Quantas dúvidas escrita por DiHen Gomes
O Bruno está um pouco retraído hoje. Durante a evangelização ele já estava falando menos que o normal, e entre um portão e outro fixava o olhar baixo na calçada à sua frente. Nem troca uma palavra com sua parceira de evangelismo, a Duda. Ele está claramente preocupado com algo. Ao acabarem-se os jornais, corro para o outro lado dele. Caminhamos nós três de volta à igreja em silêncio. Duda vai beber água e, depois de entregarmos o trabalho, chamo Bruno até as poltronas mais à frente. Tento entender o que está acontecendo.
— Não é nada, obreira. Só tô nervoso com... as provas chegando, minha nota ainda falta um tanto aí pra passar, né?
— Ainda estão te perseguindo?
— Ah, é, normal, os jovens lá fora são zoeiros mesmo. E o professor só entra na deles, não é por mal. E tá escrito também, né, obreira?
Se bem que o Bruno também é bem brincalhão! Deve estar ainda com um pé no mundo, mantendo costumes dos jovens de lá.
— Só isso mesmo? Pode falar, estou aqui pra te ajudar.
Ele respira fundo, suspira duas vezes e olha para trás. A igreja está quase vazia, pois os evangelistas já estão indo embora.
— Você tá gostando de alguém? — digo logo. Quase sempre é isso que faz os jovens mudarem o comportamento na igreja.
— Eu, não, obreira. É o contrário. Na escola as meninas ficam me atazanando, falando alto que vão me pegar, ficar comigo, só pra aumentar a zoeira. Essa semana uma chegou a me abraçar quando eu não tava olhando.
Ele havia contado algo parecido, quando uma das colegas dele chegou e beijou o rosto dele, porque ele se virou rápido para não ser na boca, e a turma que viu riu dele. Só imagino a dor que deve ser, pois cada um é perseguido de um jeito diferente.
— E eu… deixei.
— Deixou o quê?
— Ela é a menina que eu era apaixonado desde a quarta série, a mais bonita da escola, e nunca me deu bola. E agora que deixei isso pra seguir na fé, ela se atira em mim direto. E essa semana eu não resisti. E mesmo assim ela a escola riram.
O olhar profundo do Bruno não esconde sua alma de mim. As mãos juntas, a respiração profunda, eu sei o que ele sente. Negar a si mesmo é muito mais difícil do que parece.
— Pelo menos tem uma coisa boa. Mais ou menos boa. O professor Amaro está se retirando por causa de doença, e vai vir substituto. Espero que venha alguém legal, que não fique pegando no meu pé.
— Não conte com isso, Bruninho.
Em resposta, Bruno solta o mesmo som de quando ri, mas suas sobrancelhas franzidas depois de arregalar os olhos num instante formam uma expressão preocupada. Mesmo olhando em meus olhos, posso sentir que ele perde o foco pelo silêncio que acontece em seguida. Bruno se ajeita na poltrona para ficar reto, de lado para mim.
Quando ele vai dizer algo, nos atentamos para a porta do escritório do pastor. Com um sinal das mãos, ele me chama.
— Bruninho, depois continuamos.
— Tá, Preciso ir em casa mesmo. Tchau, obreira.
Levantamos ao mesmo tempo. Bruno vai para a porta dos fundos e eu para frente. Alguns passos que dou com a mente distante. Imagino qual seria a dificuldade para um adolescente fugir das tentações desse tipo. O Bruno é tão fraco assim que não consegue dizer não a uma menina? Qual a dificuldade disso? Eu disse não com tanta facilidade para os meninos que estavam de conversinha comigo em todos esses anos de vida e estou bem viva. O Bruno deve estar com fraqueza, só pode. Reclamar de ser perseguido? Só pode ser brincadeira.
Vou atender o pastor logo. Já sei o que ele vai falar: A escolinha tá precisando do notebook. Ainda ouço uma notificação de mensagem no caminho até a porta do escritório, mas depois eu vejo.
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