Uma chance escrita por The Escapist


Capítulo 7
Capítulo 7




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Apesar da decisão de “ir devagar”, entre aquele primeiro encontro improvisado e o momento que se tornaram namorados, não demorou muito. Era uma série de coisas novas para Rodrigo das quais ele gostava cada dia mais. Gostava de almoçar com Yuri e andar lado a lado com ele na calçada, deixando que as mãos roçassem uma na outra. De levá-lo para jantar em restaurantes que ele chamava de “chiques demais” e de rir das caretas que ele fazia para os cardápios. Gostava de discutir com ele quando iam escolher um filme para assistir e não conseguiam chegar a um acordo porque Yuri só gostava de porcaria comercial e chamava os filmes clássicos de chatos. Gostava de quando ele entrava em sua sala sem nenhuma razão, a não ser lhe dar um beijo; e de quando ele se virava para vê-lo passar pelo corredor.

No escritório, todo mundo já percebera que havia algo entre eles, embora não tivessem assumido a relação. Não estavam namorando em segredo, tampouco pretendiam esconder isso por muito tempo, contudo, seguindo a decisão inicial de não apressar as coisas, estavam deixando passar um pouco de tempo antes de contar aos colegas. Além disso, mesmo que nunca tivesse sofrido nenhum tipo de preconceito no trabalho, Rodrigo não conseguia imaginar qual seria a reação dos chefes quando soubessem que estava namorando um colega, que ainda por cima era estagiário.

Este era, aliás, um dos pontos em que eles discordavam. Yuri preferia assumir de uma vez, mas Rodrigo era mais comedido. O primeiro queria andar de mãos dadas e poder beijá-lo na hora que bem entendesse, contudo, Rodrigo ainda mantinha reflexos do seu relacionamento anterior e se retraía sempre que o namorado fazia menção de um contato físico mais íntimo. Foi isso que ocasionou a primeira briga do casal.

Tinham acabado de voltar do almoço e entraram juntos no elevador, porém, quando Yuri quis beijá-lo, Rodrigo se afastou e manteve-se a uma distância considerável dele enquanto subiam. Yuri deixou o assunto morrer enquanto estavam no trabalho, mas à noite, na casa de Rodrigo, questionou-o sobre aquela atitude estranha.

— Já te expliquei isso. Vamos esperar mais um pouco, não quero que as pessoas saibam agora...

— Você não quer que todo mundo saiba ou não quer que o Álvaro saiba? Porque são coisas bem diferentes.

— Eu já te expliquei minhas razões — repetiu, não sem certa insegurança na voz. — Agora se você for ficar com ciúmes do Álvaro...

— Claro que vou ficar com ciúmes dele, caramba, ele não para de te rondar. Não confio nele e nunca vou confiar.

— É em mim que você tem que confiar. Eu vou falar com o Afonso, contarei para ele pessoalmente. É sério, Yuri, ele é uma pessoa bastante tolerante, mas também é uma parte da família tradicional brasileira.

Embora aquele medo não fizesse nenhum sentido para Yuri, pois não acreditava que estar namorando um estagiário fosse ter qualquer impacto na carreira de Rodrigo tampouco colocasse em risco o emprego dele, acabou acreditando nele. Concordou que esperaria o tempo que ele quisesse até poder gritar aos quatro ventos que era o feliz namorado do homem mais bonito do escritório, quiçá da cidade. No entanto, não conseguiu cumprir essa promessa, porque cada vez que o via conversando com Álvaro, sentia um ciúme incontrolável.

Confiava em Rodrigo, não podia duvidar dos sentimentos dele, porém, conhecendo a história dele com Álvaro, era impossível não se sentir inseguro. Até ele às vezes se lembrava do primeiro namorado e pensava que se o encontrasse novamente, iria gostar de reviver suas primeiras experiências no campo do amor. Imagina como é estar todos os dias ao lado do ex, vendo-o e conversando com ele. Não havia confiança que não se abalasse.

Um dia, depois de fazer as cópias que Álvaro tinha pedido, foi levá-las para ele. Mais cedo, naquela mesma manhã, tinha visto ele e Rodrigo conversando e não gostara muito, sentira-se excluído. Por isso, não soube disfarçar a carranca quando entrou na sala. Álvaro agradeceu pelos documentos, mas reparou que ele estava um pouco estranho.

— Algum problema, Yuri?

— Não. Mas vai haver se você não parar de secar meu namorado — desabafou, deixando Álvaro sem entender nada.

— Desculpe, do que você está falando?

— Não se faça de desentendido, Álvaro.

— Acho que você está passando um pouco dos limites, Yuri.

— Não, é você quem passa dos limites. Não acha que já o magoou o bastante pra uma vida? Deixa o Rodrigo em paz.

