Capuz Vermelho - 2ª Temporada escrita por L R Rodrigues


Capítulo 12
Dilema (Parte 2)


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



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O azul esclarecido da íris dos olhos de Rosie fervia em uma louca mistura de raiva, cansaço e impaciência ao fitar aquele aparentemente bondoso senhor idoso. O tique-taque dos relógios ressoava por todo o espaço comprido. O Relojoeiro, com certa malícia no semblante, sorrira suavemente para a jovem, esperando que a mesma pudesse entender seu propósito com a última declaração, que mais parecia uma tentativa de iniciar uma charada. E, com certeza, Rosie pouco pacientaria-se à isso.

— Olha, eu vou ser bem franca com o senhor: se realmente está disposto a me ajudar a sair daqui, eu peço que leve a minha situação um pouco mais a sério. - disse ela, recompondo sua postura, outrora afetada pela visão horrorosa que teve do outro lado da porta.

— Minha cara - dizia o velho. - a sua teimosia em sempre querer respostas e mais respostas a trouxe de volta. Você sequer questionou os mínimos detalhes por estar cegamente convencida de vencerá a caça ao tesouro.

— Que tipo de detalhes? - indagou ela, suavizando o tom de voz.

— O motivo pelo qual usa este capuz e capa vermelhos, por exemplo. - disse ele, indicando a vestimenta de Rosie. - Saiba que há uma razão. Razão esta que se perdeu junto com suas memórias roubadas.

— Se leu minha mente - Rosie aproximava-se calmamente - deve saber, de alguma forma, o que ocorreu antes de eu acordar naquela floresta ou o quê tirou minhas lembranças.

— Sim... eu poderia me dar ao luxo de informa-la de seu passado recente. - afirmou ele, fitando um canto da sala. - Mas é insuportavelmente difícil! Sabe o motivo pelo qual conserto tantos relógios? Obviamente, não. Não sabe o quão cansativo é detectar tantas anomalias espaço-temporais que surgem uma atrás da outra, dia após dia, e não saber um meio eficaz de repara-las. Portanto, minha cara, o que houve à você naquela noite é impossível de detectar, pois algo bloqueou minhas visões.

— O que ocasionou esse bloqueio? Abamanu, por acaso? - perguntou ela, novamente impaciente.

— É uma boa pergunta. - concordou ele, assentindo positivamente. - Certas divindades tentam burlar meus sistemas quando desejam fazer algo que não deviam. No seu caso, Abamanu, que teve uma imensa facilidade, talvez tenha recorrido à um método bem incomum para exercer sua influência. Ele consiste na existência de algo material, um objeto que simbolize uma veneração feita por seguidores, isto é, se tal divindade chegar a consegui-los. - Fez uma pausa, inclinado-se para ela. - Um objeto que sirva como meio de contato entre o deus e o mortal.

— E você sabe qual é esse objeto? - perguntou Rosie, olhando fixamente para a face redonda do velho.

— O bloqueio afetou seriamente minha memória. Abamanu tinha seguidores. No entanto, o meio de contato entre ambos os seres me fugiu à mente assim que este maldito brincou com o tecido da realidade da qual você vivia apenas sentado em um trono emitindo uma luz branca e isso me trouxe consequências frustrantes.

Rosie tentava, a todo custo, interligar aquelas informações e processa-las de modo menos trabalhoso. Lembrara-se instantaneamente do Guia e sua falta de clareza com relação ao propósito dos desafios e os objetivos de Abamanu. Não tardou para que logo soubesse e entendesse que estava na mira de supostos inimigos ávidos a desorienta-la de seu caminho.

— Então... - a jovem empalidecera de repente - Abamanu foi quem tirou minhas memórias. Aquele desgraçado, o Guia, mentiu o tempo todo. - cerrara os punhos em indignação.

— Seja lá qual for o destino que ele quer lhe conduzir - tentou ele orienta-la - é bom que esteja fortemente alerta. Não... já é tarde demais para que resista. Se quiser saber como irá terminar, é por sua conta e risco. - Passou a olha-la com mais firmeza e seriedade desta vez - E então, Rosie Campbell, qual é a sua escolha?

A jovem suspirou pesarosamente, um ar de desânimo e impotência.

— Ele me disse que os principais objetivos dos desafios eram fazer despertar minhas inclinações e habilidades. Mas eu só quero entender o porque... o sentido, eu quero encontrar uma razão. - seus olhos nitidamente marejaram-se. - Uma daquelas provas quase me convenceu de sou uma assassina fria e impiedosa. Ele foi esperto, Abamanu foi rápido em fazer você ficar inútil... porque talvez ele já sabia que haveria um risco de eu me encontrar com você e que eu soubesse do plano.

O Relojoeiro não tirara os olhos dela. Esperava que a mesma demonstrasse suas emoções ao máximo. Ajeitou-se na cadeira para sentar-se melhor e virar-se para ela completamente.

— Que bom que desiludiu-se. Abamanu, claramente, não almeja trazer paz e prosperidade aos mortais.

— Agora entendi tudo. - dissera Rosie, andando de um lado para outro, com um lampejo. - O Guia estava desesperado quando viu que eu entrei na porta errada... ele sabia que eu encontraria você. Deve estar morrendo de aflição agora. - dera um leve sorriso.

— Eu imagino. - assentiu o velho, um tanto quanto desconfortável. - Mas não respondeu minha pergunta! Qual a sua escolha? - indagou, revelando o motivo do desconforto.

