O Sangue do Mestiço escrita por Júlio Oliveira


Capítulo 31
Traição


Notas iniciais do capítulo

Agora mais cedo hahaha

Boa leitura ;)



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O medo se alastrava por Roanoke em uma velocidade assombrosa. Os boatos e conversas sobre a invasão a mansão de Edward Muller faziam um suspense crescente prosperar através dos corações e mentes de cada um dos habitantes. O tempo estranho que se apoderava da ilha também trazia um ar sinistro: o céu estava fechado e uma tempestade podia ser pressentida. Não havia uma pessoa sequer que se sentisse segura naquele lugar, mas o que poderia ser feito? As águas não estavam adequadas para as viagens rumo ao continente, e dessa maneira Roanoke parecia um universo à parte dos Estados Unidos da América.

Os sentimentos que percorriam o espírito de Patwin Winslow também não eram muito melhores. O medo, a desesperança e a ansiedade eram constantes. No entanto, o mestiço tinha um diferencial: havia sentido na pele um intenso sofrimento e tomado decisões dolorosas. Por mais danificado que ele estivesse, também estava mais preparado para tudo aquilo. Chegara um ponto em que sua mente esquecera um pouco da sua vida em Nova York e do seu passado como um americano comum. Tudo que adentrava sua cabeça era a ideia de dar um jeito em toda aquela situação da ilha. Como? Ele não tinha as respostas, mas tinha a fé.

Caminhava para fora da vila com a ideia de conversar com os nativos e arranjar uma maneira de parar o deus protetor. Sim, deveria haver uma forma de acabar com aquele banho de sangue. Tudo bem que, até então, apenas o maldito Edward Muller tinha perdido a vida, mas o que garantia que aquele ser lendário não poderia causar mal a pessoas inocentes? O jornalista não admitia correr esse risco. Já havia passado tempo demais no ceticismo. Havia chegado o momento de abraçar o impossível e fazer tudo que pudesse para garantir a sobrevivência das tantas pessoas que habitavam aquele local.

Ao mesmo tempo, também pensava no plano de contingência: David, Padre Marcus, Negan e Jake iriam buscar o caminho das armas, caso tudo saísse do controle. A dupla de jornalistas recém-chegada também tentaria completar o processo de tradução. Talvez ainda houvesse algo de útil para ser descoberto. No entanto, Pat não queria precisar contar com isso. O pensamento de um combate direto com o deus protetor causava-lhe arrepios. O simples fato dele não ter visto como era, de fato, a figura diabólica, fazia com que sua mente viajasse pelos cantos mais sombrios e aterrorizantes que se pudesse imaginar. Não havia luz e esperança nesses pensamentos.

Dessa maneira, era evidente: sim, a conversa com os nativos deveria funcionar. Talvez Macawi estivesse vivo e trouxesse compreensão para toda a tribo. Os índios dariam um jeito de parar o deus protetor e Roanoke poderia encontrar, finalmente, dias de paz. Mas para isso acontecer, o mestiço precisava primeiramente encontrar os sobreviventes daquele odioso massacre. “O que você fez, Muller?”, ele refletiu enquanto pensava o quanto aquele ciclo de sangue parecia imparável. A violência parecia ter vida própria e ser dotada de uma sede imensa, não fazendo distinção do sangue de inocentes ou corruptos. “Vou consertar isso tudo”, pensou repetidas vezes, torcendo para que isso atraísse os resultados necessários.

Tentando se livrar de todo esse turbilhão de pensamentos, Patwin focou em seu objetivo principal: chegar no lugar onde a tribo vivia. Muito provavelmente eles teriam deixado o local, mas certamente haveriam pistas que levariam o mestiço rumo ao novo lar dos nativos. Ele torcia para que todo o aprendizado envolvendo as incessantes caçadas que fizera o ajudassem naquela missão. Seriam horas de caminhada, mas sua força de vontade o manteria incansável, disso ele tinha certeza.

