Nunca Vi Estrelas escrita por Karina A de Souza


Capítulo 1
Casa de Bonecas


Notas iniciais do capítulo

Esse conto faz parte das minhas fanfics de Universo compartilhado. As histórias anteriores são "The Different Story" e "A Garota de Vestido Azul", mas você não precisa lê-las para entender essa. Apenas se quiser. Está tudo explicado no meu perfil, caso queira saber.



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O mundo é pequeno. É o que me dizem desde sempre. Tão pequeno, que eu me sinto minúscula. Não há muito o que ver. Não há muito o que fazer. Sempre foi assim. O planeta tem cerca de 100,33 km quadrados. Pequeno. Sempre pequeno.

Às vezes eu me pergunto se há algo lá fora. Todos sempre dizem que não. “É só isso, Lívia. O mundo é isso aqui, é apenas isso que existe”.

Eu queria que não fosse tão pequeno. Queria que fosse diferente.

—Lívia! Jantar!-Minha mãe gritou da janela. Continuei deitada na grama, encarando o céu. Ele parecia uma parede pintada de azul. Também queria que ele fosse diferente. -Lívia!

Suspirando, me levantei e comecei a ir pra casa. Um som estranho veio da floresta. Encarei as árvores, mas tudo estava quieto agora, então apenas continuei meu caminho.

Na cozinha, meu pai e meu irmão já estavam na mesa. Minha mãe estava encostada na pia, saindo apenas quando me viu entrar.

—Atrasada. -Avisou.

—Desculpe. Estava pensando.

—Espero que não seja nas bobagens de planetas e essas coisas. Existe apenas o Aqui. O nosso planeta. -Me sentei

—E o que há lá fora?

—O escuro. -Se sentou, irritada. -Já disse para não insistir nisso.

—Se ninguém nunca saiu do Aqui, como podem saber se não há nada lá?

—Não há nada lá.

—Mas...

—Não há nada lá. Não há nada... -Parou de repente, encarando o nada.

—Mãe? Mãe?

—Está tudo bem. -Meu pai disse, ficando de pé e puxando minha mãe com ele. -Ela só precisa descansar. -Saíram da cozinha.

—O que aconteceu?

—Você faz muitas perguntas. -Meu irmão reclamou. -Pare de fazer perguntas. Perguntas são erradas. -Levantou.

—Como uma pergunta pode ser errada?-Não respondeu, apenas saiu da cozinha.

Por que todo mundo estava estranho?

—Ele está errado, sabe. Perguntas são sempre boas. -Me virei, havia um homem sentado no balcão, inspecionando a fruteira. -Não há bananas? Bananas são legais.

—Quem é você?-Fiquei de pé. -Como entrou aqui? Eu vou chamar meus pais...

—Eu sou o Doutor. E aquelas coisas não são seus pais.

—Coisas?

—Sua vida toda eles disseram que o mundo é pequeno, mas é mentira. O Aqui não é um planeta. É uma casa de bonecas e você está presa nela.

—Eu não entendo...

—Todas essas pessoas, todas elas, não são humanas, são robôs que parecem humanos. Você é a única de carne e osso aqui.

—Okay, você é louco... Vou chamar meus pais...

—Por que não a polícia? Eles não existem no seu mundinho, não é?

—O que é polícia?

—Seu céu não tem estrelas, não há rios, não há sol, não há animais. Esse é um mundo falso.

—Não faço ideia do que está falando...

—Por que mentiram pra você, te engaram a vida toda. Esse não é o mundo real, Lívia. É uma prisão.

—O que é uma prisão?

—Alerta de intruso. -Me virei, era o meu irmão. -Código 256... -O Doutor apontou algo na direção dele, então os olhos de Tiago escureceram e ele parou de falar. Eu tinha ouvido aquele som antes, na floresta.

—O que você fez?

—Ele é uma máquina. -Disse, saltando do balcão e dando umas batidinhas na testa do meu irmão. -Eu apenas o desativei.

—Ele não é um robô.

—Não?-Arrancou o braço de Tiago. Em vez de sangue, uma mistura estranha saiu, junto com cabos e algumas faíscas prateadas. -Todos são assim, menos você.

—Não... -Recuei. Era tudo muito confuso. O que estava acontecendo?

—Pode continuar presa aqui, engolindo todas essas mentiras e fingindo acreditar nelas, ou pode vir comigo. -Estendeu a mão.

—Por que eu confiaria em você?

—Por que eu sou o Doutor, e posso salvar a sua vida.

Então eu agarrei a mão dele e nós corremos.

***

—Por que estou presa aqui?-Perguntei, seguindo-o pela floresta.

—Sua casa de bonecas fica dentro de um laboratório. Você está sendo vigiada vinte e quatro horas por dia. Eu não sei exatamente o que eles querem, mas não pode ser bom.

—Certo. Então... Você é um médico?

—Não.

—Você disse que é um doutor!

—Não sou “um” doutor. Eu sou O Doutor. Esse é meu nome.

—Mas quem é você?-Parei de andar, ele fez o mesmo. -Você fala de coisas que eu nunca vi, sabe de tudo o que está acontecendo e veio me ajudar. Quem é você?