Álvaro abriu a boca, mas não conseguiu dizer nada. Sua cabeça girava com o que estava ouvindo. Não sabia se o que deixava mais confuso era o fato de Yuri saber sobre ele e Rodrigo ou o de eles estarem juntos.

— Por favor, fique longe dele, ok?

Recado dado, Yuri voltou ao trabalho. Não viu ou falou com o Álvaro durante o resto do dia, contudo, à noite quando estava jantando com Rodrigo, ele o questionou sobre sua atitude.

— O que você disse ao Álvaro? — perguntou enquanto terminava de preparar o molho e Yuri arrumava a mesa.

— Hm? Nada demais, só avisei pra ele parar de rondar meu território.

— Seu território? Você não acha que está exagerando um pouco?

— Não é exagero cuidar do que é meu. — Deu de ombros.

Rodrigo deixou a colher sobre a panela de molho, apagou o fogo e se aproximou de Yuri, colocando as mãos nos ombros dele, falou com ar professoral:

— Álvaro e eu somos amigos. Nós tivemos uma história complicada, mas acabou, se eu tô te dizendo que acabou é porque é verdade, não tenho, nunca tive intenção de enganar você, ok? Já cometei muitos erros, sei quanto sofrimento uma mentira num relacionamento pode causar. Não vou deixar de ser amigo dele, mas não existe mais nada além de amizade entre nós.

Yuri não soube se foi por causa de suas cobranças ou porque o tempo de que Rodrigo precisava finalmente tinha passado, mas poucos dias depois, ele lhe disse que conversara com Afonso e contara sobre o namoro e agora já podiam confirmar para os outros colegas, afinal, todo mundo já suspeitava.

Às vezes, Rodrigo se pegava olhando para o namorado, como se não acreditasse que ele era de verdade. Era quase doloroso lembrar que tinha imposto a si mesmo um relacionamento doentio, que o obrigava a abrir mão do amor-próprio. Sabia que era errado, mas não evitava fazer comparações e vendo o quanto estar com o Yuri lhe fazia bem, sentia medo de perdê-lo. Não queria se sentir tão inseguro, mas era parte de seu ser.

Como grande apreciador da gastronomia, Rodrigo gostava de sair para jantar em bons restaurantes, mas considerando que havia diferenças econômicas visíveis entre ele e o namorado, e podia perceber que geralmente Yuri ficava constrangido por ser sempre ele a pagar a conta, às vezes preferia que ficassem em casa. Comprava ingredientes e fazia ele mesmo o jantar. Gostava de cozinhar e fazer isso com o namorado rondando, reclamando, roubando beijos e comida antes da hora, era ainda melhor.

— Não sei o que parece mais gostoso, a comida ou você com esse avental — Yuri disse, olhando do molho bechamel para Rodrigo. — Você acha que é hoje?

— Que é hoje o quê?

— Que nós vamos transar?

Era quase inacreditável que já estivessem juntos há três meses e ainda não tivessem feito sexo. A fase de ir devagar tinha passado, mas as oportunidades eram raras, embora passassem muito tempo juntos, geralmente estavam cansados demais, e Rodrigo dizia que não queria que a primeira vez deles fosse uma rapidinha. Apesar de debochar das ideias românticas dele, Yuri também não queria que fosse assim.

— Tenho que me preparar para a audiência de segunda-feira.

— Vamos esperar até depois do casamento mesmo — Yuri falou, dramático.

— Na verdade, pensei em tirar uma ou duas semanas de férias e fazer uma pequena viagem. Você pode ir comigo.

— Mas não posso tirar férias agora.

— Isso eu posso resolver. Qual a vantagem de namorar um dos seus chefes se ele não puder te dar uma semana de folga?

Yuri sabia que ele estava brincando. No máximo, iria conseguir antecipar suas férias em alguns dias e não lhe dar uma semana de folga realmente, mas essa nem era a questão principal, o problema era que não tinha dinheiro para viajar.

— Isso não é um problema.

— Acho que não é justo você sempre pagar tudo, cara, não é legal.

— Você vai precisar se acostumar com isso ou começar a ganhar mais. — Era brincadeira, mas também havia um pouco de verdade nas palavras. Terminou de arrumar a mesa e serviu a comida. — Tudo bem se você não quiser ir — acrescentou, depois de alguns instantes.

Antes de responder, Yuri saboreou a primeira colherada do jantar e elogiou o cozinheiro.

— Eu vou se você for à minha casa primeiro.

— Conhecer seus pais?

— Só minha mãe, não tenho pai, como você já sabe.

