Capuz Vermelho - 2ª Temporada escrita por L R Rodrigues


Capítulo 17
Último desafio (Parte 2)


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura.



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Josh novamente se via envolvido em uma escuridão quase predominante no esquecível corredor que conduzia o visitante ao depósito de peças para restauração. Sem escolhas e sem temer os riscos óbvios, ligou a lanterna. Confiava em seu taco: Um poderoso arsenal de armas de fogo em sua mochila que balançava enquanto seu usuário andava, em ruídos leves. A luz da lanterna vasculhou cada extremidade, cada canto do corredor. "Porta, porta... onde você está?", pensava o caçador, quase sem piscar os olhos, sempre alertas. Sua testa brilhava devido ao suor profuso.

Passados cerca de cinco minutos, o corredor parecia interminável. "É mais longo do que imaginei. Que surpresa...", pensou, desapontado. Imaginou como Hector e Eleonor estavam se saindo. Já se encontravam na ala II das armas como havia-se planejado? Foram pegos de surpresa em uma armadilha arquitetada por Mollock? Ou, quem sabe, ainda percorriam o extenso corredor... Questões como essas e diversas outras dominavam a psique ansiosa e elétrica de Josh.

A luz da lanterna, finalmente, parecia encontrar algo similar a um objeto de madeira... Mais alguns poucos metros adiante e lá se via, estava convidativa. embora muito velha. Josh sentiu uma atração irresistível quando viu a porta e teve a impressão de que suas pernas correram involuntariamente.

Para sua felicidade, estava escancarada. Um leve rangido foi reproduzido pelas enferrujadas dobradiças, que fora tornando-se agudo à medida que Josh excitava-se com a oportunidade e abri-a ainda mais. A madeira estava praticamente deteriorada, alguns pedaços caindo. A porta, após ser totalmente aberta, batera em algo sólido... um armário de ferro, talvez. Josh pouco ligou para o barulho feito, achando que não chamaria atenção de alguém que, suspeitadamente, estivesse fazendo guarda no subterrâneo. Foi andando com cautela máxima, os passos sem fazer nenhum ruído no chão empoeirado. Olhava para cada canto, cada ponto perceptível. A sala era fracamente iluminada por uma lâmpada fluorescente no teto e a única tomada estava repleta de poeira. Estantes de ferro estavam por todas as partes armazenando caixas de papelão com artefatos, outras caixas estando no chão com pinturas organizadas e inclinadas em fileiras.

Foi tirando as teias de aranha que grudavam em seu blazer de couro preto e em sua cabeça semi-careca. Avançando um pouco mais, conseguiu ver a portinhola que dava o acesso desejado. O curador, sabiamente, na época da construção da sala, pedira para não pôr nenhuma inscrição sobre a portinhola, julgando ser desnecessário indicar que aquilo dava para abaixo do solo - algo que somente funcionários do museu sabiam.

Comumente encontrava-se coberta por uma pilha de caixas, mas, naquele momento, estava exposta e curiosamente limpa. Josh pensou em bancar o detetive e analisar se havia impressões digitais na portinhola, mas percebeu logo o quanto urgia o pouco tempo que restava para sua tarefa. Largou a mochila e a lanterna e tentou abri-la, puxando com toda a força. A portinhola, com um arranco, foi de encontro ao chão, levantando uma nuvem densa de poeira. A abertura se revelou. Josh, tossindo copiosamente, jogara a mochila para o corredor abaixo.

Desceu a pequena escada, mas percebeu um detalhe: Não encontrava-se com disposição suficiente para fechar a portinhola tendo que deixa-la aberta enquanto conduzia Loub para fora. Mas aí vinha a seguinte e duvidosa questão: "Mas se alguém acabar vindo até aqui?", pensou ele, nos últimos degraus. "Ah, dane-se, meu armamento vai salvar o dia. Um pouco de rapidez e caio fora com o nosso homem.".

Correu pelo sombrio corredor subterrâneo, a lanterna ligada. Via tubulações de esgoto enquanto percorria. Por fim, chegara diante à porta metálica revestida com um cor branca, mas destacando ferrugens em algumas extremidades. Pôs a lanterna numa axila e puxou com força equivalente a qual usara na portinhola. Puxou até cerrar fortemente os brancos dentes. As veias de suas mãos estavam em relevo devido à força aplicada. Depois do que pareceram dois minutos de pura luta, Josh deu-se conta de que estava trancada. "Merda.", praguejou.

