Avatar: A lenda de Mira - Livro 4 - Fogo escrita por Sah


Capítulo 26
Dois amigos




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Sina

Haviam circunstâncias que faziam esse ser o pior  país se viver. Não era apenas o governo, ditatorial e fechado. Lembro que na escola nós estudamos a geografia desse lugar, sobre o vulcão e os ventos. Na época áurea dos dobradores de fogo, de alguma forma isso não era relevante, mas conforme o tempo foi passando, desastre naturais se fizeram cada vez mais presentes.  Eu confirmei tudo isso na ilha que estávamos.   Existia uma teoria que por causa do ar quente sempre constantes, ventos vindos do mar não conseguiam ultrapassar essa barreira invisível. Mas, a teoria mais popular entre os civis, era que esse lugar estava amaldiçoado. Desde a grande guerra, quando o antigo senhor do fogo, tentou dominar todo o mundo.

Junte isso, a forma que esse lugar é governado. Pronto, o pior lugar para se viver. Sempre ouvi dizer que os cidadãos  desse país são como robôs, estátuas sem vontade própria. Porém, toda essa minha concepção foi derrubada. Essas pessoas, eu sinto como se elas estivem envoltas em uma chama. Uma energia que esta contida, prestes a explodir.

Em Republic City, somos ensinados que somos livres, que podemos ser quem quisermos.  E o que pessoas como eu que são privilegiadas, aprendem, sei que a realidade não é assim.   Mas, quando aquele país foi fundado, ele tinha esse objetivo.

Eu suspiro.

Fomos separados. Eu e Meelo estamos indo em direção a explosão. Suni ficou encarregada de ir com algumas daquelas pessoas. Mesmo parecendo totalmente perigoso, ela se ofereceu para ajudá-los.

Meelo foi totalmente contra, mas não insistiu muito. Nós sabíamos que se alguma coisa desse errado, Suni conseguiria lidar com isso. Melhor do que nós dois. E o comunicador que estava no meu bolso me dava uma falsa segurança.

A fumaça ficava mais densa conforme nos aproximávamos. Haviam muitas pessoas envolta daquele lugar.

O tempo parou por alguns segundos, eu olhei para trás, e meu coração se encheu de medo, e principalmente ódio. Ele caminhava com arrogância.  Seu rosto estava limpo, só eu vi as cicatrizes enormes que agora envolviam seus braços.  Ele ainda usava aquele kimono que representava a sua imponência e importância. Ninguém parecia reconhecê-lo. Por isso eu peguei o braço do Meelo, e me escondi atrás de algumas pessoas.

— O que foi? – Meelo disse antes de perceber.

Seu rosto empalideceu tão rápido como o meu.

— Como ele descobriu? – Ele disse preocupado.

Meus olhos o seguiam enquanto ele se aproximava do incêndio.

— Tem alguma coisa errada. Eu tenho o pressentimento, que Mira está lá! Foi ele? Ele que fez isso?

Eu tentei de alguma forma acalmá-lo.

— Eu não acho que ele tem haver com esse incêndio. Teria um rastro de destruição muito maior se ele tivesse culpa nisso. Porém eu não sei como ele nos encontrou.

— Agora eu percebo que o que meu pai me disse estava certo. Eles dois sempre se encontrarão. São partes da mesma alma. Tudo isso só vai terminar quando apenas existir um.

Mas, a Mira não está preparada. Do pouco que eu sei, ela ainda não consegue dobrar o fogo.

— Só que... – Meelo pareceu pensar.

— Existe alguma coisa diferente nele.  Apesar de sentir medo, alguma coisa me atraiu. Um sentimento estranho.  Quase que eu me levantei e fui até ele.  É como se o sentimento que me rodeava a alguns dias havia perdido a força.

Eu não conseguia entender o que ele dizia.

—  Isso não faz sentido para mim. – Eu disse sinceramente

Meelo balançou a cabeça duas vezes.

— Isso seria impossível não é?

— Você me pergunta como se eu soubesse do que você está falando.

— Me desculpe Sina, é que as vezes eu esqueço que você não é um dobrador. Há alguns dias, eu e Suni sentimos uma grande mudança em nossa dobra. Uma dificuldade enorme em nos conectar e controlar nossos elementos. Era como se , como se....  Eu não consigo encontrar nenhuma palavra para descrever isso. Apenas que o ponto de apoio da nossa dobra estivesse perdido. E agora ao ver Haru, eu senti que finalmente estava perto de encontrá-lo.