Aquela não era a primeira vez que ele fazia o convite. Além de ter demorado um pouco para contar aos colegas sobre o namoro, Rodrigo também era resistente a conhecer a família do namorado. Porém, não tinha nenhum motivo razoável para isso, era apenas um receio involuntário.  Talvez porque sua relação com a própria família fosse distante, não se sentia confortável com a ideia. Contudo, não queria Yuri pensasse que poderia ter algo a ver com a condição social dele, porque estava pouco preocupado com isso. Resolveu aceitar, apesar de seus receios.

— Como sua mãe lida com um filho gay? — Queria poder fazer perguntas mais normais, porém, achava justo saber o que lhe esperava. O que maioria dos gays tinham em comum, além de bom gosto para moda, eram as famílias intolerantes. Não acreditava que fosse o caso de Yuri, porque se não ele não o convidaria para conhecê-los, mas queria saber exatamente qual era a situação.

— No começo foi difícil, por causa da igreja, mas depois acho que ela entendeu que Deus tem mais com o que se preocupar.

— Quer dizer que você já levou outros namorados em casa antes?

— Essa comida está maravilhosa, se você desistir do Direito, pode ser chef.

Mesmo lisonjeado com as palavras, Rodrigo teve a impressão de que Yuri estava tentando desconversar. Por que ele queria fugir do assunto era um mistério.

— Então, como foi das outras vezes que você apresentou um namorado à sua mãe? — insistiu.

— Por que isso é importante agora?

— Não faz mal saber sobre suas experiências passadas.

— Nunca apresentei nenhum namorado à minha mãe. Nem namorada, e antes que você pergunte, porque nunca estive com ninguém por tempo suficiente pra que isso acontecesse.

— Quer dizer que sou seu primeiro namorado sério? — Yuri apenas balançou a cabeça. — Então você é virgem? — Rodrigo viu seu namorado rir a ponto de quase se engasgar com a comida. — Posso saber qual a piada?

— Tenho vinte e três anos, acha mesmo que eu sou virgem?

— Você disse que não teve relacionamentos sérios...

Yuri deu de ombros. Não entendia a conclusão do namorado. Desde quando era necessário um relacionamento sério para alguém transar? A ideia de tão absurda chegava a ser engraçada. Não tinha esperado se apaixonar por alguém de verdade para fazer sexo, se fosse assim, Rodrigo seria seu primeiro, sem dúvidas.

— Amor e sexo são duas coisas completamente diferentes. Claro, gostar da pessoa ajuda, mas não dá pra amar todo mundo com quem a gente transa na vida, né?

Rodrigo não disse nada, como se não tivesse opinião sobre o assunto. Na verdade, até tinha, mas diferia tanto da de Yuri que preferia guardá-la para si. O mais importante era que não teria que se preocupar com um ou outro, porque com ele sempre teria ambos.

Voltaram a falar sobre a família de Yuri. Ele não se incomodava, ao contrário, parecia se sentir muito bem ao falar deles. Reclamava da mãe, mas seus olhos chegavam a brilhar quando a mencionava. Miriam era sua heroína, por tudo que sofrera com o primeiro marido e conseguira superar e formar uma família, e principalmente por nunca ter colocado no filho a culpa pelo que tinha passado. Apostava que ela teria sido mais feliz se nunca tivesse engravidado de seu pai, mas a própria Miriam jamais dera mostras de ter se arrependido do primeiro filho, embora ele tivesse lhe custado tanto.

Nunca conseguira ter uma relação tão próxima com Mauro, mas falava dele com respeito e até mesmo carinho. Via-o como um bom homem, que amava sua mãe e era também um bom pai. Mauro fora das primeiras pessoas a reparar que ele era gay, e embora fosse um católico fervoroso, não era nenhum fanático e até mediara as coisas com Miriam quando chegou a hora de contar à mãe sobre sua orientação sexual.

Por fim, havia os meios-irmãos. As três garotas eram suas preferidas, sendo Camila, a caçula, a principal. Ela ainda mantinha algo de criança, enquanto Vanessa e Amanda estavam na fase mais crítica da adolescência, o que dificultava um pouco as coisas. Thiago dividia consigo o fardo de ser homem numa família de quatro mulheres e aguentá-las na TPM, às vezes ao mesmo tempo, porém, havia momentos que sentia vontade de sair no tapa com ele.

— Mas o moleque é mais alto do que eu, e tem braços da grossura duma árvore, não sou doido de brigar com ele.

— Deve ser legal ter vários irmãos.

— Sim, não é nada mal. Exceto quando você se atrasa pra jantar. Em família grande nunca sobra comida.

— Acho que vou gostar de conhecê-los.

— Sério?

— Ué, você me convidou!

— Mas não esperava que você fosse aceitar.

— Pode marcar.


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