Por outro lado, estava aliviado por não haver nenhuma quimera fazendo guarda ali. Suspirou, limpando o suor da testa, as gotículas respingando no chão. A alternativa mais viável: Atirar na pesada maçaneta. Sacou um rifle 50 mm de tamanho médio e cano duplo. Mantendo distância, disparou contra a porta.

O estampido causou um barulho ecoante. Foram duas balas em um só tiro, algo que tal arma proporcionara. Uma ótima escolha, por sinal. A maçaneta virou metal quente e retorcido e a porta foi aberta.

                                                                              ***

Loub sobressaltara no exato momento do tiro disparado pelo rifle de Josh. "Meus Deus!", gritou em pensamentos, os olhos arregalados e tremendo de susto. Seu sono profundo fora interrompido. Parecia que estava sonhando e a melhor parte tenha sido "cortada". Ofegava enquanto olhava a porta de metal se abrir lentamente. "Mas o que significa isso? Quem poderá ser?".

Levantou-se e segurou as grades dianteiras da jaula, divisando a figura nada familiar que surgia. Os olhos pareciam querer brilhar em esperança. Sua camisa branca estava suja de terra e poeira e os cabelos grisalhos desarrumados.

Josh entrara, triunfante na cela, o rifle empunhado. Loub o olhara analítico. "Quem enviou este garoto negro?", pensou ele, semi-cerrando os olhos. "Pela jeito e as roupas... não tenho dúvidas, é um caçador! Hector está aqui!", animou-se.

— Quem o enviou? - indagou Loub, cortando Josh quando ele iria falar.

Sem responder, Josh direcionou-se à jaula após avistar as chaves. Guardou o rifle e enfiou uma das chaves na fechadura.

— Eu fiz uma pergunta, rapaz. - o tom de Loub era severo. - Quem o enviou? Responda!

— Olha coroa, eu não estou fazendo isso por vontade própria, tá bem!? - disse ele, tentando mais chaves, sem olhar para Loub. - Hector me disse dos seus podres. Parece que você fez merda, acabou escorregando, se lambuzou e está prestes a se afogar. - deu uma risada baixa e zombeteira.

— Ele também pagou você pra rir da minha cara? - perguntou ele, irônico.

— Em primeiro lugar: Não salvo pessoas por dinheiro. - tentou a última chave. - E em segundo lugar: Temos que dar o fora daqui, antes que seu filhinho querido venha e crave as garras em nós. - disse ele, abrindo a jaula.

Loub o olhou confuso por uns instantes. Não acreditou no que estava ocorrendo. Queria sorrir, mas seu maxilar parecia contraído e dormente. Piscou os olhos várias vezes para ter certeza de que não era um sonho ou uma alucinação. Andou para da jaula, esperançoso e sentindo um gosto prematuro de liberdade. Olhou para Josh. De alguma forma queria agradece-lo, mas viu que o jovem caçador de aluguel estava mais do que apressado. Ele fechara a jaula, trancando-a.

— Muito bem, estas chaves vão ficar comigo. - mostrou as chaves e em seguida as guardou no bolso de seu blazer. - Agora vamos. Hector não pode esperar muito tempo. - puxou Loub pelo ombro.

No corredor, ambos andavam apressados, tendo Loub caminhando em cambaleios leves devido ao torpor sentido durante o tempo que passou confinado. Josh empunhava seu rifle, indo mais na frente.

— Qual a razão para Hector ter vindo até aqui? - perguntou Loub.

— Na verdade, são duas. Primeiro: Acertar as contas com você. E segundo: Derrubar o rei maluco e cego.

— Rei maluco? - indagou, perdido. - Está falando de Mollock, certo? Ele pretende enfrenta-lo?

— Por mais incrível e suicida que pareça. sim. - respondeu Josh, mantendo a lanterna e a arma firmes nas duas mãos.

Loub ficou pensativo sobre o tal "acerto de contas". "Se Mollock for colocado fora de alcance por um tempo, eu diria que Hector planeja uma vingança contra mim.", pensou ele, suspeitando. "Não! Eu devo impedi-lo! Não, melhor ainda: Convence-lo de quem realmente é o inimigo. Convence-lo de que o curso da profecia saiu de meu controle e que estou arrependido!", desesperou-se.

Quando estavam quase próximos da escada, ouviram-se passos longínquos. Pararam abruptamente, olhando para cima, atentos e alarmados. Entreolharam-se desconfiados.

— Você não acha que é... - disse Josh.

