O Sangue do Mestiço escrita por Júlio Oliveira


Capítulo 19
Déjà vu




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Ele mal sentia suas pernas. “Que decisão estúpida eu tomei?”, pensou o artista louco. Richard Olsen era arrastado através da odiosa vila de Roanoke pelos dois brutamontes de Edward Muller: Muralha e Joseph. Vários olhos perseguiam aquele movimento, enquanto também prestavam atenção no padre que jazia ferido no chão. Uma desesperada Margaret Olsen estava dividida entre prestar socorro ao homem ferido, ou correr em direção ao seu filho. Como uma boa mãe, escolheu a segunda opção, mas ouviu a voz quase que sem força do padre:

— Não, Margaret — a dor era evidente em suas palavras. — Nós vamos dar um jeito. Esses homens não têm escrúpulos.

Chorando, a mãe viu que realmente não havia o que fazer. Entretanto, mesmo ouvindo muito bem o som do choro daquela mulher, Richard se contorcia em ódio. Mais uma vez era injustiçado: se antes fora preso por simples pinturas (e uma pequena invasão no necrotério), agora era carregado como um criminoso perigoso por nada. Olhou para cima e viu seus dois algozes: Joseph tinha um rosto mais brando e aparentava sentir culpa pelos eventos recentes. Quanto a Muralha, o homem de grande estatura parecia se divertir com tudo aquilo.

— Seu doente! — Richard xingou.

— Olha aqui — Muralha parou de andar e passou a encarar o artista. — Só não acabo com você aqui e agora, porque o chefe quer fazer isso com as próprias mãos.

“Déjà vu”, pensou Richard. Não acreditava que estava sendo mais uma vez levado ao maldito Edward Muller. O homem ainda vivia em desgraça por causa da morte da filha e não se cansaria até achar alguém a quem pudesse culpar, mesmo que não fosse a pessoa certa.

— Vamos, não temos tempo a perder — disse um relutante Joseph.

Os guardas voltaram a carregar o prisioneiro. Dessa vez, o garoto passou a olhar para a vila ao seu redor: ele era alvo de olhares curiosos. Sentiu na pele novamente tudo que passara na tribo. Parecia que era um forasteiro, o fruto de um experimento que havia dado errado. Despertava curiosidade, desprezo e, às vezes, medo.

— Eu não sou o que pensam! — Gritou para o mundo. — Vocês são um bando de escravos, essa é a verdade! Edward Muller é um filho da p...

Não conseguiu concluir a frase. Muralha acertou-lhe um tapa relativamente leve, mas suficientemente forte para interromper as palavras do jovem revolto.

— É melhor segurar essa língua — disse o grande homem ao garoto. — Sei que gosta de receber atenção, então você terá toda minha.

Richard engoliu em seco e, querendo preservar sua integridade, calou-se. O caminhar pela vila prosseguiu e o artista ficou surpreso ao ver que haviam passado pela delegacia. “Erraram o caminho?”, pensou com ingenuidade. Não, não haviam errado de forma alguma. Ele que havia deduzido erroneamente. Olhando para frente, finalmente pôde vislumbrar o seu destino final: a mansão do demoníaco Edward Muller. Segurou-se para não soltar nenhuma pergunta enquanto seus algozes o carregavam. Finalmente se viu de frente para a frondosa porta de madeira. Joseph abriu-a e o trio adentrou o local.

Pela primeira vez, Richard se via dentro daquela mansão. Quais fantasmas habitariam o local? O artista lembrou-se do corpo de Jessica Muller e logo em seguida do tão falado falecimento da esposa do ricaço. Um homem verdadeiramente amaldiçoado, assim como seus quadros. Mas uma coisa o garoto tinha que admitir: era um espaço belíssimo, ainda mais levando em conta toda a mediocridade da ilha. Havia belos móveis por todos os lados e, principalmente, quadros. Entretanto, tais obras contrastavam com tudo que ele pintava: eram pinturas que retratavam o belo, o vivo. Logo viu um retrato em que Edward, sua esposa e filha riam alegremente. “O próximo que irei pintar será você, Edward”, pensou com ódio.

— Edward? — Muralha chamou sem saber onde se encontrava o homem.

Após breves segundos, o trio pôde ouvir o som dos passos advindos do pavimento superior da mansão. A silhueta do velho amargurado logo se fez presente diante das escadas. Descendo com paciência, aos poucos uma mudança em seu rosto tornou-se mais evidente: Muller havia se livrado completamente de sua barba. Onde antes havia uma densa camada de pelos brancos, agora se fazia presente um rosto envelhecido e frustrado.

