Before We Disappear escrita por Amelina Lestrange


Capítulo 1
I. Início


Notas iniciais do capítulo

Não, eu não consegui aguentar manter segredo. Sou péssima em guardar segredos :v
.
Com várias fics para atualizar, inclusive uma AntWitch em andamento e algumas outras coisas em hiato involuntário, acabei ouvindo essa música do Chris Cornell que estava na playlist de Angel of Light e disse: “cara, isso é muito AntWitch TAMBÉM” :v
Sejam bem-vindos a Before We Disappear!
Aqui estamos naquele momento pós-Guerra Civil e ainda vivendo sob as consequências da batalha e da prisão... como aquele trailer que saiu essa semana ‘tá maomenos de boasso, morreu de colar (gíria da terrinha, cuidade) eles estarem em algumas dessas situações. Claro que para uma situação do decorrer da história eu tomei uma ‘liberdade criativa’ para algumas coisas fazerem sentido.
Eu coloquei no disclaimer que a fic é em três capítulos porque BWD era pra ser uma oneshot, só que as coisas foram tomando uma proporção que eu não imaginava, aí dividi em dois capítulos. Logo depois de decidir a divisão, as coisas continuaram a ficar enormes e achei que três ficou bem de boa. Então... sim, isso é basicamente uma oneshot de uns 16k de palavras divididos (até eu fiquei confusa aqui) :v
Sem mais delongas, apreciem a leitura!



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But somewhere out there past the storm lies the shelter of your heart

Era estranho sentir o que sentia. Só sentia, só conseguia se fazer sensível. Nem se fazer sensível, só era sensível e ponto. A confusão de sentimentos no jato era confusa.

De um lado sabia que tinha Steve se sentindo culpado por causa do que aconteceu. Não tinha sinal de Bucky Barnes em canto nenhum e conseguia sentir a angústia do Capitão ao pensar no amigo. Tinha T’Challa ao lado de Steve e começava a sentir nos ombros dele o peso de ter que cuidar do seu povo em um tempo tão escuro.

Quando focalizava em Sam, pouco conseguia sentir. Ele tinha uma tensão natural e um dom de conseguir desfazer e refazer os seus pensamentos para confundi-la. Era parte da estratégia dele e de Natasha para que a sua curiosidade não invadisse a privacidade deles.

As emanações de Clint se centravam na família, em Laura e nos três filhos dele. Se odiava por ter feito tantas pessoas entrarem na sua frente em uma luta que no fim era sua e apenas sua. Era uma briga sua consigo mesma. Se odiava por ter separado Clint da família dele.

“Wanda... você está legal?”, a voz de Scott Lang, o cara novo, veio para lhe tirar do seu devaneio momentâneo. Ele não dizia mais nada, ele só estava pensando. “As luzes começaram a piscar”.

“Me desculpe”, pediu quieta. Olhou ao redor e viu um jato muito parecido com o quinjet de Stark, só a parafernália que continuava sem entender para que servia, todos aqueles botões e tudo.

Tirou os pés do chão e abraçou os joelhos, apoiou a testa nos braços e começou a contar. Geralmente contar fazia bem. Pelo menos deveria fazer bem. Sentiu algo afundar ao seu lado no banco do jato.

“É... você tem esse lance mental e tal... você quer brincar um pouco? O Capitão disse que vai demorar bastante até chegarmos a Wakanda”, Scott Lang riu. “Adivinha o que eu estou pensando”.

“Eu não sei como fazer isso”, negou veementemente. Já havia feito estrago demais usando as suas habilidades.

“Você sabe, sim, que eu sei. Vai lá, o que eu estou pensando?”, ele repetiu.

“Por que você está fazendo isso comigo?”, questionou. Ele era um estranho, um completo estranho, todo esse interesse dele era terrível.

“Porque você não parece ser perigosa, olha só para você! Anda, vai, o que eu estou pensando?”, ele tentou pela terceira vez e sentia que seria a última. Queria ser deixada em paz, mas pela primeira vez em algum tempo estava sendo tratada como alguém digna de alguma coisa.

“Está certo...”, Scott pegou a sua mão e levou até o rosto dele. Sentiu a barba por fazer dele na palma da sua mão e isso fez cócegas. “Você quer comer waffles...?”

“Nossa, isso é demais! ‘Tá certo, isso foi só um teste, agora vamos para valer, o que eu estou pensando?”, ele riu maravilhado.