— Não acho, tenho certeza. - afirmou Loub, convicto. - Lá vem os malditos guardas!

— Ótimo, você pode ficar bem aqui atrás de mim... - pediu Josh, apontando para trás com o polegar. - ... que eu vou abrir fogo contra essas quimeras licantrópicas. - carregou o rifle.

— Não será necessário. - disse Loub, calmamente. - Pelo que consigo ouvir... não parecem estar tão próximos quanto pensamos. Só basta subirmos e nos escondermos. - caminhou em direção à escada.

Josh quis para-lo para que ele se explicasse melhor, mas resolveu acompanha-lo, intrigado. O caçador subiu por último e, rapidamente, tentou fechar a portinhola. Com um gesto autoritário, Loub o impediu.

— Não. - segurou o antebraço de Josh. - É bom que a deixemos aberta para no caso de descerem. Se isso ocorrer, nós fechamos e eles ficam presos lá embaixo. - a fala do homem estava veloz. - Geralmente Mollock me visitava acompanhado de seus soldados, que ficavam do lado de fora da cela, no corredor. Apenas Mollock é capaz de abrir e fechar esta porta sem dificuldades... - soltara o caçador, esperando que ele entendesse a situação.

— O que significa que... Ah, não! - descobriu a resposta, sentindo um arrepio percorrer-lhe o corpo inteiro e fazendo uma cara desanimada.

— Sim, exatamente. - Loub passeou os olhos pelo depósito á procura de um lugar para se esconder. - Mollock está vindo para cá. Talvez acompanhado, talvez não. Não importa, precisamos dribla-lo. - ponderou o cientista.

— De que forma? - perguntou Josh, apreensivo. - Vamos, você é o cérebro dessa dupla! Eu só tenho as armas.

Loub não o deu ouvidos, Estava concentradamente procurando um ponto ideal onde se esconder. Os passos foram tornando-se mais audíveis e rígidos. Mollock parecia sentir odores não-familiares no depósito... e apressava-se para chegar a tempo de descobrir do que se tratava - ou de quem se tratava.

Loub pensou melhor e olhou para sua direita. Havia um enorme quadro ao lado de uma estante metálica. Estava coberto por um lençol branco para que fosse protegido da poeira. Além disso, estava inclinado, apoiado na parede. "Ótimo! É ali!", pensou Loub, sorrindo.

— Venha. - disse ele, puxando Josh pela gola do blazer.

Os dois se enfurnaram no "esconderijo". Por incrível que parecesse, cabiam perfeitamente os dois lá dentro, além de que uma parte do lençol ocultava uma lateral e a estante enorme ajudava bastante.

— Se não tivesse falado naquele tom espalhafatoso, Mollock não teria se apressado. - sussurrou Loub, repreendendo Josh.

O caçador fez uma cara de desconforto e moveu a mão perto do nariz como se quisesse dissipar algum cheiro ruim.

— Aí, o que você andou comendo, hein? - perguntou ele, em reprovação ao hálito de Loub.

— Nem queira saber. - respondeu Loub, secamente. - Preciso que deixe sua respiração o mais lenta possível. Um único movimento que humanos comuns não possam escutar, e ele nos encontra.

— É, eu sei, mas ajudaria bem mais se parasse de falar...

— Shhhh - Loub pôs o dedo indicador na boca, pedindo silêncio. - Aí vem ele.

Alguns segundos depois, Josh pôde divisar uma silhueta sinistra através da brancura quase transparente do lençol. Olhou um pouco mais atentamente. Mollock estava diante da portinhola aberta e parecia estar com dois de seus soldados. Ambos respiravam do modo mais lento e baixo possível, mantendo a calma. "Nunca pensei que fosse tão... grande e forte.", pensou Josh, meio surpreso. "Essa coisa deve pesar uns 380 quilos só de músculo!", espantou-se ele, exagerando ao estimar a grandeza do pupilo de Abamanu.

— Senhor, por que não entra? - perguntou um soldado.

Mollock estava em transe pensativo e desconfiado.

— Algum de vocês entrou aqui sem minha permissão? - perguntou ele, rigoroso.

"Putz! É a voz mais monstruosa que já ouvi!", pensou Josh, já recomeçando a suar. Loub pousou a mão em seu ombro e assentiu em um contato visual que se poderia traduzir como "Vai ficar tudo bem". Enquanto isso, Mollock já suspeitara do que ocorreu.

