Quantas dúvidas escrita por DiHen Gomes


Capítulo 77
77 - Bruno




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Sou um dos últimos a entrar na sala de aula. Não tinha percebido como o piso está tão quebrado e encardido. Quase atropelo um colega que está parado ao lado da carteira. Ele fica bravo, mas não ligo. Fico na minha e aguardo a chegada do professor.

— Tenho hoje um presente para vocês — diz Igor ao abrir sua maleta antes mesmo de subir no minipalco. — Uma surpresa, na verdade.

Ele tira um pacote de sulfite e entrega uma folha para cada. Teste-surpresa! Valendo trinta pontos na média! Numa olhada rápida encontro assuntos vistos desde o primário. Uma prova de tudo que já aprendemos sobre química e até das antigas matérias de ciências dos primeiros anos. Mais questões do que posso responder em duas aulas. O professor está de brincadeira!

Os outros alunos começam a resmungar também. Igor sorri e tira outra coisa da maleta: uma revista com uma mulher na capa. Caio e seu grupinho comentam sobre ser uma de mulher pelada, e logo olham para mim. Tá amarrado!

— Essa é minha — diz Igor. — Enquanto vocês fazem o teste, vou ficar estudando anatomia.

Caio e alguns outros caem na gargalhada, e logo são cortados pelo professor, que tira mais uma coisa da maleta. Parece uma cartela de remédios.

— Não digam que sou injusto. Sei que são muitas questões para pouco tempo — continua Igor. — Por isso lhes trouxe a solução perfeita.

A cartela de comprimidos brancos não tem um nome. Igor distribui uma pílula para cada aluno. Ao vê-la de perto, percebo na transparência da capa branca o pó preto ali dentro. Do meu lado Gabriel nem espera o professor terminar a distribuição para abrir o comprimido e mandar a pretinha para dentro.

— O senhor pode trazer isto à escola?

Todos olham para mim.

— Eu posso. Eu sou a voz da razão aqui. Sei o que é melhor para vocês. E se você tem medo, Bruno, apenas não tome. Faça seu teste usando sua própria inteligência. Vamos ver se seu deus pode lhe ajudar pelo menos uma vez na vida.

Qualquer coisa que falo esse professor leva para o lado da minha fé. Não quero ficar passando por isso. Vou à escola para estudar e pegar no fim o histórico para poder ir à faculdade, investir no meu sonho e estudar artes cênicas ou algo assim. Tudo a ver com química. Só quero usar meu talento para servir a Deus. Deus, o senhor não está vendo?

Não respondo. Não voltarei a falar de fé diante desse professor. Minha mãe tinha razão: levar a fé para a escola não é uma boa ideia.

*

Sou um dos últimos a sair da sala. Isso porque bate o sinal quando ainda faltam duas questões para responder. Entrego a prova sem expressão, como o professor. Numa olhada geral, vejo duas carteiras além da minha com um comprimido branco sobre. Uma é da Dani, a outra não lembro. Interessante.

No corredor o piso é mais sujo ainda. Olho pensando no que posso fazer. Como pode um professor levar drogas para seus alunos, e ninguém se opõe? Eu poderia levar esse caso à diretoria, mas com certeza vão falar da minha fé.

Tanta coisa acontecendo… O Meck foi assaltado; O Paulinho, apesar de estar de volta, está bem doente; A obreira que antes sempre me ajudava parou de dar atenção agora que tem namorado… Só Deus pra me ajudar.

As coisas estavam até bem enquanto eu ia evangelizar, participava de todos os teatros e estava junto e misturado com a galera do FJ. Agora minha tribo está mais mole que não sei o quê. E o grande dia chegando, duas semanas apenas para o Cultura Day, e nem mesmo estou empolgado. Tá amarrado! Tenho que voltar antes que a obreira desista de nossa peça. Não vai ser um professor que vai me fazer desistir.


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