Eu nunca fui muito conectado com coisas espirituais. Tudo sempre foi irrelevante para mim. Por isso eu não consigo compreender o que ele diz.

Ficamos mais um tempo encarando Haru, até que vejo que ele é seguido por duas pessoas. Uma eu reconheço de imediato. Venon Varrick, o maior traidor de Republic City, Eu sempre tive um pressentimento ruim sobre esse cara. Dos irmãos Varrick ele sempre foi o que menos me desceu.

Agora a outra pessoa. Eu aperto os meus olhos para tentar verificar sua identidade. O uniforme que ele usa remete ao clã do metal. Os grandes apoiadores de Haru, só que alguma coisa nele me deixa inquieto.

— O que foi? – Meelo me pergunta.

— Aqueles dois que estão com Haru.

— Venon? Aquele pedaço de merda?

Meelo quebra totalmente minhas expectativas. Eu nunca imaginei uma pessoa como ele tendo esse vocabulário. Isso tira minha atenção por alguns instantes.

— Agora  o outro? Ele é do clã do metal, não é?

— Sim. Mas, ele de certa for me parece familiar.

Eu preciso chegar mais perto. Minha intuição diz que isso é importante.

Meelo me segura pelo braço.

— Isso é perigoso.

— Não mais do que deixá-los chegar perto da Mira.

Ele parece pensar e me solta abruptamente.

— Você pode fazer mais do que isso. Eu preciso chegar lá no incêndio, preciso saber se ela está lá mesmo. Mas, para isso você terá que tentar retardar a ida de Haru até lá.  – Ele me diz com olhos cheios de expectativas.

Eu? Eu sou um humano comum. Eu não teria chances em uma luta direta com ele.  Ele poderia me destruir com um estalar de dedos.

Só que eu também já lidei com vários dobradores perigosos ao longo da minha breve carreira no governo.  Inclusive com Riku, um dobrador que conseguiu bater de frente com ele. Isso é o que eu deveria  pensar. Só que agora, a única coisa que eu poderia  fazer, é  me sacrificar, dar minha vida para isso.

Eu respiro fundo. Eu consigo perceber que meu corpo treme com essa idéia. 

— Talvez, essa seja a minha chance de me redimir com eles. – Eu penso alto.

— O que?

Eu coloco a mão em um dos seus ombros.  E sorrio, uma coisa que eu não fazia a algum tempo.

— Eu deixo os dois aos seus cuidados. Riku pode ser difícil, mas não é má pessoa. E Mira, você a conhece até mais que eu.

— O que você está dizendo?

— Eu não tenho muitas chances.

— Não. Eu sei que você pode fazer isso de outra forma. Você é um prodígio , a pessoa mais inteligente que eu conheço.

— Inteligente? Ah, as pessoas me vêem assim não é? Essa é uma imagem falsa. Eu não sou assim, eu me escondo nessa carapaça fria e distante, por isso as pessoas só vêem o que eu quero. Eu deixei minha irmã morrer, eu não previ que tudo isso aconteceria. Desde antes, mesmo na escola eu não consegui proteger quem eu gosto.  Por isso essa é a única maneira. Mas, não se sinta culpado, mesmo se você não tivesse sugerido, essa era a única forma.

Eu sou o único dispensável, um pedaço de lixo que abandonou a própria irmã e a deixou morrer, acho que é isso que eu mereço.

Acho que eu o deixei sem palavras por isso eu me levantei, e abri caminho entre aquelas pessoas.

Apertei meu passo,  o  máximo que eu pude. Assim que eu estive perto o suficiente eu gritei.

— Olha só! Não é Haru? Aquele falso avatar?

Falei alto o suficiente para as pessoas próximas olharem para mim.  Inclusive meu alvo.

De perto as marcas em seu braço e pescoço pareciam mais feias . Seu rosto estava com um brilho estranho, seus olhos não mudaram muito da última vez que eu vi, mas agora, existia alguma coisa que parecia olhar no fundo da minha alma.

Ele não sorriu como eu achei que ele faria. Aparentemente eu não valia nem isso.

— Você. – Foi a única coisa que ele disse.

Eu senti meus braços se apertarem em volta do meu corpo.

