Iguais, porém opostos escrita por Cellis


Capítulo 9
Como nitidez e cegueira


Notas iniciais do capítulo

Olá, meus amores! Como vocês estão? Eu espero que muito bem.
Enfim, trouxe um capítulo quentinho e recheado para vocês, então, espero que gostem.

Boa leitura ♥



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/754564/chapter/9

Não era como se Taehyung gostasse de suas poucas expressões faciais ou do seu jeito frio de ver o mundo, como se o mesmo fosse apenas o seu objeto de estudo; contudo, acreditava ser extremamente necessário. Ele até chegou a ser uma criança divertida e espirituosa, porém, com o passar dos anos, aprendeu que aquele seria o melhor (e talvez único) jeito de continuar vivo naquele mundo — mesmo que, para isso, uma pequena parte sua precisasse morrer por dentro. Tornou-se, então e sem vergonha de esconder isso, o que é hoje.

Mas não era como se não gostasse disso também. Era confortável. Claro, as mentiras e interesses continuavam a abordá-lo quase que diariamente, mas agora ele sabia simplesmente identificá-las e ignorá-las, o que lhe era extremamente conveniente. Às vezes, as pessoas desistiam de chegar até ele antes mesmo de tentarem, o que o Kim acreditava ser duas vezes melhor. Ele ainda não havia notado, mas essa característica de sua personalidade fazia dele bem mais parecido com seu pai do que ele conseguia, e queria, imaginar. O que diferenciava os dois era que, na verdade, esse método de distanciamento nem sempre funcionava para Taehyung. 

E lá estava a prova viva desse fato, saindo aparentemente atrasada pela porta da frente da casa anexa. Taehyung estranhou quando, percorrendo o breve caminho de sua casa até o seu carro, avistou Bo Ra com o uniforme torto, a mochila caindo do ombro e a expressão facial de quem estava prestes a perder o seu precioso ônibus. Sabia que, mesmo que não gostasse de admitir, eles tinham algo em comum: odiavam se atrasar. Mesmo que o caminho até o colégio fosse mais complicado para ela, Bo Ra estava sempre entrando pelos portões principais do Kobe Suwon no mesmo horário, procurando discretamente aquele tal de Jimin pelos corredores. Taehyung, em todos os seus breves anos de vida, nunca vira a garota se atrasar ou, até mesmo, naquele estado bagunçado — mas, afinal, por que diabos ele estava pensando nisso?

Porque Bo Ra era um problema. A resposta era simples e puramente essa. Taehyung demorou para perceber, mas finalmente havia entendido que Bo Ra era, para ele, como uma equação matemática que o professor coloca em uma prova justamente para todos os alunos errarem. O verdadeiro problema era que, diferente da questão na prova, a qual ele geralmente gabaritava independentemente dos esforços dos professores para que ele não o fizesse, o garoto simplesmente não conseguia resolver Bo Ra. Quanto mais tentava e pensava, mais variáveis desconhecidas, inesperadas e difíceis surgiam, o que o deixava irritado. Poderia estar sendo mimado ao pensar assim, mas não gostava quando não conseguia algo. Assim, ocupado demais decifrando a incógnita que Bo Ra era, ele acabava deixando os muros que levara anos construindo ao redor de si mesmo sem vigia e proteção, o que facilitava a entrada do perigo.

Para o seu infortúnio, ele ainda não havia percebido que Bo Ra era um desses perigos, entrando sorrateiramente, ainda que sem a intenção de fazê-lo, pelo ponto cego do seu muro. 

Taehyung não fez nada fora de sua rotina quando a viu passar apressada pela calçada de sua casa; além de observar com seus olhos estudiosos, claro. Parou um instante, até que Bo Ra sumisse pela sua rua a fora, mas não precisou de muito para logo voltar para o seu percurso e, em questão de instantes, estar sendo conduzido pelo seu motorista para o colégio.

Mas ainda havia aquele ponto cego em seu muro.

