Só estou um pouco cansada. - e sentou-se em um banquinho de madeira.

— Não me diga que teve uma visão? - perguntou Êmina, preocupando-se.

A vidente perdeu o fôlego ao ouvir a pergunta. Arregalou os olhos por poucos segundos, percebendo a incrível rapidez do pensamento da caçadora. Presumir prováveis causas era um dos dons de Êmina, característica que fortalecera seus laços com a Legião. Alexia quis desconversar, tentando ao máximo eclipsar sua preocupação com uma falsa alegria.

— Que nada. - e dera um sorriso aberto, expondo seus brancos dentes. - Eu só estou cansada por tentar me adaptar, só isso. Eu... demoro a me habituar com ambientes novos. Principalmente àqueles em que eu não visito há anos.

— Você me pareceu bem à vontade ontem. - replicou Charlie, claramente intrigado com o estado de Alexia, mas não menos desconfiado com a pergunta de Êmina.

— Talvez tenha sido impressão sua. - disse ela, com um tímido sorriso.

— Err... pessoal. - falou Adam, erguendo a cabeça. - Preciso contar algo à vocês: Hector telefonou para cá ontem.

Lester quase se engasgara com a própria saliva ao ouvir a última frase. Êmina sentiu um aperto no coração, mas alertando esperança. A dupla procurava entender uma melhor forma de expressar aquele redemoinho de sensações que os acometiam.

— Está falando sério? - perguntou a caçadora, incrédula.

— Sim. Ele está hospedado em um hotel, mas não disse em qual cidade. Estava com uma voz fanha, contida. Suspeitei que ele estivesse acompanhado. Mas vou direto à parte importante. - levantou-se, recuperando o espírito de líder. - Ele me alertou sobre uma ameaça que está à solta, totalmente relacionada à Abamanu, a profecia, ao que ocorreu na mansão de Ethan Nevill, à invasão à Londres e ao incidente na delegacia. Tudo isto está interligado. - revelou, convicto das palavras de seu companheiro de caçada.

Um silêncio arrebatador instalou-se no aposento. Todos os quatro olhares focavam em Adam.

— Loub não foi responsável pelo ataque à Londres. Uma espécie de monstro tomou posse de seu exército...

Lester o interrompera repentinamente, abismado.

— Espera! Acho que tudo está começando a se encaixar. - vasculhou em sua mente as peças do quebra-cabeça. - Você mencionou a mansão de Ethan Nevill. É isso! O monstro que de lá foi libertado aliado ao último capítulo da profecia...

— Fala do hospedeiro de Abamanu? - perguntou Charlie, igualmente tenso.

— Exato! Isso mesmo! - Lester estalou os dedos para ele, confirmando. - No capítulo é dito que "aquele que for a imagem, corpo e alma de nosso deus, construirá seu império a partir das ruínas de outro" e "conduzirás a marcha na escuridão em longas fileiras banhados pela rubra lua.". Este segundo trecho já se concretizou.

De imediato, Charlie abrira o livro. Antes disso, pôs uma daquelas máscaras brancas que os médicos e dentistas usam em seus procedimentos, para proteger suas narinas da poeira. O grosso exemplar foi aberto exatamente na página onde relata, em detalhes, a profecia. Letras pequenas e estranhas podiam ser vistas, em formatos indecifráveis para óticas desconhecedoras da sabedoria de um mago do tempo.

Adam revelou sua surpresa ao reparar no livro.

— Então... essa é a verdadeira Bíblia de Abamanu.

— Aqui está. - disse Charlie, apontando para um parágrafo. - "E viu-se o rei abrir mão do orgulho e do materialismo, reverberando à luz da lua, saciado de conhecimento, seus preciosos diamantes revestidos da folhas". O que entendem desta citação? - voltou-se para o quarteto.

Alexia, irrequieta, possuía inúmeras questões ardentes, mas até aquele momento expôs apenas uma.

— Charlie... - se levantou, aproximando-se do rapaz. - Como consegue ler esta linguagem?

— Ah sim, desculpe, eu não tinha revelado isso à você naquela época. - coçou a cabeça, desconcertado. - Os Magos do Tempo são os únicos seres humanos aptos à aprenderem o dialeto dos deuses.

— Dialeto dos deuses? - estranhou Adam. - Quer dizer que falam apenas uma língua?

— Precisamente. - afirmou, assentindo levemente com a cabeça. - Nós, frequentemente, nos comunicávamos dessa forma, isto quando atingimos o grau máximo... pouco antes do massacre.

— Será que você poderia falar uma palavra nessa linguagem, só para demonstrar? - pediu Lester, interessado em saber como o idioma divino era falado.

Charlie se conteve, tirando suas mãos do livro.

— Desculpe, Lester. Com os Coletores tentando me rastrear, é altamente perigoso que eu pronuncie qualquer palavra deste livro. Eles possuem olhos e ouvidos em quase todos os lugares, além de conseguirem detectar o dialeto dos deuses à anos-luz de distância.