— Espera. Você não quer saber aonde ela está? – Eu blefei.

— Isso não é uma coisa que você possa esconder. Eu sinto a presença dela em tudo isso.

Minha garganta ficou seca, e eu pude ver a outra pessoa que o acompanhava.

Minha vida é um pouco mais complicada do que eu deixo transparecer. As pessoas acham que o motivo de eu ter entrado no governo para auxiliar casos de dobradores foi apenas um desafio que eu mesmo me propus. As vezes até eu acredito nessa justificativa. Só que tudo isso veio bem antes. Quando eu não consegui ajudar uma pessoa.

Kieran era um jovem estranho, calado, que não chamava muita atenção.  Estudamos juntos por apenas alguns anos, quando para a surpresa de todos aquela criança esquisita era um dobrador.

Como Mira, não existia nada em sua árvore genealógica que pudesse prever isso.  Como todos que estudavam naquela escola, ele foi transferido para o outro lado do campus assim que foi confirmado que ele não era um aluno comum.

Sabe o que é estranho, e que mesmo ganhando todos os privilégios que aquela posição o proporcionava ele ainda era aquele jovem que eu via pelos cantos da escola. 

Por algum motivo, eu tentei me aproximar dele. Não tínhamos nada em comum. Mas, conversávamos as vezes sobre o tempo, sobre as noticias, coisas simples, que de certa forma criou um vinculo entre nós.

— Não existe ninguém legal na sua turma? – Um dia eu perguntei para ele.

— Na verdade, até tem. Como nunca ninguém quer fazer dupla comigo, eu treino com uma garotinha.  Ela é bem intensa, e ás vezes muito preguiçosa, só que ela sempre me vence nas batalhas, mesmo que eu seja 5 anos mais velho.

Eu achei que isso o deixaria ainda mais triste. Só que vi um sorriso se formar pela primeira vez.

— Você deveria ter visto. Ela me jogou por pelo menos dois metros, antes que eu caísse em um monte de terra fofa. Todos riram, menos ela, que veio me consolar, e da para acreditar que ela desafiou todos os outros alunos, e os derrotou todos em sequência.

— Isso foi legal da parte dela. – eu respondi.

— É pode ser.  – Ele se desanimou.

Conversávamos a tarde, eu sempre ficava até o final do período estudando para as provas,  e ele não parecia querer ir para casa.

Era uma boa rotina, eu apreciava muito a sua companhia. Só que de repente tudo mudou. Um dia ele simplesmente não apareceu.

Não lembro por quanto tempo ele ficou sumido, ninguém pareceu se importar, até que eu o vi no caminho de volta. Ele estava diferente, suas olheiras estavam fundas e sua roupa estava suja.

— Kieran? – Eu perguntei antes de me aproximar. – Você está bem?

Ele não me respondeu. Mas, eu sabia que claramente ele não estava.

— Eu posso te ajudar em algo? – Eu realmente queria, mas ele não aceitou a minha ajuda.

Quando depois de três dias eu o encontrei em uma situação pior.  Isso não estava certo. Eu tinha que falar com alguém, afinal ele é um dobrador, ele não deveria viver desse jeito.

— Se você não aceitar minha ajuda, eu infelizmente, vou ter que contar para alguém da sua situação.

Seus olhos se arregalaram e finalmente ele aceitou minha ajuda.

Meu pai, é uma pessoas de posses, ele é dono de uma enorme fábrica de doces, e dono de uma rede de confeitaria. Foi fácil escondê-lo por um tempo em uma das lojas em reforma.

Eu o alimentei, dei um teto para ele temporariamente, só que eu sabia que isso não iria durar, e eu finalmente perguntei o por que de tudo aquilo está acontecendo.

Foi quando ele me mostrou o que podia fazer. Dobradores de metal são extremamentes raros.  Tão raros que o clã do metal faz questão de ter todos em sua posse. Existe um acordo entre Republic City e Zaofu, que  faz com que obrigatoriamente todos os dobradores de metal devam se alistar no clã.  E pelas histórias que eu já ouvi isso não é uma escolha.

Eu podia tê-lo denunciado naquele momento, ter recebido uma recompensa, e mais créditos para o concurso governamental.  Só que eu o ajudei a se esconder por um tempo.

— Não existe outra forma, você tem que voltar para as aulas. Eles vão te achar se desconfiarem que tem alguma coisa errada.