Algumas horas depois, Patwin já se sentia um pouco mais em casa. Semanas atrás havia dado inseguros passos ao longo da floresta, ao mesmo tempo em que era testemunhado pelas estrelas e pelos numerosos animais que moravam no lugar. Ele sentia um misto de medo e curiosidade: um novo mundo se abria diante de seus olhos, e aquilo podia ser aterrorizante e excitante ao mesmo tempo. No entanto, agora o mestiço não estranhava mais toda aquela caminhada. Seus pés não reclamavam mais dos pequenos arranhões e suas pernas já pareciam acostumadas com a longa andança. Sua audição não se assustava mais com os sons dos diversos animais: pássaros, insetos e alguns mamíferos. Sua visão também parecia distinguir os diferentes tons de verde da flora, ao mesmo tempo em que se guiava com uma facilidade que ele acreditava que jamais teria. A natureza havia, afinal, se tornado parte dele.

Com essa mistura perfeita de confiança e conhecimento, o jornalista levou menos tempo do que costumeiramente levaria para enfim chegar onde uma vez fora a morada da tribo. No entanto, ao colocar os olhos sobre o local, não encontrou mais familiaridade alguma: o lugar havia se tornado um contraste de si mesmo. As estruturas de madeira e palha não eram mais que cinzas. As plantações que garantiam parte do sustento do nativo também não mais existiam. O solo parecia sem vida e o próprio som do vento parecia gritar pelas perdas que houveram ali. Engolindo em seco, Patwin caminhou até onde seria o local do armazém de arcos e lanças. Como esperado, o lugar também havia se tornado pó. Era incrível que, ainda que o mestiço tivesse passado um tempo relativamente curto por ali, ele se lembrava muito bem de tudo. Lembrava-se dos rituais, das crianças brincando, das mães costurando, fabricando cestas e semeando, dos guerreiros e guerreiras treinando. Mas agora, apenas um silêncio mortal tomava conta do lugar.

E então, uma onda de ódio voltou a se apossar do coração do mestiço. Sim, ele estivera muito bem naquela terra sofrida e úmida de sangue inocente no dia em que tudo se converteu em cinzas. Sua mente havia gravado cada imagem, cada som e cada ferimento. Ele mesmo ainda carregava cicatrizes no corpo daquele dia. Não tinha como esquecer. E, naquele instante, pôde compreender muito bem o motivo do deus protetor. Sim, fazia sentido buscar alguma forma de compensação diante de tremendo crime. Ele mesmo fizera isso no dia em que saiu da igreja armado pronto para colocar uma bala na testa de Edward Muller. “Como poderia julgá-los?”, refletiu. Mas então lembrou-se que a própria motivação do demônio de Roanoke também era a crença distorcida da ausência de humanidade dos nativos. Da crença de que eles eram selvagens, vis e violentos. “E ele mesmo se tornou o que tanto condenava”.

Com isso em mente, voltou-se para sua missão: precisava encontrar pistas do paradeiro da tribo secotan. Olhando para o antigo assentamento daquele povo, reparou em um certo vazio: os corpos não se faziam mais presentes. “É claro!”, Pat sentiu-se iluminado. Ele sabia bem que os ritos fúnebres eram de suma importância para a tribo. Era óbvio que eles não deixariam aquele grande número de cadáveres ao relento, sem que recebessem o tratamento adequado. E isso o levou a primeira pista fundamental: o solo estava cheio de marcas. Como imaginado, uma grande quantidade de corpos foi retirada dali e levada para algum lugar, provavelmente o novo lar da tribo. E, com um movimento tão repetitivo, era impossível não deixar evidente o tal movimento na terra.

Dando um estranho sorriso, o jornalista passou a seguir tais rastros. Seus sentimentos agora eram conflitantes: ainda sentia todo o pesar daquela imensa perda, mesmo ele sabendo que fizera o seu melhor para evitá-la. Mas um resquício de felicidade habitava sua alma ao perceber que, sim, nem todo sacrifício fora em vão. Alguns nativos haviam sobrevivido e isso já era de grande valia. “Eyanosa”, foi o primeiro nome que apareceu em sua cabeça. Estaria ela com a tribo? Ele só descobriria isso se seguisse aqueles rastros, e foi exatamente o que continuou a fazer.

Após alguns minutos de caminhada, o mestiço percebeu que os rastros se dividiam. Certamente mais de um índio havia trabalhado no transporte de corpos. Apesar da bifurcação, era evidente que a orientação geral permanecia a mesma. Confiante de estar tomando as melhores decisões possíveis, Patwin manteve-se firme em seu caminhar. Ainda que não pudesse prever como seria seu reencontro com a tribo, uma estranha fé mantinha-se viva em seu coração. Talvez, pela primeira vez, uma onda de sorte o banhasse plenamente. Esse tipo de bênção viria em bom momento e certamente limparia tanta miséria que se apossava da ilha em uma triste crescente.