Rosie parara para refletir a respeito daquela árdua questão. Mas, para não fazer aquele senhor de idade avançada esperar mais do que o necessário, resolveu decisiva e rapidamente apresentar sua motivação.

— Irei continuar os desafios. - falou, concisa e firme. - Que se dane o que estiver à minha espera no final... tudo que mais quero é apenas seguir em frente. Eu vou recuperar minhas memórias e, se for preciso, enfrentar Abamanu. Cansei de segredos.

A determinação daquele estonteante jovem impressionara agradavelmente o Relojoeiro. O velho erguera sua coluna empolgando-se com tal momento.

— Muito bem. - deu um sorriso amarelo, vendo que conseguiu seu objetivo. - Conhece a saída, certo?

Rosie retribuíra o sorriso, assentindo com um "sim". Andou pela sala, dirigindo-se à porta por onde havia entrado anteriormente.

— É muito provável que cheguemos a nos ver novamente. - dissera-lhe o Relojoeiro, virando-se para vê-la sair.

— Ahn... só mais uma pergunta: O que realmente tem dentro daquela porta? - indagara ela, voltando-se para ele ao mesmo tempo em que andava para trás.

— Ah sim! - ele dera uma risadinha divertida. - Possuo uma chave própria para aquele quarto. Nada mais do que outros relógios à espera de um conserto.

Satisfeita com a resposta, Rosie voltara sua atenção para a saída... abaixo daquela enorme rocha na qual aquela estranha casa estava fixa. Girou a maçaneta e abriu a porta. O vento gélido de antes voltou a soprar, esvoaçando seus negros cabelos e ondulando sua capa vermelha. Caminhou em direção ao penhasco. A esfera de energia que se eletrizava vários metros abaixo estava ainda mais brilhante. Era uma queda de mais de 50 metros. "Pular ou não, eis a questão.", pensava ela, temerosa.

— Só basta pular sem medo. - disse a voz do Relojoeiro na mente da jovem.

Ainda hesitante, Rosie ergueu a cabeça, mantendo o olhar fixado para baixo. "Eu não cheguei até aqui para que terminasse desistindo de tudo", refletiu ela, a respiração mais pesada. "Jurei que assumiria riscos... e é isso que farei!".

A jovem mal sentira, após calma e vagarosamente fechar os olhos, seus pés se desprendendo do chão naquele corajoso mergulho. Com os braços esticados para frente, como um exímio nadador indo de encontro à água, Rosie apenas sentia a queda vertiginosa com o vento batendo em seu rosto, pressionando sua pele quase deixando-a dormente. Não abriria os olhos até que se sentisse totalmente em um plano no qual pudesse tocar uma terra que lhe parecesse "normal". O farfalhar da capa vermelha era o som mais predominante, sobrepondo-se aos ruídos dos raios intermitentes que a cercavam e o barulho do forte vento.

Pouco mais de 3 minutos foi a duração da queda. Somente sentira vontade de abrir os olhos quando estava exatamente a ínfimos metros da esfera elétrica de luz púrpura. O espanto fora imediato. Adentrando no portal, sentindo praticamente todos os átomos de seu corpo serem absorvidos em uma fração de segundos, Rosie percebia que a esfera era muito maior do que presumia quando vista de perto, assemelhando-se à um extenso turbilhão de energia quase do tamanho de um planeta.

Um vórtice no centro da esfera a fez desaparecer repentinamente.

Por um instante, imaginou-se, naturalmente aliviada por ainda estar consciente, em um flórido campo, com uma verdejante vista... quase que como se estivesse morta e adentrando no lugar que lhe ensinavam ser o Paraíso, única coisa que ainda lembrava de suas entediantes aulas de Religião que tivera nas escola antes de cursar o Segundo Grau. No entanto, seu tato, tal como os outros quatro que voltavam a se apurar, revelava uma terra infértil e úmida. Encontrava-se deitada, os braços esticados nas laterais, quase numa posição de um "anjo de neve". Abria devagar os olhos, as pupilas curiosas relanceando o ainda turvo campo de visão.

Tateou a terra onde estava deitada. Uma sensação de ojeriza juntamente ao desânimo aflorou em seu âmago ao ouvir o som de seus dedos tocando aquele solo negro. Levantou-se, estranhando não sentir a dormência no rosto causada pelo vento durante a queda. Contemplou, embasbacada, o céu preto-cinzento, as nuvens de um aspecto depressivo e melancólico. O espaço à sua volta resumia-se em uma terra sem vida e sem cor. No horizonte, avistava-se uma claridade esquisita. Uma estrela, talvez? Rosie passou a ignorar o mistério quando deu de cara com duas figuras que pareciam não estar ali antes... No instante em que se virou deparou-se com uma bifurcação, na qual postavam-se dois seres que despertaram a rápida curiosidade da jovem.

Dois pégasos, separados por poucos metros de distância um ao lado do outro. O da esquerda era branco como a neve, contrastava intensamente com o tom daquele lugar, seus olhos eram pretos e suas asas estavam erguidas, com as pontas de uma quase encostando nas da de seu vizinho. O da direita possuía uma pele de um preto vivo, parecendo piche líquido reluzindo, os olhos sendo branco-prateados e as asas também erguidas.

— Bem-vinda de volta. - uma voz soturna fez Rosie sobressaltar e virar-se para trás.

Viu-se diante do Guia novamente. Uma fagulha de frustração entorpecente a fez cair os ombros quando encarou aquela figura esquelética. Aquela face repleta de cicatrizes costuradas ainda lhe dava embrulhos contínuos no estômago.