Eu sabia que sua insônia, falta de apetite e apatia, estavam relacionadas a isso. Eu imagino que o medo de ir para Zaofu estava tirando a sua saúde. Porém eu também sabia que ele não podia continuar assim.

Ele voltou para a escola no final das contas, porém ele ainda dormia na loja. Todos os dias, eu tirava um tempo para ir até ele.

— Por que você se importa tanto? – ele um dia me perguntou.

E nem eu tinha a resposta para isso. Todos os outros achavam que eu era uma máquina sem sentimentos, só que apesar de tudo isso, eu sempre estava cercado de pessoas, muitas interessadas no que minha família podia prover.  Mas, eu nunca havia ligado para ninguém, eu  nunca tive um amigo, ou qualquer coisa parecida.  Só que eu via alguma coisa em Kieran, alguma coisa que me atraia nele, e me fazia querer ajudá-lo. Por isso quando tudo aconteceu, a culpa foi quase sufocante.

Naquele fatídico dia, eu me distrai por um segundo ao atravessar uma rua próxima a loja. Foi apenas um pequeno momento de distração, que quase levou a minha vida, se não fosse por Kieran.  Um carro em alta velocidade ultrapassou o sinal vermelho. Eu deveria ter percebido que ele estava descontrolado, porém eu estava focado demais nos papéis que estavam em minhas mãos.  Quando o pára-choque do carro se distorceu na minha frente eu soube o que ele tinha feito.

Aparentemente ninguém tinha percebido o que havia acontecido, nem nós sabíamos que havia uma testemunha perigosa observando tudo aquilo.

Foi um professor que o denunciou. Uma pessoa que deveria ajudá-lo a entender tudo aquilo, o havia vendido para o clã do metal. Tudo por minha culpa. Kieran foi levado acorrentado. Ele lutou tanto quanto pode, só que ninguém tinha poder para impedir o que estava acontecendo.  Apenas dois meses depois que ele foi, eu recebi a notícia da sua morte.

E vê-lo depois de tantos anos. Fez com que o gelo que envolvia o meu coração quebrasse um pouco.

Mesmo preso por Haru, eu não conseguia desviar a minha atenção dele.

— Kieran? É você mesmo?

Eu pude perceber quando ele me reconheceu. Seus olhos se arregalaram, e sua boca se entreabriu.

— Sina?

Haru relaxou um pouco a força que ele exercia sobre os meus braços.

— Você o conhece?

— Ele é um velho amigo.

Haru deu um pequeno sorriso de lado.

— Acho que você precisa rever as suas amizades. Seja como for, ele é um pedaço de lixo que está no meu caminho.

Eu me senti apertar de novo.

— Espera! – Kieran gritou.—Você pode deixá-lo ir? Ele não é um dobrador de qualquer forma. Ele não pode ir contra você.

Haru pareceu pensar. Alguma coisa mudou o modo de como ele me olhava.

— Eu entendo.

Eu não sabia quanto tempo havia passado, porém acho que foi tempo o suficiente para que Meelo tenha conseguido encontrá-los. Isso me aliviou bastante.

Eu senti sua dobra de sangue se soltar do meu corpo. Meus braços doíam, mas nada comparado o que podia acontecer.

Eu tinha tantas perguntas para Kieran. Como ele sobreviveu, por que ele foi dado como morto. Mas, sobretudo, por que ele estava com Haru, ele não parecia estar sendo obrigado.

Eles continuaram o seu caminho, e me ignoraram. Vi que Kieran olhou para trás. Seu olhar queria dizer alguma coisa, mas eu estava um pouco abalado para ler sua expressão.

Eu cai de joelhos  logo em seguida. Espero que o tempo tenha sido suficiente.

Meelo

Eu podia sentir as gotas de suor escorrendo da minha testa.  Estava quente, quanto mais eu me aproximava mais insuportável ficava.  Mas, isso não importava. Sina havia ficado para trás, para que eu conseguisse, por isso, eu tentaria, mesmo que isso me matasse no processo.

Sempre fui um bom dobrador de ar, não querendo me gabar, mas eu me esforcei mais que os outros para que minha família me aprovasse. Como eu fui burro.  No fim, eles me traíram. No fim eu fiquei sozinho.

