The World Inside the Forest escrita por Creeper


Capítulo 2
A dor de uma nova vida.


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura! Espero que gostem!



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Tales, Wendy e Ema conversavam sentados na terra de meu quintal enquanto eu jogava gasolina em um latão de alumínio.

—O que vai queimar? -Tales perguntou.

—Desenhos antigos. -olhei para o caderno jogado dentro do latão. -Aonde eu deixei aquela folha solta...? -olhei para o chão.

—Oh! Eu me lembro de ter sonhado com esse cara quando caí no buraco. -Ema comentou surpresa segurando meu desenho.

—Deixa eu ver. -Wendy se aproximou da garota. -Ah, esse não é aquele... -seu sorriso desapareceu. -Slender...? -franziu a testa.

—Sonhou com o Slender Man?! -Tales cuspiu todo suco de caixinha que havia tomado.

Arregalei os olhos e encarei a garota de perna engessada.

—Sim...Eu lembro que...Eu estava chorando de dor no buraco, gritando por ajuda, foi quando olhei para cima e vi uma face branca virada em minha direção. -Ema contou.

—E o que mais?! -andei até ela e puxei o desenho de sua mão.

—Essas coisas pretas aí saíram das costas dele...Tentáculos, eu acho. E agarraram minha perna. -Ema arregalou os olhos. -Comecei a gritar e espernear, ele acabou arrancando meu tênis e o levando consigo.

Olhei para Wendy e Tales, esperando seus comentários.

—Não é óbvio?! Ema não se lembra de ter perdido o tênis enquanto corria! E de repente ela "sonha" que o Slender pegou seu sapato! -falei rasgando o desenho e o jogando no latão.

—Ema não bate bem da cabeça, ela pode ter se esquecido que perdeu o tênis! -Tales riu nervosamente.

—E se fosse real, ela já estaria morta. Não concorda? -Wendy deu de ombros e tomou seu suco.

—Bom...Não sei. -Ema coçou a cabeça. -O que querem fazer hoje?

—Podíamos...

Cerrei os dentes, acendi o fósforo e o joguei no latão.

Observei a chama crescer e engolir meu caderno, o queimando por inteiro.

Naquele momento, a conversa de meus amigos parecia se distorcer, suas vozes estavam abafadas, como se eu estivesse debaixo da água.

Coloquei a mão em meu ouvido e comecei a ouvir um zumbido agonizante.

Olhei ao redor, minha visão estava embaçada, as figuras de meus amigos haviam desaparecido.

Os procurei, mas encontrei outra figura, formada por uma mescla de cores: preta, vermelha e branca.

Meu coração falhou uma batida. Cambaleei para trás e caí sentada.

O borrão na minha frente devia ter 3 metros de altura.

O zumbido foi tornando-se um apito de trem, que se estendeu até o barulho de uma chaleira fervendo.

Fechei os olhos e protegi a cabeça, sentia como se meu cérebro fosse explodir.

—O chá está pronto! Quem vai querer? -mamãe anunciou.

—Eu quero!

O barulho cessou de repente.

Abri meus olhos, embasbacada, mamãe estava com as mãos na cintura e meus amigos estavam arrumando suas bicicletas, exceto Ema.

—Lucy, faça o favor de apagar esse fogo, a fumaça está fedendo. -mamãe revirou os olhos.

Me levantei, meio zonza, e andei até o latão. Não havia um sinal sequer do caderno, nem suas cinzas.

—Lucy, você nos ouviu?! -Tales me olhou, impaciente.

—Hã? Não? Desculpa. -murmurei confusa.

—Nós vamos na plantação de soja, pegue sua bicicleta. -Wendy ajudou Ema a sentar-se em um carrinho vermelho amarrado na bicicleta de Tales.

—Ou tem louça para lavar de novo? -Tales arqueou uma sobrancelha.

Revirei os olhos.

—Tudo bem, eu vou. -andei até a caminhonete para pegar a bicicleta na traseira.