“Ainda está pensando em comer waffles”, disse a ele.

“Você é demais mesmo, Wanda”, ele completou.

“Você não precisava ter levado a minha mão até o seu rosto, eu consigo sentir as coisas daqui mesmo”, riu.

“Agora sim um sorriso sincero! Eu pensei que você funcionasse como nos filmes, sabe, esse lance das mãos nas pessoas. O que eu estou pensando agora?”, Scott tornou a perguntar.

As emanações dele se modificaram um pouco. O que ele queria comer tinha uma aura divertida, mas o que ele estava sentindo agora era nostálgico e tinha saudade. Clint tinha mencionado que ele tinha uma filha. Estaria pensando nela agora? “A sua filha?”

“Você é ótima mesmo”, ele disse com um sorriso fraco nos lábios. “Eu estou com saudades dela, eu pensei que eu nunca mais fosse ver a minha filha. Temos que aproveitar o tempo que temos com eles enquanto tivermos algum tempo”, Scott estava se entristecendo.

“Me desculpe por colocar você nisso, eu não queria que você se separasse da sua filha, mas obrigada pelo que fez por mim”, assumiu.

“No começo eu pensei só que esse lance todo de assassinos psicóticos fosse mentira, aí o Flecheiro me disse que esse tal de Acordo de Sokovia estava acontecendo por sua causa. Eu não acho você perigosa, sabe, eu acho você incrível”, ouviu e riu um pouco, fraca pelo que não passava pela cabeça dele. “Não ria, é verdade”.

“Eu matei pessoas naquele dia, eu causei a morte de pessoas inocentes porque eu pensei que soubesse controlar isso”, mostrou a ele a sua energia escarlate se formando entre os dedos.

“Você salvou mais pessoas do que matou naquele dia, é nisso que eu acredito”, ouvia a convicção dele nas palavras. “O Capitão América disse que deveríamos aproveitar esse tempo enquanto o temos, você já sabe para onde vai?”.

“Eu não tenho para onde ir, o Clint ofereceu um lugar para mim na fazenda dele ou posso viver como uma eremita nos montes da Sérvia”, brincou.

“Sabe, se você quiser ir, você pode ficar comigo em Nova York. Não é um apartamento grande ou extremamente confortável, você teria que dormir no colchonete ao lado do sofá, mas o pessoal de lá é gente boa”, ele tentou e parecia ansioso por uma resposta.

“Quando eu morava em Sokovia, eu cheguei a dormir em uma casa abandonada com o meu irmão. Sem camas, no chão duro, então acho que posso dormir nesse colchonete sem problemas”.

Scott tinha uma aura de surpresa por causa da sua resposta. Não queria incomodar a família de Clint com a sua presença buliçosa, não queria ficar em Wakanda com todos a vendo e pintando-a como uma criminosa, tampouco poderia ficar sozinha vagando pelo mundo. Amava Nova York e seria uma coisa boa poder voltar para a cidade que nunca dormia.

“Os caras vão adorar te conhecer, eles nunca viram uma Vingadora de perto”, pensou em corrigi-lo, mas corrigir o homem à sua frente seria acabar com a felicidade dele.

Estava tão desesperançosa que talvez estar entre pessoas que não conhecia fosse uma boa saída.

~*~

Já tinha se acordado há um pouco de tempo. Luis estava batendo a massa dos waffles com uma colher de silicone para não fazer barulho.

Quando chegaram, na noite anterior, depois de três dias em Wakanda, o seu amigo não se perguntou o motivo de estar precisando de um colchonete para a sala. Uma vez pegou o colchonete só para não sentir mais dor ainda nas costas de dormir no sofá duro. Ver Wanda dormindo descabelada valia a dor nas costas. Steve tinha dito que poderia acordar no meio da noite com ela tendo pesadelos, alguma coisa assim, mas ela dormiu a noite inteira. Ou o seu próprio sono era pesado demais ou ela realmente tinha conseguido dormir bem.

“Ela vai ficar quanto tempo aqui, Scotty?”, Luis perguntou colocando a massa dos waffles na maquininha. “Eu não me importo de ela ficar aqui. É tipo, uau, tem uma garota bonita morando aqui com a gente”, a sinceridade dele não era o forte do seu amigo.

“Eu ainda não sei. Na verdade, eu nem esperava que ela fosse aceitar o meu convite. Você não precisa se preocupar, ela é pequena, não ocupa muito espaço”, riu. “Ela precisava de um lugar para ficar sozinha, manter a cabeça em ordem”.