— Bom trabalho — Edward disse em um tom seco. — Devo dizer que demoraram mais do que eu esperava. Mas aqui está: Richard Olsen.

O artista sentia medo. Seus pensamentos odiosos deram lugar ao simples desejo de fuga. Era irônico: o velho não lhe apresentava nenhuma ameaça física visível, mas havia algo em sua voz que incutia o mais profundo pavor no garoto. Ao mesmo tempo, os dois guardas ainda o seguravam com força, de forma que qualquer escapatória era simplesmente impossível.

— Soltem-no — disse Muller. — Eu só quero conversar.

Muralha e Joseph se entreolharam com estranheza, mas fizeram o que o chefe lhes pedira. Finalmente livre dos fortes braços de seus inimigos, Richard sentiu uma tentação de simplesmente virar e correr. Entretanto, também pensou que isso poderia ser uma forma de suicídio. E se Edward realmente só quisesse conversar? E se a fuga só o levasse a consequências ainda mais desastrosas? Pior: e se a vida de sua mãe fosse colocada em risco? Tendo isso em mente, o artista optou por manter um comportamento neutro. Tentava simplesmente esconder o seu medo de todas as formas.

Muller percebeu muito bem a máscara de coragem que o garoto havia colocado. Deu um leve sorriso e começou a falar:

— Vejo que está machucado, Richard — aproximou-se e encostou seu indicador num dos tantos arranhões que o artista tinha no rosto após sua longa jornada na tribo e na floresta. — Será que tem algo a ver com sua fuga? Diga-me, garoto: para onde foi depois que escapou da cadeia? E por que voltou?

— O que o senhor fará com essas informações? — Richard tentava parecer sereno e educado, algo que não combinava com seu comportamento padrão. — Não me entenda mal: apenas temo que aconteça comigo ou com minha mãe o que aconteceu com o padre Marcus.

— O padre Marcus? — Edward apresentou legítimo espanto. — O que aconteceu com ele?

Muralha e Joseph se entreolharam mais uma vez. O menor engoliu em seco, enquanto o maior manteve sua face sem demonstrar emoção alguma. Muller percebeu a troca de olhares e logo tratou de exigir uma resposta:

— Digam-me.

— O Muralha, ele... — Joseph começou, mas logo foi interrompido por seu colega.

— Marcus resolveu atrapalhar o nosso trabalho. Fui obrigado a contê-lo — o grande homem respondeu.

“Contê-lo?”, pensou Richard. “Além de agressivo, esse Muralha é um mentiroso compulsivo”.

— “Contê-lo”? — Edward repetiu com ceticismo. — Pode ser mais claro?

— Muralha o acertou forte — Joseph respondeu com pressa. — O padre ficou no chão gemendo de dor. Foi isso.

Muller pôs a mão sobre o próprio rosto, como se sentisse vergonha por escutar aquela breve história. Mesmo ele não sendo a melhor pessoa do mundo, não achava certo sair agredindo qualquer um por aí, ainda mais se tratando de um padre.

— O que você tem na cabeça? — Olhava fixamente para Muralha. — Eu posso não me dar bem com o padre, mas ele definitivamente não matou minha filha e nem ajuda nenhum suspeito. O estúpido só estava fazendo o seu papel de cristão bonzinho.

Muralha manteve-se em silêncio, pois sabia que não era uma boa ideia revidar as palavras do seu chefe. Ainda irritado, Edward tentou voltar ao assunto principal.

— Richard, isso foi um erro — disse tentando recuperar a serenidade em sua voz. — Nada irá acontecer contigo e nem com sua mãe caso nos responda apenas com a verdade. Agora me diga: para onde você fugiu? E quem tanto está lá?

O garoto ficou pensativo. Não, não poderia de forma alguma confiar nas palavras daquele diabo. Ainda que ele houvesse repreendido Muralha ali mesmo, Richard sabia que o velho não pouparia o uso de violência quando encontrasse Patwin, Adaky ou qualquer outro. Por esse motivo, resolveu mentir:

— Eu fui ao porto, peguei um barco e passei uns dias no mar. Tive que voltar porque faltaram suprimentos — sua voz estava trêmula, ainda que houvesse um pingo de serenidade. — Por isso fui até a estalagem da minha mãe. Precisava de comida e água.

Edward Muller sorriu com aquela história.

— Você sabe conduzir um barco, Richard? Não conhecia esse seu talento. Pensei que fosse apenas um pintor — disse esperando para ver até onde o artista iria com sua mentira.

— Eu aprendo rápido — respondeu o garoto, ainda com a voz trêmula.