—Vai aonde sem almoçar, Lucy? -mamãe apareceu carregando um cesto de lençóis.

—Eu não estou com fome. -abaixei a cabeça.

—Não está com fome? Você está emagrecendo. -mamãe estranhou. -Só a vejo bebendo água e comendo farelo, daqui a pouco dirão que eu não a alimento.

—Eu estou bem. -falei firme.

—Vocês três são prova que mesmo sendo mãe solteira, eu tenho como colocar comida na mesa! -mamãe encarou meus amigos. -Não permito que minha filha passe fome!

—Sim, senhora! -Wendy riu. -A propósito, uma comida muito gostosa. -sorriu travessa.

Eu não estava conseguindo me alimentar direito nos últimos dias, vomitava tudo o que ingeria.

Conseguia engolir forçadamente algumas migalhas de pão e água.

Eu não estava grávida.
Eu não era um ghoul*.
Eu não praticava bulimia.

A única explicação plausível para todos aqueles sintomas era...

A presença do Slender Man.

☆☆☆

Mesmo morrendo de fome, fui capaz de me divertir na plantação de soja.

Porém à noite, após o banho, sentia-me mais fraca como nunca.

Estava deitada em minha cama, imaginando um milhão de coisas.

As férias mal haviam começado e já estava passando por tantas emoções.

—Preciso de água. -murmurei sentindo a boca seca.

Toda a casa estava escura, mamãe já havia ido dormir.

Fui até a cozinha com passos silenciosos, peguei um copo de água e saciei minha sede.

Voltando para o quarto, passando pelo corredor, pude escutar o mesmo zumbido de mais cedo, só que mais alto.

Era tão atordoante que não fui capaz de me manter de pé, fui obrigada a ajoelhar-me.

Cobri meus ouvidos e abaixei a cabeça.

—Argh... -apoiei uma mão na parede, na tentativa de buscar algum apoio para me levantar.

Tudo aquilo porque no verso da folha do desenho estava uma canção:

"Slender, Slender
Onde você está?
Slender, Slender
Está a me observar?
Slender, Slender
Venha comigo brincar
Slender, Slender
Permito na minha casa entrar
Slender, Slender
Estou a te invocar
Slender, Slender
Quando a hora chegar
Slender, Slender
Venha me buscar
Slender, Slender
Para contigo morar
Shhhh...
Slender Man está aqui."

Eu havia criado aquela canção! A cantarolava todas as tardes sentada na calçada, na esperança de ser ouvida.

—Vá embora... -cerrei os dentes e apertei minha cabeça com uma mão.

A canção ecoava em minha mente, de maneira mais rápida e cantada por uma voz infantil.

—Saía da minha mente! -soquei a parede.

"Slender, Slender!"

"Você o chamou, agora não quer vê-lo?"

"Não se deve deixar o Slender esperando, ele ficará furioso!"

"Não tenha medo! Abra a porta!"

De repente, a porta da cozinha foi aberta, pude escutar a madeira rangendo e batendo repetidamente na parede.

Fui capaz de me levantar, mesmo tonta. Corri até meu quarto e fiquei fitando a janela aberta, me dando a visão da chuva.

Ela estava fechada quando eu saí.

"Não há como fugir!"

Escutei um trovão assustador e enxerguei um clarão, no mesmo instante a luz de meu quarto e do corredor se apagaram.

"Tarde demais, ele já está aí para te buscar."

Arregalei os olhos e comecei a olhar ao redor, aterrorizada. Eu só via escuridão.

"Ele está dentro da sua casa."

Adentrei meu quarto e escancarei as gavetas da cômoda na busca por uma laterna.

Encontrei uma e comecei a iluminar o quarto, procurando por meu celular.

Minhas mãos tremiam ao digitar o número da polícia.

Esse número está fora da área de serviço. Tente novamente mais tarde.

—MÃE! MÃE, ME AJUDA! -gritei sentindo minhas pernas formigarem. -MÃE! -caí no chão.