Ela não estava recostada no muro do condomínio, como costumava fazer para esperar o único ônibus que passava ali pela manhã. Ele chegou a pensar que ela teria chego a tempo de alcançar o veículo, contudo, quando avistou sua silhueta caminhando desanimada pela rua, sua teoria esfarelou-se. Bo Ra fitava a calçada sem muito ânimo, mesmo que em seu olhar tivesse a intensidade de quem via o próprio passado dentre as rachaduras daquelas pedras, e andava como quem sabia que, àquela altura, não faria a mínima diferença se corresse ou não — chegaria atrasada de qualquer jeito.

Taehyung não percebeu, mas seu cérebro já formulava uma ordem para o motorista antes mesmo do garoto checar se a janela que o separava do banco da frente estava erguida ou não.

— Pare o caro. — disse, com a voz rouca devido ao tempo que estava calado.

O homem obedeceu e, por coincidência ou não, o veículo foi parado justamente ao lado de Bo Ra. A garota se surpreendeu e, mesmo quando percebeu que se tratava do carro do Kim mais novo, manteve-se assim. Taehyung não sabia exatamente o que dizer, mas teve de pensar em algo durante os poucos segundos que a sua janela levou para abaixar-se por completo.

— Entre. — foi o que disse, como se ainda estivesse falando com o seu motorista.

Ele sabia que tinha utilizado um péssimo tom de voz. Não precisava sequer fitar Bo Ra para saber que sua ordem havia a incomodado e, provavelmente, ofendido também. Contudo, agora não tinha mais volta, e ela entraria no carro se quisesse.

Para a surpresa de Taehyung, ela optou por entrar.

Sem dizer uma palavra sequer, Bo Ra contornou o veículo e abriu a porta oposta ao lado que ele estava, logo atrás do motorista. Ela não parecia irritada, chateada e nem nada do tipo — na verdade, não havia nenhuma demonstração específica de sentimentos em suas feições. Taehyung estranhou o que viu, já que, apesar dos esforços constantes da garota em parecer indiferente, ela era péssima nisso. Contudo, naquele momento, ela não se parecia com a Bo Ra geralmente explosiva e transparente; estava, na verdade, mais parecida com ele.

Taehyung dedicou todo o caminho até o Kobe Suwon a pensamentos do porquê daquela mudança, aproveitando o silêncio inquebrável entre os dois. Não chegou sequer a cogitar que, talvez, Bo Ra estivesse incomodada com toda aquela quietude, e também não percebeu o tempo passando — sua mente viajava entre o fato de que ela ainda poderia estar abalada com as descobertas recentes, ou até mesmo nervosa por estar voltando ao colégio como a aluna que socou outra mais nova.

Qualquer que fosse o motivo, algo estava diferente; e aquela era mais uma variável na sua interminável equação.

— Obrigada. — ela disse, tirando-o do transe.

Como Taehyung literalmente não percebera o tempo passando, também não havia notado que o carro já estava estacionado na porta do colégio. A voz de Bo Ra soara extremamente natural, o que fez com que ele automaticamente se virasse para encará-la — além de, claro, seus ouvidos não estarem acostumados a recepcionar aquela palavra vinda especificamente dela.

E então, ele se assustou. Não o tipo de susto que uma criança leva em uma daquelas casas mal assombrada dos parques de diversões, mas ainda sim algo suficientemente espantoso para deixá-lo paralisado. Meio sem jeito, tortamente e com certa timidez, Bo Ra estava sorrindo.

Sorrindo.

Fora algo pequeno e rápido, o bastante para e garota já estar fora do carro, caminhando em direção aos portões do Kobe Suwon enquanto ele sequer movera um músculo, mas completamente inesperado para Taehyung. Claro, ele já tinha visto ela sorrindo antes, até mesmo gargalhando, mas nunca quando ele estava por perto. Nunca para ele, pelo menos não sem um tom de sarcasmo. Fora um gesto simples e natural e, justamente por isso, havia chocado tanto o garoto.

Era o ponto cego em seu muro.