Finalmente, após o cansaço e a repetição começarem a testar a força de vontade do mestiço, ele encontrou o que tanto procurava: um secotan. Estava a vários metros de distância e tudo que Patwin via era uma silhueta em meio do verde do bosque. Ainda assim, era impossível não reconhecer aquela pele cor de canela, a pintura corporal e as penas que cobriam a cabeça. A figura, por outro lado, encarou o jornalista com bem menos ânimo: o homem, afinal, trajava roupas típicas dos moradores da vila, e aquilo só fazia aquela figura intitulada por muitos como “selvagem” temer por sua segurança.

Aproximando-se muito lentamente, tudo que o jornalista viu foi aquele nativo se afastar de sua presença. Sem entender muito o porquê daquilo, Pat olhou para suas roupas e lembrou muito bem o motivo. Além disso, ele também trazia consigo o revólver dado por Margaret Olsen, caso precisasse de proteção. A arma, no entanto, estava bem a mostra, e poderia ser mais um elemento gerador de medo nos índios. Escondendo o instrumento, o mestiço respirou fundo e prosseguiu com sua lenta caminhada. “Que não me acertem com uma flecha”, pensou enquanto lembrava da primeira vez que visitara a tribo e fora perfurado após uma atitude impensada de Eyanosa. “Onde você estará?”.

Conforme avançava, mais Patwin podia perceber a presença humana. Ao longo do ambiente, mais e mais silhuetas apareciam e o encaravam com um misto de curiosidade e medo. Além disso, aos poucos ele começou a enxergar instrumentos típicos para a coleta de frutas, ervas, entre outros. Então, quando o bosque começou a se abrir, pôde enxergar tudo com uma maior clareza. Quase que separando o céu da terra, uma concentração de pessoas dividia o horizonte. A única coisa que chamava mais atenção na imagem era a elevação existente no terreno mais à frente.

O jornalista queria sorrir. Sim, eles estavam vivos! Aquilo era motivo suficiente para grande comemoração. Ele sentiu um fogo dentro de si pronto para queimá-lo por completo, mas sem causar dor. Na verdade, era uma chama que o ligava a todo aquele povo, povo esse cujo seu pai tanto falava. Parte de seu sangue estava viva, sua história, sua cultura. Como não se encher de alegria diante de algo assim? No entanto, o mestiço viu que também existiam motivos para preocupação e uma boa parcela de dor. Os olhos assustados que o encaravam também traziam o evidente sentimento de perda. Ele pôde ver viúvas, órfãos e nativos que ainda se recuperavam dos ferimentos daquele massacre. “Eu fui muito sortudo”, Patwin reconheceu.

Outra imagem impactante também alcançou a vista do homem: em algumas árvores próximas, vários corpos estavam erguidos. Era o meio tradicional de enviar aqueles espíritos para o descanso junto a Mãe. Ainda assim, mais um amontoado de cadáveres ocupava o chão e fazia o jornalista revirar seu estômago. Ele via corpos pequenos, outros queimados e alguns juntando moscas e outros seres imundos. Era mais do que a pequena quantidade de sobreviventes podia lidar com todos os rituais fúnebres exigidos.

O mestiço aproximou-se daqueles corpos, mas antes que pudesse averiguá-los foi parado por um pequeno nativo que o encarava com uma expressão feroz. Com arco e flecha em mãos, o menino não deveria ter mais que um metro e cinquenta. Era apenas uma criança temendo o pior.

— Calma, amigo — Patwin falou usando o dialeto secotan. — Eu sou um de vocês. Não venho fazer mal, eu prometo.

O garotinho ficou encarando o homem que trajava roupas da vila por longos segundos. Um turbilhão de dúvidas e incertezas preenchiam a sua mente, mas havia algo na voz do homem que transparecia serenidade e confiança. Ele poderia estar falando a verdade. No entanto, antes de baixar o arco, o menino perguntou:

— Qual o seu nome?

— Patwin — o mestiço respondeu calmamente.

