Reencontro escrita por Lucca


Capítulo 35
Capítulo 35 - Parte I: Talvez...


Notas iniciais do capítulo

Sei que prometi apenas mais dois capítulos para o final, mas não imaginava que o arco desse aqui ficaria tão longo. Então, acabei cedendo a ideia de dividi-lo porque achei que prefeririam ler em duas partes.

Confesso que adoraria poder acompanhar a reação de vocês nesses momentos finais.

Boa leitura.



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Kurt estacionou o carro da forma mais suave que podia. A casa a sua frente se erguia imponente, o desafiando a entrar.  Ele respirou fundo em resposta, aceitando o desafio. Não seriam aquelas paredes e cômodos que o fariam desistir, por mais que o vazio do lugar tentasse sufocá-lo.

Ele abriu a porta e desceu do carro, contornando o veículo até a porta traseira do lado direito. Ao abri-la, sentiu o sorriso se formando instantaneamente no seu rosto diante da visão do filho adormecido na cadeirinha. Era incrível como esse rapazinho crescera nesses 10 dias. A pediatra ficou surpresa com os números, Kurt nem tanto. Ele acompanhava diariamente os novos ajustes nas fraldas e roupinhas.

E, se não fosse pela leve ruga que se formou na pequena testa assim que ele abriu a porta e a iluminação dentro do veículo se alterou, qualquer um diria que ser tratava do bebê mais doce do mundo. Ledo engano, o pequeno mostrou, desde o primeiro dia, seu temperamento forte. Chorava insistentemente, exigindo colo e, até ali, resmungava e reclamava. Seu sono era tão leve quanto o de sua mãe.  O menor ruído já o fazia despertar e iniciar uma nova sintonia de berros pela casa. A visita de hoje à pediatra foi para confirmar se tudo estava realmente bem. Tantas vezes, seu choro parecia tão carregado de dor que Kurt ficava à beira do desespero por não ser capaz de confortá-lo.

Por tudo isso, o cinto de segurança foi desatada com todo cuidado e o bebê conforto transportado para dentro da casa com a maior suavidade possível. A tarefa não era nada fácil já que também era preciso levar a bolsa pesada com todos os apetrechos necessários para qualquer eventualidade. Porta aberta, escadas vencidas e estavam finalmente no quarto. Kurt achou melhor não arriscar removê-lo do bebê conforto. Colocou o pacote todo no berço, ligou a babá eletrônica e desceu para a cozinha. Ele precisava comer algo, não porque estivesse com fome, mas porque não podia correr o risco de adoecer agora. E haviam ligações importantes a serem feitas. Melhor estar longe do quarto do bebê para isso.

Uma vez lá embaixo, o vazio da casa voltou a cercá-lo. Novamente ele buscou forças para enfrentá-lo e atravessou a sala com todas as lembranças que aquele espaço trazia. Pela vidraça, seu olhar viu a piscina. Nova chuva de lembranças: Jane na água, Jane sorrindo, Jane...

“Pare! Foco.”  - balbuciou a si mesmo indo em direção a cozinha. Comer não seria fácil...

Enquanto preparava o sanduiche, verificou as mensagens no celular. A lista era grande. O conteúdo praticamente o mesmo: todos queriam saber como ele e o bebê estavam. Mais tarde ele responderia a um deles e pediria para que mensagem fosse transmitida aos outros. Tinha feito assim nos últimos dias e estava funcionando. Os amigos entendiam perfeitamente a rotina complicada com o bebê.

A mensagem de Allie era o que ele procurava. E ela não falhou. Bethany se recuperava bem na crise alérgica e poderiam estar em NYC no próximo final de semana. Mais uma vez, ela se desculpou por todos os contratempo que a impediram de estar perto dele nesses dias difíceis. Fez as perguntas tradicionais sobre o bem estar dos dois. Seguiu com algumas recomendações e exigiu que ele se alimentasse o que o fez morder o sanduiche em sua mão.

“Estamos bem. Diga a Bee que a amo demais. Obrigada por vir.” – respondeu.

Os próximos bocados no sanduíche desceram mais fácil do que ele imaginou que seria. Seu corpo pedia comida, mesmo que não sentisse fome há dias.

Em seguida, resolveu olhar as mensagens de Tasha. Ela estava com Roman e isso sempre exigiria atenção. Aparentemente tudo estava bem. Ele respirou aliviado apenas para se sentir pressionado logo em seguida. Roman ainda não sabia sobre Jane. Mas ele evitaria essa difícil conversa por mais um tempo. Não era a hora. Não essa semana. Não antes de tudo ser consumado. Ele já tinha uma montanha de problemas para resolver até lá. E Roman era assunto delicado. O misto de emoções conflitantes que se apoderavam dele toda vez que se lembrava do cunhado era tudo que Kurt precisava para evitar o assunto por esses dias. Não o havia perdoado por tudo que fez. Mas também não podia concordar em entregá-lo às autoridades por Jane...