— Hum... Esperem-me aqui, só por via das dúvidas. - olhava discretamente ao redor. - Não demorarei mais do que dois minutos. - e encaminhou-se para descer a pequena escada.

"Droga!", praguejou Loub. "Esse demônio está ficando mais esperto a cada dia! Já suspeita que isso seja obra de algum intruso. Não... suspeita que nós estejamos aqui!"

Josh olhou para Loub em um leve gesto de cabeça, como que perguntando sobre como irão proceder.

Loub assentira de volta. Gesticulou com as mãos que intencionava empurrar o enorme quadro por cima das quimeras. Assentiu novamente perguntando à Josh se estava de acordo. O caçador ficou em dúvida por alguns instantes, sentindo a ameaçadora presença daqueles lobos bípedes. A tensão fervilhava em seu sangue como nunca antes. Fechou os olhos e suspirou pesadamente. Loub o cutucou com o dedo e o olhando com reprovação balançando a cabeça.

As quimeras ergueram levemente suas orelhas e cochicharam umas com as outras:

— Procure por ali. - sussurrou uma. - Vou por aqui. - apontou para a sua esquerda com a lança.

— Pode deixar. - respondeu a outra. - Também sinto o mesmo.

"Decida-se, rapaz. Confia ou não em mim?", pensou Loub, olhando fixamente para Josh quase que querendo tornar-se um telepata. Josh abrira os olhos... a quimera já estava a poucos metros de onde se encontrava o quadro, farejando minuciosamente dois odores contrastantes ao cheiro de poeira fina e densa da sala. Em um impulso corajoso, Josh reunira forças dentro de si novamente. Empurrou o quadro com as duas mãos, sem precisar da ajuda de Loub.

A obra emoldurada caiu por cima da quimera que estivera próxima, fazendo a lança que a mesma portava cair por outro lado. As figuras de ambos os fugitivos se revelaram diante da que investigava da outra parte da sala. A mesma rosnou ferozmente, a lança em punho.

Os dois correram em direção à porta rapidamente, mas a quimera, em um pequeno e rápido pulo, conseguiu bloquear a passagem, apontando a lança mortífera para eles. A figura da criatura era espantosa em meio à luz mortiça do depósito. Recuaram alguns passos. Loub ficara alguns centímetros atrás de Josh, que não hesitou em disparar duas balas de prata com seu rifle em uma mira precisa diretamente na cabeça da quimera.

A criatura largou rapidamente a lança urrando de dor, encostando-se na parede enquanto o sangue manchava-a e derramava-se no chão, jorrando como uma fonte. A outra quimera, outrora caída sobre a pintura, levantara-se abruptamente chutando o quadro, praticamente destruindo-o. O mesmo chocou-se contra a parede, a moldura quebrando-se. Pegou a lança e avançou contra Loub, que, em um ato rápido e mantendo-se alerta, segurou a ponta da arma e fez com que o cabo da mesma atingisse o rosto da quimera. Depois dera um chute violento em seu tórax, que a fez voar a alguns metros quase passando por cima da abertura da portinhola.

Josh, aproveitando a munição, carregou o rifle e disparou novamente. Quatro balas em dois tiros. A massa encefálica da quimera ficou quase que inteiramente exposta, esparramando-se no chão juntamente com uma crescente poça de sangue que se formava ao redor de sua cabeça. A criatura se contorcia de dor em urros estridentes. Ambos entreolharam-se... logo após um outro urro, ainda mais alto, que abafou o reproduzido pela quimera desfalecente. Vinha do subterrâneo. A dupla, em simultâneo, arregalou os olhos em desespero.

Foi instintivo. Correram para fora da sala como se não houvesse um destino pré-definido, até avançarem no escuro corredor vazio. No exato momento em que saíram da sala, a quimera que bloqueara a passagem antes tentara, em vão, usar suas últimas forças para agarrar a perna de Loub, na intenção de cravar suas garras naquela carne humana fugaz. Não fora rápida o bastante.

Mollock subia rápido a escada, possesso de fúria, quase espumando pela boca como um cão raivoso.

Deparou-se com seus soldados já mortos e ensanguentados. "Como eu havia imaginado! Se espalharam!", pensou ele, rosnando intensamente, os olhos esbugalhados. Olhou para o corredor semi-escuro à sua frente, enxergara, ao longe, duas pernas que dobravam de direção para outro corredor. "Papai!". Acontecera o que o rei em ânsia por ascensão temia mais do que sua possível ruína: Seu "pai" fora libertado por um dos intrusos e levado para sabe-se lá onde.