— Mas agora eu me pergunto: por que você simplesmente não foi para o continente? Pelo tempo que passou fora, creio que tivesse suprimentos suficientes para uma viagem como essa.

— Eu... — Richard se perdeu em pensamentos. Simplesmente não sabia como prosseguir e o seu cérebro não trazia boas respostas. Acabou falando o que não devia. — Eu senti falta dos meus quadros.

Muller fez uma careta. Aquilo simplesmente não fazia sentido. Mas afinal, aquele garoto fazia algum sentido? Ele era estranho até no jeito de andar, na forma de falar e em suas pinturas. Ah, as pinturas. O velho logo se lembrou de como o jovem representara sua filha. Lembrou-se também de sua invasão ao necrotério e de tudo mais que gerou as suspeitas do envolvimento dele no assassinato de Jessica Muller.

— Sentiu falta de algum quadro em específico? — A voz de Edward começava aos poucos a apresentar raiva e ressentimento. — Como o que minha filha jazia deitada em tripas e sangue?

Richard não conseguiu se segurar. Deu um discreto sorriso, mas não o suficiente para passar despercebido pelo pai da garota morta. Cerrando o punho, Muller começou a sentir o ódio tomar conta de si. O artista tentava manter o controle, respondendo logo em seguida:

— Sinto falta de todos os quadros. De todos.

— Pare de mentir! — Edward acertou um forte soco no lado direito do rosto do garoto. Cuspindo sangue, Richard ergueu a cabeça mais uma vez sabendo que agora tudo estava perdido. — Acha que me esqueci o monstro que você é? E monstros mentem! Agora conte tudo o que sabe. Diga para onde você foi!

A voz do velho era forte, feroz e infernal. O artista já conseguia sentir o calor dos caldeirões que o aguardavam. “Talvez o inferno indígena fosse melhor”, pensou com arrependimento. Ele tinha consciência da burrice que havia cometido ao retornar à vila.

— Eu estou contando toda a verdade — mentiu. — Você quer saber onde estão os outros, não é? Eu não sei! Cada um foi para um lado, é isso! O que mais você quer saber?

Edward riu diabolicamente. A voz de Richard estava finalmente carregada de desespero e medo que ele tanto tentava esconder. Agora Muller sabia que estava no caminho certo.

— Você sabe o que quero saber — falou com uma voz sombria enquanto caminhava rumo a cozinha.

Muralha se deleitava com a cena enquanto Joseph se enchia de seu tão presente receio. O guarda até sentia um certo impulso em ajudar o artista condenado, mas sempre optava pela omissão. Richard, vendo que o que estava por vir seria ainda pior, agiu de maneira desesperada: tentou fugir dali. Correndo em direção da porta da sala, ele foi rapidamente interrompido pelos fortes braços de Muralha. Sendo agarrado com força, o garoto sentiu um estalo em seu corpo e, apesar de se debater para fugir, permaneceu preso.

Não demorou para Edward retornar mais sombrio do que nunca. Carregava consigo um facão em condições não muito boas, mas sem deixar de ser um instrumento assustador dado o contexto.

— Não — Richard sussurrou para si mesmo, já prevendo a tragédia vindoura.

— Você sabe o que precisa fazer, Richard — Muller dessa vez falava com uma calma que tornava toda a situação ainda mais amedrontadora. — Para onde você foi? Diga a verdade e nada mais.

O artista encarou o facão. Com o corpo preso entre os braços do gigante, não havia escapatória. Ao mesmo tempo, ele pensou em todas as pessoas com quem convivera nos últimos dias: sua mãe, Patwin, Adaky e os índios. Sim, ele podia sentir um ódio tremendo por alguns nativos, mas ainda havia uma espécie de fidelidade por Pat e Adaky. Era um sentimento que nem mesmo Richard entendia muito bem. Ele simplesmente não queria entregar aquelas pessoas com facilidade.

— Silêncio? — Edward falou com desdém. — Essa é a sua resposta?

Ao ver o gesto feito por seu chefe, Muralha tratou de levar o garoto até próximo de uma mesa. Pegando a mão dele e colocando-a sobre a madeira, o gigante sorriu com desespero ali presente.

— Eu iria arrancar apenas um dedo, mas já que você insiste que seja a mão toda... — Muller falou observando o punho cerrado do artista.

“Não, ele não vai fazer isso”, pensou Richard esperançoso. “Isso é um blefe, ele só quer me fazer contar a verdade. Tenho certeza que vai parar com esse joguinho logo logo”. Edward logo levantou o facão e encarou o rosto do garoto: estava cheio de medo e desespero. O ricaço hesitou por um momento, mas logo se lembrou de sua filha.