“Chega! Não é hora de pensar sobre isso. Tenho coisas mais urgentes a resolver.” – pensou enquanto levava o prato do sanduíche até a pia.

Ao pegar novamente o celular, chamou o número de Avery. Seu coração acelerou no peito. A última conversa foi desastrosa. Desde então, a garota se fechou num casulo evitando contato. Três toques e nada. Kurt se deu conta que sequer sabia por onde começar. Quarto toque. O melhor era deixar seu coração guiá-lo. Quinto toque. Ele sentiu vontade de desistir, deixar pra lá, se ela não queria contato, que arcasse com as consequências depois. Seu dedo já estava quase encerrando a ligação quando a lembrança de Jane sorrindo ao lado de Avery o fez lembrar que não tinha o direito de desistir da filha dela. Sexto toque e a ligação foi transferida para a caixa de mensagem.

“Oi, Avery. É o Kurt... Eu nem sei por onde começar. Sei que está sendo complicado pra você. Também sei que erramos e que deveríamos ter te contado sobre o agravamento dos sintomas... Você tem todo o direito de estar zangada comigo... Mas, por favor, esteja aqui na sexta-feira. Não por mim. Por Jane. E, se não puder fazer por ela, porque a história de vocês foi... complicada. Faça por você mesma. Sei que se arrependerá no futuro. E faça também por seu irmão. É isso que ele é: seu irmão. Por favor, não fuja dele como um dia Remi fugiu de você...”

Ele desligou o celular, lançou o aparelho sobre o balcão e passou as duas mãos pelos cabelos sentindo-se sem chão, incapaz de organizar sua vida. O vibrar do aparelho chamou sua atenção e ele o tomou de volta imediatamente. A mensagem de Avery era curta.

“Eu não posso...não consigo.”

Mesmo diante da negativa da garota, ele respirou aliviado. Pelo menos ela estava ouvindo os recados e agora respondeu. Já era alguma coisa.

“Enfrentar tudo sozinha só fará as coisas mais difíceis.” – respondeu.

Seguiram-se alguns minutos de silêncio. Então, a garota enviou uma nova mensagem.

“Eu vou no sábado. Se você aceitar.”

O sábado parecia a uma eternidade de distância daquela sexta-feira para ele. Apesar de já estar quase completando 20 anos, Avery era tão jovem e perdeu tanto nos últimos anos... Como julgá-la? Seria errado concordar? Ele não sabia...

“A decisão é sua. Só me avise para eu poder me preparar para recebê-la.” – enviou de volta

“Sábado, então.” – a resposta veio imediatamente. Ela estava realmente disposta a evitar estar presente naquele difícil momento da sexta-feira.

“Obrigado.” – ele encerrou a conversa.

Foi o tempo exato de finalizar para ouvir os berros pela babá eletrônica.

A sequência que se seguiu já era comum, apesar de Kurt ainda não ter se habituado a ela: choro, mamadeira, arrotar, mais choro, fralda, choro, passeio pela casa, choro, banho, choro, breve cochilo, choro. O pequeno parecia ainda mais incomodado que o normal. Ele tentou mandar algumas mensagens entre as atividade. Desistiu de por a roupa pra lavar e também desistiu da pouca louça suja pia.

Por volta das 10 PM, os dois andavam pela sala. Canções de ninar ou histórias não tiveram qualquer efeito. O balançar dos braços do pai também não. Assim que amanhecesse, seria quinta-feira. Havia ainda tanto o que preparar... Avery não estaria aqui... O bebê não se acalmava...

De repente, tudo doía demais: a casa vazia, os preparativos inacabados, o choro insistente do filho lembrando-o que a causa daquilo tudo não podia ser sanada. Seus músculos estavam tensos. Sentia-se um fracasso.