Não precisou correr. Era um ótimo andarilho quando apressava seus passos e sincronizava com sua força de vontade ilimitada. Havia pisado no sangue que ainda escorria da cabeça da quimera morta próxima à portinhola, deixando pegadas pelo chão da sala e, posteriormente, no corredor, bem como alguns miolos cerebrais grudados em seus calcanhares. Seus olhos amarelos fumegavam de ódio.

Alguém havia raptado seu "pai" e ele não mediria esforços para consegui-lo de volta. "Inadmissível! Inaceitável! Farei com que sofram até o último segundo de agonia por este ato petulante!", pensou, determinado a fazer o que fosse preciso para restaurar o andamento de seus planos.

                                                                             ***

Loub sentia suas pernas doloridas, especificamente os ligamentos dos joelhos. Fazia eras que havia corrido tão rápido e em tão pouco tempo. Diminuiu o ritmo quando enveredou, atrás de Josh, por mais um corredor escuro, desta vez mais largo em relação ao anterior.

— Está me levando até Hector?! - perguntou ele, arfando de cansaço, o suor molhando a camisa branca.

Josh ligara a lanterna.

— Sim! Ele me disse que eu deveria me encontrar com ele na ala II das armas antigas! Levando você vivo, é claro. - respondeu, apressado enquanto corria mais velozmente.

— E você sabe onde ela fica?

— Tenho um mapa, mas acredito que estamos na direção certa!

— Sei que não é uma boa hora... - fez uma pausa, seguindo a luz da lanterna para se orientar. - ... mas eu adoraria saber qual é a razão de Hector querer acertar as contas comigo! Eu não quero morrer!

"Então ele adivinhou.", pensou Josh. Loub, obviamente, já sabia dos intentos de Hector: Vingança. Fria e justa. Sem arrependimentos e sem piedade. Temeu que o caçador fosse faze-lo pagar uma penitência para expiar seus pecados em uma sessão de tortura, mas considerava a possibilidade de uma morte rápida, cuja dor não duraria mais do que 10 minutos. A morte poderia ser enganada. Apenas se... o convencesse. A tarefa seria árdua, mas não impossível. Tinha seus trunfos contra Mollock guardados como cartas Coringa na manga. Era tudo ou nada. Se quisesse sobreviver aquela guerra, teria de fazer o improvável para se aliar a seus ex-inimigos.

— Vai descobrir quando chegarmos lá! - respondeu Josh, friamente, sem parar de correr.

"Hector o orientou a esconder o jogo. Por que?! Ele terá de entender. Sim!", pensou Loub, perseverante em seu plano de sobrevivência.

                                                                              ***

A terceira porta alternativa da ala II das armas abria-se em uma lentidão que seguia um ecoante rangido. Fechou-se, porém, rápido.

Os passos de Hector, embora calmos, escondiam uma tensão compreensível. Estava prestes a se encontrar novamente com aquele que idealizou a morte de seu pai. O precursor da profecia do retorno de Abamanu à Terra. Procurou, de todas as formas possíveis não se exaltar em pensamentos, o que desgastaria sua mente para o clímax esperado. Olhou à sua volta. A sala com paredes de pedra meio alaranjadas ou meio sépia, iluminada por velas castiçais e candelabros luxuosos, dando um clima mais medieval correspondente ao conteúdo da ala.

Havia somente uma coisa que bloqueava seus pensamentos em Loub, mas não ajudava a diminuir a aflição nem um pouco: Eleonor.

A moça sumira misteriosamente, sem deixar rastros nem nada. "Ela utilizou uma magia para escapar do museu? Será que ela se sentiu cansada demais para o que vinha pela frente e simplesmente abandonou o barco? Será que... ela decidiu me trair?", pensou Hector, devaneando em um oceano de dúvidas. Seu olhar estava vago, desatento. Passou as mãos pelos espessos e lisos cabelos pretos afastando-os de sua testa, perdido. As mãos chegaram à barba, já um pouco crescida em um acariciamento decrescente e lento. Encontrara um médio bloco de pedra construído em uma parede atrás de si, situado no chão. Havia mais alguns semelhantes nas outras extremidades do salão.

Sentou-se tranquilamente, logo dando um suspiro pesaroso. Apoiou os braços nas coxas através dos cotovelos e pôs as mãos na cabeça, sentindo uma amarga solidão em meio ao silêncio.

