O Sangue do Mestiço escrita por Júlio Oliveira


Capítulo 2
Memória maculada




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Uma tremenda inquietude tomou conta do bar. Até mesmo o bêbado que tocava seu violão parou de manusear o instrumento para se atentar ao que estava acontecendo.

— Malditos índios! — Ronald esbravejou.

Patwin se atentava aos detalhes. Era incrível como a notícia acerca da tal Jessica Muller causou impacto em todos aqueles embriagados e estranhos. Até mesmo Richard, o garoto dos desenhos, levantou a cabeça assim que ouviu o nome da moça. O portador da notícia estava ofegante, o que denunciava que ele veio correndo. “Ele viu o corpo agora mesmo”, Pat pensou.

— Algo mais, Albert? — Um dos clientes do bar perguntou ao garoto.

— Nada. Ela só... — o garoto tinha dificuldade de terminar sua fala, além de tremer muito.

— Ela foi dilacerada. Seus órgãos saltam do seu corpo!

O pobre Albert fechava os olhos como que se quisesse evitar a visualização da cena. Espantados, alguns homens se levantaram de suas mesas e pediram para que o garoto mostrasse o caminho. Entre eles, Richard mostrou um estranho interesse. Evidentemente, Patwin resolveu seguir o grupo. Seu instinto jornalístico não o deixaria aguardar sentado. Mas antes que o pequeno grupo pudesse partir, a porta do banheiro ao lado foi aberta. Um homem gordo, barbudo e com tufos desencontrados de cabelo saiu de dentro.

— Xerife Arnold! — Ronald chamou.

O xerife estava visivelmente embriagado e demorou alguns segundos para ver o que se passava. Olhando para os dois lados, viu a concentração de pessoas próximas a saída do bar, além de visualizar o barman Ronald apontando para a porta. O trabalhador disse ao xerife:

— Jessica! Ela foi encontrada.

Arregalando os olhos com surpresa, Arnold ajeitou suas calças e assumiu a liderança do grupo. O homem fedia e Patwin fez uma anotação mental para que se lembrasse de não depositar muita fé no xerife ou na polícia local. Finalmente do lado de fora, Albert conduziu o grupo com nervosismo. O garoto corria, como se quisesse se livrar daquele fardo o mais rápido possível, como se realmente carregasse uma maldição consigo. Patwin não podia julgar o garoto, tendo em vista sua aparente juventude e o fato da imagem descrita pelo mesmo ser deveras grotesca.

Saindo da segurança e previsibilidade da pequena vila, Patwin pela primeira vez pisou na sombra que as grandes árvores faziam. Ele estava, finalmente, entrando na floresta que seus antepassados tantas vezes exploraram. O sol já estava se pondo e a cada segundo a escuridão se fazia mais presente, enquanto o grupo caminhava ansiando pelo o que iria encontrar. Arnold ainda estava um tanto perdido, mas precisava passar a imagem de bom xerife. Enquanto isso, Richard mexia incessantemente no seu lápis, brincando com ele e passando os dedos com agilidade. Patwin, no entanto, estava nervoso. Mesmo sendo jornalista, ele não trabalhava na área criminal, não tendo que escrever sobre morte ou outras tragédias. E, a julgar pela reação no bar, a morte de Jessica era mais que uma tragédia. “Talvez seja a filha de alguém importante”, Patwin pensou. Ou então talvez fosse simplesmente uma boa pessoa. O fato é aquela situação não trazia conforto algum ao jornalista.

— Estamos perto — o garoto Albert alertou.

O grupo então passou a andar mais vagarosamente. As pupilas dilatadas, os ouvidos bem atentos e os pés pisando naquele solo macio. Qualquer barulho assustava e chamava a atenção, mas sempre se resumia a algum bicho pequeno se assustando com os transeuntes.

— Ali! — Albert apontou.

De longe, tudo que Patwin enxergava eram dois pés ensanguentados. O resto do corpo estava escondido por grossos troncos de árvores e alguns arbustos. Cambaleando, o xerife correu em direção ao cadáver da garota. Richard estava tenso, segurando seu lápis e seu caderno com força. As outras pessoas também correram para ver, como em um espetáculo mórbido. Com o vento soprando forte contra as árvores e a escuridão abraçando todo o ambiente, Patwin chegou a se questionar o motivo de estar ali. Pior, o porquê de aquelas pessoas, com exceção do xerife, estarem ali. No que elas poderiam ajudar, afinal? “A sinistra admiração humana pela morte”, refletiu o jornalista.