Ouvindo o nome tipicamente indígena, o garoto desarmou-se, mas manteve a atenção nas ações de Pat. O jornalista, por outro lado, deu um singelo sorriso e prosseguiu com sua observação. Estando finalmente ao lado daquela imensidão de corpos, começou a encarar cada uma das faces na expectativa de não encontrar Adaky, Eyanosa ou Macawi. Olhou também para os corpos que já haviam passado pelo ritual fúnebre. Após toda essa vistoria, comemorou internamente ao ver que seus amigos não estavam ali. Talvez estivessem, afinal, junto dos outros membros da tribo.

— Garoto — Pat o chamou mantendo a serenidade em sua voz. — Preciso falar com o líder da sua tribo. Poderia me levar até ele ou, quem sabe, trazê-lo até mim?

Após breves segundos de reflexão, o garotinho saiu correndo. O mestiço pôde observar as pequenas estruturas que se erguiam ao longo do alcance de sua vista. Não eram nada quando comparadas a antiga morada da tribo, mas certamente marcavam um recomeço. “Tudo que eles querem é paz e nada além. Na verdade, paz é o que a maioria de nós quer. Pena que homens com poder tendem a romper isso. Infelizmente, o sangue que tende a ser derramado é o dos mais fracos”, ele refletiu com pesar enquanto observava toda aquela cena.

Poucos minutos haviam se passado quando Patwin finalmente pôde vislumbrar a silhueta de um velho conhecido: Macawi se aproximava e espremia os olhos já apertados para poder enxergar melhor. Ele era acompanhado da criança e de outros dois nativos mais velhos. Ao reconhecer o mestiço, o índio veterano pediu espaço e logo caminhou em direção do visitante.

— Patwin! — Ele disse com sincera alegria. — Que bom que está vivo!

O jornalista recebeu um tenro abraço em um nível que ele mesmo não esperava. Dava para sentir a felicidade genuína que brotava do nativo mais velho, quase como se tivesse reencontrado um filho perdido.

— Pensei que nunca mais o veria desde aquele maldito dia — Macawi disse após finalizar o abraço. — Vejo que carrega consigo marcas e cicatrizes.

O nativo observava o ainda machucado rosto de Patwin, além de parte de seu peito a mostra com ferimentos antigos. O mestiço, por outro lado, via que o bom nativo parecia ter envelhecido vários anos naquele espaço de tempo mínimo. Ele estava acabado, mas o sorriso no rosto continuava bem vivo.

— Foram tempos difíceis, Macawi — Pat deixou que sua alma falasse. — Nem mesmo sei como sobrevivi. Também fico imensamente feliz em vê-lo! É bom ver que, apesar de todas as perdas, os secotan estão reconstruindo suas vidas.

Mantendo o silêncio, o velho índio deu apenas um sorriso, ainda que houvesse um fundo de tristeza ali. Após esse breve momento de emoção, ele questionou:

— Mas então, o que o traz de volta a nós? Vejo que voltou a usar as roupas do outro lado de seu sangue, e também não me parece muito disposto para ficar.

— Eu trago notícias, Macawi — o mestiço parou brevemente para respirar. Precisava pensar bem nas palavras, pois ele sabia que todo o destino da vila poderia estar contido no resultado daquela conversa. — Edward Muller está morto. O deus protetor o matou.

Pat pôde observar uma expressão dúbia se formar no rosto de Macawi: por um lado, ele parecia sentir alívio. No entanto, um certo medo também era perceptível. Aquilo, de alguma forma, contagiou o mestiço. Ainda assim, ele manteve a calma e prosseguiu com o assunto:

— A vingança está completa. O responsável pelo massacre da tribo está finalmente morto e devorado. O deus protetor já pode ser parado, Macawi.

O silêncio que se seguiu não foi mais de reflexão ou escolha de palavras. Era um silêncio carregado de medo e horror perante as possibilidades. O rosto do nativo não mais trazia sentimentos dúbios: estava agora carregado de trevas. Até mesmo sua respiração teve o ritmo afetado e o jornalista sentiu que algo ruim estava para ser dito.

— Pela Mãe... — Macawi não conseguia nem mesmo terminar suas sentenças. — O que eu mais temia. Como não pude prever?