As incertezas relacionadas ao plano passaram a pesar ainda mais sobre sua mente. Passaram-se dois... cinco... dez minutos. Silêncio total. Mais dez minutos apreciando as exuberantes armas medievais armazenadas nos tampos de vidro sustentados por retângulos médios de pedra. Andou por durante trinta minutos por todo o recinto. Silêncio permanente e insistente. A vagarosidade do tempo só torturava-o.

Passadas uma hora e meia de puro e maçante tédio. Mais uma meia hora de devaneios profundos e respirações de desalento. Duas horas completas. Olhou para o relógio, preocupando-se com Josh. Marcava 10:30. Não acreditava que o tempo ainda estava em plena manhã. Sentou novamente no bloco de pedra que havia estado outrora. Praticamente deitando-se, pensou em tudo: Rosie, seus grandes amigos da Legião - Adam, Lester e Êmina -, Rufus, a avó de Rosie que viajara e jamais dera notícias, o Mestre que lhe ensinou tudo o que sabia sobre o desconhecido, em sua firme parceira de missão Eleonor desaparecida... e em Josh, que demorava a chegar trazendo Loub consigo.

Tantos sonhos lúcidos e pensamentos ao mesmo tempo resultaram em mais tédio. O tédio converteu-se em sono. Que logo tornou-se em profundo adormecimento.

Hector estava ali, deitado sobre o tal bloco pedregoso, dormindo como se não houvesse um amanhã. Talvez matando as saudades das noites tranquilas em sua cama quando morava no leste do país.

Cerca de oito horas passaram-se. Oito horas de sono profundo.

Contudo, o silêncio fora rompido pela segunda vez naquela sala. A batida de uma das portas alternativas da ala estrondou por todo o recinto. Hector sobressaltou, despertando finalmente.

Levantou-se e logo pôde divisar, com a temporária visão turva, uma figura ligeiramente sombria e, sobretudo, ameaçadora à primeira vista. Levantou os olhos por definitivo e pôde ver. Arregalou-os no mesmo instante enquanto se postava de pé. Quis falar algo, mas as palavras pareciam presas.

— Não pode ser... - balbuciava o caçador, encarando com raiva a figura. "Droga! Ele não deveria estar aqui neste momento! Josh, onde você está? Terá se perdido? É o mais provável", pensou ele, o desespero cegando sua visão de futuro próspero.

— O que faz aqui!? - vociferou Hector.

— Ora, ora, se não é o caçador que invadiu o meu palácio deliberadamente e sem temor.

— Como soube que eu estaria aqui? Aliás, você, obviamente, tem algo a ver com o sumiço de Eleonor? O que fez com ela? Onde ela está? - perguntava Hector, a vontade de avançar contra ele crescendo.

A figura fez um gesto com a mão pedindo calma.

— Uma pergunta de cada vez. Mas eu também possuo minhas dúvidas e você será obrigado a responde-las.

Hector passou a encara-lo ainda mais fervorosamente.

Mollock estava diante dele, sorrindo canalhamente... como alguém que está cantando vitória antes do tempo.

                                                                                 ***

Vibrações no chão causavam-lhe uma ligeira sensação de impotência que foi tomando conta de cada músculo contraído de seu corpo. Rosie Campbell testemunharia a própria morte nas mãos de um ser dissimulado e nojento como aquele? Suas unhas quase cravavam-se no chão, arranhando-o, denotando a raiva por se sentir caída e supostamente derrotada. Os passos do Guia em direção à ele ficavam mais vibrantes e intimidadores. Uma estranha letargia tornou a jovem sua refém.

Um gigante de quatro braços se aproximava decidido a fazer o que fosse para cometer um ato brutal e Rosie mal movia um dedo... talvez idealizando um ataque-surpresa.

— Presumo que esta falsa demonstração de derrota não tenha lhe sido uma forma conveniente de escapar da situação. Como depois de tanto tempo enfrentando aqueles desafios consegue se mostrar tão ingênua em seus últimos minutos de vida?! - dissera o Guia, alongando os ombros, aquecendo-se.

Rosie ainda mantinha-se imóvel, caída no chão. A parede atrás dela estava meio rachada devido ao impacto da força arrasadora propagada pela aura do Guia. A "mesa redonda" permanecia intacta.