Kurt não pensou e resolveu falar. Logo ele que sempre fora pouco hábil com as palavras. Não o tipo de conversa que tinha com o filho repetidas vezes no dia, oferecendo a garantia do seu amor e proteção incondicional, mas as palavras mais autênticas que saiam do seu coração:

— Filho, eu sei o que você está sentindo. Eu sei o que você quer. Sei o quanto ela faz falta. O cheiro dela, a voz rouca dela... e aquela risada... Meu Deus... – as lágrimas desciam incontrolavelmente por seu rosto. -  Eu sei que se ela estivesse aqui, nos acalmaria com duas palavras ou talvez menos. Ela sempre foi incrível, não é mesmo? – O choro do bebê diminuiu, transformando-se numa sequencia de pequenos resmungos teimosos de quem não desiste, mas também quer ouvir. Kurt compreendeu que devia continuar. – Também estou com medo. Também queria gritar com o mundo e com a vida, exigindo que tudo fosse diferente... Mas daí eu me lembro que ela espera que nós dois consigamos passar por isso. Ela sabe que nós podemos, confia em nós. E ela nos ama tanto. Então, precisamos fazer isso por ela. Por favor, filho, me ajuda...

E o choro veio mais forte do que ele esperava. E ele não tentou detê-lo. Precisava daquilo para seguir em frente. Agarrou-se ao filho e chorou. Não foi por muito tempo. Um pai nunca tem muito tempo para suas dores. Minutos depois, seu coração já ardia em favor do filho. Ele secou as lágrimas e olhou para seu pequeno. Ele estava quieto. Olhinhos abertos prestando atenção ao pai. Mãozinhas agarradas a sua camisa.

Kurt depositou um beijo suave, carregado de amor naquela cabecinha macia. Deslizou o polegar para cima e para baixo em suas costinhas e subiu para o quarto do bebê. Lá sentou-se na cadeira de balanço e olhou para o painel na parede oposta que Jane começara a desenhar antes de perder a visão. Quase metade do desenho estava lá: a paisagem e os animais fofos, livres e alegres. A vida repleta de cores e felicidade tal qual sonharam viver depois que o bebê nascesse e ela se curasse.

— Nós vamos terminar de desenhar nossas vidas, filho, com traços tão alegres quanto os desse desenho, eu prometo. – sussurrou.

Pouco depois, percebeu que o bebê dormia. Levantou-se devagar para colocá-lo no berço. Na consulta dessa tarde, a pediatra insistiu que ele precisava se habituar ao espaço dele. Mas, assim que se abaixou, percebeu as mãozinhas do filho ainda agarradas à sua camisa, lembrando-o imediatamente da mão de Jane também agarrada à sua camisa durante a viagem de volta do Japão.

— Dane-se a pediatra. Nós dois sabemos exatamente do que precisamos. Você vai pra cama comigo.

E foi para seu quarto.

Dois dias depois, pela manhã

Era ainda bem cedo quando Tasha e Patterson chegaram, acompanhadas por Miguel e Sophia que ainda dormiam. Kurt abriu a porta com o pequeno no colo, aninhado no seu peito e choramingando como sempre. As amigas rapidamente se aproximaram e, após os cumprimentos tradicionais, já afagavam as costinhas do bebê e cabecinha do bebê comovidas.

— Own, está tudo bem. As titias chegaram. – Tasha disse baixinho no ouvido do bebê que ainda estava no colo de Kurt.

— Como ele cresceu. Olha essa bochechas! Você está de parabéns, Kurt.  – Patterson tentou ser positiva na abordagem para encorajar o amigo durante essa fase na qual também sofrera bastante quando sua filha era recém-nascida.  - Está se saindo melhor que eu. Na primeira quinzena, Sophia sequer ganhou peso. Foi um pesadelo. Ainda bem que  Jane... – e percebeu que entrou por águas turbulentas, mas já era tarde para retroceder então gesticulou demonstrando seu embaraço e continuou – Jane me apoio e me fez sentir que eu era capaz de dar conta daquilo.

O olhar de Tasha para a amiga misturava reprovação ao riso contido pela forma como a loura era pouco eficiente em disfarçar o fato de que falar em Jane se tornaram um assunto delicado entre eles. Kurt, entretanto, reagiu com naturalidade e trouxe o bebê de volta à pauta.

— Pois é, ele cresceu mesmo. É bastante determinado quando o assunto é fome. Não ousem atrasar o horário da mamadeira ou ele sabe como nos fazer se arrepender disso. – e beijou suavemente a cabecinha do filho.

— Isso é super bom! Sinal de saúde e inteligência. – Patterson afirmou ainda decidida a manter o aspecto positivo daqueles dias que ela sabia que estavam sendo difíceis para o amigo.

— Deve ser mal de família. Quando o assunto é fome, Miguel também se transforma e demonstra toda a força de seus pulmões. Krugers famintos são um problema. E ainda vai demorar um tempo até que esses daqui possa pedir uma pizza! – Tasha falou para engolir seco logo em seguida e buscar o olhar de Patterson que sacodiu discretamente a cabeça. Krugers, pizza, todos os assuntos levavam à Jane.

