Uma chance escrita por The Escapist


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

hello, my dear, Fernada. Quando vi quem tinha tirado, fiquei meio preocupada, porque não conhecia nada da migs. Toda a liberdade que a sem ora deixou também não ajudou, basicamente você disse que podia ser qualquer coisa, ahaha. Mas enfim, isso também foi legal porque não deixa de ser desafiador. Escrever uma história sem muito drama não foi fácil, mas eu tentei. Aproveitei que você disse algo sobre poder usar uma ideia que já existia e trabalhar com ela e foi exatamente o que eu fiz. Tinha uma outra versão dessa fic, com outra abordagem, narrada em primeira pessoa e com o POV de outros personagens, então eu mudei tudo que estava errado e tentei melhorar o que já estava certo. Espero que você goste. A história, basicamente, fala sobre o começo de um relacionamento e tals. Foi super divertido escrevê-la, inclusive driblando as dores nas costas e nas maos, mas a gente tá na vida é pra sofrer, nao é mesmo?



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Yuri levantou os olhos do livro quando o tom das vozes começou a se alterar. Viu Marina erguer o dedo em riste para a cara de David. Apesar de ter a obrigação de terminar a leitura do texto, estava curioso demais para saber o desfecho da discussão; fechou o livro e pegou um punhado de salgadinhos do saco que Luciana segurava.

— Como tá o placar? — perguntou à colega, que deu uma risadinha baixa.

— 2 a 0 pra Mari.

Aqueles dois viviam se alfinetando desde o início do curso e alguns colegas chegavam a acreditar que, mais cedo ou mais tarde, eles acabariam se tornando um casal. Yuri era contrário àquela suposição; para ele, a única coisa provável de acontecer entre os dois era homicídio doloso.

— Você é um playboyzinho preconceituoso do caralho, David — Marina determinou, o que fez seu oponente piscar várias vezes, aturdido com as palavras pesadas. Os colegas também ficaram tensos. — Por que não admite de uma vez?

— Ah, pelo amor de Deus, Marina, você não pode me chamar de preconceituoso por causa de uma opinião...

— Ah, não, não, não. — Mari continuava com o dedo erguido para ele. — Não é por causa de uma opinião, querido, se você parar e avaliar bem as suas atitudes, vai saber do que eu tô falando. Todo mundo aqui sabe — completou e fez um gesto que abrangia todo o grupo. Porém, ninguém se pronunciou.

Que David era um mauricinho metido todos sabiam. Na turma, ele era aquela pessoa por quem ninguém tinha um carinho especial, mas o aguentavam porque estudavam juntos e, bem, eram obrigados a aturá-lo com seus White People Problems, mas ninguém ali parecia disposto a jogar verdades na cara dele. Aliás, fora por causa de jogar bem na cara de alguém que aquela batalha épica havia começado. Estavam reunidos na cantina da universidade, alguns estudando, outros lanchando, alguns apenas esperando o horário da próxima aula, quando Marina chegara, bem animada, com os fones nos ouvidos, cantando uma música de Anitta e Pablo Vittar. David, todo metido a engraçado, não pôde conter seus comentários idiotas — segundo Mari — sobre as artistas e isso culminou na troca de insultos reprimida há tanto tempo entre eles.

— Querida — ele disse, com desdém —, você é uma vergonha pro movimento feminista com esse seu comportamento intolerante.

Mari deu uma daquelas risadas sem humor nenhum. Ela colocou a mão na cintura e Yuri podia apostar que faltava muito pouco para que a garota enfiasse a mão na cara de David. Se lhe perguntassem, era #teamMari. Sua atenção, no entanto, foi desviada do embate do século quando seu celular vibrou e ao visualizar o aparelho, percebeu que recebera uma mensagem do coordenador do curso, que também era seu orientador de TCC, pedindo para que fosse falar com ele.

— Puta merda — resmungou, agora menos preocupado em saber quem levaria a melhor e mais com a possibilidade de ouvir um sermão de Miguel. Será que tinha esquecido de entregar algum resumo? — Me conta depois como terminou — disse a Luciana, enquanto guardava o livro na mochila; pegou o copo descartável que usara, mais o lenço de papel e levou consigo.

Miguel não dissera se o assunto era urgente, só pediu que ele passasse em sua sala para conversar. Mas Yuri ficou tão curioso que resolveu ir imediatamente, mesmo tendo apenas mais dez minutos até a próxima aula. Caminhou a passos rápidos do setor de aulas para os prédios da coordenação. Encontrou a professora de Direito Internacional no corredor e prometeu que iria se atrasar só alguns minutos porque precisava falar com Miguel e era urgente (claro, tinha inventado essa parte, mas Cristina era bastante compreensiva e disse que não havia problemas).