Ao se aproximar, a cena vista era grotesca. Jessica era uma menina linda em vida, mas nem toda beleza do mundo poderia compensar tamanha sanguinolência ali presente. Albert havia feito uma descrição precisa: a garota estava destruída. Seu vestido estava pintado de vermelho e completamente rasgado. Sua pele já não era mais reconhecível, ao mesmo tempo em que buracos apareciam por todo seu corpo, onde tripas, órgãos e ossos mostravam seus terríveis detalhes. Era algo blasfemo de tão grotesco. Além disso, seus olhos foram arrancados, suas orelhas cortadas e sua boca dilacerada. Suas mãos e pés jaziam com menos dedos do que deveriam. Aquela, definitivamente, não era uma cena que ninguém deveria ver. Mas não só isso: o cheiro que se espalhava era assustador.

Toda aquela profusão de horror fez com que Patwin vomitasse rapidamente. O jornalista mal encarou o corpo por mais de três segundos, mas aquilo junto com o odor fora mais que suficiente para revirar o estômago dele e traumatizá-lo com uma imagem da qual não poderia esquecer. “Meu Deus, quem poderia fazer isso?”, se questionou o jornalista. Aquilo não poderia ser feito por mãos humanas, mas por uma besta. Enquanto isso, o xerife tapava o nariz enquanto tentava encarar o cadáver. Mesmo para um homem da área, aquela cena era única e traumática.

— Como alguém pôde fazer isso? — Um dos homens que acompanhavam o grupo falou.

E o silêncio foi a resposta. Era realmente inimaginável. Entretanto, alguém tinha uma reação completamente diferente daqueles que se angustiavam com a cena: Richard Olsen. O desenhista observava a imagem com olhos atentos, lambia os lábios como se degustasse cada detalhe e seus dedos coçavam, como se ele sentisse uma necessidade abismal de representar graficamente aquilo que via. Em meio a lamentações e o cheiro podre, o garoto só enxergava uma obra de arte pronta para ser enquadrada e divulgada para o mundo. Algo genuíno, humano e único. Entretanto, a apreciação do garoto teve fim quando o xerife decidiu que o show havia acabado.

— Chega! Voltem para suas casas. Isso aqui é coisa para a polícia — disse Arnold.

A ordem enfureceu Richard, mas o garoto guardou todo ódio para si e se retirou do local. As imagens estavam bem gravadas em sua cabeça e ele poderia degustá-las enquanto caminhava de volta para o seu lar. Foi até a estalagem de Margaret, sua mãe, e andou até o seu quarto no térreo, enquanto ela já dormia no quarto ao lado. Era como qualquer um dos outros quartos dos hóspedes, com a diferença da decoração: apesar do pequeno espaço, as paredes estavam preenchidas com belas pinturas realistas, ao mesmo tempo em que o chão estava sujo de tinta e havia material de pintura jogado por todo lugar. A cama mais servia como apoio para roupas e outros materiais do que para descanso.

Jogando o caderno no chão, retirando do armário mais uma tela em branco e puxando seus pincéis, o garoto começou apressadamente a passar a imagem da sua cabeça para aquele espaço vazio. Suas mãos estavam inquietas, as pupilas ainda dilatadas, mesmo que o quarto dele estivesse decentemente iluminado por uma mudança que o próprio fizera nas lâmpadas. O garoto logo começou a espalhar tinta pelo branco neve da tela, o vermelho sangue se espalhou com vigor, as vísceras em um tom mais rubro se fizeram presente e, em horas que se passaram de maneira rápida, um verdadeiro massacre estava feito. Jessica Muller estava, mais uma vez, morta. Mas dessa vez em um quadro pintado com esmero, onde era possível enxergar o empenho e alma do artista. Uma alma sedenta por sangue, visceral e impossível de ser saciada.

