Primeiro entrou a apresentadora do programinha, uma ruiva de óculos, bem novinha e magra. Um jovem de rockeiro, com tatuagens, cabelo verde espetado e jaquetas com spikes. E uma guitarra de brinquedo que ele quebra no chão! Uma jovem da minha época, a Kawane, cheia de brilho, a cantora, estrela do pop. O maluco do Felipe chega dando embaixadinhas; a cada duas ou três a bola cai do pé! Daí uma moça toda estranha que demoro para perceber que é um rapaz. Admito que ele está quase tão bonito quanto eu; está diva! Sem maquiagem deve ser um gatinho! Todos no recinto riem quando ele tropeça no vestido diante da apresentadora e fica tão vermelho que nenhuma maquiagem cobre! Ainda entram mais duas jovens: uma parecendo o Pai Sagrado da novela que passava na minha época de FJ, e outra com uma faixa presidencial, roxa e branca. Por último o primo do Felipe, que ganha o concurso como a pessoa que mais influenciou a humanidade: o senhor Jesus, carregando uma cruz.

Ainda que esteja o maior barulho, Michael fica comportadinho. Ele presta atenção a todos os movimentos, mais do que nunca, como se entendesse o que está havendo. O teatro foi engraçado, mas não a ponto de me fazer chorar de rir. Essas lágrimas são pelas memórias. Quantas vezes estive ali com eles, participando, fazendo meu melhor, sem me importar com o que os outros achavam de mim?

— Talvez um deles seja você — diz o pastor depois do teatro. — Se preocupa tanto em agradar amigos, fãs, namorada; ou ao contrário, não tá nem aí para ninguém; ou até se esconde atrás de uma máscara para ser uma pessoa diferente diante das pessoas. Não precisa ser assim. Se você tá cansado dessa vida e quer mudar, seja sincera. Isso que te falta, cara, sinceridade. Uma entrega sincera.

Chega a tão esperada hora da oração de entrega.

— Talvez você não fale com Deus assim há anos. Uma entrega é tudo que ele espera de você. Ele não olha para todas as vezes que você falhou com ele. Ele só quer que você volte.

O pastor parece adivinhar o que penso, como a Bia. Mas não é; é Deus falando comigo. Deus. Falando comigo. Tem como imaginar? O que pode ser mais valioso que isso? Homens podem ser todos iguais; Deus não é homem. Ele me ama de verdade.

Faço votos de voltar e nunca mais o abandonar, enquanto a banda puxa uma música bem antiga que me lembro como se fosse minha própria oração.

Faz tanto tempo, a conta perdi

Que não venho em tua casa, que não venho a ti

Mas, só que agora, me arrependi

Te imploro: me aceita, deixa eu ficar aqui

Não quero mais sair.

Conforme canto, minha alma é lavada, fico mais leve.

Minha filha, volta pra mim

Sua vida tá difícil, eu sei

Mas te sustentarei

Eu me sacrifiquei por você.

Uma música tão linda que não consigo me segurar e molho a beira do altar com minhas lágrimas. Não é simples emoção. É em saber que existe alguém que sempre me amou, mesmo eu estando longe. O verdadeiro amor.

Faço ainda outro voto: de não mais caçar um companheiro. Sim, quero ser feliz no amor (quem não quer?), mas não vou mais abrir mão de meus princípios por isso; principalmente minha fé. Michael não precisa apenas de um pai; mas do pai que está no céu.

*

Na volta, Bia senta-se ao meu lado na van, sem parar de sorrir. Ela leva o Michael por boa parte da viagem, e ele gosta de brincar com ela, o que me deixa feliz.

Quando peço uma garrafa de água gelada nos fundos, vejo Felipe e seu filho no colo da baranga ao seu lado. Consigo ignorar a visão e voltar à alegria de ter um filho perfeito, uma nova velha amiga de volta, e o tesouro maior de todos em mim.