Como Domar o seu Eu Interior escrita por Tyr


Capítulo 5
Tomo I - Soluço




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A calma que emanava do silêncio reinante da vila movimentada que agora dormia, definitivamente contrastava com o turbilhão de sentimentos que se manifestavam dentro do peito do jovem chefe, e agora, possivelmente, futuro rei. Mas rei do que, afinal? Seria ele rei de um povo que não nunca vira antes? Era realmente isso que todos queriam? Seria isso que o seu pai queria como destino para Berk? Ser a capital de um reino?

Tudo isso soava como um absurdo, como algo vindo de um sonho, um delírio! Mas não! Cinco representantes das ilhas mais importantes do arquipélago haviam jogado uma coroa em suas mãos, agora só restava a ele saber se deveria por sobre sua cabeça ou não.

Soluço, notando o rumo que estavam tomando as discussões na última reunião do conselho, e devido ao quase ultimatum que havia sido jogado à ele pelo mensageiro, achou por bem terminar a sessão. Não havia trocado com eles mais que meia duzia de palavras, não esperavam eles que fosse decidir algo tão importante dessa forma, ou esperavam?

Saiu rapidamente do Grande Salão, precisava de algum tempo a sós, com seus pensamentos, atravessou o que tinha no caminho entre a sua casa e o local da reunião, fechando rapidamente a porta atrás de si, na tentativa de barrar toda a pressão que parecia ter sido jogada em seus ombros de lá de fora.

Finalmente, sozinho.

Isto é, se o Banguela não contasse como 'presença'. O que definitivamente contava.

Valka estava não se sabe onde, provavelmente com o Pula-Nuvem. O que não era de se espantar, sua mãe gostava tanto quanto ele de ficar trancafiado dentro de casa.

Soluço parou, por uns instantes, apenas observando o dragão que se encontrava deitado no chão diante de si, olhando-o um pouco tristemente. Provavelmente o Fúria da Noite sentia tanto quanto ele a mudança que havia tido em sua vida, a tristeza que o acompanhava e a pressão de ter que liderar toda a ilha! Seus olhos refletiam o quanto ele odiaria ter que ficar preso em casa enquanto seu humano teria que lidar com problemas que a inteligência de um dragão, por mais avançada e impressionante que fosse, não conseguiria compreender muito bem.

Por que, afinal, os humanos eram tão complicados?

Banguela levantou-se, andou preguiçosamente até seu humano, parou de frente dele, o fitando com seus olhos que não precisariam de palavras para exprimir o seu significado.

"Já sei amigão", disse Soluço, passando a mão sobre sua cabeça carinhosamente. "Acho que você precisa sair para voar tanto quanto eu".

x

O ar noturno agora resplandecente sob a magnífica lua cheia que se encontrava no seu ponto máximo no céu, depois de incontáveis dias nublados, parecia reluzir com tanta paz e harmonia que a natureza inteira parecia haver ficado estática, eternamente presente. Tudo aparentava estar encaixado no seu devido lugar, tal qual uma canção silenciosa, a natureza regia sua música, cada aspecto da noite se fazia notar, assim como uma orquestra, regida pelo seu maestro, onde cada nota surge, infalivelmente no lugar em que pertence.

O mundo inteiro parecia se abrir diante do Fúria da Noite e seu humano, tudo ao redor parecia tão absurdamente gigante, e inalcançável, que voar constantemente o lembrava do quão pequeno era o ser humano diante da imensidão do oceano, ao mesmo tempo que o lembrava que nada poderia o prender por muito tempo, ele era livre! O mundo ainda tinha muito a ser explorado para ficar preso numa ilha tão pequena diante do mar avassalador.

Soluço e Banguela voavam como se não houvesse divisão entre seus dois seres, enquanto voavam, eram apenas um! Havia tanta harmonia tanto entendimento entre os dois que um observador de longe diria que um pode ler o pensamento do outro, e tal ideia não seria tão absurda assim! Passavam pelas cadeias de rochedos gigantescos que se erguiam das profundezas do mar, instintivamente manobrando entre eles, como se fosse a coisa mais fácil do mundo. O jovem chefe estava feliz, tal como sempre se sentiu ao voar, e seu dragão também.

Depois de algum tempo os dois chegavam à um consenso de que precisavam de um voo mais calmo, Banguela apenas planava sobre o calmo movimento da água sob ele, num ritmo que poderia até levar ao sono. Soluço respirou fundo, absorveu toda a energia que precisaria, para seus próximos dias que nada teriam de pouco turbulentos. 

"É, amigão, nossos dias de vôos e exploração ficaram pra trás", disse tristemente o humano ao seu dragão, que respondeu com um grunhido igualmente triste. "Agora eu sou um adulto responsável Banguela", o que teve como resposta uma risada curta e profunda, típica do Fúria da Noite. "Ei!", retrucou Soluço, num tom de brincadeira. "É um papo sério aqui tá legal?". 