Imagens da Suni me vêem em mente. Sozinho? Eu nunca estive na verdade. Existem pessoas que sempre estiveram comigo. E é isso que me move. Eu não consigo me conectar direito, dobrar se tornou cansativo. Requer muito mais energia do que antes. Além de que tudo parece sem sentido.

Quando eu finalmente encontro as chamas, eu piso com força, o que faz uma rajada de ar se levantar. Elas se espalham mais ainda, porém eu consigo abrir um caminho. É tudo o que eu consigo fazer naquele momento.

— Mira! – Eu grito. – Riku!

Eu não ouço nada em resposta, só consigo ouvir os estalos do fogo destruindo tudo em volta.

Existe uma área verde no meio daquilo tudo, o fogo esta a consumindo aos poucos. É La que eu os vejo. Eu me sinto aliviado.  Mas, vou com cuidado.

Eles parecem abatidos, mais Mira do que Riku. Há olheiras sob os seus olhos. Faz apenas alguns dias que estamos separados, mas parece que foi muito mais.  Eu não consigo nem sorrir mas me sinto muito aliviado . Alivio por eles estarem bem, alivio por eles estarem vivos.

— Meelo? – Riku me chama. Ele parece muito confuso. 

Eu corro até eles, me ajoelho na grama que ainda não foi atingida. Quando eu chego perto noto que Mira, parece muito pior do que eu imaginava.

Fora as marcas debaixo dos olhos, seu rosto está pálido, seu pescoço está vermelho e machucado.

Eu não quero ser o portador de más noticias. Mas, não temos muito tempo.

— Temos um grande problema. – Eu respiro fundo. – Haru.

Riku levanta a mão.

—  Nós vimos.

Mira ainda não havia me dito nada. Ela me observava com atenção. Como se estivesse esperando algo.

— Suni está bem. Vindo para cá encontramos pessoas que nos ajudaram. E Suni está retribuindo o favor. E Sina...

Eu não conseguia dizer.

Eu peguei no ombro dela, e a ajudei a levantar. Só que ela estava mais forte do que aparentava. Ela se firmou nos dois pés, e levantou devagar.

— Não existe uma forma de adiar isso. – Ela finalmente disse tristemente.  – Nós estamos destinados a nos encontrar.

As palavras do meu pai finalmente estavam se concretizando afinal.  Ouvir isso da boca dela parecia muito pior.  Porém ela não estava pronta. Ela era boa em dobrar a água e o ar. A terra ela havia aprendido a muito pouco tempo. Agora  fogo, seu elemento materno.  

Eu olhei em volta novamente. E notei um corpo carbonizado perto dali. Meu estômago se revirou. E o cheiro finalmente me atingiu.  A ânsia ficou mais forte. E eu cai novamente, segurando o vômito que subia pela minha garganta.

O que havia acontecido aqui? Riku? Ele matou mesmo uma pessoa?

Respirei mais fundo do que deveria. Minha pernas tremiam. Seja o que for, não era hora para confrontar. Agora precisamos sair daqui urgentemente.

Minha cabeça estava doendo. Eu precisava pensar, e ao mesmo tempo não pensar no que havia acontecido aqui.

Eu olhei para o céu, a fumaça estava ficando mais clara, e o sol estava cada vez mais alto. Quando uma idéia me veio em mente. Uma coisa óbvia, mas que poderia nos ajudar na nossa fuga, pelo menos iria atrasar  nosso confronto com Haru.

— Está quase na hora do hino nacional. Todos os cidadãos irão para a rua.  

Da última vez, as ruas ficaram tão cheias.  Que mal conseguíamos andar. Fora a quantidade de policiais que vigiam esse momento.

Dura quase 5 minutos. É um momento muito oportuno.  Pelos menos para nos recuperarmos.

Haru.

Ver aquele homem na minha frente me fez sentir coisas estranhas. Um tipo de empatia me fez hesitar. Foi quando eu notei que esse sentimento vinha da minha conexão com Kieran. Eu olhei para o rosto dele. Havia uma sensação estranha  no ar.  Esses dois sem dúvida nenhuma se conheciam.  

Eu apertei os meus punhos com força e segurei o sangue em seus braços, mas logo soltei. O ódio que eu sentia por ele, naquele momento não existia. Ele não era importante, e não matá-lo nesse momento seria  um presente para Kieran, por estar ao meu lado.