Comecei a chorar descontroladamente e me arrastar até a porta.

—MÃE! MÃE!

Ela estava no quarto ao lado, por que não me escutava?!

"O que sua mãe vai fazer?"

"Ela não fará nada se estiver...Morta!"

—NÃO! NÃO! NÃO! -engasguei com minha saliva e lágrimas, continuando a me arrastar.

Faltando alguns centímetros para chegar a porta, ela foi fechada bruscamente.

—SOCORRO! MÃE! DEUS, ME AJUDA! -fechei os olhos e me encolhi, não conseguia parar de chorar de pavor.

Tateei o chão até encontrar a laterna e a abracei.

—Pai Nosso que estais no céu... -comecei a rezar.

Meu coração batia de maneira intensa e meu corpo estava frio.

Um silêncio mortal reinou no ambiente. Não ouvia sussurros, não ouvia o som da chuva, não ouvia a porta batendo...Nada.

Fui capaz de me levantar como se nada tivesse acontecido, como se eu houvesse esquecido.

Iluminei a janela, andei até ela e a fechei.

—Ufa... -suspirei apoiando as mãos no vidro.

"Ele está atrás de você."

Senti um arrepio percorrer minha espinha quando a porta rangeu.

"Hihi..."

"Hahaha!"

"Se curve diante do senhor do bosque!"

Eu entrei em pânico. Me desesperei.

Abri a janela e sem pensar, debrucei meu corpo na expectativa de me jogar do lado de fora.

Quando pensei que conseguiria pular e escapar, algo grosso, viscoso e muito resistente enlaçou minha cintura.

Eu sequer conseguia respirar, aquilo apertava minha barriga.

"Você sabia que ele viria..."

Meu corpo foi puxado violentamente desde a janela até a porta da sala, sendo arrastado pelo chão.

Me debati e esperneei, sem sucesso, estava fraca demais.

Minhas unhas arranhavam o assoalho e meus gritos não cessavam.

Gritos de pavor. Gritos de quem sentiu o gosto do medo.

Gritos de alguém sendo arrastada pelo próprio demônio.

Gritos de alguém sendo sequestrada pelo Slender Man.

☆☆☆

Abri os olhos assustada, meu peito subia e descia rapidamente por causa da respiração ofegante e um grito histérico saía de minha boca.

Eu estava em um lugar escuro, deitada em uma superfície gelada e dura.

Olhei para cima, havia uma janela suja de vidro rachado.

As paredes eram feitas de troncos de árvore.

E o ar...Tinha cheiro de carniça, de podridão.

Ao sentar-me, constatei uma dor imensa presente em minha barriga e cintura.

Coloquei a mão sobre aquela área e senti um líquido quente e espesso escorrer.

"P-Por favor, que não seja sangue.", engoli em seco e fechei os olhos.

Meu rosto e pernas também ardiam, os apalpei e senti os arranhões e as feridas violentas.

Estava machucada.

Comecei a tossir, isso me dava a sensação de estar levando mil coices na barriga.

—A-Aonde eu estou?! -olhei ao redor, apavorada.

Encarei a porta semi-aberta.

Imediatamente os flashs vieram a minha mente.

Me levantei o mais rápido que pude, meus joelhos estavam em carne viva de tanto que foram arrastados, jorravam sangue.

Horrorizada com minha própria situação, quis vomitar.

Andei até a porta e quando ia abri-lá, um tentáculo entrou pela brecha e a abriu em meu lugar.

Minha boca se escancarou e meu corpo desabou no chão.

Aquela figura demoníaca estava na minha frente, de maneira corcunda para que pudesse passar pela porta.

Comecei a ir para trás, até me ver encurralada entre ele e a parede.

Meu coração doía de tanto se apertar.

—Já chega de fugir, Lucy.

Meus olhos se arregalaram.

Eu não exergava sua boca, mas ouvia sua voz aterrorizante.