— Ou seja, bem-vinda ao inferno. - disse Rosie, em tom áspero.

— Eu esperava que pudesse voltar brevemente. - disse ele, aproximando-se flutuante. - Não sabe o quão preocupado fiquei ao ver que havia entrado na porta errada. Mas fico aliviado por vê-la ainda viva. Ainda pretende dar prosseguimento aos desafios, certo?

"Um belo soco nessa sua cara responderia a pergunta", pensou Rosie, fitando-o seriamente. Manteve-se calada por alguns segundos, procurando palavras para explicar o quão aborrecida estava.

— Para ser franca, eu procurava uma porta onde eu pudesse me ver acordada desse pesadelo. - respondeu ela, cerrando os punhos. - Não faz ideia onde eu estive. - tentara arrancar dele uma certa ânsia por saber o que ocorrera à ela.

— A chave. Você ainda está com ela? - perguntou o Guia, inclinando a cabeça para um lado.

— Sim... eu acho. - disse ela, procurando a chave no seu cinto de couro, não tirando os olhos dele. - Ah sim... aqui está. - por fim, tirou-a.

— Ótimo. Mas não cometerei o erro de perdermos tempo com perguntas irrelevantes. Acho que é quase certo de que se caso eu perguntasse onde esteve, mentiria para mim.

"Droga. Era exatamente isso que eu faria", pensou Rosie, desapontada.

— Ainda estou cansada, preciso que isso não demore mais do que penso.

— Fique tranquila. - flutuou em direção aos dois pégasos. - Os desafios-extra foram suspensos definitivamente. Isto vai facilitar sua interação com as últimas situações. Eu só espero que tenha saído de lá mentalmente pronta...

"Então ele sabe onde fui parar. Percebo que está desesperado, quase gaguejando. É óbvio que não suporta a possibilidade de eu ter descobrido a verdade. Não vejo mais aquela segurança de si mesmo", pensou Rosie, dando um sorriso discreto enquanto observava o Guia postar-se diante da bifurcação e os dois seres que a guardavam.

"Maldição! Ela só pode ter encontrado-o! Lorde Abamanu... por favor, espero que perdoe-me por esse deslize. O modo como ela está se portando agora... algo me diz que, de fato, ela já sabe. Já não é mais a mesma humana insegura e perdida do princípio. Quanta... confiança... ah, maldito seja...

— E então? - perguntou Rosie, cortando os pensamentos do Guia. - Agora que estou aqui, parece que o próximo desafio já deve começar. Pelo visto, já está preparado para mim.

— Engana-se. - disse ele em tom frio, sem virar-se. - Estes dois animais que vê são os guardiões destes dois caminhos. Ambos representam um conjunto de dualidades que é fundamental para todas as criaturas viventes e pensantes, como pode constatar pelas suas cores. Alegria e tristeza. Amor e ódio. Fé e descrença. Razão e instinto. Vida e morte. Bem e mal... Verdade e mentira. - explicou, enfatizando, em um tom firme e alto, as duas últimas palavras.

— À primeira vista, não me parece que vou ter muito o que fazer. - disse Rosie, aproximando-se e observando os estagnados pégasos. - Além disso, aqui faz muito frio. - aqueceu levemente as duas mãos.

— Eles estão aqui desde o dia em que nasceram. - prosseguiu o Guia. - Cada universo, em sua totalidade, fora criado com uma lei tida como justa e indispensável: A criação dos opostos. O equilíbrio imprescindível para que todo ser vivo, desde um microrganismo até um animal de enorme porte, possa viver de acordo com as outras leis empregadas. Este equilíbrio jamais deve ser rompido, em hipótese alguma.

— Está bem, adorei a aula de história. Mas será que dá para irmos direto ao ponto, já que avisou que não devemos perder tempo? - disse Rosie, olhando-o impaciente.

— Sim... tem razão. - disse o Guia, minimizando a voz. - Este será o penúltimo desafio, ressalto. Exigirá grande capacidade mental sua e qualquer tentativa de desistir está fora de questão. Você deverá descobrir o "Caminho do Viajante" após desvendar o seguinte mistério: qual deles está mentindo e qual está dizendo a verdade. Esta é a dualidade para a qual eles nasceram para representar. - explicou, permanecendo imóvel, quase acanhado.

"Puxa, que legal. Um enigma.", pensou Rosie, dando um suspiro de fadiga. "Espera...", arregalou os olhos ao imaginar uma ligação perfeita.

Olhou para a chave dourada de dois dentes em sua mão direita. "O Caminho do Viajante... agora tudo se encaixa. O Relojoeiro denominou a chave assim. Significa que com ela, o portador é levado diretamente para cá e descobrir qual dos dois caminhos é o correto. E se o Guia já estava aqui antes mesmo de eu chegar, só prova ainda mais que ele sabia que eu me encontraria com o velho. Por essa eu não esperava."

— Chegue um pouco mais perto, Rosie. - pediu o Guia, estranhamente gentil. - Relaxe e esvazie sua mente por um breve período. Só assim encontrará disposição suficiente para lidar com este problema.

Dando alguns passos para frente, Rosie aquietava suas aflições, embora pudesse estar relutante. Afinal, no que acarretaria, após uma eventual confusão, se caso ela escolhesse o caminho errado? O silêncio era insuportável. Nem mesmo o som de seus passos ecoava.

— Sabe porque aqui é tão... silencioso? - indagou o Guia.

— Não. Por que? - perguntou Rosie, curiosa, olhando por cima do ombro.