—Eu sou um Senhor do Tempo. Vim de muito longe e se você permitir, e continuar andando, vou salvar você.

—Você pode, mesmo?-Assentiu. -Como saímos? Se estou sendo monitorada, então sabem que você está aqui.

—Eu desliguei as câmeras antes de entrar. Há apenas um guarda hoje. É feriado.

—O que é feriado?

—Apenas continue andando. Se aquele garoto robô conseguiu avisar os outros, podemos ter problemas. Tipo aquele ali. -Apontou.

—Lívia!-Minha mãe gritou. -Você está de castigo. Castigo. Volte já aqui. Aqui. Não ouse fugir. Fugir.

—O que tem de errado com ela?-Perguntei.

—Volte aqui. Aqui.

—Parece que está falhando. -O Doutor respondeu. -Corra.

—LÍVIA!

Voltamos a correr. Não tive coragem de olhar para trás e ver se aquela coisa que chamei de mãe por dezoito anos estava lá.

Toda minha vida era uma mentira. E o mundo não era pequeno.

Chegamos numa parte do Aqui onde eu nunca tinha ido. Era uma parede de vidro, mas não dava pra ver o lado de fora.

—O que é isso?

—O limite. -O Doutor respondeu, me soltando. -É por aqui que vamos sair. -Pegou algo do bolso.

—E isso?

—Uma chave de fenda sônica. -Apontou para o limite, que fez um som estranho, então abriu como uma porta. Saímos por ela, entrando num lugar fechado, e todo preto.

—Onde estamos?

—Num galpão, onde fica o seu Aqui. -Fechou a porta. -Oh, eu não tinha visto isso antes. Um botão de auto destruição.

—O que isso faz?-Sorriu.

—Destrói sua casa de bonecas. A parede de vidro é resistente, a explosão aconteceria apenas do lado de den... -Apertei o botão. -Dentro. Okay. -Começou a se afastar. Fiquei mais alguns segundos olhando o fogo consumindo o Aqui e então fui atrás do Doutor. -Há outra aqui.

—O que?

De fora, era como uma tigela de ponta cabeça, com um mini mundo dentro. Se parecia com o meu. Talvez fosse o mesmo modelo.

De repente, um garoto surgiu do nada e deu de cara com o vidro. O Doutor se apressou em abrir a porta e o puxou para fora.

—Você está bem?-Perguntei.

—Vocês são humanos? Ou são como aquelas coisas?

—Eu sou humana. E acho que ele não é. -O Doutor sorriu. -Meu nome é Lívia.

—Marcel. Então... Quem são vocês?

—Eu também estava presa. Exatamente como você. Mentiram pra nós. O mundo não é pequeno. E há animais, estrelas, rios e um sol...

—O que é tudo isso?

—Eu não sei. Doutor, o que são essas coisas?

—Vocês estão prestes a conhecê-las. -Avisou, entrando numa caixa azul. -É só me seguirem.

***

—Prontos para o mundo?-O Doutor perguntou. Marcel e eu assentimos. -Então vão lá.

Saímos da TARDIS, para um enorme campo. Estava escuro, eu nunca tinha visto algo tão escuro. O Doutor disse que aquilo se chamava noite. Não tinha isso no Aqui.

—O que são esses pontos de luz?-Perguntei, encarando o céu.

—Estrelas. -Sorri.

—Nunca vi estrelas antes. São lindas... Não são?-Marcel assentiu, segurando a minha mão. -Elas ficam aí o tempo todo?

—São visíveis apenas quando escurece. E de dia tem o sol.

—Aquilo é uma estrela também?-Marcel perguntou, apontando para uma grande bola branca no céu.

—É a lua.

—Eu gostei dela. O céu é... Fantástico. Então aqui é a Terra?

—Sim. Vocês sempre estiveram aqui, mas presos. E não há só a Terra, há milhares e milhares de planetas lá fora. Muitos lugares para conhecer.

—Acho que minha cabeça explodiria. -Comentei. -É muita informação. O que devíamos fazer agora? Precisamos de uma casa...

—E trabalhos. -Marcel disse. -Começar uma vida aqui fora.

—Vai ser complicado.

—Vocês dois são espertos. -O Doutor disse. -Vão ficar bem. Mas posso ajeitar algumas coisas. Encontrar um lugar para ficarem, arrumar dinheiro suficiente até que consigam seus empregos... Um recomeço apropriado.

—Faria isso mesmo?

—É claro que sim. –O abracei.

—Obrigada, Doutor. Obrigada mesmo. -Se afastou e sorriu.

—Bem... Então vamos lá por que temos muito a fazer. Allons-y!


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Notas finais do capítulo

LÍVIA E MARCEL RETORNAM EM "O CAÇADOR DA TEMPESTADE".
Eu não sei a data exata, mas esse conto se passa antes dos anos 2000 (é difícil datar todas as fanfics de Universo compartilhado).
É, o Doutor não convidou Lívia e Marcel para viajarem com ele. Quem leu "A Garota de Vestido Azul" talvez entenda o por que (o Doutor conheceu o casal meses depois do último capítulo da fanfic anterior).
E então, o que acharam? Comentários?