A impaciência reinava na mente de Êmina, que batia o pé com os braços cruzados, aguardando por surpresas. Pensou em repreender Lester, mas já enxergava a irrelevância de tornar o clima entre ambos mais conflitante. Ajeitou sua calça apertada, voltando novamente sua atenção à explicação de Charlie.

Limpando seu colete marrom sujo de poeira, Charlie prosseguiu.

— Bem, eu havia perguntando o que entenderam da passagem que li. O receptáculo de Abamanu já está aqui na Terra. Significa que a profecia já avançou o bastante para se findar em pouco tempo.

Adam interrompeu o discurso do jovem físico para adicionar mais detalhes.

— Ahn... Só um instante, Charlie. - pediu, levantando a mão. - Além do que eu disse anteriormente, o nome da criatura é Mollock, ele tomou o Museu de História de Londres e o usa como uma espécie de palácio. Há passagens relacionadas à isso, tal como no livro escrito pelos Red Wolfs?

Charlie não respondeu. O fez tão rápido, que uma nova pergunta de Adam se mostrou desnecessária. Folheou várias páginas, voltando alguns capítulos, a poeira sendo jogada na luz solar que atravessava as janelas. Em um minuto, já havia encontrado.

— Aqui. - apontou para o primeiro parágrafo. - "A fortaleza do Rei resplandece a sabedoria de todas as eras.", ou seja, o Museu. "Engolindo vorazmente, sem vicissitudes, todos os filhos do Forte.", significando que Mollock deve absorver todo e qualquer conhecimento presente lá.

— "construirá seu império a partir das ruínas de outro." - disse Êmina. - Não faz sentido, sendo que o Museu está intacto e lá ele se firmou como seu local de reinado. - cruzou os braços, batendo o indicador na testa com os olhos cerrados. Estava mais atenta e reflexiva com todo aquele quebra-cabeças do que nunca.

— Espere um segundo. - pediu Charlie, novamente folheando freneticamente o livro. - Aqui, encontrei. "De um lugar esquecido, erguerá a bandeira da guerra, consolidando, definitivamente, seu domínio. Tingido de cinza, o império será construído sobre os cadáveres daqueles que outrora pertenceram-no.". O que me dizem? - levantou a cabeça, o olhar focado no grupo.

Uma atmosfera pensativa isolou aquele espaço, regado em profunda concentração. Todos os quatro olharam para cantos distintos da sala, deixando suas mentes instigarem-os a encontrar uma peça fundamental para um encaixe perfeito. Imaginaram lugares históricos, caídos no esquecimento. A luz do sol lhes dava certa segurança, cada vez mais alastrante ao chão arejado.

Três minutos de puro silêncio. Charlie emanava uma calma habitual, mesmo tendo ciência da urgência que a principal missão alertava. Durante o período, observou aqueles rostos tentando decifrar os caminhos misteriosos de suas mentes.

Lester fora o primeiro a quebrar o emudecimento.

— Já sei! - exclamou, estalando os dedos ao descruzar os braços. - Pode ser o Stonehenge.

Êmina segurou-se para não cair na gargalhada.

— Ahn... Lester, acho que é meio precipitado. - disse, forçando uma expressão séria. - O Stonehenge é conhecido mundialmente, sendo historicamente comprovado como um dos monumentos mais misteriosos que existem. O que está em questão é algo esquecido...

— Charlie, só uma coisa. - disse Adam. - Não diz mais nada a respeito deste lugar aí?

— "Com pilares, sustentou sua honra.". É tudo o que este capítulo diz. Vejam bem: Pilares. - ergueu o indicador para atenta-los.

— Eu havia pensado no Coliseu, em Roma. - proferiu Alexia, tentando ser participativa. - Mas já que você mencionou isso... Talvez o Templo de Poseidon. - a vidente pôs a mão no queixo, voltando seu olhar baixo para um canto.

— Não. - indagou Charlie, firme. - O Templo de Poseidon pode estar em ruínas e possuir pilares, mas não tem tons de cinza, logo excluímos ele facilmente.

— "sobre os cadáveres". Uma civilização. - especulou Adam, rápido como uma flecha, se sentindo mais à vontade com a discussão.

— Charlie, será que pode haver mais um capítulo que facilite a descoberta desse lugar? - disse Êmina, sem mais ideias a apresentar.

— Se for como Adam diz, talvez... - e folheou mais páginas, retrocedendo a profecia. Agora chegara em um outro capítulo, tão importante quanto. - Esteja sendo explicado aqui. A primeira aparição de Abamanu na Terra, como eu havia dito a vocês ontem. A lenda que me disseram era apenas lenda.

Forçou um pouco mais sua visão para as palavras escritas, semi-cerrando os olhos.

— Eu traduzi este capítulo. É intrigante. A guerra entre dois deuses. Foi aqui que Abam...