Quando chegou à coordenação do curso de Direito, fui à procura do professor. A secretaria dele pediu que esperasse um pouco e, depois de uns cinco minutos, mandou que ele entrasse.

— Você veio correndo ou o quê? — Miguel perguntou, depois de cumprimentá-lo com um aperto de mão.

— Estava aqui perto.

— Não tem aula agora?

— Sim, mas... — Deixou implícito que o chamado dele era mais importante. Miguel deu um sorriso e o convidou a se sentar. — Aconteceu alguma coisa?

— Hm?

— Você disse que precisava conversar...

— Sim, sim. O que você anda fazendo, além do TCC, claro?

Yuri deu um risinho nervoso. Nada seria a resposta mais óbvia, porque o maldito trabalho de conclusão de curso não permitia que fizesse outra coisa na vida. Mas admitir isso ao professor seria demonstrar uma fraqueza que Miguel provavelmente desprezaria: ele que tinha mil doutorados, era coordenador do curso, professor, e ainda trabalhava na Defensoria Pública do Estado.

— Estudando pro exame da Ordem — respondeu, o que não mentira, apesar de dedicar mais tempo à Netflix do que ao Vade Mecum. Era outra fraqueza que não podia confessar ao mestre.

— Não está trabalhando?

O rapaz apenas balançou a cabeça.

— Ok. Um ex-aluno está precisando de um estagiário.

Enquanto falava, Miguel não parava de trabalhar, mexia nos papéis, olhava para o computador, assinava documentos. Podia parecer que estava dando pouca atenção ao estudante, mas acostumado ao ritmo frenético dele, Yuri sabia que não era o caso. Miguel tinha a incrível capacidade de se concentrar em várias coisas ao mesmo tempo e não perder o fio da meada em nenhuma delas.

— Pensei em te indicar, sei que é ano de TCC e tem o exame no final também, mas é uma boa oportunidade pra você.

Yuri assentiu. Mesmo sendo a pessoa mais ocupada do mundo, Miguel ainda conseguia encontrar tempo para ser bom, e de certa forma, ele criava certos laços com alguns alunos que iam além da relação normal de professor, poderia até dizer que se tornavam amigos. Em alguns casos, ele se sentia como uma espécie de tio. Nada lhe dava mais prazer do que ver seus alunos crescendo na profissão que tinham escolhido e, principalmente, se tornando adultos íntegros e responsáveis. Yuri sentia essa ligação desde o começo do curso, quando ele nem era coordenador ainda. Se não fosse a interferência de Miguel, talvez tivesse abandonado a faculdade ainda no segundo semestre, quando estava passando por dificuldades financeiras junto com a família.

Ficava lisonjeado por ser lembrado, mas também se sentia curioso com o fato de Miguel não abrir um processo seletivo normal para escolher o estagiário.

— Ele me pediu uma opinião pessoal — Miguel explicou. — Bom, mas não é nada garantido ainda. Se você aceitar, vai conversar com o Álvaro e a decisão será dele.

— Ok — o rapaz respondeu. Primeiro, o fato de Miguel ter a consideração de se lembrar dele para uma indicação pessoal significava muito, e segundo, com a aproximação da formatura, qualquer oportunidade de ganhar dinheiro seria bem-vinda, já que não lhe parecia justo deixar tudo nas costas da mãe.

— Vou passar seus dados e ele deve entrar em contato com você.

Depois da conversa com o coordenador, Yuri voltou para a aula, lutando bravamente contra a vontade de fugir de Direito Internacional e ir para casa dormir cedo. Mas se lembrou de que já tinha mais faltas do que o recomendado e que não podia se dar ao luxo de ser reprovado numa matéria optativa no penúltimo semestre, permaneceu na sala até o final.

— E aí, quem ganhou a briga? — perguntou quando caminhava junto com Luciana em direção ao ponto de ônibus. Falava baixo porque Mari ia um pouco mais à frente, e apesar de ela estar com os fones nos ouvidos, não queria correr riscos.

— O David meio que arregou, tentou relativizar e tal, daí a Mari ainda quis alongar a conversar, mas o sinal tocou e, enfim, acho que foi empate. No fundo, acho que rola certa tensão sexual entre eles.

— Sei não, cara, acho que o David tem vontade é de dar o cu de vez em quando.

Luciana deu uma risada com a observação, mas depois balançou a cabeça, discordando dela.

— Ah não, Yuri, aquele ali é o legítimo “hetero topzera”.

Haviam acabado de chegar à parada e, como por algum milagre, o ônibus de Yuri já apontava.

— Lu, existem mais coisas entre o céu e a terra do que supõe tua vã filosofia — citou, já se preparando para subir no ônibus. — A gente se vê.

— Se cuida — ela disse e acenou.