Os dois continuavam no seu voo calmo e planando sobre as águas, foi quando Berk voltou a estar em vista novamente, e o sorriso que tão naturalmente havia voltado ao seu rosto, subitamente deu lugar à uma expressão preocupadíssima, sem mesmo ele ter notado.

"É Banguela, as vezes me vejo voltando à mesma situação de uns seis anos atrás", sua voz, um tom bem mais triste que há apenas alguns minutos, continuou. "Me imagino fugindo de tudo isso, deixando tudo isso para trás", o dragão o escutava atentamente, como se pudesse entender cada palavra. "Mas então me lembro de meu pai", ao seus olhos vinham algumas lágrimas, sutilmente. "E como ele lidou com tudo isso com tanta força, por tanto tempo", respirando profundamente, se recompôs, se ajustando na sela, assumindo uma postura repentinamente mais decidida. 

"E então chego a conclusão que não posso decepcionar meu pai, de maneira alguma." O Fúria da Noite apenas concordou, com seu grunhido habitual, pois ele igualmente achava que Soluço não deveria decepcionar o velho Stoico.

x

Algum tempo depois de rondar a ilha, resolveram que era finalmente a hora de pousar, antes que o cansaço acabasse pousando os dois. Soluço podia jurar que havia visto alguém passando no meio dos campos com uma tocha! Que faria alguém a essa hora sozinho, isolado? Seja quem for, ele estava muito cansado para investigar, afinal, o que poderia ser de importante?

Pousado e desmontado, ele e Banguela entraram silenciosamente em sua casa, afinal, não sabiam se Valka já estava de volta, e não seria nada gentil acordá-la, subiram degrau por degrau que levava ao seu quarto e então fecharam a porta, ainda sem fazer um barulho se quer. O fúria da noite foi para seu lugar habitual e dormiu assim que deitou. Deitou igualmente Soluço, mas por mais cansado que estava, seus pensamentos pareciam o trair na necessidade de dormir. Passava a encarar o teto, indefinidamente.

Olhar muito tempo para um só ponto, deitado na cama, sem sono, leva qualquer um a pensar sobre os últimos acontecimentos, tanto tinha acontecido do último ano para cá, que ele levaria o dobro de tempo para meditar sobre tudo que aconteceu, e tudo que acontecerá em breve! Não sabia muito bem o que fazer, se sentia uma criança lançada em meio a intermináveis jogos de poder, ele sempre achou que liderar Berk fosse uma coisa simples, Stoico mandava e todo o resto obedecia, e Stoico provavelmente sabia tudo naturalmente e instintivamente.

Agora via que não era bem assim, ou nada assim.

Embora ainda não duvidasse que seu pai devia fazer isso tudo instintivamente, algo que com certeza não havia dentro dele.

Bom, nada adiantaria ficar chamando as memórias de seu falecido pai, por mais que toda vez viessem algumas, algumas não, várias lágrimas a umidecer seus olhos, não adiantaria nada. Seu primeiro ato amanhã seria de juntar as pessoas mais importantes pra ele, como que num conselho, para ver o que diriam dos últimos acontecimentos, se bem que, já deviam saber do que se passara, Bocão não era exatamente bom em guardar segredos, enfim. Juntaria Valka, Bocão e Astrid.

Astrid. 

Não havia passado muito tempo com ela nesses últimos dois meses estranhos. Embora seja compreensível, nenhum dos dois ficou muito 'disponível' nesses tempos. Astrid estava literalmente com a mão na massa ajudando a reconstruir a vila, alguém como ela obviamente se ofereceria a trabalhar até que suas mãos fiquem todas cobertas de calos. E ela também havia dado espaço à ele para que pudesse lidar com seus sentimentos da maneira que achasse melhor, a morte de Stoico afetou a todos, mas obviamente ele precisaria de espaço para compreender a nova situação.

Um suspiro quase que involuntariamente escapou de seus lábios. Sim, muito havia acontecido.

Seus olhos agora pareciam a se juntar ao grito silencioso de seu corpo que clamava por um pouco de sono antes do sol raiar. Embora seus pensamentos ainda teimosamente passavam a focar num assunto que lhe tirava o sono, aceitaria ele ou não a proposta tão de bom grado jogada em suas mãos?

Não saberia responder, se soubesse, seria em sono, pois seus olhos finalmente se fecharam, sua respiração passando à um ritmo uniforme, seu corpo, relaxado sobre a cama de madeira, agora descansava, merecidamente.


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Notas finais do capítulo

É isso, como sempre, espero que gostem. :)
E também estou aberto a sugestões sobre a história, críticas, enfim!



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