Ele teria ficado mais alguns minutos ali, sendo discretamente observado pelo seu confuso motorista, mas uma repentina sombra ao seu lado lhe arrancou brutalmente de seus pensamentos. Yoongi tinha o rosto colado no vidro do carro, provavelmente tentando enxergar dentro do veículo, e seu habitual sorriso debochado no rosto. Bateu duas vezes na janela como se estivesse batendo na porta da frente da casa de alguém e, em seguida, chamou o nome de Taehyung.

— Eu sei que você está aí, garotão. — disse, rindo maliciosamente. — Eu vi quando o carro chegou e, para o meu espanto, Kang Bo Ra saiu daí de dentro. O que será que vocês estavam fazendo aí?

Taehyung rolou os olhos. Como Yoongi poderia ser, numericamente, um ano mais velho do que ele e, mesmo assim, no que se tratava de idade mental, no mínimo cinco anos mais novo? Abriu a porta do carro sem realmente se importar se acertaria o corpo pálido de Yoongi e, assumindo sua expressão robótica de costume, colocou-se para fora.

— Bom dia para você também. — Yoongi ironizou, massageando sua barriga no local onde a porta do carro havia lhe acertado. Geralmente não dava a mínima para o mau humor das pessoas, especialmente o de Taehyung, por isso, não se importou em ter sido atingido. — Sabe, se eu estivesse sozinho em um carro com a Bo Ra, com certeza não estaria nesse seu estado fúnebre de agora.

Na grande maioria das vezes, a malícia, o deboche e as outras características típicas de Yoongi irritavam Taehyung ao ponto do garoto se perguntar por qual motivo ele ainda suportava o mais velho. E, então, a resposta para a sua pergunta acendia em sua mente logo em seguida, como uma lâmpada fluorescente: pela sinceridade. Apesar de todos os pontos negativos e peculiares que ele poderia listar sobre Yoongi, que não eram poucos, havia um positivo que Taehyung acreditava valer a pena; a honestidade extrema de Yoongi era algo a ser priorizado. O garoto tinha tanta repulsa pela grande quantidade de mentiras que geralmente o rodeava que, quando se deparou com Yoongi e sua língua honesta e afiada, logo percebeu que seria refrescante tê-lo por perto.

Estava certo, no fim das contas, mas a convivência com o mais velho ainda era algo que requeria paciência.

— Onde está o Jungkook? — indagou Taehyung, propositalmente ignorando o outro.

Eles eram um trio um tanto inusitado, na verdade, mas já estavam acostumados com a presença uns dos outros. Taehyung não se lembrava ao certo como Jungkook havia aproximado-se dele e de Yoongi, porém, com seu jeito acanhado e extremamente introvertido, o mais novo foi se acomodando e marcando sua presença. Por fim, era mais cômodo para todos os três que apenas ficassem juntos e continuassem com aquele estranho companheirismo.

— Na sala dele já, como de costume. — o mais velho respondeu, dando de ombros. — O garoto parece que chega tão cedo que poderia facilmente ser um dos porteiros do colégio.

Yoongi era, no geral, um cara engraçado, mas Taehyung ainda tinha certa dificuldade em rir das piadas nas quais ele depositava todo o seu humor negro; mas não era como se o mais velho desse a mínima para isso também.

— Você deveria aprender com ele, hyung. — cutucou Taehyung, com seu próprio humor peculiar. — Eu não esperava encontrá-lo aqui antes do primeiro tempo.

Amargamente, o mais velho riu. Bateu algumas vezes nas costas de Taehyung, mesmo que fosse bem mais baixo que ele, enquanto caminhavam pelo corredor principal do colégio.

— Você está aprendendo bem. — disse, orgulhoso de si mesmo.

Taehyung, por fim, não quis discordar do mais velho, mesmo acreditando que ele estivesse extremamente errado. O que diabos ele poderia aprender com Yoongi?

