Quantas dúvidas escrita por DiHen Gomes


Capítulo 42
42 - Bruno




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Se alguém se envergonhar de mim diante dos homens, eu me envergonharei dele diante do Pai.

Mais claro que isso é impossível.

Hoje vamos aos pares, como sempre, para evangelizar pelo mesmo caminho pelo qual eu volto da escola quando tem aula. Eu e Thalia fazemos questão de passar pela rua onde o Caio mora. Ainda fico nervoso, mas enfrento o medo.

Fico contente ao ver a rua vazia. Fico mais à vontade para conversar com Thalia. Ela continua a mesma pessoa, fala pouco, mas conseguimos prosseguir o papo entre uma casa e outra. Arranco algumas risadas dela, bem menos que arrancaria da Kawane ou da Duda com o mesmo assunto: os cabelos armados delas. Se bem que não dá para falar da Thalia, pois gente do cabelo liso não entende o que é ter palha de aço na cabeça. Passamos pela casa do Caio, vazia, nem seu pai sai para nos atender. Caminho para as próximas mais rápido que Thalia agora. Mas surge da esquina um grupo de meninos andando cheios de marra em nossa direção.

— Ih o cara, maior pegador, irmão! — diz um de cabelo dread.

Do seu lado está Caio, com mochila na mão.

— Cada dia tá com uma mina diferente. Esse é o cara — diz ele passando os olhos em Thalia de baixo para cima.

Ignoro-os e passo do lado deles. Thalia me cutuca com o cotovelo e aponta para o grupo com os olhos.

— Não dá, Thalia, esses piás são meus colegas de escola; conheço todos eles.

— Mas não era pra nós falarmos com todos?

— Bruninha, que vacilo, nem apresenta a mina pros amigos? — Caio grita depois de termos passado por ele.

Eu deveria me virar, voltar até ele e falar de Deus. Mas fico imóvel. Thalia me cutuca de novo.

— Vamos lá, Bruno, evangelizá-los também.

Preciso virar e ir até eles, mas quem disse que consigo? Meus pés grudaram na calçada sem precisar de cola. Meu pescoço travou sem torcicolo. Deus me ajude! Ouço Caio falando baixo:

— Esse piá tá pegando todas as minas da igreja dele, hein?! Esses dias tava com uma moreninha do cabelo pixaim, antes tava com uma lourona, e agora tá com a ruivinha!

— O irmão é eclético, morou? — diz o de cabelo dread.

— Cara, onde é essa igreja? Vou pra lá também!

Todos riem da brincadeira, o que me desfoca da tensão e me permite virar. Thalia segue meus passos lentos até o grupo, que faz silêncio como se esperassem.

— Ô irmão, fiquei sabendo que tu reprovou de ano.

— Não me chama de irmão, piá! — respondo revoltado e assusto Thalia. — E ainda tem recuperação, então não enche.

Eles dão as costas e me deixam em paz. Olho para Thalia sem saber como agir. Não esperava que fossem me deixar tão cedo, sem fazer tantas piadinhas. Minha parceira estende um convite em direção aos jovens distantes. Nem falamos de Jesus para eles. Nunca falei. E isso me pesa na consciência. Meus olhos físicos veem um grupo de meninos andando na calçada, mas meus olhos espirituais veem um grupo de almas caminhando para inferno. Será que tem que ser eu o responsável a lhes anunciar a Salvação? Alguém tem que falar. O sangue deles vai ser cobrado de mim, eu sei. E outra: não estamos dentro da sala de aula.

Assinto para Thalia, que solta um sorriso e dá o primeiro passo. Os jovens estão chegando na esquina, mas lhes chamo num grito pouco antes de os alcançarmos na corrida.

— Espera aí, pessoal…

Respiro fundo, penso em fechar os olhos e apenas dizer tchau, mas Thalia me encara como se fosse a obreira.

— Ah, bom, vocês…

Thalia toma a frente, mesmo ficando vermelha.

— Gente, venham sábado no FJ. Tem banda, teatro, futebol, tudo que vocês gostam.

Os piás, entretanto, olham para mim.

— É, galera. É o grupo que participo, muito, muito top, pra você largar depressão, drogas, tudo que não presta desse mundo.

— Aí, é pra você — diz Caio ao de cabelo dread, e o grupo todo solta altas risadas. Menos o próprio piá. Ele me encara sério.

— Vem aí sábado às quatro da tarde, lá na igre…, quero dizer, do lado da Dona Lu. Rua Prainha, número cento e quinze.

Posso ver de lado Thalia vermelha entregando os convites para os meninos. E depois que vão embora, ela continua me encarando como a obreira Bia.


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