“Como não pude prever?”, Pat repetiu as palavras mentalmente. O que o velho índio deveria ter previsto? O que poderia ser evitado? Toda aquela gama de expressões e palavras negativas estavam enchendo o espírito do mestiço de pavor, e ele deixou de provar da confiança e fé que havia adquirido. Agora, a escuridão havia se alastrado pela sua mente e as piores possibilidades viajavam por sua cabeça. E se, no tempo em que ele estava viajando rumo a tribo, o deus protetor tivesse atacado a vila? Os seus amigos não teriam tempo de organizar o plano de contingência e, muito provavelmente, estariam mortos agora. Imagens horrendas de David, Marcus, Negan e Jake dilacerados tomaram conta da mente do jornalista, que logo tentou dissipá-las ao pensar em qualquer outra coisa. Mas já era tarde: o medo prosperava.

— Vamos! — Ele estava a um passo de perder o controle. Chacoalhando o nativo com nervosismo, Patwin clamava por clareza. — O que você não previu? O que está acontecendo?!

Respirando fundo, Macawi compreendia bem o nervosismo do mestiço e não o julgava por isso. Juntando forças internas, resolveu responder com honestidade.

— Mahpee traiu a todos — sua voz saía de maneira dolorosa, como se ele odiasse o fato de ter de dizer aquilo. — Eu dei a ideia de usarmos o deus protetor. O que aconteceu à tribo não poderia ficar impune. No entanto, minha intenção era que apenas os verdadeiros culpados fossem punidos. Mahpee concordou e juntos realizamos o ritual necessário para trazer a divindade ao nosso mundo. Acontece que ele assumiu a responsabilidade de levar a criatura até a vila para realizar a justiça divina.

Patwin foi abatido pela culpa ao lembrar da conversa em que contara a Mahpee sobre a vila e suas características. Ainda assim, manteve o controle e continuou a ouvir toda aquela história.

— Ele deveria garantir que o deus protetor vingasse a morte do nosso povo e logo em seguida retornasse à tribo — Macawi disse com pesar. — Ele já deveria estar aqui, na verdade. O que eu temia era real, simplesmente. A vingança o cegou, Patwin. Ele não irá parar até acabar com toda a sua vila. Ele irá continuar com o derramamento de sangue até não restar mais nada para derramar. E eu tenho grande culpa nisso.

E então o ancião desabou em lágrimas, uma imagem tão rara que até mesmo os índios que andavam a alguns metros dali pararam para olhar. O mestiço envolveu o sofrido homem em um abraço fraterno, ainda que também estivesse cheio de medos e inseguranças. Absolutamente tudo estava em jogo, mas aquele não era o momento de se descontrolar. Mantendo a compostura de uma maneira que nem mesmo ele imaginava ser possível, falou com firmeza:

— Daremos um jeito nisso. Na verdade, já estou trabalhando numa solução, Macawi — o medo dominava a sua alma, mas não a sua voz. — Mas antes de voltar à vila para resolver isso, preciso saber de algo: onde estão Eyanosa e Adaky? Procurei pelos seus corpos e graças a Deus não os encontrei. Mas também não os vejo por aqui. Qual o paradeiro deles?

Macawi sabia bem sobre Adaky. Sim, o garoto havia escolhido por conta própria receber a presença divina e assombrosa do deus protetor. Mas como Pat receberia aquela notícia? Já não bastava todo o terror revelado até então? Não, aquilo seria exagero. Com esse pensamento, o velho nativo optou por entregar uma verdade pela metade.

— Eu não sei, Patwin — encarava os olhos do mestiço intensamente. — Eles sumiram desde o dia do massacre.

Acreditando naquelas palavras, o jornalista preparou-se para voltar para a vila. A informação de que Eyanosa e Adaky não haviam sido encontrados mortos alimentava um fio de esperança em sua alma. “Eles estão por aí, eu sei que estão”, pensava com aquela fé que não o abandonava. “Hora de apostar no plano ‘b’”, refletiu enquanto dava os primeiros passos rumo aos seus amigos nova-iorquinos. Parou ao ouvir mais uma vez a voz de Macawi.

— Espere! — Havia uma certa urgência em sua voz. — Eu irei com você.


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Notas finais do capítulo

Convergência rumo ao clímax.

O que estão achando da história?

Muito obrigado pela leitura! ♥



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