—O que q-quer c-comigo...?! -engoli em seco.

—Ora, você quem me chamou. Está sendo mal educada. -Slender levantou-se, porém bateu a cabeça no teto e teve de voltar a se curvar.

—P-Pensei que você não existisse... -sussurrei arregalando os olhos.

Ele não respondeu, apenas me encarou durante longos segundos.

—Isso deve estar doendo. -Slender fez menção de tocar em meus joelhos com seus dedos ossudos.

Me encolhi de modo que ficasse longe de seu alcance.

—Não quero lhe machucar, Lucy.

—Já machucou... -murmurei.

Fechei os olhos e desejei que aquilo fosse apenas um pesadelo.

Mas a dor, sim, era real...

—Quero lhe pedir algo, pequena criança.

Virei o rosto e mordi o lábio inferior, sua aura era apavorante.

—Fique aqui comigo.

Minha cabeça deu um estalo e meus olhos se arregalaram novamente.

—Quero que seja minha filha.

—O que?! -me surpreendi. -N-N-Nunca! Q-Quero ir...Para c-casa! -minha voz começou a ficar chorosa. -M-Minha casa!

Voltei a fechar os olhos e me abracei, impactada com a proposta da figura humanóide.

—Você não vai mais voltar para casa. Aqui é o seu novo lar. É isso ou ser jogada no bosque.

O silêncio reinou no quarto durante alguns minutos, os quais fiquei rezando mentalmente e deixei as lágrimas escorrerem discretamente.

—Você entende que não posso lhe deixar voltar, não é?

Não, eu não entendia.

—P-Prefiro morrer... -falei tremendo ao abrir um de meus olhos.

Os tentáculos de Slender entraram em posição de ataque, sendo mirados em minha direção.

—E-Espere...! -ergui as mãos na frente do corpo, aterrorizada. -P-Por que eu...? Por q-que eu?! -elevei o tom de voz, deixando óbvio meu sofrimento.

Aquilo era um castigo.

—Bom...Você foi a minha única seguidora que não morreu enquanto eu a arrastei por 200 quilômetros.

Abri a boca, pasma.

—Seu rosto sangra.

—Eu sei. T-Tudo em mim está s-sangrando... -murmurei abaixando a cabeça.

—Você irá aceitar morar comigo e com minha esposa?

—S-Sua...A-A S-Slender Woman? -engasguei.

—Sim. Ela não tem útero. Mas gostaríamos de ter uma criança.

Voltei a tossir, dessa vez a saliva estava saindo acompanhada de vestígios de sangue.

Mordi o lábio inferior e cerrei os olhos com força, expressando a dor que estava sentido.

Não me surpreenderia se morresse de hemorragia em poucos minutos.

—Melhor eu cuidar dos seus ferimentos antes que você seja a vigésima criança que morre antes de aceitar a proposta.

Ele se retirou do quarto, arrastando seus braços pelo chão.

Respirei fundo e senti minhas costelas doerem.

—S-Seja um pesadelo...Um p-pesadelo... -sussurrei. -Deus, por favor... -juntei as mãos.

Olhei mais uma vez para a janela.

"É minha única opção.", pensei me erguendo.

Me levantei com dificuldade, apoiando-me na parede, quase caindo ao tentar chegar à janela.

Curvada, arrastando os pés, cheguei ao vidro imundo, o qual tentei empurrar para abrir.

Dei uma olhada do lado de fora e senti meu corpo fraquejar.

Lá havia um cão de porte grande, de pêlo amarelado sujo de sangue, o deixando com um aspecto de ferrugem. Os pêlos em sua cabeça eram longos e pretos, como se fossem cabelos.

E ele conseguia sorrir diabolicamente enquanto desmembrava um ser humano.

Meu estômago embrulhou-se. Coloquei as mãos em frente a boca, entretanto foi inevitável, o vômito esguichou por entre meus dedos e me sujou toda.

—Não gosta de cachorros? -era a voz do Slender atrás de mim. -Eu gosto. Com exceção desse, pois o dono é o Jeff.