“Acha que ela vai gostar dos waffles? Eu não sabia com o que ela poderia comer, mas eu comprei chantilly, xarope, cobertura de chocolate, frutas vermelhas e geleia de uva. Tem suco de laranja na geladeira, café na cafeteira e se ela quiser tomar achocolatado, eu comprei dois tipos: normal e cappuccino, fora o cereal que eu não sabia qual ela gostaria, então comprei de frutas, de chocolate e frutas secas”, nesse momento adorou o exagero de Luis.

“Ela vai comer melhor em um dia do que eu nesses meses todos que eu passei aqui com você. Ela vai adorar”, gargalhou. “O Dave disse que ia passar aqui com o Kurt? Se for assim, é melhor eu acordar a Wanda antes que esses caras façam barulho”.

Andou até o colchonete ao lado do seu sofá e as unhas pintadas de preto de Wanda começavam a descascar. Tirou os cabelos compridos do rosto dela e tinha uma pequena mancha no travesseiro de saliva. Sorriu ao ver que ela estava dormindo como uma pedra, poderia adicionar isso ao seu SMS para Clint à noite, de que ela havia dormido muito bem e tomado um café da manhã de rainha.

“Está na hora de você acordar, Wanda”, disse ao ouvido dela. “Tem um café da manhã de hotel cinco estrelas esperando por você”.

Já ouvia do lado de fora da porta o sim de Dave tocando um rap e Wanda tinha que acordar antes que eles fizessem um estardalhaço. Os olhos dela – ora cinzentos, ora esverdeados, já tinha notado isso – agora se abriam calmamente.

“É isso aí. Bom dia”, disse a ela. Wanda bocejou lentamente e comprimiu os olhos.

“Bom dia”, ela falou quieta.

“Que tal você ir ao banheiro e fazer o que tem para fazer lá enquanto eu arrumo a mesa para a gente comer?”, sugeriu. “O Luis quer te conhecer, ele está fazendo waffles para você e depois você vai conhecer o resto dos rapazes”.

Se ajoelhou e ajudou Wanda a se erguer. Ela se espreguiçou como uma gata e fez até um barulho parecido com um ronronar enquanto gemia. O pijama dela não era provocativo, então não tinha motivos adicionais para se preocupar, os olhares dos seus amigos já estariam nela só por Wanda ser uma mulher. Ela se levantou e a calça preta de flanela combinava com uma também camiseta preta que tinha emprestado a ela. Ela pegou a bolsinha com as suas coisas pessoais e intuiu aonde era o banheiro. A tornozeleira eletrônica colocada neles era feia e Wanda não conseguiria esconder aquilo nas meias. Se sentia violado e sentia ainda mais violado por Wanda, ela não merecia isso depois do colar de choques.

Tratou de se levantar e começar a tirar as coisas do armário de cima da pequena bancada de Luis. Os waffles cheiravam absolutamente bem e queria ter autorização de usar tudo aquilo que ele tinha comprado para Wanda.

Dave e Kurt entraram sem cerimônia e estranharam que havia um colchonete ao lado do sofá, a expressão no rosto deles era sobre quem seria essa pessoa misteriosa. Wanda era perfumada, então supôs que eles estavam sentindo o mesmo perfume que ele no ambiente. Era estranho sentir um perfume bom ali, não alguma coisa barata que alguma garota do Luis tenha esquecido no apartamento, parecia ser um perfume caro. Pegou a louça e começou a arrumar a mesa.

“Os três, aqui comigo”, disse conseguindo reunir todos eles ao seu redor. “A Wanda é uma pessoa que precisa de paz, muita paz, então nada de ficar falando sobre prisão, roubos e essas coisas. Nesse momento essas coisas não são importantes”, fez questão de deixar claro.

“Espera, então é uma garota? Assim, uma gatinha?”, Dave perguntou espantado.

“Ele não disse que era um gatuno, é normal ele ter uma gatinha”, Kurt se meteu.

Coçou a barba por fazer e estava se cansando. “Só parem com isso, não façam ela ficar desconfortável”.

“Bom dia a todos”, a voz baixa de Wanda veio da porta do banheiro e ela parecia um pouco constrangida por ter tanta gente ali.