— Você só precisa falar — a voz do ricaço saiu estranhamente abafada, como se estivesse prestes a fazer algo que não queria.

E então, ele fez o que Richard duvidava. Movimentando-se com ferocidade e firmeza, a lâmina do facão logo encontrou o pulso do artista. O sangue começou a jorrar como tinta vermelha, manchando a mesa, o chão e a roupa do garoto. Ele sentia-se num quadro, como se vivesse dentro da própria arte. Mas todo esse momento artístico veio atrelado a uma dor intensa, um ardor e o puro medo da realidade.

— Não! — Richard berrou entre gemidos e tremores. — Por favor, pare!

O garoto também chorava. Isso, de alguma forma, comovia Edward. No entanto, o homem sabia que não poderia parar até conseguir a resposta que tanto desejava. Ele estava fazendo isso por Jessica, por sua amada e por toda a vila. Com a faca cravada no garoto, o velho ordenou:

— A verdade! Esse é o momento!

Richard encarou seu próprio braço encharcado de sangue. O facão não havia penetrado tanto, mas o pouco que adentrara já havia feito um grande estrago. Se aquele corte já causava tamanha dor, como seria se Muller prosseguisse com a tortura? O simples ato de pensar em tal possibilidade fazia o artista se encher ainda mais de medo.

— Eu não sei! Eu juro! — Tentava enganar heroicamente seu algoz.

— Pense bem, garoto — Edward passou a mover o instrumento para frente e para traz, cortando lentamente a carne de Richard. — Como você poderá pintar sem as mãos? Essa até pode ser a esquerda, mas não pense que pararei nela.

Não dava mais para aguentar. Pedindo perdão mentalmente para Patwin e Adaky, o garoto contou em prantos:

— Índios! Índios! Eu fui para os índios!

— Como? — O velho questionou com certa descrença.

— O jovem... — Richard falava pausadamente, tentando respirar e ignorar a dor, apesar de ter se mostrado uma tarefa impossível. — O jovem nos guiou.

— Você encontrou a tribo?

— Sim.

Edward olhou para Joseph. O homem estava assustado e parecia não saber o que fazer. O seu chefe então lhe pediu para que trouxesse curativos.

— Você poderá manter essa sua mão — disse Muller. — Ou o que restar dela. Basta me contar como chegar na tribo. Sem erros, ou eu vou ficar muito irritado.

Joseph rapidamente apareceu com os curativos. Ainda que mal aplicados, eles estancaram parte do sangue que jorrava do ferimento do garoto. Ainda assim, ele já estava pálido e sem forças. Pensando no perigo que sua própria mãe corria caso ele contasse uma mentira naquele momento, resolveu falar toda a verdade sobre o seu caminho até a tribo. Não poupou detalhes e Edward acreditou em cada uma das suas palavras.

— Viu só? Rápido e sem dor — Muller sorriu.

Deixando o facão sobre a mesa, ele se levantou e olhou triunfante para o quadro de sua família. “Estou fazendo por vocês”, pensou enquanto limpava parte do sangue que espirrara em si. Encarando aquela cena com ódio e puro desejo de vingança, Richard desvencilhou-se dos braços de Muralha e, agarrando o facão abandonado, avançou contra Edward. Mesmo sem forças, o garoto ainda conseguiu mover o seu braço direito de maneira a ferir o demônio, mas sem gravidade.

— Desgraçado! — O velho gritou.

Sem piedade, Muller golpeou Richard, de maneira que o garoto enfraquecido caiu no chão sem forças para se levantar. Colocando a mão no lado esquerdo de sua barriga, o velho viu que havia sangue. “Um raspão. Por um triz não fui morto por esse diabo”, pensou com ainda mais raiva do que antes. Apanhando o facão do chão, caminhou lentamente em direção ao garoto.

— Por quê? Por que fez isso, Richard? — Sua voz carregava raiva, medo e pesar.

Muralha fez menção de avançar para cima do artista, mas parou assim que Edward gesticulou.

— Eu espero que você reencontre sua filha em pedaços lá no inferno! — O artista louco pronunciou em um último ato de coragem ou estupidez.

— Então mande lembranças a ela — Muller respondeu e, logo em seguida, cortou a garganta de Richard Olsen.

O garoto começou a se engasgar em sangue e sofrimento. Para a sua sorte, no entanto, a morte não tardou de chegar. Encarando o corpo já sem vida do artista, o ricaço ordenou:

— Joguem-no no rio. O dia ainda não acabou.