— Por que ele é o elemento que beneficia a concentração do viajante. Use-o a seu favor. - recomendou ele.

Assentindo levemente sem ele ver, Rosie descontraía os músculos, fixando o olhar decidido nos dois pégasos que apenas piscavam os olhos como único movimento.

Era chegada a hora de conectar o mais profundo apego da sua mente com sua força de vontade.

                                                                           ***

Quanto mais desciam mais estreitos os degraus tornavam-se. Hector ia na frente, empunhando a lanterna em uma mão e uma pistola calibre 39 noutra. Eleonor vinha atrás, desconfortando-se com a má formação da escada. A cada descida, sentiam as paredes quererem esmaga-los. Os gritos pareciam ficar mais próximos, guturais e ecoantes.

O caçador arrombara com um chute uma porta de metal enferrujada próxima do fim da escadaria. A luz da lanterna, invasora, saiu rasgando a escuridão do corredor, trêmula devido à correria de ambos.

— Josh! - chamou Hector, continuando a correr.

— Espera Hector! - exclamou Eleonor, parando de correr e puxando-o para trás, quase arrancando o sobretudo do rapaz.

— O que está fazendo? - indagou ele, irritado com a atitude da moça.

— Só basta esperarmos, ele vai vir até nós. - disse ela, ofegando.

Josh finalmente surgira deixando de gritar, mas ainda desesperado. Hector, surpreso, apontou a luz da lanterna para o caçador de aluguel, fazendo o mesmo proteger seus olhos com os braços devido a forte claridade.

— Ei! Cuidado, desliga essa merda! - vociferou ele, a luz quase cegando-o.

— Oh, desculpe Josh. - disse Hector, fazendo o que ele pediu. - O que está havendo? O que você viu lá dentro? - perguntou ele, aproximando-se.

— Não vão acreditar...

De imediato, rugidos reverberaram por todo aquele espaço negrejante. Josh virou a cabeça para trás quando um arrepio percorreu-lhe a espinha. Sua testa brilhava devido ao suor demasiado e sua respiração era arquejante.

— Estão vindo! - exclamou Josh, colocando lado a lado entre Hector e Eleonor, encarando o vazio escuro do corredor.

Hector recarregou sua arma com mais três balas de prata.

— Pelo que consigo ouvir, são pelos menos quatro deles. - confirmou o caçador.

— Hector, como espera enfrentar esses monstros nesse breu? É tão escuro quanto no corredor em que estávamos. - disse Eleonor, incerta.

— Olha - disse Josh -, se querem minha opinião, acho que tá na hora do plano B.

O caçador novamente iniciara uma corrida desesperada rumo à saída, desaparecendo na escuridão ao longo do corredor.

— Ué, por que está fugindo? - perguntou Eleonor.

— Esse é o plano B! - exclamou Josh, quase próximo da entrada.

As quimeras já postavam-se diante dos dois, sorrateiras e famintas. Um quarteto de lobos bípedes mostrando as presas pegajosas de saliva, suas peles cinzentas ficando evidentes mesmo com a fraca luminosidade. Os olhos amarelos estavam mais brilhantes, tal como cães comuns quando se veem no meio do escuro.

— Não deviam estar aqui... - dizia uma quimera, a voz abafada e cavernosa.

Eleonor recuara em espanto.

— O que é isso? - gaguejou ela. - Está falando!?

— É uma longa história. - disse Hector, também recuando, mas deixando a arma em riste. - Depois explico. Tudo a ver com Robert Loub.

— Robert Loub! - exclamou outra, menos próxima.

— Ele não está aqui! Vão embora ou iremos atacar! - vociferou a que estava na frente.

— Para lobisomens aparentemente sanguinários e implacáveis, eles até que são generosos ao nos dar uma alternativa. - comentou Eleonor, seu andar para trás quase ganhando velocidade.

— Isso porque são mais inteligentes do que pensa. - disse Hector, o dedo no gatilho sem hesitação para atirar. - Se escolhermos ir embora, é previsível que nos persigam.

— Eu cansei de esperar! - a quimera da frente lançou um rugido feroz ao avançar contra Hector.

Eleonor, finalmente, correra, sem olhar para trás, ouvindo as quimeras perseguirem-a.

Hector, em rápido movimento, disparou contra uma e depois contra a outra que vinha em seguida. Porém, teve de bolar no chão contra a terceira delas, enquanto a quarta corria atrás de Eleonor vorazmente em quatro patas. O caçador matinha a mão firme na arma, resistindo às tentativas da quimera em arranha-lo ou estripa-lo, logo atirando mais três vezes em seu rosto e peito. A parede pintou-se de vermelho com os disparos.

Levantando-se, novamente mostrou agilidade ao atirar uma nova bala prateada na segunda quimera, que voou para trás com o impacto da bala com seu corpo. O estampido ecoou ensurdecidamente pelo corredor.

O corpo da quimera tombou na parede, logo caindo no chão, mas parecendo ganhar tempo para se recompor. A outra, ensaguentada, voou para cima de Hector tentando morde-lo no pescoço. Ambos caíram no chão e bolaram novamente. Com uma joelhada, o caçador fez a cabeça do licantropo bater fortemente na parede, fazendo-a quebrar alguns dentes. Se libertando dos peludos braços, Hector a chutou de novo após se levantar. As garras do monstro quase o alcançaram enquanto o mesmo rastejava sangrando, mas, por sorte, ainda sobravam mais duas balas.

