Um tal Cavaleiro escrita por Sabonete


Capítulo 21
Bonito e melancólico


Notas iniciais do capítulo

Capítulos finais são difíceis de escrever. Uma vez que a história não era linear mas acaba precisando ser nesse ponto, afinal o último deve ser guardado a sete chaves, né?

Bonito e melancólico fala de despedidas, de raiva e de se fazer o que precisa ser feito.
Mas não diz o certo ou o errado, o bom ou mau.

Espero que gostem, mas mesmo que não gostem, me digam, por favor!



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Por um período de tempo estava em total escuridão, como se não pudesse ver, ouvir ou sequer, sentir alguma coisa. Mas, com o passar do tempo, foi tudo se revelando aos poucos. Primeiro, o som abafado aos meus ouvidos, depois, o gosto de sangue em minha boca, o foco e a luz ainda demoraram mais para até começarem a se organizar em meus olhos. Sentia dores em meu corpo, em minha perna, havia algo mais dolorido do que o resto do corpo, com exceção de um dos ombros, que também pareciam estar bem doloridos.

O problema, é que por mais que tenha demorado muito para que eu saísse daquela sensação vegetativa, assim que voltei a mim, junto das lembranças, percebi o que estava acontecendo.

Cercados de corpos, minha coxa havia sido varada por uma lança, enquanto meu ombro parecia ter sido atingido por algo bem pesado. Mas não era apenas isso, o teto parecia ter desabado e eu podia ver o céu nublado. Foram as gotas da chuva que me acordaram, lavando meu rosto e dissipando o sangue.

A espada estava em minha mão. Não desgrudei dela por um instante, desde que me despedi de Perligan.

Os flashs da situação ocorrida naquele lugar começaram a surgir sem aviso. Eram gritos e um sentimento contraditório de raiva e dor. Via homens da guarda do vinho se aproximando, todos eram rechaçados sem piedade. Eram mortos ou feridos, mas nenhum se aproximava o suficiente.

Chama Crua queimava e cortava ao mesmo tempo a cada golpe que era desferido me fazendo pensar que sensação terrível deveria ser aquela.

Reconheço, nas lembranças, o capacete de Andal, ele brilha mesmo com a baixa iluminação.  Ela avança, mas não lutamos, outro toma a dianteira. Não consigo me recordar bem, até cruzar meus olhos com um corpo caído mais distante. É Houser que tomou a frente.

Ali, de baixo da chuva que só pode me alcançar graças à fenda com formato de corte, com rochas queimadas ao ponto de se partirem, minhas lágrimas se encontram com a água. Misturam-se. São choro.

Como um homem do norte, tomado pela raiva cega da batalha, não existia piedade para aqueles que se levantam contra mim. E não houve para ele, meu grande e fiel amigo, que fazia o que fazia apenas pela feitiçaria de Arthúria.

Feitiçaria que eu, naquele momento, nem notava que já não tinha mais medo. Pois tudo o que eu sentia era raiva.

Nossas espadas se cruzaram, uma, duas e, antes que ele pudesse reagir, a terceira o talhou o flanco. Seus olhos me disseram, na ocasião que aquele combate tinha terminado. Sinto que me abalei, mas nem por isso parei.

Corpo no chão, espada na mão, quem era o próximo a cair?

Avancei, a partir daquele momento, apenas me lembrava de tomar à dianteira. E era saborosa a sensação dos soldados a minha frente se afastarem com medo de provar da minha lâmina.

Cocei minha cabeça, sentado ali nas rochas, pensando nos meus atos anteriores. Sentia-me mal, um sufocamento de súbito. Visão e tato ficavam estranhos. A respiração ficava forte. Eu tinha matado Houser e sabia que da forma que me encontrava antes, Andal ou Pharvra, não teriam destinos diferentes se entrassem em meu caminho.

Não queria mais me lembrar.

Infelizmente, nossas memórias não são comandadas por vontade, elas simplesmente veem, dando o gosto do que tiver que ser sem ligar para o efeito que isso terá.

Arthúria sumiu. Os flashs não revelavam para onde ela tinha ido, mas ambas as capitães estavam lá, prontas para me enfrentar.

Percebo então que foi Pharvra que feriu minha perna. Sua maestria com a espada era exemplar. Compreendia o que os seus adversários no campo de batalha sentiam. Não era nada bom. Mas, durante o confronto, a dor só me motivava mais e mais. Seu golpe preciso causou a morte de outros guardas que avançaram com ela.

"Você está lembrando do que fez por aqui?" — A voz conhecida me faz voltar a realidade. É Pharvra, que surge do lado oculto do salão segurando firme seu ombro.

"Não se preocupa..."— Ela diz olhando para o lado sem graça. "Aquilo... já passou, pra mim e pra você" — Seus passos são pesados, sua malha estava bem danificada.

Olho-a chegando mais perto a passos lentos.

Recordo-me que a derrubei com um golpe potente na boca do estômago pouco antes de causar o desmoronamento com a espada tomada pelas chamas do dragão que a criou. A queda o teto me atingiu e a vários outros a minha volta. O ombro doía por isso, mas milagrosamente não estava mais do que ferido.

Tocou meu rosto, sujando-o com seu sangue. Estávamos na mesma altura, ela de pé enquanto eu estava escorado nas rochas.

"Esse é o problema... Pharvra" — Falei com a voz chorosa. "Não passou para mim" — Disse enquanto a lâmina de Chama Crua entrava começava a pegar fogo. A capitã deu dois passos atrás temendo por sua vida, enquanto eu me levantava.

Digo a ela, com a voz carregada de tristeza e raiva, para não se preocupar, que aquilo passaria quando Arthúria não fizesse mais parte daquele mundo. Sabia que ao fazer aquilo ela não me veria mais como antes, mas também sabia que não havia outra coisa a se fazer.

"Andal está com ela"— Ela me avisou, mas aos meus ouvidos soou como um pedido. Um pedido que eu não sabia, naquele momento, se poderia atender.

Segue pelo corredor central, ele levaria ao salão principal do palácio. Visitei aquele lugar inúmeras vezes antes, mas estava muito diferente, vazio, sem as luzes, apenas iluminados pela claridade que atravessava os vitrais coloridos.

Era bonito e melancólico.

As duas estavam lá, sentadas uma ao lado da outra, no trono do senhor de Estherburg. Pensei comigo o paradeiro dos dois, mas àquela altura, era melhor que não estivessem por perto.

Digo à donzela que vão destruir aquele salão todo como fiz a pouco e na morada de Sor Hurtan. Ela sorri para mim, em um desafio. Sinto um tremor pelo meu corpo. A respiração acelera. A visão aguça. A capitã se prepara para lutar.

"Liberte-a" - Disse sem mover meu corpo e os olhos de Arthúria, ela, sorri novamente, mas com um tom sarcástico profundo.

Cerro os olhos, Chama Crua se torna incandescente novamente. Andal avança sobre mim, mas a Donzela, sentada no trono, muda de feição não acreditando no que vê bem a sua frente.


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Notas finais do capítulo

Ele vinha mudando, pouco a pouco, a cada capítulo que o contexto permitia, ele vinha mudando.

Mudou tanto que esqueceu que tinha medo, que tinha um código, que tinha amigos. Ele esqueceu de tudo isso, menos daqueles que fizeram mal a ele e, aos próprios amigos que esqueceu.

Ta acabando mesmo, você sabe disso porque ta tudo bem louco e não tem furação que não passe, né? HAHA

21/23, acredito.

Espero que estejam gostando! Até a próxima!



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