Finalmente a primeira aula de química com o professor novo. Tá ligado! Agora vai acabar toda aquela perseguição na escola. Agora vou tirar notas boas e passar de ano.

Quando a porta da sala se abre para as últimas duas aulas do dia, uma sombra torna a sala escura. O céu fica nublado. O silêncio domina. Um homem tão alto quanto a porta, traços afrodescendentes, cara fechada, carregando uma pastinha preta, dá três passos até alcançar a mesa do professor sobre o pequeno palco à frente da tela branca. Ele ajeita alguns papéis sem abrir a boca. Começa a chover lá fora. Depois dele chega Gabriel, o atrasadinho da turma!

Ele se apresenta apenas como professor Igor e já pede para abrirmos a apostila na mesma página que vimos na aula passada com o professor Amaro. Ele fala pouco e escreve muito. Às vezes solta uma risada do texto que está lendo na apostila. Meus colegas se sentem mais à vontade com suas risadas e lentamente voltam a conversar entre si.

O barulho vai aumentando, mas eu continuo em silêncio. Quero entender essas partículas pois preciso de nota para passar de ano. Qualquer ponto já ajuda. Mas está difícil ficar concentrado com a bagunça dos outros.

O professor diz algo baixinho enquanto ri. A turma volta a ficar quieta.

— Não se preocupem comigo — o professor diz ao retomar a transcrição de algumas equações à tela. — Ou estão com medo disso aqui? — Ele aponta para um desenho intitulado Bóson de Higgs, com subtítulo Partícula-Deus. Especificamente para a última palavra do subtítulo.

A turma mantém uma conversa baixinha no fundão, onde as meninas olham para mim.

— Ele não vai castigar vocês se ficarem falando durante minha aula. Até porque ele nem existe. Agora, eu, estou bem presente. Eu posso apenas mexer meu dedo na tela e alterar as notas de todos. Não quero saber quem é quem, passo checando zero em cada linha da minha lista de chamada. Quem vai me impedir? Depende de vocês. Apenas vocês. Obrigado.

Ele encerra como se fosse um discurso tão importante. Depois percebo todos olhando para mim. Eu, que não fiz nada, estava quieto, na minha.

— Aí, Bruninha, vai ser castigada!

— Cala a boca, Caio — digo um pouco alto, na revolta, mas ao mesmo tempo com cuidado para não ficar expondo minha fé nesse lugar.

— Aí, professor, castiga esse aqui — Caio continua apontando para mim, mas o professor não olha. Ainda.

— Caio, vai magoar o crente — diz uma das meninas com quem converso às vezes no intervalo. Olho para ela com uma expressão metade revoltada e metade agradecida, só não sei se ela entendeu desse jeito.

O professor termina de montar a tela e volta à mesa para mexer em seus papéis.

— Então temos algum crente na sala? Ah, não ligo. Ele não vai durar muito tempo comigo. Ninguém vai terminar o ano acreditando em fantasias, pois eu mesmo vou abrir seus olhos. Minhas aulas de química vão abrir suas mentes para a real formação do mundo. É questão de tempo.

E eu achando que esse novo professor viria a melhorar minha situação.

— Até porque ninguém passa de ano comigo enquanto não aprender como o mundo real funciona e provar que sua razão está em dia com a ciência.

Caio me cutuca quando o professor não está vendo. Ainda bem que ele não percebeu meu desconforto.

Mas abrir mão da minha fé? Esse é o preço para passar de ano? Agora ferrou! O que farei? Preciso passar de ano, senão minha mãe vai ter um troço! Nunca tirei nota vermelha, não posso desapontar minha mãe. Já estamos no fim de outubro, só tenho um mês e meio para tirar o atraso na média. Deus me ajude.