Richard então notou que havia se esquecido de usar o avental. Com isso, suas roupas estavam sujas daquele vermelho vivo. Por um momento, o garoto se viu como o autor daquele terrível crime, o próprio artista daquela obra profana, obra essa que maculava a bela floresta local. Mas aquela mácula agradava os olhos do artista, que finalmente pôde olhar para o quadro apenas para apreciá-lo, sem se preocupar com retoques ou com qualquer espécie de sujeira. Jogando suas roupas sujas no cesto ao lado da cama, Richard virou o quadro para a direção da cama se deitou. Ainda com a luz acesa, o garoto usava o quadro como um atalho para o momento recém passado. Todo o cheiro, o medo das pessoas, a inquietude. Ah, como era bom estar vivo. E, com os olhos começando a pesar, Richard dormiu como um morto.

O amanhecer chegou e Patwin Winslow abriu seus olhos com dificuldade. O dia anterior havia sido difícil. Primeiro, a longa e exaustiva viagem de barco. Logo em seguida, a horrenda cena de Jessica Muller morta. O pobre jornalista adormecera assim que chegara no quarto após aquela trágica imagem. Entretanto, ele não se sentia nem um pouco mais descansado no novo dia que acabava de se levantar. Na cama ao lado, David já estava sentado enquanto lia um pequeno folheto.

— Nossa, você parece um morto. Bebeu muito? — David questionou assim que percebeu os primeiros movimentos de Patwin na cama.

— Queria. Infelizmente bebi menos do que deveria. Bem menos — o jornalista respondeu.

— O que aconteceu, então? Encontrou algum primo distante?

Patwin fez uma careta e se levantou. Caminhou lentamente até o banheiro, onde lavou o rosto e voltou com um pouco mais de disposição.

— Aconteceu um assassinato aqui. Uma tal de Jessica Muller estava desaparecida e a encontraram ontem. Ou melhor, o corpo dela. A coitada foi dilacerada, algo realmente terrível. Ela devia ser filha de algum figurão, tendo em vista a apreensão das pessoas no bar quando a notícia apareceu — Pat explicou.

David parou de olhar o folheto e apresentou claros sinais de surpresa e medo.

— Logo no dia que chegamos aqui? É muito azar, não? — Disse o garoto.

— Azar o dela. Pobre garota. Mas enfim, não é para isso que estamos aqui — falou Patwin.

— Era exatamente isso que eu ia falar! — David se levantou com o dedo apontado para Pat. — Ainda não definimos nada. Não sabemos com quem falar, o que procurar. Você disse lá atrás uma meta genérica, mas sério, nós temos uma reportagem para fazer aqui. Pai não vai ficar nada satisfeito se voltarmos com as mãos vazias. Eu lembro como você pediu para fazer esse trabalho. Tem que fazer valer a pena.

Patwin se surpreendeu com a atitude do garoto. Ele, no fundo, admirou o fato de David se preocupar com o que deveria ser feito em relação ao trabalho. O jornalista, em sua experiência, prontamente respondeu:

— Falamos com o padre hoje. Ele falou ontem que era uma espécie de porta-voz do povo para com o dito prefeito. Com a ajuda dele podemos entrar em contato com o chefe daqui e então traçamos nossa reportagem. Mas enquanto esse encontro não acontece, foque em produzir um texto sobre a lenda de Roanoke. O desaparecimento dos colonos e tudo mais. Tente ser detalhista e, se lhe faltarem fontes, ainda acredito que o padre possa recomendar outros livros.

David não esperava que Pat fosse realmente dar uma resposta daquele nível. O garoto não teria como argumentar. Entretanto, antes de pegar novamente o livro “Lendas da América”, ele levantou o folheto que tinha em mãos e disse:

— Mas antes vamos comer algo. Aí está o cardápio.

Patwin riu e pegou aquele folheto. Pães, bolos e peixes faziam parte das ofertas ali. Além disso, alguns chás também eram oferecidos pela estalagem.

— Parece bom o suficiente — disse Patwin. — Vamos comer algo.

A dupla desceu as escadas de madeira e foi em direção à sala ao lado da recepção, onde algumas mesas e cadeiras estavam dispostas. Patwin se surpreendeu ao encontrar o padre Marcus tomando o que parecia ser um ensopado de peixe ali. “Conveniente”, pensou o jornalista.

— Padre Marcus — Patwin cumprimentou.

— Patwin! David! — Marcus respondeu com entusiasmo e gesticulou para que ambos se sentassem.

Patwin sorriu em agradecimento pela cordialidade e se sentou de frente para o padre. David escolheu ficar ao lado de seu parceiro. Marcus parecia realmente estar se deliciando com o ensopado, ainda mais tendo em vista o ótimo cheio que tinha e a coloração viva.