Despediu-se do mais velho, porque os dois eram de salas diferentes, e seguiu sozinho o curto caminho que ainda faltava para chegar até a sua. Não se importava em ter sido trocado de sala porque, além daquele ser o seu último ano escolar, nunca realmente se incomodava em ficar sozinho. Era confortável, ponto.

Taehyung tinha, claramente, uma queda pelos seus costumes e confortos.

Mas ainda havia aquela pequena, porém bem consistente, pedra em seus sapatos italianos que tirava todo o conforto do belo par. Sentada na frente de Jimin, Bo Ra sequer notou quando Taehyung entrou na sala e sentou-se na terceira cadeira da fileira do meio, onde não havia ninguém por perto. Na verdade, talvez pela primeira vez, ele também não se importou com a presença dela, se ela prestava atenção ou debochava dele pelas costas.

E aquele era o problema.

O ponto cego do seu muro.

 

***

 

Bo Ra sentia-se diferente naquela manhã, mesmo sem saber o porquê. Primeiramente, uma provável consequência da sua péssima noite de sono, havia acordado meia hora mais tarde e, por consequência, se atrasado ao ponto de perder o seu ônibus pela segunda vez na vida (a primeira, claro, fora por causa de Taehyung). E, então, foi surpreendida justamente pelo garoto que tanto gostava de atrapalhar sua vida oferecendo-lhe uma carona, mesmo que rudemente. Sob qualquer circunstância que fosse, ela teria preferido correr descalça até o colégio a aceitar entrar no carro do Kim, mas ela estava realmente diferente. Tinha, pelo menos, a certeza de que não era nada relacionado especificamente a Taehyung — utilizara os longos e silenciosos minutos que passaram juntos no carro para pensar sobre isso — mas, na verdade, ao modo como ela enxergava as coisas.

Talvez, ela estivesse se dando conta do quão embaçada era a visão que tinha do mundo.

Passara tantos anos rodeada por pessoas capazes de tantas coisas, que acabou deixando-se levar por aquilo. Crescera assim. Nascera assim, por conta justamente de uma dessas pessoas. Mas isso não era o certo. A última coisa que queria, seu maior desgosto, seria tornar-se uma das pessoas egocêntricas e egoístas que tanto detestava e, por isso, estava disposta a dar um fim naquela situação. Se o problema era ter se acostumado com aquele estilo de vida, o mesmo estava com os seus dias contados; afinal, Bo Ra podia se considerar uma pessoa extremamente adaptável. Claro que, como qualquer outro ser humano, lhe era um tanto incômodo ter de sair de sua zona de conforto; mas também não seria algo impossível.

Assim, em meio ao palpável silêncio instalado entre ela e Taehyung no caminho para o colégio, ela descobriu o porquê de sentir-se tão diferente: estava enxergando que, na verdade, o problema estava nela. Sentiu-se orgulhosa de já ter dado o primeiro passo para devolver o foco à sua turva visão, que fora justamente não confrontar o Sr. Kim. Não havia nada de errado em ceder, mesmo que por um momento, ao homem que tanto fazia por ela, fosse por motivos altruístas ou não. Ela não disposta a abaixar a cabeça e concordar com tudo que ele fizesse, tinha isso bem claro para si mesma, mas fora uma decisão bem pensada. Talvez, até mesmo um sacrifício. O que quer que tenha sido, fora um bom ponto de partida.

O segundo passo fora mais difícil, apesar de ser algo que deveria fazer parte do seu dia a dia: agradecer. Claro, ela não se lembrava de Taehyung ter feito algo para lhe ajudar ou nada do tipo, pelo menos não antes dos últimos acontecimentos, mas ainda assim era ridículo o fato dela nunca ter dito um obrigada sequer na presença dele. Não importava se ele era uma pessoa robotizada e, quem sabe, até mesmo insensível; contanto que ela não fosse. Por fim, ela sentiu-se extremamente mais leve quando agradeceu a Taehyung pela carona, mesmo que nada daquilo tivesse grande importância aos olhos dele.

Era importante para ela.