“Gente, essa é a Wanda. Ela vai passar um tempo comigo e com o Luis”, Wanda acenou levemente e os cara no sofá ficaram acenando como uns idiotas. “Certo, eu acho que vocês já comeram na rua, então o que acham de colocarem algum desenho para passar o tempo? Nós aqui vamos comer”, disse puxando a cadeira para Wanda. “O Luis exagerou um pouquinho, ele não sabia o que você gostaria de comer”.

O sorriso de Wanda era acalorado e havia um sorriso nos olhos dela também, viu isso quando ela o olhou. “Obrigada, Luis, muito prazer”, Wanda estendeu a não para cumprimenta-lo.

“É sempre bom ajudar as gatinhas do Scotty”, ele retribuiu o cumprimento de Wanda. Se sentiu embaraçado por ele mencionar gatinhas do Scotty, Hope não gostaria nem um pouco de saber que tinha uma mulher morando com ele e Luis. “Pode ir com tudo, é tudo seu, sabe”.

Ainda envergonhada por estar no meio de pessoas estranhas, Wanda se serviu de três waffles e começou a enchê-los de coisas: primeiro o xarope e a calda de chocolate, depois as frutinhas vermelhas, uma colherada de geleia e por último o chantilly. Já tinha perdido a conta de quantas voltas ela tinha dado com a lata em cima dos waffles. Previa um diabetes para logo se ela continuasse e pusesse uma cereja no topo disso tudo.

Díos mio”, Luis sussurrou espantado.

“Ela merece isso tudo hoje, está bem, pelo menos uma vez ela precisa se sentir recompensada”, aumentou a voz e se virou para Wanda. “Não tem problema, você pode comer o que você quiser e o quanto você quiser”, tranquilizou Wanda.

Com dificuldades, viu a garota começar a garfar aquilo tudo que estava sobre e sob os waffles que Luis havia feito. Uma das laterais da boca dela estava suja de chantilly e ela percebeu, começando a limpar com a língua involuntariamente. Era divertido ver que ela estava minimamente à vontade com eles.

Percebeu que ela estava brincando com a comida depois de algum tempo, recolhendo com a colher uma cereja ou amora ocasional. O suco de laranja na jarra começou a ter pequenas ondas, já tinha visto algo parecido com isso, ela estava ficando nervosa. Olhou para Kurt e Dave e eles estavam com expressões pensativas, como se tentassem adivinhar o que havia acontecido com Wanda. Estalou os dedos na direção deles e os dois começaram a disfarçar.

Wanda levou o copo de suco aos lábios e depois que bebeu todo o conteúdo, deixou o copo perto do prato. “Uma semana. RAFT. Segurança ultra-máxima no meio do oceano, eu só não sei dizer qual. Camisa de força. Coleira de choques”, Wanda disse e se virou sem força para os dois. “Perigosa”.

Por baixo da mesa, tocou a mão de Wanda, não podia deixar que ela fizesse isso consigo mesma.

~*~

A comunidade do prédiozinho no Brooklyn era peculiar. Tinham vários latinos, uma senhora chinesa que vendia comida e encontrou até um vizinho sérvio para continuar falando o seu idioma. Havia de tudo lá, de famílias inteiras morando em um apartamento minúsculo a pessoas que faziam festas no meio da tarde. Tinha inclusive achado um bar clandestino lá dentro.

Ninguém fazia questão de comentar sobre o negócio horrendo que tinha no tornozelo, entendia que a maioria ali tinha algum histórico policial.

Luis estranhou no segundo dia quando retornou do passeio com o primo dele, Ernesto, e encontrou o apartamento incrivelmente limpo. Não entendia porque tinha feito isso, só tinha acordado com disposição adicional para limpar as coisas e estava sozinha. O cheiro do detergente estava forte e percebeu quando ele pegou o celular para ligar para Scott.

Os dias subsequentes foram igualmente tediosos. Luis estava procurando não deixa-la sozinha por mais tempo que o necessário, ele imaginava que poderia fazer coisas ali e desenterrar esqueletos que estavam há muito no armário.

Quando não estava limpando as coisas ou fuçando a vida dos vizinhos porque era curiosa demais, se lembrava de Pietro. Não só de Pietro, se lembrava de tudo o que a levou a amortizar a dor imensa no seu peito, tudo aquilo que fez o seu coração se despedaçar. Se lembrava de Steve e em como ele enfrentou Stark porque achava que estava certo ao lhe ver como uma criança, não como uma arma de destruição em massa, ele e Sam a viam de igual para igual. Quando estava limpando as coisas ou fuçando a vida dos vizinhos porque era curiosa demais, se lembrava como era ser normal e fazer coisas normais mesmo que isso passasse a imagem de que era maníaca por limpeza ou fofoqueira.