Novamente, Kurt deu continuidade a conversa tentando focar no presente, já que as lembranças, ele sabia, seriam inevitáveis:

— Meninas, não sei como agradecer por ficarem com ele hoje.

— Desnecessário nos agradecer, Kurt. – Patterson enfatizou – Será um prazer passar um tempo com ele.

— Estávamos ansiosas por essa oportunidade. Vai ser um dia incrível.

— Tenho certeza que será um dia inesquecível para vocês. – Kurt disse demonstrando o quão desafiadoras podiam ser as próximas horas. – Esse carinha aqui dá trabalho. E qualquer coisa é só ligar que eu farei de tudo pra voltar...

— Kurt, fique tranquilo. Nós temos um pouquinho de experiência no assunto. Vá sem preocupações.

— Além disso, vamos receber reforços ao longo do dia. Reade, Madeline, Rich e até a Meg disseram que vão passar por aqui. – Patterson informou.

— A pior parte do dia com certeza será o Rich. – Tasha reclamou.

— Falando em Meg, como eles estão? – Kurt questionou.

— Acabou. Ela e Reade são apenas amigos agora. Mas vão manter as aparências pelo tempo necessário para ela conseguir a cidadania. Os longos compromissos dela com o jornalismo fora da NYC com certeza vão ajudar a passar mais rápido. – Tasha, como sempre, demonstrou estar completamente por dentro da situação do casal.

— Que bom que encontraram um jeito de passar por isso mantendo a amizade. – e consultou o horário no celular. – Meninas, eu preciso ir.

Patterson depositou o bebê conforto com Sophia sobre o sofá e pegou o bebê do colo de Kurt.

— Venha cá, pequenino, a tia Patterson tem grandes histórias pra te contar. – a loura disse aconchegando o bebê em seu peito. – Kurt, Christofer disse que te encontra lá um pouco mais tarde. Agora, um beijinho de tchau, papai.

Kurt beijou a cabecinha do filho e saiu apressado e inseguro.

Final do dia, por volta das 9 PM

Todos os amigos estavam reunidos na sala, jogados no sofá. Ninguém ousava dizer uma só palavra. Silêncio era a única regra e sequer podia ser pronunciada. O bebê adormecera há certa de 20 minutos e desde então, todos queriam desfrutar desse momento precioso para descansar.

Agora, menos angustiados após esse dia inesquecível, olharam ao redor. A casa estava um caos. Isso precisava ser revertido antes de Kurt voltar. Nem no pior cenário imaginaram que o pequeno conseguiria mobilizar a todos daquela forma. Não era apenas pelo choro insistente, era a tristeza que ele conseguia demonstrar com aquilo que fazia todos incapazes de se dedicar a outras atividades, tentando acalmá-lo.

Silenciosamente, iniciaram a arrumação. Até Sophia e Miguel pareciam entender a necessidade de silêncio naquele momento. Tinham adormecido também. Com todos ajudando, em minutos a ordem retornou ao local.

Minutos depois a porta da frente se abria e Kurt entrava. Rich não conseguiu conter o comentário:

— Graças ao céus, você voltou. Cara, como estou feliz que você possa reassumir o posto de pai. O Little Grumpy elevou o mal humor genético que herdou de você e Jane ao nível hard.

— Rich! – todos disseram num só coro.

Kurt deixou o comentário passar totalmente despercebido. Minutos depois a porta da frente se abria e Kurt entrava. Rich não conseguiu conter o comentário:

— Graças ao céus, você voltou. Cara, como estou feliz que você possa reassumir o posto de pai. O Little Grumpy elevou o mal humor genético que herdou de você e Jane ao nível hard.

— Rich! – todos disseram num só coro.

Kurt deixou o comentário passar totalmente despercebido. Nada que ninguém dissesse poderia desviar sua atenção naquele momento depois desse dia tão tenso e intenso. Foram horas simplesmente esperando sem saber se tudo o que fizeram, se todas as teorias teriam algum efeito real. Mas, então, tudo começou a dar certo e o resto do seu dia foi um dos melhores dias de sua vida.

Por isso, nada que Rich dissesse seria capaz de tirar de seu rosto o sorriso imenso que Kurt ostentava. Ele voltou para o vão da porta e estendeu a mão para o lado de fora. Apoiando-se nela, Jane entrou devagar, caminhando trêmula e disse tímida:

— Oi.


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Notas finais do capítulo

Se chegaram até aqui, me fizeram muito feliz. Temi que abandonassem essa história antes do final desse capítulo.
Como foi a experiência de ler isso? Por favor, me conte!
Grata pela leitura.



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