Assim que ele desabou no chão, eu continuei o meu caminho.

Eu não pude deixar de notar que esse país é estranho. Em um segundo atrás não havia muitas pessoa vendo tudo o que acontecia. As ruas ficaram cheias em menos de um minuto. Elas não se importavam com que eu era, elas parecia formigas obedientes, se aglomerando a minha volta.   Isso me deixou confuso. Não havia nenhuma forma de conexão com eles.

Eu pensei em afastá-los, dobrar o chão e abrir um buraco enorme, só que tudo isso parecia desnecessário, mas era muito mais que isso. Uma parte de mim ainda lutava contra essa vontade de destruir tudo. Eu sentia isso bem lá no fundo. Alguma coisa parecida com o Haru que eu já fui.

Suspirei, no final das contas nos encontraríamos de novo.  Em uma situação normal para nós dois. Eu e Mira, nos chegaríamos ao final disso. Tudo parecia extremamente precipitado. Ela merecia uma chance de pelo menos conseguir se defender.  Era um tipo de amor distorcido, não sei se eu poderia chamar de amor, era mais como se ela fosse a única coisa importante em tudo isso.  E ela merecia isso. 

Eu não senti Vaatu se remexer contra isso. Parecia um pensamento que vinha de nós dois. Sei que havia um motivo por trás dessa quietude.

Eu esperei todas aquelas pessoas se dispersarem. Sina ainda estava no mesmo lugar que o deixamos.

— Kieran? – Ele pareceu surpreso quando eu o  chamei.

— Sim? – Ele estava distraído.

— Fale com aquele lixo, avise que daqui a dois dias, parece suficiente,  Mira e eu nos encontraremos para conversar.  Em algum lugar que ela queira. E caso meu pedido não seja atendido, eu farei com que essa ilha afunde, ainda mais fundo que o palácio presidencial.

Era uma ameaça convincente, eu  sabia que era capaz de cumpri-la.  Eu estralei o meu pescoço e passei por ele.

Kieran ficou e o ajudou a levantar. Eu e Vernon tínhamos um acordo para cumprir com um sádico conhecido.

Sina.

Por algum motivo eles voltaram. A hora do hino nacional, ajudou de alguma forma eles desistirem de ir em frente. Minhas pernas ainda tremiam. Eu ainda não conseguia levantar. Eu senti uma mão no meu ombro. Olhei para trás. E lá estava ele com um sorriso que eu nunca havia visto antes.

— Kieran?  -- ele havia ficado.

— Podemos conversar?

Ver o Kieran depois de tanto tempo, nessa situação, isso me deixava um pouco tonto.

Do mesmo jeito que as pessoas surgiram, elas se dispersaram  e no final eu ainda estava no chão.

Ele ofereceu a mão para me ajudar, mas eu tinha ainda um pouco de orgulho.  Eu demorei vários minutos para ficar de pé, e ele esperou pacientemente.

As expressões que passavam no seu rosto eram diferentes do que eu conhecia. Ele parecia com o Kieran de antigamente, mas ainda assim, estava longe de ser aquele garoto.

— Vi um bar logo quando chegamos no porto. Parece um lugar tranqüilo para conversarmos.

Eu olhei para trás, para o incêndio que ainda corroia aquele prédio. 

— Não acho que seja uma boa ideia. Tenho coisas mais importantes para lidar, do que esse reencontro inútil. 

— Olha, sei que as coisas parecem ruins agora, mas realmente podem piorar se não tivermos essa conversa. Haru não é uma pessoa muito compreensiva, isso eu posso garantir.  – Ele me olhava com afinco, parecia realmente sério.

Bem, seja o que ele quer me dizer, eu não tenho muita escolha a não ser ir com ele.

O bar que ele havia sugerido, era muito mais longe do que ele achava, andamos em círculos por aquela cidade desconhecida.  Nos perdemos também por que queríamos ficar longe do caos que aos poucos de instaurava.

Perdemos um tempo precioso, mas finalmente conseguimos achar o tal bar.  Era um lugar diferente do que eu imaginava, um bar em Republic City normalmente é lotado, e o cheiro de álcool é perceptível desde a entrada, mas aquele lugar está longe de ser um bar, pelo menos não vejo nenhuma bebida a vista.

Nos sentamos em uma mesa bamba perto da entrada, o lugar está quase vazio, exceto por um homem limpando o balcão, não existe ninguém naquele lugar.