— Vamos, sua humana miserável! Profira suas últimas palavras! É a minha última ordem!. - pressionava o Guia, poucos metros próximo à ela. - Ou então a matarei neste estado deplorável em que se encontra sem diga nada. Falsamente rendida e inerte. Jamais imaginei que, a julgar pelo que você demonstrou em outrora, isto fosse ser tão fácil. Estou decepcionado, Rosie, decepcionado!

Seu pé esquerdo quase afundou o chão com o último passo que dera para se aproximar de Rosie. A jovem, por fim, levantava-se aos poucos. O Guia exalava um infestante odor de pele humana suada. Os olhos dela foram de encontro à face sem rosto e cheia de cicatrizes. Soavam como faíscas.

— Ninguém disse que seria fácil. - disse ela calmamente, recompondo-se. - Mas houve alguém... apenas um alguém que foi capaz de me fazer repor as esperanças... alguém que me mostrou um caminho quando eu achava que não havia mais nenhum... alguém que me fez acreditar que eu conseguiria todas as respostas para minhas perguntas... - erguera a coluna, ganhando uma postura correta.

O Guia fitou por um tempo aquela face firme e brava de Rosie.

— Alguém que pareceu provar que cumpriria sua palavra... alguém mais próximo de um amigo que eu tive durante toda essa aventura repleta de obstáculos. - deixou seu olhar fulmina-lo por completo.

— Oh, Rosie, eu sinto muito... - disse o Guia. - Mas pode me dizer quem era esta pessoa? Algum amigo imaginário que você criou apenas para não escutar o que eu tinha de importante a dizer?

O semblante de Rosie converteu-se em profunda possessão furiosa.

— Não se faça de desentendido! Era você, seu imbecil! - esbravejou ela.

Em um pulo impulsivo, Rosie dera um chute com sua perna direita diretamente na face vazia do Guia. O ser recuara alguns passos devido ao golpe, mas manteve-se rígido. Mais um ataque de Rosie. Desta vez fora no abdômen, com um cotovelo. Ouviu-se um grunhido de dor do Guia. Mais golpes. Rosie iniciou uma sucessão de fortes cotoveladas no abdômen enrijecido da criatura. O som ecoava pelo aposento. Parecia interminável de tão intensa. Como "encerramento", esticou os braços para cima e segurou a cabeça do Guia, dando-lhe uma tremenda joelhada em seguida. Pulou virando de cabeça para baixo e voltando ao chão. Sacou a sua adaga segurando firmemente o pequeno cabo, a ponta da lâmina voltada para o outro lado, horizontalmente.

— Se tem algo que você verá pela última vez... este alguém sou eu! - disse Rosie, em posição para lutar.

O Guia recompunha as forças e deu uma gargalhada estardalhaçante.

— Não há chance alguma de você me matar, Rosie! Reconheça a sua óbvia desvantagem! O que foi isso, afinal? Um número circense de um ser insignificante que acha que possui algum tipo de poder!? - zombou ele, ainda rindo.

Rosie continuou a encara-lo friamente.

— Se eu já não tinha nenhum medo de você antes... agora percebo que você continua o mesmo chato e cretino desde o início.

— Suas ofensas meramente humanas mal penetram na minha aprimorada mente. - gabou-se o Guia, inflando o ego. - Irei acabar com esse seu momento de auto-confiança cega em um minuto! Observe e aprenda como alguém como você deve se curvar diante de um ser como eu em uma luta!

— Mente aprimorada é!? - Rosie deu um sorriso sacana. - Vamos ver se ela é aprimorada o suficiente para aguentar a dor de uns bons cortes profundos. - manteve a adaga em riste, a lâmina reluzindo.

— Eu não teria tanta certeza... se eu estivesse no seu lugar, pequena. - disse o Guia, estendendo os quatro e musculosos braços para os lados. - Você conhecerá a dor... de um modo que jamais sentiu antes.

Em uma fração de segundos, uma espada muito familiar surgira na mão esquerda superior do Guia. Rosie esbugalhou os olhos, chocada. "Mas... esta é... está é a Lâmina Superior!", recordara-se. A primeira arma que utilizara para conseguir vencer o primeiro desafio. Uma réplica surgiu na outra mão superior do Guia. Mais outra na mão inferior esquerda e, em seguida, na direita. Rosie logo havia percebido, para sua iminente infelicidade, que seu oponente possuía vantagem sobre os aspectos.