Atirou na cabeça duas vezes no mesmo instante em que ela se levantara para dar novo bote. O caçador encostou-se na outra parede, olhando o resultado dos tiros: Restos da massa encefálica na parede e uma extensa pincelada de sangue na mesma.

Olhou para a outra, recuperando-se dos ferimentos e se levantando. Pensou em Eleonor e, por instinto, correu ao seu encontro.

A bruxa havia interrompido a corrida quando se virou para as duas outras quimeras. Proferiu um feitiço, sem outra opção com a qual seguir.

— Explos sanguinolo's! - disse, com uma mão erguida.

As criaturas pararam abruptamente, seus corpos bruscamente paralisados. Seus rosnados viraram gemidos similares a de cães quando se sentem presos e com medo.

Seus estômagos roncavam como um motor de carro... Não era a fome selvagem que sentiam, mas sim o efeito do feitiço, que consistia no aumento da massa do abdômen, mais precisamente dos órgãos do trato digestivo. As barrigas dos monstros cresciam como se algo estivesse prestes a sair. Eleonor assistira o espetáculo com um prazer que só uma bruxa sentia ao realizar algo como aquilo.

Tornaram-se maiores o bastante para, enfim, explodirem como verdadeiras bombas. As duas paredes mancharam quase que totalmente de sangue, as entranhas e outras partes de órgãos adereçando a "obra pintada" nelas. Eleonor correra nos últimos segundos antes da explosão, ficando ao pé da escada - e curiosa ao mesmo tempo sobre onde Josh se enfiara.

Hector passara pelos corpos das duas quimeras mortas dirigindo-se à entrada, mas diminuindo a corrida para não escorregar no sangue.

— Hector, venha rápido! - gritou Eleonor, apontando para o corredor.

O caçador, já poucos metros perto da porta metálica, olhou para trás e avistou a quimera que havia ferido antes correndo como um leão na direção de sua presa.

Se pôs para fora do corredor e, fazendo bastante força, tentou fechar a porta - que, por sinal, abria-se para dentro. O metal rangeu estridentemente. Por fim, conseguira fecha-la com um arranco, produzindo um estrondo intenso.

Ouvia-se ruídos das garras da quimera arranhando o fraco metal da porta.

Simultaneamente, suspiraram em alívio.

— Onde está Josh? - perguntou ele, relanceando as escadas.

— Não sei. Mas não deve ter ido muito longe. - disse Eleonor, passando a subir os degraus.

Um assovio foi ouvido do alto. Ambos olharam para cima e viram a silhueta de Josh acenando para que subissem logo.

Quando chegaram de volta ao gabinete do diretor, deram de cara com o jovem caçador em uma expressão aflita. Entreolharam-se - Hector e Eleonor - por um brevíssimo momento.

— Josh - dizia Hector, aproximando-se do rapaz - diga-nos o que viu lá dentro. Pela sua cara, é óbvio que descobriu alguma coisa.

— Pior que sim. - confirmou ele, assentindo. - Além daqueles licantropos doidões, eu... - fez uma pausa, suspirando. - Havia uma sala. A primeira delas, pra ser mais exato. Quando abri a porta vi um monte de licantropos dissecados, só a pele e os ossos. Como se toda a carne e o sangue deles tivessem sido drenados, consumidos.

A informação intrigara subitamente o caçador profissional.

— Estranho, não? - indagou Josh, esperando uma opinião. - Olha, vou ser honesto com vocês: Eu acho que sei quem pode estar por trás disso. Claro, quando vocês estavam lá agora pra me salvar não deu pra reparar, mas há outras salas onde podem haver mais corpos.

— Se for o que estou pensando... - disse Hector, sinceramente desconfiado.

— Mollock pode estar sacrificando seus soldados em segredo. - disparou Eleonor, direta ao interromper o companheiro.

— Isso! - concordou ele. - Se houver ao menos uma chance de podermos desmascara-lo...

— Em que circunstância? - indagou Josh. - Até tenho uma leve impressão com o que você quer com isso, Hector, mas não sabemos se há tempo pra bolar um plano.

— Josh tem toda razão. - disse Eleonor. - Já perdemos tempo demais... Você mesmo disse que o ideal era resolvermos isso em um dia.

— Não é mais. - disse Hector, pegando sua mochila que deixara na cadeira da escrivaninha. - Já temos uma ideia do propósito de Mollock com essa artimanha traiçoeira dele.

— Temos é? - perguntaram Josh e Eleonor em uníssono.

— Ainda explicarei à vocês. - disse o caçador, pondo a mochila nas costas. - Mas, por enquanto, focaremos apenas em Loub. Eu tenho um plano.

As atenções de Josh e Eleonor fixaram-se totalmente na presença de Hector, ambos fitando-o sem pestanejar por um segundo sequer. O combinado entre o caçador e a bruxa era o ato crucial para se ajudarem durante o processo de vingança de Hector contra Loub. O membro da Legião pouco ligava para uma difícil oportunidade de chegar ao ponto onde poderia, com muita precisão, fazer ruir o reinado de Mollock. O caçador vira, através da declaração de Josh, uma ponta de esperança. Somente precisaria de uma chance. Um único momento no qual iria pôr o pupilo de Abamanu contra a parede e expor a verdade que massacraria qualquer possibilidade daquele reino progredir.