— Parece bom — Pat comentou.

— Ensopado de peixe — explicou o padre. — Recomendo!

Enquanto isso, David encarava mais uma vez o cardápio.

— Para pedir basta vocês se aproximarem do balcão e falarem alto. A Margaret está na cozinha lavando ou preparando algo — instruiu Marcus.

Patwin esticou o pescoço e olhou por cima de David.

— Vou pedir o tradicional pão com geleia. Meu estômago não está muito amigável hoje — disse o jornalista.

— Vou comer um pedaço de bolo mesmo — falou David.

Pat se levantou e fez os pedidos no balcão, obtendo uma resposta atenciosa de Margaret. Voltando à mesa, o jornalista resolveu começar a falar de assuntos mais sérios.

— Padre, você soube do que aconteceu ontem? Sobre a garota.

O rosto de Marcus mudou rapidamente de expressão. Se antes ele sorria pelo prazer do prato que consumia e pela companhia simpática de Patwin, agora ele expressava um rosto sério, tenso e com uma certa melancolia em seus olhos.

— Pobre garota — ele disse. — Soube que seu corpo fora completamente profanado.

— Eu vi com meus próprios olhos, padre — Patwin falou com pesar. — Mas eu ainda tenho uma curiosidade: quem era essa garota? Ela parecia ser muito adorada.

— E era.

O padre foi interrompido com a chegada de Margaret, que trazia consigo pães com geleia e ainda um pedaço volumoso de bolo. Ela colocou os pratos sobre a mesa, no que Pat e David agradeceram. Os pães estavam vistosos e a geleia brilhava de maneira atraente. Além disso, o bolo era macio e tinha uma aparência convidativa. Além de educada, amorosa e administrar a única estalagem da vila, Margaret certamente tinha o dom da cozinha. Patwin pediu para o padre continuar a contar a história enquanto colocava um pedaço de pão na boca.

— Jessica era filha de Edward Muller, o “prefeito” daqui. Ela era uma garota doce e educada diferente do pai. Todos na cidade a apreciavam e a respeitavam. Não consigo entender como essa tragédia aconteceu — Marcus contou.

— Há algum suspeito? — Pat questionou.

— As pessoas adoram falar abobrinhas, mas andam dizendo que um nativo teria feito tamanho crime. Digo, dizem isso por toda a violência envolvida. Não acham que uma pessoa “civilizada” faria isso. Eu tenho minhas dúvidas, mas realmente não tem ninguém da cidade que eu acredite que faria uma coisa dessas. Até porque, seja quem fez isso, essa pessoa acabou de se tornar inimiga número um de Edward. E isso não é nada desejável.

— Homem cruel?

— Poderoso, Patwin. Poderoso até demais. A questão política aqui é uma bagunça. Na prática, temos um homem que manda em tudo, até mesmo na polícia. O xerife? Quem paga o salário dele é o Edward. Esta estalagem? A Margaret paga tributos a ele também. Não vejo motivo para alguém daqui sequer tentar algo contra sua filha. Cedo ou tarde iremos descobrir a verdade, Deus queira.

Patwin devorou mais um pedaço de pão antes de perguntar, reflexivo:

— E quais motivos um nativo teria para matar a filha dele?

— Nenhum — Marcus foi sincero. — Na prática, a vila tem uma boa relação com a tribo há décadas. Até escambo de pele de animais, pesca, entre outros já foi feito. Mas existe algo interessante nesse caso todo. Diziam as más línguas que Jessica mantinha uma relação amorosa com um nativo jovem como ela. A simples menção dessa história desagradava enormemente seu pai. Talvez esse tipo de coisa também desagradasse os nativos. Mas claro, isso é mais uma teoria sobre tudo. Só Deus sabe o que realmente aconteceu nesses dias sombrios.

Patwin ficou reflexivo após escutar a história. Uma verdadeira tragédia, um possível “Romeu e Julieta” do mundo real. David também estava concentrado e, de certa forma, assustado. Tudo aquilo era tenso para qualquer pessoa, mas ainda mais para um jovem de 19 anos.

— Bem, — disse o padre batendo a colher na tigela vazia de sopa — tenho que ir. A igreja não vai se arrumar sozinha.

— Cadê Selvagem? — David lembrou.