Longe do antro de tortura e morte, David concluía sua grandiosa tarefa de copiar os textos criptografados de John Dee. Foi um trabalho intenso e até mesmo doloroso, mas o pequeno jornalista se sentia orgulhoso pelo feito. Ainda assim, algo o preocupava. Já havia se passado algumas horas desde que o Padre Marcus saíra para ajudar Richard, mas não retornara desde então. Até que, quando o garoto se aproximava o ápice da aflição, a porta da igreja finalmente foi aberta.

— Meu Deus — David reagiu assombrado.

Duas figuras adentraram o templo: o padre e Margaret. A mulher estava em prantos e auxiliava o homem em sua caminhada. Ele, por outro lado, estava visivelmente enfraquecido. Pior: usava um curativo sobre o olho direito.

— O que houve? — O pequeno jornalista nem se preocupou em cumprimentar a senhora.

— Muralha — Marcus respondeu sem pestanejar. Sua voz estava fraca e reproduzia claramente as dores que ainda sentia. — Tentei salvar o Richard, mas não consegui.

— Seu olho...

— Eu não estou enxergando mais nada com ele.

David olhou para baixo com os olhos encharcados. Não, aquilo não deveria estar acontecendo. Em todas as situações de risco ele e seus amigos haviam escapado relativamente ilesos. Até mesmo quando Patwin, Adaky e Richard foram presos. Apesar dos socos e chutes, fugiram de seus inimigos sem danos permanentes. Mas o padre? Ele perdera a visão de um olho. Isso era algo que não poderia ser recuperado e deixava evidente os riscos de simplesmente estar ali.

— Para onde levaram o Richard? — O garoto tentou manter a frieza para agir com racionalidade.

— Edward Muller — Margaret finalmente respondeu em prantos. — Meu filho está perdido!

— Calma — David foi em direção da mulher e lhe deu um tenro abraço. — Eu não sei como, mas vamos dar um jeito nisso.

A grande verdade é que o garoto não fazia ideia de como resolveriam todo aquele problema. Os danos eram irreversíveis e só Deus sabia o que fariam com o pobre Richard. Ainda assim, o desespero não ajudaria em nada naquele momento. O padre, por outro lado, estava claramente abatido. Não bastava sua própria perda, mas ele também tinha consciência que havia falhado em salvar o artista e se culpava por isso.

— Como podemos enfrentar um homem que tem tudo? — Marcus falou com desânimo. — O que fazer, Senhor? Estamos perdidos.

David caminhou até o padre com determinação e disse:

— Tenha fé, homem! Não podemos desanimar. Eu sei que está tudo horrível. Patwin está por aí, Richard foi capturado e eu sou perseguido. Mas e daí? Nós temos nossas armas também. Hoje mesmo acabei de copiar aqueles textos criptografados. Eu sinto que vão ajudar em algo. Não sei em quê, mas vão! Então não desanime, por favor. Você é um ponto de sanidade nessa ilha de loucura, padre.

Marcus ergueu a cabeça ao ouvir aquelas palavras. Margaret sentiu um pequeno momento de alívio, apesar da dor permanecer uma constante em sua vida.

— Vamos fazer isso — disse o padre com um pouco mais de força em sua voz. — Já está tudo pronto para enviarmos os textos para o continente?

— Sim — respondeu o pequeno jornalista. — Já está endereçado e também escrevi uma pequena carta para meus amiguinhos do jornal apressarem o máximo possível.

— Certo. Vai dar certo. A única dificuldade é que as embarcações deixam a ilha apenas uma vez por semana. Esse tempo maluco de verão embaralhou ainda mais os dias, então certamente sofreremos com um atraso. Mas isso é melhor que nada, não é?

— Com certeza — David encerrou com um sorriso no rosto.

O desânimo não poderia tomar conta do grupo. Ainda que morresse de medo e insegurança, o garoto mantinha sua postura ereta e seu olhar confiante. Não deixaria que as esperanças fossem entregues de bandeja para Edward Muller.

— Vou deixar a sua correspondência no porto — disse Margaret Olsen, surpreendendo a todos. — Mesmo que seja algo pequeno, farei de tudo para ajudar quem está contra aquele demônio.

— Estamos juntos — David respondeu com assertividade ao ver que a esperança ainda vivia.


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Notas finais do capítulo

Primeiramente, muito obrigado por ter lido mais este capítulo!
Chegamos na metade da história e me sinto muito honrado por contar com vocês ♥

Espero que o resto da caminhada nesta história seja ainda melhor e mais surpreendente do que o visto até então. Estou me esforçando para isso e cada comentário dado aqui ajuda demais!

Então mais uma vez: MUITO OBRIGADO ♥

Até breve!

P.S: Dia 27 é meu aniversário, então quem quiser mandar felicitações, tamo junto HSUAHSAUHS



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