Hector, em divagações sobre o plano, pensava que, se caso conseguisse desmascarar Mollock, seus soldados, instintivamente, iriam rebelar-se contra ele, desiludidos. Mas haveria uma justificativa que certamente Mollock usaria para se safar: A evolução necessária. Em outras palavras, o inestimável benefício propiciado pelo sangue de uma quimera nível 3. Hector, já não tão certo de como tudo iria se desdobrar, pensou em seu maior arqui-inimigo: Robert Loub. Seria ele um aliado improvável para ser usado como elemento-chave na hora da verdade? Pensando retroativamente, o caçador lembrara-se de como o cientista havia se portado quando o centro da conversa chegava a maior ameaça daquele momento, no dia da "Lua Sangrenta".

"Mollock tomou para si o exército de quimeras nível 3... as de nível 2 foram praticamente exterminadas... Loub alegou não ter nenhum vínculo com Mollock para uma possível aliança... Loub foi sequestrado - junto com outros prisioneiros - no exato dia em que foi preso... Mollock o quer para algum objetivo... Mollock é a fusão de uma quimera nível 1 e um demônio... demônios que possuem poder para se fundir com outros seres diferentes... Goétia... o ritual na mansão feito por Dwayne Nevill,  filho de um Red Wolf... as escrituras da Bíblia de Abamanu, em especial os capítulos da profecia... mencionam a "traição dos preceitos para findar a vinda do pupilo"... os assassinos contratados pelos novos Red Wolfs... as regras mudaram... a profecia está se cumprindo... ", pensava Hector, imerso em um estado de pura desconexão com qualquer coisa que pudesse lhe tirar a concentração. Uma verdadeira teia de eventos sequenciava em sua mente como um filme sendo executado em velocidade máxima, absorvendo cada ideia passada por eles. Tudo se encaixava. Tudo se interligava.

— Hector? - indagou Eleonor, inclinando-se para ele, tentando tira-lo de seus devaneios profundos. - Hector!

Um pequeno sobressalto acometeu o caçador, que olhava para um canto da sala, depois passando a olhar para seus companheiros. Um ar decidido era notável pelo seu olhar.

— Eleonor - dizia ele -, teremos muito o que falar sobre demônios da Goétia enquanto estivermos aqui. Horas e horas debatendo sobre como as coisas se relacionam.

Hector caminhou até a porta tranquilamente, a cabeça erguida denotando uma genuína vontade de peitar qualquer empecilho que barre seus avanços. Sua vingança, por fim, estava com seu processo inteiramente idealizado.

— Espera aí... - tentou Josh protestar - O que você quis dizer com "horas e horas"? - perguntou. fazendo uma cara feia.

Girando a maçaneta, Hector virou-se para os dois, intrigados sobre o tal plano.

— Não sei se estão presumindo ao certo... mas preciso que entendam a vantagem. Nós precisamos de mais tempo e sei exatamente onde podermos nos esconder sem que haja quaisquer possibilidades de sermos descobertos.

— Ah é, espertinho!? - dizia Eleonor, em tom revoltado, cruzando os braços - Posso saber como você tem tanta certeza disso? Nós olhamos o mapa, Hector. Se existem salas secretas, aliado ao fato de Mollock ter matado o demônio depois de presumir nossa invasão, é lógico que ele vai mobilizar seus soldados para ocupar estas salas em uma busca desenfreada.

— E você tem alguma ideia melhor? - perguntou ele, olhando-a desafiador. - Por que de todas estas salas, uma das poucas que, provavelmente, está desocupada é esta e outra...

— Que outra sala? - Eleonor descruzara os braços, passando a focar-se na face de Hector.

— Talvez você não tenha visto, pois, é claro, não temos o mesmo instinto detalhista. Na parte inferior da mapa constam as numerações de salas altamente secretas e de propriedade dos principais funcionários do museu.

Josh e Eleonor o ouviam com total atenção.

Hector prosseguiu:

— A sala que devemos ficar é a que está com o número 8... me pareceu bem mais ampla que as outras, podendo ser facilmente confundida com uma ala qualquer. Talvez foi esta a impressão que você teve. Apenas focou na parte central do mapa.

— Tá.. mas como você espera que consigamos chegar lá sem passarmos por mais daqueles licantropos? - indagara Josh, aparentemente perdido.

— Não espero por facilidades, Josh. Obviamente, vamos enfrentar as quimeras. Além disso, esta sala não fica muito longe, consegui memorizar o percurso no mapa. Está em uma das paredes da ala II das estátuas.

— Quimeras? - Josh perguntara - Espera, são quimeras ou são lican... Ah, deixa pra lá! Se eu fizer outra pergunta, minha cabeça vai explodir. - meneava negativamente, pondo uma mão na cabeça, visivelmente desorientado.

— Tudo vai ser explicado, Josh, eu garanto. Somente quando chegarmos lá, direi em detalhes como vamos proceder. - afirmou Hector, sem soltar a maçaneta.

— Eu espero que saiba o que está pensando em fazer. - disse Eleonor. - Mas eu partilho da mesma dúvida de Josh: O que quis dizer com "horas e horas"?

Dando um suspiro pesado, o caçador não viu outra escolha a não ser abrir o jogo.

— Disse que havíamos perdido tempo demais. O meu plano vai nos fazer correr atrás do prejuízo. - Fez uma pausa, fortalecendo o mistério - Se ficarmos naquela sala por alguns dias.

Eleonor pensou em manifestar-se contra, mas ao ligeiramente perceber a gravidade cada vez maior da situação, tratou de desistir do protesto. Um dia só não seria, nem de longe, o bastante para derrubar um rei obcecado e se vingar de um cientista assassino.

— Bem... O que estamos esperando, não é mesmo? - disse Eleonor, preparando-se.