Na verdade, era como se Bo Ra tivesse desenvolvido um severo caso de conjuntivite ao longo de sua vida e, por isso, passara um período de tempo com os olhos danificados, chegando ao ponto de ser incapaz de abri-los pela manhã. Era como uma doença contagiosa. Agora, acreditando estar devidamente diagnosticada, ela utilizaria até mesmo pequenas ações diárias como um colírio, ou algo que pudesse tratar sua visão embaçada. Seria um processo demorado e difícil, ela sabia, mas estava disposta a tentar.

Afinal, não era como se tivesse algo a perder com isso.

Mas, claro, não estava disposta a tornar-se uma idiota. Jamais permitiria que as pessoas voltassem a se aproveitar e a zoar dela como faziam quando era criança. Tentaria um equilíbrio, se aquele fosse o caso.

— O que diabos você tanto pensa? — indagou Jimin, tirando-a do seu mar de pensamentos.

Sentado na cadeira atrás dela, ele esticava-se o máximo que conseguia para alcançá-la. Acabou, por fim, apoiando a cabeça na famosa posição da flor para encará-la. Bo Ra riu, perguntando-se o que tinha feito de tão bom em sua vida para merecer um amigo como Jimin.

— No quanto você é fofo, quando quer e não quer também. — respondeu, bagunçando o cabelo macio do rapaz.

Ele fez um cara feia e ajeitou os fios, passando a mão pelos mesmos como costumava fazer. As garotas sempre suspiravam quando o viam fazer aquilo, para a infelicidade delas mesmas.

— Está tudo bem com você? — ele perguntou de repente, e ela não soube dizer se o amigo estava realmente preocupado ou se era apenas parte da brincadeira.

— Sim, está. — respondeu, dando de ombros. — Por quê?

— Nada demais. Você só parece... diferente. — respondeu, e foi a vez dele de sacolejar os curtos ombros. — Ah, não sei. — pausou, enquanto ela dava risada de sua expressão confusa. Por um momento, lembrou-se de algo que acontecera mais cedo. Levou alguns segundos ponderando se deveria dizer algo e, por fim, resolveu arriscar. — Espaguete, posso lhe fazer uma pergunta?

Bo Ra estranhou o tom repentinamente menos descontraído de Jimin. Quando ele assumia aquela expressão, levantando levemente as sobrancelhas e estreitando os olhos, significava que o assunto que estava por vir requeria mais cuidado de sua parte. Mesmo assim, ela afirmou com um balançar de cabeça para que ele continuasse.

— É sobre alguns dias atrás, quando você estava mal. — iniciou o mais delicadamente possível, o que ainda não fora suficiente para que Bo Ra não se sentisse atingida pelo assunto. — Teve alguma coisa haver com o Hoseok?

Ela franziu o cenho. De todas as perguntas possíveis e impossíveis para Jimin fazer, aquela era, sem dúvidas, uma das menos esperadas por Bo Ra. Ela demorou alguns segundos para se situar na conversa, tentando entender o que levara Jimin a chegar naquela conclusão.

— Não, não teve nada haver com ele. — respondeu, sentindo-se levemente culpada por não ter conseguido contar a verdade para o amigo. Na verdade, ainda não sabia se tinha o direito de bombardear o rapaz com coisas tão obscuras sobre si própria; além disso, aquele era um passado o qual ela queria enterrar. — Mas por que a pergunta?

— Bem, o Hoseok me parou no corredor hoje, antes de você chegar, e me perguntou se estava tudo bem com você. — contou, fazendo com que Bo Ra achasse aquela situação cada vez mais estranha. — Ele disse que você não retornava as ligações dele ou respondia as mensagens desde o dia da sua suspensão e, por isso, ele chegou a achar que tinha feito ou dito algo errado. Depois disso, eu comecei a achar também.