— Já está bem alimentada. Deve estar brincando com as crianças na rua. Ela é uma menina educada.

Despedindo-se da dupla, o padre retirou algumas moedas do bolso e colocou em cima do balcão, falando um agradecimento a Margaret e elogiando o prato. Enquanto isso, Patwin e David se entreolhavam com tensão. Até que, após o incômodo silêncio, Pat falou:

— Edward Muller. Esse é o nome que você queria?

— Você deu sorte de encontrar o padre aqui — David respondeu jocosamente.

— Sim. Mas o trabalho começa agora. Bom ir tratando de escrever. Você não vai querer passas mais muito tempo aqui, não é?

— Deus me livre — David respondeu enquanto fazia o sinal da cruz.

Patwin riu com a reação do garoto e foi em direção ao balcão logo em seguida para pagar a conta. Com as dívidas pagas, ele gesticulou para o garoto que iria tomar um ar e coletar informações nas ruas.

— A voz do povo é a voz de Deus — brincou Patwin.

Saindo da estalagem, Pat logo encostou-se na parede e sentou-se no chão. Na sua frente, Selvagem brincava com algumas crianças. Aquele dia era uma repetição do anterior: crianças mal vestidas brincando incessantemente, suas mães vigiando de suas casas enquanto os pais deveriam estar ou no mar ou na floresta buscando o sustento do lar. Mas algo estava diferente. O céu estava nu, sem nuvens. Os raios de sol chegavam sem interrupção ao solo e o calor era tanto que se tornava praticamente palpável. “Tempos estranhos”, pensou Patwin. Apesar do calor, a brisa marítima era agradável e trazia certo alívio.

Entretanto, apesar das novas condições do tempo, algo angustiava Patwin Winslow. Não era algo de fora, mas algo que habitava um canto profundo de sua alma. O jornalista, na verdade, mal se lembrava do motivo para estar ali. Visitar uma ilha no meio do nada não costumava ser uma ambição de trabalho de qualquer pessoa que fosse. Não era um ponto turístico, não era famosa por nada de bom. Isso era tão verdade que tardou para que o seu chefe aceitasse enviá-lo para o lugar a trabalho. Mas no fundo de sua alma Pat sabia: havia uma outra razão para ele estar ali. E, seja qual fosse, ele não fazia ideia como alcançá-la.

Foi então que a imagem de seu pai apareceu na sua frente. Um homem alto, velho e levemente barrigudo. Até aí, um americano comum. Entretanto, folhas enfeitavam sua cabeça e pinturas na cor azul percorriam seu corpo. Sua pele cor de canela e seus olhos puxados denunciavam ainda mais suas origens. Aquela era a imagem que o jornalista tinha do seu pai, um legítimo nativo americano.

— Patwin — seu pai disse.

— Pai. Você por aqui? — Pat questionou.

O velho se abaixou para ficar a altura do filho. Olhando para o infinito de seus olhos negros, o nativo disse para o jornalista:

— Já se esqueceu do que veio fazer aqui? Já se esqueceu de mim?

Patwin esfregou os olhos como se quisesse deixar de ver a imagem do seu pai. Mas ele permaneceu ali. A memória estava viva e não seria um esfregar de olhos que a extirparia.

— O que você quer? — Patwin falou com irritação.

— Você prometeu, meu filho. Foi a sua promessa ante meu leito de morte — respondeu seu pai.

O jornalista estava confuso. As palavras que saíam da boca do seu pai não estavam simplesmente em inglês, mas também em dialetos indígenas, mas estranhamente ele conseguia entender tudo. Talvez os anos de convivência tenham feito ele aprender algo, mesmo que inconscientemente.

— Não fique assim inquieto. Você sabe muito bem o que tem que fazer — falou calmamente o pai de Patwin Winslow.

Aquela visão estava, aos poucos, acalmando o jornalista. O seu pai estava calmo desde o princípio e, aos poucos, essa calma foi passando para Pat. Se antes o homem estava nervoso e confuso, aos poucos as coisas começaram a clarear em sua cabeça. Olhando para o verde que se estendia após as singelas estruturas de madeira, Patwin disse:

— Eu vou cumprir a promessa, pai. Vou conhecer o meu sangue.


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Notas finais do capítulo

Muto obrigado por ter lido o capítulo! Espero que esteja gostando do rumo da história, estamos apenas no início.

Até semana que vem o/



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