O olhei com os olhos lacrimejados e deixei meu corpo deslizar pela parede até cair no chão, me molhando com meu próprio vômito.

—Veja, você não esta apresentável para a sua mãe. -Slender segurava com seus tentáculos um rolo de esparadrapos, spray antibacteriano, curativos e faixas.

—Me d-deixe...M-Morrer. -não aguentei mais segurar todo meu choro.

Me deitei, sentindo meu corpo inteiro doer como se estivesse sendo prensado por uma placa de uma tonelada.

Tossi novamente, cuspindo os últimos vestígios de vômito que haviam ficado em minha boca.

—Me m-mata...Me mata. -cerrei os dentes e arranhei o chão, agoniada.

Até respirar era difícil.

—Mas você tem apenas 14 anos, não quer crescer? O bosque pode ser um lugar bonito. -Slender me virou de barriga para cima, suas mãos eram gélidas.

Continuei a chorar escandalosamente, gritando e tossindo. Lágrimas, saliva e sangue tornaram-se um só.

Se não havia maneira de voltar para casa, preferia estar morta.

Era melhor morrer do que ter que encarar aquela paisagem podre todos os dias.

Minha vida havia chegado ao fim da linha. Era morrer ou sofrer.

—E-Eu...Vou morder a...L-Língua. -anunciei desesperada.

Meu corpo inteiro tremia, eu sentia as feridas arderem quando o spray entrava em contato com elas. Era como estar queimando no inferno.

Eu rosnei de tanta dor, minha boca chegava a espumar.

—Eu v-vou...! -coloquei minha língua para fora, me sentia enlouquecida.

Eu era capaz. Conseguia me matar.

"Eu não vou sofrer mais. Vai ser apenas uma dor intensa, mas depois vai parar.", pensei fechando os olhos.

—Se você tem coragem para morrer, por que não tem para viver? -Slender perguntou enquanto enfaixava meus joelhos.

—Eu não sentirei dor se estiver...M-Morta... -comecei a soluçar, sentia nojo de mim mesma naquela situação.

—Pois bem, você não sente nada estando morta. -ele falou. -Quer mesmo jogar sua vida fora agora?

—Se eu decidir viver, será como estar morta, mas ainda sentir dor. -lágrimas pesadas rolaram por minhas bochechas.

—A vida também lhe reserva prazer. Não quer viver para disfrutá-lo?

—Disfrutá-lo dessa...Maneira? L-Longe de minha mãe e amigos, não tendo estômago para ver sangue...S-Sendo criada por uma b-besta... -cobri meu rosto com o braço.

—Digamos que essa é sua nova vida. Você está tendo outra chance. -ele começou a limpar o sangue de minha barriga.

—Minha antiga vida era boa. -funguei.

—Você ainda está na antiga vida e quer se matar. Está se contradizendo. -ele enfaixou minha cintura.

Respirei fundo, meu nariz estava entupido.

—Sua nova vida começa quando abrir os olhos. -começou a colocar curativos em meu rosto.

—Quando abrir os olhos...P-Posso morder a língua?

—Eu vou te tornar imortal se tentar. Ou se preferir, enfiarei um tentáculo em tua boca e quebrarei todos os teus dentes.

Fiquei quieta, reflexiva.

A criatura que eu tanto temi, a criatura que me machucou, era a mesma que agora estava cuidando de mim.

Eu podia confiar nele?

Com certeza, não.

—N-Não vai tentar me matar...? -perguntei sentindo seus longos dedos afastando os cabelos grudados em meu rosto.

—Não. Por que mataria minha filha?

—A-Algumas criaturas matam os f-filhotes. -comentei, tentando estabelecer a respiração.

—Eu não.

—V-Você pegou o sapato da Ema, não f-foi...? -expirei.

—Foi sim. Como um aviso de que eu estava próximo.

—V-Você me assusta. Como v-viverei com alguém de quem tenho m-medo?!