Bo Ra não tinha nenhuma relação específica com Hoseok (na verdade, eles não passavam de meros conhecidos) mas, mesmo assim, sentiu-se mal por tê-lo ignorado nos últimos dias. Sinceramente, ela tinha apenas rejeitado todas as ligações e mensagens que recebera nesse período de tempo, sem exceções ou preferências, porque já tinha coisas demais em sua cabeça para se preocupar com o seu celular. Para a infelicidade do rapaz, ele estava incluso nesse bolo esquecido por Bo Ra, mesmo sem ter culpa de nada, o que pesou na consciência da garota.

— Você sabe qual é a sala dele? — ela indagou, planejando encontrá-lo mais tarde e esclarecer as coisas, quem sabe até se desculpar, provavelmente assim que ouvisse o estridente sinal do intervalo. Por hora, ela estava presa em uma troca de professores que já demorava mais do que o normal para acontecer e, mesmo que os alunos estivessem sozinhos na sala, era provável que os da turma de Hoseok não estivessem.

— A mesma do Jungkook. — Jimin respondeu prontamente. Em seguida, pigarreou, limpando sua garganta mais do que o necessário. — Digo, a três.

Franzindo o cenho, Bo Ra o encarou. Tudo bem, era provável que Jimin apenas tivesse se lembrado de alguém da mesma sala de Hoseok, feito a associação e usado o nome de Jungkook como referência, mas ela ainda julgou um tanto inusitada a capacidade do amigo de simplesmente gravar nomes, rostos e salas das pessoas. Ela não estava errada quando dizia que Jimin nunca estava, ou estaria, sozinho naquela escola — o garoto tinha conexões por todos os lados.

— Está bem. — disse, por fim. — Vou procurá-lo mais tarde.

Jimin concordou com a cabeça, feliz por ter uma amiga que não era das mais observadoras e, quando estava prestes a contar algo corriqueiro apenas para manter a conversa com Bo Ra, o professor de Ética finalmente entrou na sala. O Sr. Do era baixo, gordinho, usava uns óculos estranhamente grossos e estava sempre atrasado — até mesmo para aquela aula, que era a primeira que ele daria para aquela turma no ano. Era um homem geralmente simpático, porém com um senso crítico para com a humanidade que conseguia torná-lo um pouco insuportável às vezes.

Bo Ra virou-se para frente para fitar o professor e, consequentemente, não levar uma bronca no seu primeiro dia pós-suspensão — já tinha olhares demais sobre ela, a sua grande maioria espantados com a agressão de alguns dias atrás, mas, para a sua sorte, sabia que os mesmos não demorariam muito para se dispersarem e encontrarem uma vítima mais interessante. O Sr. Do repetiu a mesma apresentação dos outros professores, já que aquela era a sua primeira aula, porém logo assumiu o seu típico ar esperto

— Bem, como vocês já devem saber, a semana vocacional está chegando. A diretora convidou vários profissionais de diversas áreas e, durante alguns dias, eles estarão dando palestras e tirando as dúvidas de vocês sobre as profissões. — iniciou, com o seu sorriso tipicamente contrário ao resto do mundo. — O que é uma ótima ideia, porém, extremamente prematura. Vocês não sabem ao menos quem são de verdade, então, como já querem decidir o que farão pelo resto da vida?

Um longo murmúrio foi ouvido na sala, que consistia em, basicamente, os alunos mais mesquinhos perguntando quem diabos aquele homem achava que era para dizer tal absurdo — porque, com toda certeza, eles sabiam quem eram. Bo Ra, por outro lado, sempre simpatizou com o Sr. Do, e esperou tão calada quanto o homem até que os sussurros cessassem e ele pudesse voltar a falar.

— Enfim. — retomou a fala. — Eu quero que vocês se levantem e formem duas filas, de modo que uma fique do lado da outra. Em seguida, virarão para o interior da sala, ficando de frente para alguém que está na fila oposta à sua. — disse, e os alunos não entenderam o porquê daquilo, consequentemente não movendo um músculo sequer. — É para hoje, minhas crianças.