Estava há pouco mais de um mês ali naquele apartamento de quarenta metros quadrados e se sentia presa e livre ao mesmo tempo. Não presa como na RAFT, presa porque tinha que tomar precauções ao sair na rua e essas coisas demandavam um tempo que não tinha, mas se sentia livre pois não tinha toda a carga de usar o seu poder, não tinha que mostra-lo se não quisesse.

Tinha começado a perceber coisas entre eles que a fazia lembrar demais de como era estar no Complexo dos Novos Vingadores. Todos eram bem próximos e deixavam que as suas singularidades completassem essa estranha amizade que tinham. Notava que Luis e Scott eram mais próximos, sentia como era a amizade deles, algo extremamente verdadeiro e sólido. Kurt e Dave eram os amigos de Luis e logo tinham se tornado amigos de Scott quando roubaram o traje do Homem-Formiga de Long Island.

Gostou de ouvir uma vez, no meio da noite, como tinha sido esse trabalho. Scott tinha começado a contar a partir da saída dele da prisão, de como havia sido enxotado da festa de aniversário da própria filha pela ex-esposa e o marido dela por não ter dinheiro para pagar a pensão alimentícia da menina. Ele precisava do dinheiro e só aceitou retornar para o crime porque queria fazer uma coisa certa pela pequena. Ele tinha sabido por Luis e a rede de contatos dele de um cofre que deveria conter bastante coisa interessante dentro, joias e dinheiro e essas coisas. Ele tinha cortado um dobrado para passar pelo cofre e descobrir que dentro só tinha um macacão de motociclista velho e nenhum dinheiro para pagar a pensão da filha. Scott falava como se fosse algo surrealista ele ser observado enquanto roubava o que ele nem sabia que era o traje do Homem-Formiga original. Tinha sido preso novamente quando tentou devolver e ali começou a sua jornada como um herói diminuto, mas não menos fraco ou idiota.

Se pegava pensando em como seria a filha dele. Ela seria como ele, divertida e inocente?

Todas as vezes que estava sentada no sofá de Scott assistindo alguma coisa com Luis ou sozinha e Scott também estava lá, tomava uma liberdade que não deveria com ele. Não era como entrar na cabeça dele para bisbilhotar os erros que ele cometeu, só queria conhece-lo, entende-lo. Ele era divertido e inocente, com uma inocência completamente diferente da do Visão. Ele era alguém que sabia que o mundo era feio, mas que não conseguia parar por nada já que tinha que pensar na filha. Talvez se manter com a cabeça forçosamente relaxada e despreocupada fosse uma solução cabível para a angústia que ele sentia. Já tinha sentido como ele estava por causa do acontecido no aeroporto e a filha e uma outra pessoa.

Não sabia como ele conseguia, mas ele tinha uma pessoa na mente. Era uma pessoa furiosa, com força de vontade, uma determinação sem limites e um bom coração se precisasse. Eram tantas qualidades boas que era difícil não imaginar que ele estava gostando de alguém. Deduzir isso não era tão difícil assim.

Retornou para o seu estado real e percebeu o ambiente ao seu redor. As paredes do apartamento começavam a descascar, quer dizer, o papel de parede começava a descascar por falta de manutenção. As janelas estavam com a tinta também descascando por falta de reparo. As cores do ambiente combinavam com a mistura de decadência e noir, como se tudo ali fosse uma peça do todo que estava na sua vida. Era uma peça de quarenta metros quadrados.

Pegou o controle remoto e ligou a televisão, logo mais começaria um filme que queria assistir sobre alienígenas e robôs gigantes. Ria todas as vezes que pensava que essas coisas eram erais. Os alienígenas e os robôs gigantes.

“Wanda, você quer waffles?”, Luis perguntou.

“Eu aceito com tudo o que você quiser colocar para mim”, riu e se sentou no sofá. Scott estava se trocando no banheiro para respeitar a donzela que ele achava que ela era.

O seu banho havia sido demorado e tinha lavado os cabelos compridos com um shampoo que tinha até medo de perguntar a Luis de quem seria. Tinha colocado o seu pijama agora eleito como favorito e se sentou cruzando as pernas. Olhou no relógio em forma de gato persa, um item de gosto duvidoso, e notou que já passavam das onze da noite. Comeria waffles e assistiria um filme às onze da noite.