Yuri entrou no ônibus e tratou de se sentar perto da janela. O lado bom de voltar para casa àquela hora era que sempre conseguia ir sentado e até escolher o lugar! Retirou o livro da mochila para tentar estudar um pouco durante a viagem, mas logo percebeu que seria perda de tempo, pois estava com muito sono. Voltou a guardar o livro e encostou a cabeça na janela. Felizmente, o cobrador já o vira vezes suficientes para chamá-lo quando estava a uma parada de casa. Quando chegou à sua, agradeceu ao homem e desceu ônibus, foi caminhando cerca de trezentos metros até sua casa.

Tudo estava quieto quanto ele entrou, apenas a luz da TV ligada com o volume baixo na sala, e sua mãe cochilando no sofá. Miriam sempre ficava acordada até que ele chegasse.

— Mãe, vai dormir na cama — disse ele, depois de acordá-la com um beijo na testa.

— Não tava dormindo — ela afirmou, embora a maneira atordoada com que olhava ao redor denunciasse o contrário. Ajeitou os óculos no rosto e olhou a hora na tela do celular.  Já era quase meia-noite. — Chegou tarde hoje, hein?

Yuri não se preocupou em responder. Não por malcriação, era que sua mãe comentava sempre a mesma coisa, embora aquela fosse a hora normal de ele chegar.

— Quer jantar? Tem comida na geladeira. Esquento pra você.

— Não precisa, mãe, já jantei.

— Tem certeza? Andou comendo besteira, né?

O rapaz desconversou. Miriam insistiu, mas depois de resmungar qualquer coisa sobre os hábitos alimentares reprováveis do filho, deu um beijo de boa noite nele e foi para o quarto.

Apesar de ter dito a mãe que não queria jantar, antes de ir se deitar, Yuri foi à cozinha e não resistiu ao macarrão com molho de tomate que estava gelado. A expressão “magro de ruim” devia ter sido cunhada em homenagem a ele. Comeu sem nem sequer esquentar.

Como dividia o quarto com o irmão, entrou devagar para não fazer barulho, mas Thiago ainda estava acordado, com o notebook ligado e o lençol formando uma cabana, provavelmente assistindo pornô, pensou. Ter dezesseis anos era um sofrimento do qual não sentia falta!

Tomou banho e vestiu o pijama, depois sentou na cama e ficou pensando um pouco. Dormir era a coisa certa, pois precisava acordar cedo e estudar, mas em vez disso, pegou o notebook, a exemplo do irmão, e foi assistir um episódio de uma série, contando para si mesmo aquela mentira diária: só um.

O resultado de ficar acordado até alta madrugada vendo série foi que teve que dormir até meio-dia, de modo que, quanto acordou e viu o e-mail — geralmente pegar o celular precedia qualquer outra atividade matutina —, quase desmaiou, talvez tivesse caído se já não estivesse deitado.

Estava esperando por um contato do ex-aluno de Miguel, mas não esperava por aquelas credenciais. O remetente da mensagem era Álvaro Leandro Lemos Brito, e ele se apresentava, dizia o objetivo da mensagem e propunha um horário para que Yuri fosse a seu escritório, naquele dia mesmo, se fosse possível, ou no dia seguinte, se ele considerasse que precisava de mais tempo ou algo assim. Até aí tudo normal, o que o deixou bestificado foi a assinatura, no final da mensagem, na qual havia a identificação da empresa onde Álvaro trabalhava: Lemos Brito & Borges Advogados Associados, que era simplesmente um dos escritórios de advocacia mais importantes da cidade, quiçá do país.

— Não tenho nem roupa pra entrar nesse escritório — choramingou. Em partes era exagero, mas também havia fundamento nesse receio. Teria que lavar uma camisa branca porque fazia muito tempo que não as usava; alguns de seus colegas gostavam de ir para a faculdade empacotados, como se trabalhassem num tribunal, mas ele preferia o famigerado look básico composto por jeans e camiseta, era mais prático no calor, e se ele derramasse ketchup (o que acontecia quase sempre) não ficaria com cara de retardado.

Enfim, aquela nem deveria ser sua principal preocupação. Começou a responder o e-mail dizendo que naquela tarde às 14h estava ótimo, mas se lembrou que já era meio-dia e ele ainda estava na cama. Apagou tudo e recomeçou a resposta com um pedido de desculpas por não poder ir naquele dia mesmo — na verdade, ficou se sentindo meio envergonhado ao imaginar o tal Álvaro escrevendo aquele e-mail às sete horas da manhã enquanto ele roncava. De qualquer forma, disse que estaria lá no dia seguinte e agradeceu. Enviou e voltou a deitar a cabeça no travesseiro apenas para tentar colocar as ideias em ordem. Ainda estava assim quando o celular vibrou com a resposta de Álvaro. Dessa vez apenas um sucinto “Ok”.


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