—Você viveu dois anos com seu padrasto, Lucy. Acha que serei pior que ele?

O sangue que restava dentro de mim ferveu, cerrei os dentes com ódio e usei minhas últimas forças para dar um tapa na mão de Slender e afastá-la de mim.

—Bastardo! -gritei enfurecida.

—Sinto muito, Lucy. Não quis lhe trazer más memórias, foi apenas uma comparação.

Uma comparação desgraçada!

—V-Você não quer meu b-bem! -gritei e as lágrimas retornaram.

Chorei. Chorei. Chorei.

E gritei. Gritei. Gritei.

—Oh, pare com isso, está sendo ridícula.

—DÓI TANTO! TUDO DÓI! -gritei levando as mãos a minha cabeça e puxando meu cabelo como se quisesse arrancá-lo.

—Lucy! Eu quero lhe dar uma vida boa aqui no bosque, me escute.

—NUNCA! -tentei me levantar, entretanto seus tentáculos me imobilizaram.

Senti sua mão em meu pescoço e dois de seus dedos me beliscaram.

Apenas senti minha consciência se esvair e meu controle se perder, eu apaguei.

☆☆☆

Abri os olhos lentamente, meu corpo estava dormente.

Tentei me mexer, porém era dolorido fazer qualquer movimento.

Caminhei os olhos pelo local, era sujo, vazio, com paredes de madeira e uma janela quebrada.

Estava coberta com um lençol fino e encardido, deitada sobre uma tábua.

Abri a boca e senti um gosto amargo.

Ainda não entendia aonde estava.

—Ah, finalmente acordou, está dormindo faz três dias. -ouvi uma voz feminina em algum canto do quarto.

Olhei na direção da voz e o horror tomou conta de mim.

Me lembrei de tudo. De ter sido arrastada, de estar sangrando, de pensar em meu suicídio, de meu ataque de pânico...

A dona da voz era muito alta, de pele branca, com pernas torneadas, uma bela cabeleira negra e trajava um vestido social.

Sem rosto.

Talvez ela fosse mais conhecida como Slender Woman.

—Não aja como se tivesse visto um fantasma. -ela riu suavemente. -Hum, seu estado é deplorável. Sinto pena de você, criança.

Com esforço, me sentei, joguei o lençol longe e observei minhas feridas.

Estavam todas enfaixadas e com curativos, limpas, sem manchas de sangue.

—Eu troquei suas ataduras hoje de manhã, estavam imundas. Também lhe fiz o favor de trocar sua roupa.

Reparei que estava vestindo uma camiseta grande o suficiente para ser chamada de vestido. E adivinhe? Ela estava suja e furada.

—Sinto muito, é o melhor que temos. Melhor até que os trapos com os quais você chegou.

Um tentáculo, mais fino que o de Slender, saiu de suas costas e agarrou os restos de meu pijama jogados em um canto.

Esfreguei meus olhos, desacreditada.

—Estou dormindo faz três dias?! -engoli em seco.

—Exatamente. Você surtou, foi necessário. -ela cruzou os braços, em nenhum momento se aproximou de mim.

—Q-Quero voltar para casa... -pedi.

Mamãe já devia ter alertado a polícia e meus amigos deviam estar loucos a minha procura.

Doía internamente pensar no sofrimento pelo qual eles estavam passando.

—Negativo. -ela balançou a cabeça

—Eu lhe imploro! -juntei as mãos e tentei me ajoelhar, mas caí.

—Qual o problema de ser nossa filha?

—Não serei feliz aqui nesse lugar macabro longe de meus amigos e de minha mãe. -abaixei a cabeça, sentindo um nó na garganta.

—Que tal...Você pode voltar para casa...

Meu coração queimou em esperança, a olhei fixamente.

—Daqui a quatro anos. Se não morrer até lá, claro.

Fiz uma expressão de decepção e bati com a testa no chão, me permitindo chorar.

