Quantas dúvidas escrita por DiHen Gomes


Capítulo 9
9 - Bia




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/753890/chapter/9

O Bruno está um pouco retraído hoje. Durante a evangelização ele já estava falando menos que o normal, e entre um portão e outro fixava o olhar baixo na calçada à sua frente. Nem troca uma palavra com sua parceira de evangelismo, a Duda. Ele está claramente preocupado com algo. Ao acabarem-se os jornais, corro para o outro lado dele. Caminhamos nós três de volta à igreja em silêncio. Duda vai beber água e, depois de entregarmos o trabalho, chamo Bruno até as poltronas mais à frente. Tento entender o que está acontecendo.

— Não é nada, obreira. Só tô nervoso com... as provas chegando, minha nota ainda falta um tanto aí pra passar, né?

— Ainda estão te perseguindo?

— Ah, é, normal, os jovens lá fora são zoeiros mesmo. E o professor só entra na deles, não é por mal. E tá escrito também, né, obreira?

Se bem que o Bruno também é bem brincalhão! Deve estar ainda com um pé no mundo, mantendo costumes dos jovens de lá.

— Só isso mesmo? Pode falar, estou aqui pra te ajudar.

Ele respira fundo, suspira duas vezes e olha para trás. A igreja está quase vazia, pois os evangelistas já estão indo embora.

— Você tá gostando de alguém? — digo logo. Quase sempre é isso que faz os jovens mudarem o comportamento na igreja.

— Eu, não, obreira. É o contrário. Na escola as meninas ficam me atazanando, falando alto que vão me pegar, ficar comigo, só pra aumentar a zoeira. Essa semana uma chegou a me abraçar quando eu não tava olhando.

Ele havia contado algo parecido, quando uma das colegas dele chegou e beijou o rosto dele, porque ele se virou rápido para não ser na boca, e a turma que viu riu dele. Só imagino a dor que deve ser, pois cada um é perseguido de um jeito diferente.

— E eu… deixei.

— Deixou o quê?

— Ela é a menina que eu era apaixonado desde a quarta série, a mais bonita da escola, e nunca me deu bola. E agora que deixei isso pra seguir na fé, ela se atira em mim direto. E essa semana eu não resisti. E mesmo assim ela a escola riram.

O olhar profundo do Bruno não esconde sua alma de mim. As mãos juntas, a respiração profunda, eu sei o que ele sente. Negar a si mesmo é muito mais difícil do que parece.

— Pelo menos tem uma coisa boa. Mais ou menos boa. O professor Amaro está se retirando por causa de doença, e vai vir substituto. Espero que venha alguém legal, que não fique pegando no meu pé.

— Não conte com isso, Bruninho.

Em resposta, Bruno solta o mesmo som de quando ri, mas suas sobrancelhas franzidas depois de arregalar os olhos num instante formam uma expressão preocupada. Mesmo olhando em meus olhos, posso sentir que ele perde o foco pelo silêncio que acontece em seguida. Bruno se ajeita na poltrona para ficar reto, de lado para mim.

Quando ele vai dizer algo, nos atentamos para a porta do escritório do pastor. Com um sinal das mãos, ele me chama.

— Bruninho, depois continuamos.

— Tá, Preciso ir em casa mesmo. Tchau, obreira.

Levantamos ao mesmo tempo. Bruno vai para a porta dos fundos e eu para frente. Alguns passos que dou com a mente distante. Imagino qual seria a dificuldade para um adolescente fugir das tentações desse tipo. O Bruno é tão fraco assim que não consegue dizer não a uma menina? Qual a dificuldade disso? Eu disse não com tanta facilidade para os meninos que estavam de conversinha comigo em todos esses anos de vida e estou bem viva. O Bruno deve estar com fraqueza, só pode. Reclamar de ser perseguido? Só pode ser brincadeira.

Vou atender o pastor logo. Já sei o que ele vai falar: A escolinha tá precisando do notebook. Ainda ouço uma notificação de mensagem no caminho até a porta do escritório, mas depois eu vejo.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Quantas dúvidas" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.