— Reconhece esta arma, Rosie? - perguntou ele. - Você a usou em seu primeiro desafio... quando decapitou aquela criatura da floresta e depois a utilizou para abrir o seu corpo e arrancar o coração dela. A Lâmina Superior. Imponente e com poder inestimável, ela foi dada à mim como um presente de meu Lorde Abamanu para que fosse empunhada por você no início mas por mim no final. E aqui estamos nós. Frente à frente. É o poder desta espada que decidirá o verdadeiro vencedor.

— Que com certeza não será você. - retrucou Rosie.

As quatro espadas, repentinamente, adquiriram certo calor... logo entrando em brasas, crepitando. Rosie impressionara-se novamente. "Isso com certeza não é um jogo limpo.", pensou ela.

— E então, Rosie? Como está a sua confiança em si mesma? Abalada, eu creio. Em ruínas, talvez. - moveu um braço superior, preparando uma das espadas para um ataque imprevisível. - Eu, por durante inúmeras eras, fui visto como um simples brinquedo por meu Lorde... até que tive a honra de ser designado a tarefa de orienta-la e vejo só! Eu não me sinto mais tão desvalorizado! Eu sou o opressor e você, agora, é o meu brinquedo!

— Vai aprender que brinquedos também matam. E faça o favor de não contar a sua "infância sofrida", não estou interessada. - rebateu Rosie, andando calmamente para um lado, ainda em posição de combate.

— Você realmente espera que sua adaga possa me ferir enquanto estou munido por quatro espadas invulneráveis e em brasas?! - questionou o Guia, com ar arrogante. - Eu lhe dou duas opções para uma morte certa: Queimada ou partida ao meio. Qual delas você acha mais apropriada?

Batidas abruptas na porta principal da sala foram ouvidas. As portas duplas pareciam estar quase sendo arrombadas pelo que aparentavam ser chutes violentos. A maçaneta praticamente estava caindo devido aos golpes persistentes. Ambos olharam para a entrada quase ao mesmo tempo. Uma interrupção evidentemente inesperada, o que de imediato irritou o Guia.

— Chega de perdermos tempo! - voltou-se para Rosie, deixando as espadas em posições diferentes para ataques. - Você já está morta! Declare-se derrotada!

Rosie dera um estranho sorriso de satisfação e esperança. Olhou para o Guia, mantendo o sorriso.

— Acho que hoje não. - disse, secamente.

As batidas tornavam-se mais fortes. A tranca das portas estava quase se rompendo. O Guia ficara indeciso se alimentava sua curiosidade para esperar e saber quem estava do outro lado e prestes a entrar ou se atacava Rosie de uma vez com uma das espadas. De qualquer forma, não deveria admitir falhas naquela última missão, muito menos uma invasão de intrusos. O último desafio. Aquele era o momento perfeito para golpear Rosie e parti-la em mil pedaços com apenas uma Lâmina Superior estralando em brasas. Mas parecia que algo o paralisara. As portas estavam quase arrombadas... faltava pouco.

— O que foi? - perguntou Rosie. - Não ia me atacar agora? O que aconteceu? A curiosidade pegou o gato? - ironizou ela, olhando-o firme.

O Guia virava a cabeça para ambos os lados. Rosie, as portas, e vice-versa. Não havia nenhuma decisão plena em mente. Seu plano, sua missão, tudo o que seu ego e confiança sustentavam seriam destronados com apenas uma revelação.

A última batida. Decisiva e invasora.

A maçaneta voou. As portas duplas abriram-se vibrando, tremendo após o impacto. Não fora sido um chute, mas sim um tiro muito bem disparado... por Adam!

Um quarteto de humanos entrava rapidamente na sala. Dois rapazes empunhando armas de fogo, um magrelo e branquelo e um corpulento e musculoso. Duas jovens moças desarmadas, uma bela vidente ruiva dos cabelos alaranjados e ondulados e uma caçadora e alquimista com uma trança lateral apoiada no ombro.

Os dois oponentes desfizeram suas posições, estupefatos. "Não era bem o que eu esperava.", pensou Rosie, confusa. "Quem são eles, afinal?".

"Isso não pode estar acontecendo! Malditos sejam!", vociferou o Guia para si mesmo.

Adam apontou o rifle direto para a figura monstruosa do Guia, o olhar sério como nunca antes. O ser percebera a ameaça que os quatro representavam. Havia sido previamente avisado daquela possibilidade arrebatadora. Fitou o cano da arma de Adam, mirado em sua cabeça a certa distância.

O líder da Legião dos Caçadores deu sua palavra de ordem:

— Largue estas espadas e se renda de uma vez! Seu jogo diabólico acabou!

CONTINUA... 


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