—Quatro anos passam logo, pare de drama.

—D-Drama...? Seria capaz de abandonar o seu marido por quatro anos para viver em um lugar que te deixa desconfortável? -cerrei os dentes e punhos.

—Eu não sei, pequena. Me deixe criá-la, cuidar de você durante esse tempo, como se fosse minha filha.

—P-Por que não me deixa ir embora...? Não contarei nada a ninguém! -implorei.

—Humanos sanos não podem sair do Bosque da Insanidade.

—O que...? -sussurrei.

—Você deve perder a sanidade para que possa sair do bosque. Irônico, não?

Comecei a refletir.

Após ficar insana, seria o mesmo que perder minha antiga vida, minha humanidade. Do que adiantaria?

—Que...P-Porra. -murmurei chorando baixinho.

—Lhe deixarei sozinha, saía quando tiver vontade.

Não respondi, queria somente chorar.

—A propósito, você deve estar com fome...Não quer comer?

—Está envenenado?! -cuspi as palavras.

—Se quiséssemos mesmo te matar, bastaria isso...

Ao dizer "isso", a ponta de um de seus tentáculos tocou minha nuca em uma velocidade surpreendente.

Fiquei estática, endurecida.

—Eu lhe trago a comida aqui. -deu uma risadinha e saiu.

Respirei fundo e me encolhi, me sentia fraca, incapaz.

Eu sentia fome, frio e dor.

—Mamãe... -sussurrei. -Vem me buscar. -desejei.

Após alguns minutos, Slender Woman deixou uma bandeja de comida no chão, ao lado da porta.

Relutei em comer.

A bandeja permaneceu horas ali.

A fraqueza me consumia, sentia minha cabeça doer de tanta fome e tudo a minha volta girava.

Minha barriga fazia barulhos altos, como se estivesse prestes a me digerir.

Meu pensamento era selvagem: "Comida! Comida! Comida!"

Não fui mais capaz de lutar contra a necessidade gritante. Me levantei, zonza, e dei passos longos até chegar a bandeja.

Havia uma tigela quebrada com frutas silvestres, junto com um copo de suco de cor duvidosa e pão.

Não parecia apetitoso, porém me daria energia.

Sentei-me com as pernas cruzadas e peguei o pão, o partindo ao meio, estava um pouco duro, mas comestível.

Mastiguei rapidamente, engolindo em segundos, logo mordendo mais um pedaço.

Virei metade do copo de suco em um gole, minha garganta estava seca.

Peguei um punhado das frutas e as enfiei dentro de minha boca com certo desespero, algumas eram doces, outras azedas.

Bebi o resto do suco e virei a tigela de frutas em minha boca.

Ainda não estava satisfeita, entretanto aquilo havia ajudado muito.

Limpei minha boca com o braço e me deitei ao lado da bandeja.

Nunca havia valorizado tanto uma refeição.

—Obrigada pela comida, Deus. -sussurrei fechando os olhos e lambendo os lábios.

Dormi novamente e acordei um tempo depois, me pareceu que dormi durante dias.

Ao olhar para o lado, notei que a bandeja estava cheia novamente.

Dessa vez havia chá no copo, uma espécie de mingau na tigela e mais de um pão.

Aquilo não dava água na boca.

Comi de modo desesperado, sem sequer mastigar direito. Apenas queria saciar minha fome.

Talvez aquilo já fosse o suficiente.

Mais uma vez lambi os lábios e agradeci pela refeição.

Voltei para a minha cama improvisada, me enrolando no lençol para tentar conter o frio que beijava minhas costelas.

Meus ferimentos ainda doíam, porém não sangravam mais.

Eu estava sentindo um cheiro desagradável e temia não ser o ambiente.

Eu fedia.

☆☆☆

—Querido, estou muito feliz por você ter conseguido uma criança. Mas...

—Mas...? O que foi, querida?

Abri os olhos, sentia minhas pálpebras secas.

—Ela me parece muito...Muito...Muito humana! Entende?

