Não tenho muita coisa, mas tudo que tenho está nas mãos de Deus. Por isso não tenho dificuldade em abrir mão desse pouco que tenho. A única coisa de mais valor é esse notebook que quase nem uso, e mesmo assim vai para o altar. Anuncio tudo em grupos de venda, com dor no coração, mas com consciência leve (mesmo usando internet em pleno jejum). Antes de sair do Facebook, chega uma notificação. Alguém comentou no anúncio do notebook. Abro para ver: Lameck Silva de Crover. Meck?! Se ele quer comprar… então ele não está sacrificando? Bom, quem sou eu para ficar julgando? Cada um tem sua consciência.

Você (21h43): Oi boa noite, Meck

Você (21h43): Vc conhece alguém que quer um notebook?

Meck (21h44): Oi boa noite obr, eh eu mesmo! Kkkk! O pr fica com o note do FJ o tempo todo, então se eu tiver um é melhor pro mídia. E acho que ainda posso fazer uns extras com minhas artes, talvez.

É a consciência dele. Fechamos negócio, mas fico preocupada com como ele vai pagar, já que está desempregado. Ele passará o crédito para mim, e depois pagará as parcelas para o banco? Espero que ele não faça besteira, e que dê certo seus bicos de artes.

Meck (21h52): Mas tá em bom estado mesmo obr?

Você (21h52): Claro, Meck. Quase nunca usei.

Você (21h52): Esse precinho é pra vender rápido, você sabe porque! Rsrs

Meck (21h52): Sei kkkk ok

*

Hoje acordei exausta. Isso que dá ficar até tarde acordada. Mesmo assim trabalho bem e passo na igreja depois do expediente. Nenhum jovem foi hoje! Todos decidiram descansar no mesmo dia. Que coincidência!

— Ô rapaz, até que enfim uma alma apareceu!

— Pastor, não veio ninguém hoje?

— A Kawane passou aí e levou os jovens com ela pro Bruninho. Por quê? Tem festinha?

— Pastor!? Será que… meu Deus! A mãe dele piorou?

— Mas e aí, obreira, ouvi falar bem de um jovem interessante lá de Jakra. Conhece?

Saio sem responder o pastor e vou à casa do Bruninho. Bato palmas, bato no portão, bato na campainha e ninguém atende. Meu telefone vibra no bolso. Mensagem da Kawane.

Kawane (17h29): Oii obr, a senhora já tá na igreja?

Enquanto começo a digitar a resposta, vem a ligação.

— Oi, Kawane. Onde está todo mundo?

— Obreira, hoje aconteceu aquilo. A senhora pode vir na capela municipal agora? Daqui a pouco vai começar o enterro.

Sua voz não está tão alegre como de costume, e não é para menos. Meu Deus do céu! Coitado do Bruninho. Que presente de ano novo ele ganhou.