Saíram da sala como guerreiros concebidos a fazer desmoronar um vasto império. Naquela escuridão quase total, caminhavam pelo corredor a passos largos, as posturas erguidas de tal modo que se podia notar suas perseveranças. Eleonor tocava com as unhas a marca, em sua mão direita, originada da cicatriz do corte feito para o ritual. Josh empunhava dois rifles altamente carregados com balas de prata. Hector segurava a lanterna já enfraquecida.

— Josh, um aviso: As balas de prata não surtem efeito definitivo nas quimeras de nível 3. Elas ficam temporariamente feridas, mas se recuperam em questão de segundos. Portanto, atire na cabeça, este é o ponto fraco delas. - explicou Hector, mantendo o olhar sério para frente.

— Pode deixar. - concordou Josh, balançando de leve as armas.

— É, você me venceu. - comentou Eleonor.

— Do que está falando? - perguntou Hector, confuso.

— Sobre o mapa. A sala que não vi.

— Ah sim. Pode-se dizer que quando o assunto é detectar mínimos detalhes, estamos empatados, por hoje. - disse ele, com ar brincalhão.

— Pode crer. - disse ela, sorrindo ao confirmar.

                                                                            ***

— Você tem direito a uma única pergunta. - dizia o Guia, o tom austero. - Ambos irão responder. Um sempre mente e o outro sempre diz a verdade. Um faz parte da cidade da mentira, onde a população apenas vive de ilusões, e o outro da cidade da verdade, cujos habitantes são sinceros uns com os outros.

Rosie fitou por um efêmero instante o caminho à direita, tentando avistar o que estava distante. Seus delicados olhos azuis também eram elementos que contrastavam intensamente com aquela terra cinzenta e negra. O vermelho de seu capuz hipnotizaria qualquer um que estivesse por lá assistindo ao desafio, de tão destacante e evidente que mostrava-se.

— Muito bem... - a jovem suspirou de leve - Qual é a sua cidade? - perguntou, apontando para o pégaso branco, à esquerda.

Os dois animais moveram lentamente uma de suas asas, baixando-as. A asa esquerda do pégaso branco apontara para o caminho que seu vizinho guardava - o da direita, na visão de Rosie -, logo, o pégaso negro também apontou com sua asa esquerda para seu próprio caminho.

"Os dois apontaram para o mesmo caminho!?", pensou Rosie, desconfiada. "Um diz a verdade e o outro a mentira... o pégaso branco... estaria mentindo? E o outro?

— Ahn... Acredito que é impossível saber. - argumentou Rosie, virando-se para o Guia. - Eu perguntei para o pégaso branco, mas o outro também moveu a asa, sendo que...

— Rosie! - exclamou o Guia, rigoroso. - Não importa para qual pégaso estará apontando quando fizer a pergunta. De qualquer modo, independente de apontar apenas para um deles, um deve se sentir obrigado a apontar também para uma determinada direção, seja a própria ou a do vizinho, como se a pergunta fosse direcionada aos dois.

Rosie percebia um certo lampejo de pressa no tom de voz do Guia. "Ele quer mesmo que eu acabe com isso o mais rápido possível", pensava a jovem, semi-cerrando os olhos.

— Ótimo. - voltou-se novamente para os dois pégasos. - Vamos terminar logo isso, quero chegar ao fim com pelo menos alguns neurônios intactos.

Os dois ainda mantinham suas asas apontadas para o mesmo caminho - o da direita. "De acordo com o Guia, apontar para um deles significa perguntar para os dois. As dualidades. Pense, Rosie, pense!", esforçava-se ela, mentalmente.

"Mesmo que isso possa durar um bocado de horas, o grande momento chegará, de qualquer modo. É previsível que ela utilize a minha explicação sobre as forças opostas operantes no universo para facilitar o enigma. Se quero agir em favor da minha pressa, terei que apoia-la mais do que fiz nos desafios anteriores", pensava o Guia, esperançoso em relação ao sucesso de Rosie no desafio.

Rosie cerrava os punhos. Suas mãos suavam consideravelmente. Mordeu os lábios, movendo suas pupilas para os dois pégasos à sua frente. Passados o que pareciam ser vários minutos, o suor já alcançara a testa... A jovem fizera uma análise profunda do problema.

"Verdade e mentira. Bem e mal.", pensou. "Devo considerar as cores? O preto, pela minha visão, representaria o mal. O branco o bem. Não! Seria fácil demais, é até óbvio ver desse ponto. As ilusões... a mentira é uma ilusão. Logo...". Seus olhos arregalaram-se em um único segundo.

— Já sei! - exclamou seguido de um estalar nos dedos, assustando o Guia. - As cores nos olhos!

— O quê? Já descobriu a solução!? - disse o Guia, empolgando-se.

— Sim. - confirmou Rosie, com um sorriso vitorioso. - Qualquer viajante que fosse ser desafiado com este enigma, fosse humano ou de qualquer outro mundo, certamente facilitaria as coisas para si com base nas cores das peles dos pégasos e não no que eles realmente representam.

— Hum, sua explicação está interessante. - disse o Guia, aproximando-se dela. - Sugiro que seja um pouco mais específica.

— É simples. Cada criatura que nasce neste mundo já é ensinada sobre os opostos, e as cores preto e branco só reforçam isso. O branco, para muitos, deve significar a paz, a bondade e a compaixão. Já o preto, o mal, a violência e o ódio. Mas nem sempre é assim. As vezes verdade e mentira se confundem. Uma verdade, para alguns pode ser uma mentira e vice-versa. Ambas podem se disfarçar, enganando nossos olhos. Portanto, o segredo deste enigma é não julga-los pela aparência. A verdade está nos olhos. - explicou, com maestria.