—Muito humana...?

Conseguia ouvir a voz da Slender Woman e do Slender Man do outro lado da porta do quarto.

—Sim! Não há nada de aterrorizante nela, ela é apenas depravada.

—Uma vez você me disse ter medo dos humanos, afinal, eles são os verdadeiros demônios deste mundo.

"Sobre o que estão conversando?", tentei me concentrar para escutar.

Esfreguei meus olhos, ainda sonolenta.

—Eu sei...Mas ela é uma criança, não tem pecados. O que você acha que as outras mães irão falar de mim?! Eu serei tratada como piada por minha filha ser um vexame!

—Oh, me desculpe. Da próxima vez eu sequestro uma criança demoníaca, que só usa preto e bebe sangue de morcego.

"Ah...Estão discutindo sobre mim.", pensei receosa.

—Pare com isso, Slender.

—Eu tento te agradar e é assim que você reage! Nunca está bom o suficiente para você!

—C-Claro que está! Só lhe pedi uma criança mais parecida conosco!

—E o quer que eu faça?!

—Não sei! Dê um jeito ou eu a jogo no bosque, com sorte uma criatura pode desfigurá-la.

Arregalei os olhos e engoli em seco, apavorada com sua condição.

—Você é cruel.

—Boa noite, estou cansada. Leve o jantar para ela.

Meu estômago roncou ao ouvir a palavra "jantar". Continuava faminta.

Olhei para o teto, estática.

"Minha aparência...?", refleti.

A porta foi aberta lentamente, logo senti arrepios percorrerem meu corpo.

—Está acordada, Lucy? -ele perguntou. Escutei o som da bandeja sendo colocada no chão. -Aqui está o jantar.

"Me sinto em uma prisão.", fui capaz de dar uma risada sarcástica.

—Quando poderemos comer todos na mesa, juntos como uma família? -ele se aproximou.

Virei-me de costas para ele, ficando a fitar a parede, receosa.

—Não quer conversar...?

Encolhi os ombros.

—Está com frio?

Permaneci em silêncio.

De repente, senti um peso sobre meu corpo, o qual produziu um calor reconfortante.

De solsaio, pude perceber que o que me cobria era o impecável paletó preto de Slender.

Confesso que me surpreendi.

—Não quer mesmo conversar...?

Hesitante, balancei a cabeça negativamente.

—Aposto que você escutou a minha conversa com ela. Então, colabore, por favor.

—C-Como...? -sussurrei com a garganta seca.

—Ora, ora, quer dizer que você sabe falar...

Franzi a testa e torci o nariz.

—Não faço a mínima idéia. Você passa o dia inteiro no quarto, vai conseguir pensar em algo.

Suspirei pesadamente, cansada.

—Estou com saudades da minha casa. Da minha cama. Do meu bairro. Dos meus amigos. Da minha cidade caipira... - comentei com a voz embargada.

Foi a vez dele ficar em silêncio.

—Sinto tanta saudade...Tanta... -cerrei os punhos. -Eu t-tenho medo desse lugar... -fechei os olhos, permitindo que as lágrimas descessem.

—O que posso fazer para melhorar, Lucy?

—Me leva de volta para casa...P-Por favor... -pedi chorando.

—Não posso.

Continuei a chorar, bem baixinho.

A ficha ainda não havia caído. Eu nunca mais veria minha mãe...Meus amigos...Meu colégio.

Como eles estavam sem mim? Preocupados? Loucos? Desesperados?

Meu maior e único desejo era regressar ao meu lar.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado! Comentem o que acharam '3'

Ghoul*: Eles são incapazes de digerir qualquer outro tipo de alimento que não seja carne humana, devido a uma enzima específica que seus corpos produzem. A estrutura de suas línguas também são diferentes dos seres humanos, fazendo outros alimentos terem um gosto repugnante e desconfortável, o que faz eles vomitarem.

Até o próximo capítulo!
Bjs.
—☆Creeper.



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