Mesmo confusos, alguns até mesmo revoltados, os adolescentes ficaram de pé e o fizeram. Dentro de alguns segundos, formaram duas longas filas paralelas que iam quase até o fim da sala, de um jeito que cada aluno de uma fila estivesse de frente para outro da outra fila. Era como uma competição entre times e, antes da mesma, os dois precisassem se encarar durante alguns segundos.

— Muito bem. — o homem disse satisfeito, caminhando pelo espaço vazio entre os dois paredões de alunos. — Agora, reparem que a pessoa que está ao seu lado, não está ali aleatoriamente. É alguém que você gosta, se identifica ou, no mínimo, acha muito bonito. — os alunos logo moveram seus pescoços, olhando para o lado. De um lado, Bo Ra tinha Jimin, que sorriu ao vê-la e, de outro, uma garota loira, pequena e calada, que dificilmente interagia com alguém da sala. Um pessoa da qual ela gostava e outra, brevemente, se identificava. — Isso não é uma coincidência. O ser humano tende a se cercar por pessoas que o façam se sentir protegido ou, no mínimo, não ameaçado. — o professor explicou, e alguns sussurros surpresos foram ouvidos. —Já quem está à sua frente, bem distante de você, não lhe oferece conforto. É alguém com quem você não simpatiza, não acha atraente ou, pelo menos, não conhece; isso porque faz parte do nosso insisto se afastar de pessoas assim.

Foi a vez dos alunos erguerem suas cabeças, encarando quem quer que estivesse na sua frente. Fora um momento um tanto constrangedor, o que ficou claro nas expressões inquietas e desconfortáveis dos alunos, mas nada que se comparasse ao momento em que os olhos de Bo Ra encontraram os de Taehyung. Eles estavam exatamente um de frente para o outro, o que surpreendeu aos dois. Tudo bem, não era como se eles fossem amigos e nem nada do tipo, mas nenhum deles esperava que a pessoa a qual desejavam manter a maior distância possível era, justamente, aquela com quem conviviam basicamente sempre.

— Pois bem. — o professor retomou sua fala, e Bo Ra quebrou o contato visual com Taehyung o mais rápido possível. Ela só não sabia que, na verdade, ele não havia feito o mesmo. — Olhem para frente. A pessoa que ocupa o seu campo de visão será sua observadora e também objeto de estudo pela próxima semana. Sua tarefa é indicar as três principais características dessa pessoa, sejam elas boas ou ruins, e explicar o porquê delas serem as mais notáveis. — o Sr. Do teve de erguer o tom de voz para superar os protestos que já começavam a se formar, mas não se importou com isso. — Eu espero trabalhos bem feitos na minha mesa semana quem vem, até porque, eles farão parte das suas notas no final do bimestre. Até lá, divirtam-se quebrando e reafirmando seus preconceitos.

Deu-se origem, então, a um breve motim. Um grupo de alunas reuniu-se em volta do Sr. Do, que parecia mais ter desligado a sua audição a partir daquele momento. Taehyung, por sua vez, ainda encarava Bo Ra, também parecendo absorto à pequena confusão ao seu redor.

Um trabalho sobre ela. Era isso que ele teria que fazer. O mais desesperador era que, apesar de tudo que sabia sobre a Kang, não tinha a menor ideia do que, ou como, deveria escrever. E Bo Ra, por sua vez, não tinha pensamentos muito diferentes do dele, e também o encarava do lado oposto da sala.

Para ele, ela era o perigo que explorava o ponto cego do seu muro.

Para ela, ele poderia ser uma das razões que tornaram a sua visão de mundo tão turva ou, quem sabe, uma espécie de colírio.

De qualquer jeito, eles só conseguiam esperar que aquele trabalho se tornasse, na verdade, um completo desastre.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

E então, o que acharam? Lembrem como a opinião de vocês é importante para mim e vamos interagir, meu povo!
Ah, o que acharam do comeback? Sensacional, eu espero, porque foi isso que eu achei. Esses meninos são só orgulho ♥
Enfim, até a próxima!