"Isso é inacreditável!", pensou o Guia, estupefato. "Ela conseguiu... ela encontrou a solução!"

Rosie prosseguira:

— Cada ser naturalmente julga o outro pela sua aparência. Se, por exemplo, um viajante escolhesse o pégaso branco apenas com base no que acredita que a cor representa estaria iludido. É verdade que o branco representa o bem e o preto o mal, mas não em relação às aparências destes dois pégasos... mas sim nos olhos. Quando apontei para o pégaso branco, eu não esperava que o outro fosse apontar para o mesmo caminho. Assim, eu imaginei que, com base nos olhos, eu poderia identificar qual deles estaria mentindo e qual estava dizendo a verdade. E é ele! - apontou para o pégaso branco.

— Tem certeza disto? - perguntou o Guia, ainda cético.

— Absoluta certeza. - disse, convicta - O pégaso branco possui a mentira, a ilusão no seu olhar, enganando o viajante com sua boa aparência. O pégaso negro, por sua vez, tem o branco de seus olhos... e a pele negra dele faz com que qualquer pessoa o defina como a representação de um mentiroso malvado. Pré-julgamentos não é a forma melhor de resolver esse enigma.

O dedo indicador de Rosie erguera-se calmamente... logo apontando para o pégaso negro.

— É você. Você é da cidade da verdade. O branco representa o bem. A verdade está somente nos olhos e não na aparência. Seus olhos são brancos.

"Formidável!", comemorou o Guia consigo mesmo.

— Devo parabeniza-la, Rosie Campbell. Por tamanha perspicácia. Pelo que ouvi, ninguém que chegou até aqui teve o destino que queria, que é a cidade da verdade. Em outras palavras, você foi a primeira forasteira a desvendar o enigma. - disse o Guia, em elogios.

O pégaso negro, bastante dócil, aproximara-se de Rosie. O caminho finalmente estava livre.

— Bem... e o que acontece agora? - perguntou ela, sem ideia, olhando para o Guia.

— Suba no pégaso e cavalgue. Ele a conduzirá até o portal que leva até a cidade.

— Mas já que ele tem asas, ele bem que podia me levar voando e...

Antes mesmo que Rosie pudesse concluir a frase, o Guia já desaparecera sobrenaturalmente.

— Ah, boa tentativa de me deixar falando sozinha. - irritou-se ela.

Apoiando-se com cuidado, Rosie subiu no pégaso, sem deixar de reparar em suas asas estonteantes. O animal virara-se para o caminho que guardava e iniciou o percurso em direção ao destino final.

Rosie sentia-se uma autêntica guerreira em sua montaria imbatível. Durante a aprazível cavalgada, a jovem sorrira para si mesma, mal reparando o espaço sinistro a seu redor naquela sombria terra acometida por uma transmissão de coragem e bravura que apenas uma criatura daquele porte poderia propiciar. O caminho era nitidamente longo e reto, mas aquela sensação compensava qualquer indício de tédio ou impaciência que viesse a lhe ocorrer.

Enfim, chegaram a uma área circular, cujo centro abrigava uma tampa de metal redonda com vários detalhes em relevo. Rosie deixara o pégaso tomar seu trajeto de volta, sem tirar os olhos da tal tampa.

"Ué, achei que quando ele havia mencionado 'portal' estaria se referindo a algo parecido com aquela bola de raios em que eu mergulhei quando pulei daquele penhasco", pensou Rosie, enquanto andava, intrigada, em direção ao centro.

O Guia, assustadoramente, materializara-se na frente da jovem, seu corpo, em segundos, tomando forma a partir do que pareciam ser grãos de areia.

— O que significa isso? - Rosie pôs as mãos na cintura - Onde está a cidade?

— Somente tenha paciência. - disse ele, erguendo a tampa lenta e telepaticamente.

"Paciência que, com certeza, você não tem agora", pensava ela, o olhando com ar desconfiado.

A tampa fora arremessada para longe pelo Guia, ocasionando um forte impacto com o chão. Uma pequena nuvem de poeira se viu formar no não-tão-distante ponto onde o pesado círculo metálico foi parar.

— Você primeiro. - disse o Guia, demonstrando um incomum cavalheirismo ao indicar a escada reta abaixo.

Atendendo à gentileza, Rosie fora indo na frente, descendo os bem formados degraus. Quanto mais avançava, mais ela sentia que o mundo acima de sua cabeça era como um sonho do qual ela estava aos poucos despertando. Um corredor iluminado por tochas nas duas paredes laterais foi revelado.

O Guia, novamente, materializou-se ao lado dela.

— É bom ter uma explicação, porque estou tendo um pressentimento de que isso não vai acabar bem. - disse Rosie, expressando sua forte suspeita relacionada ao Guia e os intentos de seu Lorde.

— Sugiro que converta tal pressentimento ruim em esperança, Rosie. - disse ele, flutuando em direção à porta do fim do corredor. - Na sala em que estaremos a seguir verá a entrada para a cidade. O próximo e último desafio, finalmente, nos espera.

— É bom que isso termine de uma forma bem rápida. - disse ela, começando a caminhar seguindo-o. - Estou farta de segredos. - a luz alaranjada das chamas das tochas cintilava seu branco rosto.

O Guia diminuiu um pouco o ritmo. Virou levemente o rosto para Rosie.

— Pode ter certeza que irá terminar de uma forma que nem imagina.


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