Uma vertigem atracou-se com sua cabeça estendendo-se para o corpo. O rapaz passou a ver a sala girando, até transformar-se em um lento borrão. Sua visão tornara-se turva à medida que piscava na tentativa de reavê-la. O recinto estava confuso, como se o tecido do espaço-tempo estivesse colapsando ao seu redor. Recuou alguns passos para trás, cambaleante, visualizando o chão.

— Charlie! - gritou Alexia, preocupando-se e se levantando.

Adam fora rápido o bastante para apoia-lo e impedi-lo de cair no amontoado de caixas perto dele. O segurou pelas axilas assim que começou a cair, dando os primeiros sinais de um desmaio. Êmina, Lester e Alexia rodearam-o, desesperados.

— Charlie, por favor... - dizia Alexia, agachando-se. - Acorda.

— Espera... - Adam fez força para levanta-lo e senta-lo na cadeira onde estava. O arrastou até o ponto.

Segundos passados, o jovem se via sentado, gradualmente recuperando a boa visão. Entreviu, confuso, os rostos tomando forma diante dele, ouvindo as vozes aflitas a seu redor. "Charlie! Charlie está me escutando?", o som lhe era longínquo, mas a voz e os alaranjados ruivos cabelos eram reconhecíveis. Deixou as pálpebras levantarem-se por completo.

— Oh, graças a Deus. - aliviou-se Alexia, pondo a mão em seu peito. - Você está bem?

O jovem físico não respondera. Ajeitou-se na cadeira para sentar-se melhor, ao passo em que reavia o fio da meada. Os quatro o fitavam, os olhares seriamente preocupados.

— Charlie, o que houve com você? - perguntou Adam - Por que desmaiou assim, tão de repente?

— É, e justo numa parte importante. - disse Lester ao lado dele.

— Eu... - o mago do tempo esforçava-se para falar - Perdão. Me desculpem. Tudo de repente rodopiou e eu perdi a consciência. Senti algo pesado me arrastar...

— Não era nada demais. - respondeu Êmina, aproximando-se dele. - Foram só os braços do Adam. - e tocou seu ombro sorrindo.

— Obrigado. - agradeceu ele, voltando-se para Adam.

— De nada. - o caçador sorriu levemente.

— Você está pálido. - avaliou Alexia. - Não acha que se esforçou além da conta?

— Sim, é verdade. Acho melhor eu me poupar por hoje. O texto que eu estava lendo demandava uma leitura muito concentrada. O traduzi faz anos, além de que não leio manuscritos com dialeto dos deuses há um bom tempo. Nesse caso, estou meio enferrujado. - lamentou.

— Havia mencionado "guerra entre deuses". - disse Adam, não escondendo sua curiosidade. - Acho que não preciso dizer o quanto isso nos deixou... você sabe.

— Sim, tudo bem. - disse Charlie, se levantando a cadeira. - Não se preocupem, prometo que não deixarei isso passar em branco, vocês merecem saber. - caminhou rápido em direção a mesa.

Alexia tentou uma interceptação repentina, tendo em vista o quadro de seu amigo.

— Charlie, o que vai fazer? - andara a passos largos, alcançando.

O jovem barrou-a erguendo levemente a palma de sua mão, com um semblante aparentemente austero.

— Por favor, Alexia. Eu estou bem. Apenas irei guarda-lo.

A vidente deixou cair os ombros, entendendo a justificativa. Assentiu, voltando para o ponto onde estava, parecendo abatida. Segundos de reflexão passaram-se como torturantes minutos para Charlie. Nos áureos tempos escolares, seu bem-estar era preservado mais por Alexia do que por ele. Sempre fora grato por toda a preocupação exibida, mas por outro lado isto o incomodava posteriormente. Seu complexo de autossuficiência era o defeito mais vil que poderia demonstrar. Infelizmente, naquele momento já era tarde demais para fazer parecer algo diferente. Ajeitou seu colete cor de terra e fechou o pesado livro, os resquícios de poeira cintilados pela luz.

— Bem, creio que devem estar curiosos sobre como consegui este livro. - disse, segurando-o. - Sei que devemos agilizar, podemos estar avançando a passos lentos, a amiga de vocês, Rosie, pode estar viajando entre universos diferentes em constante perigo... Eu já preparei tudo. Agora resta vocês se prepararem.

— O que quer dizer? - perguntou Adam, desconfiado.

— Sigam-me. - disse Charlie, virando as costas e enveredando-se para um canto quase opaco da sala.

O jovem parara perto de uma pequena estante, pondo o livro no seu devido lugar em meio a outros de mesmo tamanho. Diante dele um tapete verde quadrado de cetim jazia no chão.

O arrancou, praticamente atirando-o longe. Mal se deu conta que o quarteto já estava perto dele, em polvorosa por tamanho mistério. Um alçapão foi revelado. Charlie puxara a corda fazendo a porta ranger estridentemente. Uma escada de madeira, aparentando ser de boa qualidade, surgiu, bem abaixo da abertura. O mago do tempo prontificou-se a descer primeiro.

— Bem, agora sim: Sigam-me.

CONTINUA...  


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Capuz Vermelho - 2ª Temporada" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.