— É bom ver um rosto conhecido depois de tanto tempo. – Ele me diz quando se senta.

Eu realmente queria dizer o mesmo. Mas, eu só consigo pensar em Haru, no que Kieran fazia ao seu lado.

— O que você quer conversar afinal?

— Será que servem bebidas nesse lugar? Faz muito tempo que não bebo nada. Sabe até existe bebida alcoólica em Zaofu, mas está longe de ser boa, ela está mais para um entorpecente puro, sem o sabor refrescante  de uma cerveja, ou a doçura de um vinho barato.

Eu levantei a mão, e aquele homem do balcão acenou de volta.

— Só temos chá escuro agora. – Ele disse de longe. 

Eu não queria alongar a nossa conversa, por isso concordei.

— Dois porfavor.

— Chá escuro?  -- Kieran se perguntou.

— Não importa, o que seja. Você está tomando muito mais tempo do que deveria.

— Sabe Sina, eu já pensei assim. Tempo, parece ser uma coisa importante, mas quando  todos os seus dias são como se fossem os últimos, você deixa de valorizar coisas assim, e só vive os momentos, sem pensar no depois.

Definitivamente Zaofu havia o mudado, mas isso não explicava como ele havia chegado aqui com o Haru.

— Por que? – Eu finalmente perguntei.

Enquanto isso, fomos servidos com canecas fumegantes com um liquido denso e escuro.

Antes de falar ele bebericou.

— Ruim, mas não tão ruim assim. – Ele disse sorrindo.

— Todos os dias e penso, no por que. Haru, me libertou , e eu sinto uma dívida enorme com ele. Apesar de tudo o que ele já fez, eu ainda não consegui me desvincular dele. 

— Te libertou? 

— Liberdade, ou algo parecido, só sei que ele me deu poder de escolha. Coisa que nunca tive , mesmo antes de ser recrutado.

As palavras dele me fazem voltar ao passado. Sim, nem antes. Mesmo quando eu tentei ajudá-lo era nos meus termos, ele nunca escolhia nada. Eu sinto um pouco de culpa, mas... Isso ainda não é uma desculpa.

— Eu sei, sua vida foi triste. E vivi um pouco dela também, só que isso não é motivo para nada.

— Ah, eu entendo. Por isso você não consegue me entender, nunca conseguirá. 

Ele bebe mais um pouco e me encara.

— Não importa o que você pensa de mim, eu não posso mais voltar. Eu fiz minha escolha quando ele matou aquelas pessoas, e eu não fiz nada. É tarde de mais para mim.  

Isso me choca, mais do que deveria. Eu sei que ele é um assassino. Hina ainda estaria viva se não fosse ele, mas ouvir isso de outra pessoa, parece que tudo é ainda é real.

Eu bebo um pouco daquela bebida estranha; O gosto é terroso e um pouco cremoso, quase com um chocolate amargo, só que não tão amargo assim.  Sinto de longe um leve gosto de álcool.

— Não é tão ruim. – Kieran diz se referindo a bebida.

— Já gastei tempo demais. Se era isso.

— Espera. Haru quer se encontrar com a garota, daqui a dois dias.  Aonde ela quiser.

— Isso não vai acontecer.

— Não, vai por mim. Ela precisa encontrá-lo. Eu vi seu poder de destruição, ele disse que se ela não atender o seu pedido, todo esse lugar ruirá.  Ele está dando um chance a ela, e ele disse que só quer conversar.

Eu duvido veemente de suas palavras, só que sei que se Mira souber disso, ela acatará o seu pedido.

— Por favor, faça com que esse encontro aconteça. Hoje quando ele percebeu que ela estava aqui, eu tive uma sensação estranha, como se minha ligação com ele estremecesse.  Sei que você não consegue entender, mas isso é importante.

Eu vi um desespero em seu olhar.

— Eu passarei o recado, mas não garanto nada.

— Faça com que ela vá. Por favor. Sei que você pode ser manipulador quando quer.

Eu me levantei. Deixei algumas poucas moedas no balcão. Mal terminei a minha bebida.

— Eu preciso saber onde esse encontro acontecerá.

— Não se preocupe, caso Mira aceite, Haru saberá.

E eu sai de lá, meus sentimentos ainda estavam muito confusos.


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