Olhou para a porta do banheiro e Scott estava saindo do lá com a cabeça ainda um pouco molhada, sendo enxugada pela toalha de banho azul marinho. O pijama dele era parecido com o seu, afinal, a camisa do seu pijama era dele.

Scott deixou a toalha de banho cobrindo uma cadeira que estava disposta à mesa e andou para se sentar ao seu lado. Fez que ia levantar e ele segurou o seu antebraço com cuidado. “Eu ainda não vou dormir, você não precisa começar a montar o seu acampamento ainda”, ele riu.

Tornou a se sentar e ficou na posição que estava anteriormente. Ele estava... inquieto agora. Como se tivesse acontecido algo. Tinha ouvido certo movimento no quarto de Luis enquanto ele estava ao telefone com alguém, poderia ser a mãe da filha dele ou a mulher que estava interessado. Não, agora não era o momento de tentar descobrir o que tinha acontecido, ele parecia um pouco tenso.

“Luis, esses waffles vão demorar muito?”, Scott apressou.

“São seis waffles e eu só tenho uma máquina, acho que você pode aguentar mais um pouco, cara”, Luis retrucou. “Os da Wanda estão prontos, pode vir buscar, gatinha”.

Estava se acostumando a ser chamada de gatinha. Não era exatamente o que gostava em um apelido, mas eles estavam fazendo isso para tentar deixa-la à vontade e incluída. Se levantou para buscar os seus waffles e ficou feliz em saber que Luis respeitou o fato de que o chantilly precisa ser farto e com uma cereja no topo. Tinha se olhado no espelho e visto que tinha o fantasma de uma barriguinha aparecendo no seu abdome, achou divertido por estar finalmente ganhando algum peso mesmo que de forma nada saudável.

Se sentou definitivamente no sofá e cruzou as pernas novamente, queria dar espaço para Scott. Não sabia se ele sabia que estava fazendo isso, não queria descobrir, mas os dedos dele roçando no seu joelho e dedilhando como se tocasse algum instrumento de corda dava a impressão de que ele estava tenso e ansioso.

Era um toque leve e tímido, deveria ser sem nenhuma intenção. Entretanto, gostou de senti-lo e isso não era bom de maneira nenhuma.

~*~

Havia notado uma coisa todas as vezes que acordava virado de bruços no sofá, com o rosto amassado e o pescoço dolorido. Geralmente o seu braço caía para fora do sofá estreito e sentia o carpete áspero da sala nos dedos, não era comum que sentisse cabelo. E cabelo comprido já que ele conseguia enrolar o seu dedo em uma mecha fina.

Da primeira vez havia acordado a tempo de desfazer isso sem danos, mas da segunda vez não, então ouviu quando Wanda gritou cedo porque tinha alguém puxando o cabelo dela. A sua estratégia para isso não acontecer mais agora era dormir no lado oposto dela, embora também não tivesse funcionado bem já que ela disse que sentiu cócegas na planta do pé. Não entendia porque estava fazendo isso com ela.

Eram sete da noite e estava arrumando a sua mochila para ficar um pouco no apartamento de Hope em Midtown. Tipo, ela era rica e tinha dinheiro, os endinheirados moravam em Midtown nas torres mais altas.

“Você acha que ela vai ficar bem sozinha aqui?”, perguntou a Luis que tomava uma cerveja. Seria um final de semana e tanto.

“Claro, cara, não precisa se preocupar. Eu vou levar a gatinha para assistir uma partida de softball amanhã com os meus primos, sabe. O Ernesto vai gostar dela, ela é o tipo dele”, Luis respondeu.

“Você não vai apresentar Wanda a ninguém, Luis, ela precisa ser discreta. Como assim ela é o tipo do seu primo?”, estava em dúvida.

“Garotas de cabelo comprido, sabe. Ela também vai gostar do Ernesto, ele sabe fazer sorvete caseiro”, o riso do seu amigo não lhe fazia se sentir à vontade.

“Você não vai apresentar a Wanda ao Ernesto, ponto final”, ultimou, não estava gostando dessa conversa toda.

“Qual é, cara, você já tem uma garota, deixa a Wanda ser a garota de outra pessoa”.

“Que seja”, sussurrou.

Duas camisetas, um pijama, quatro mudas de roupa de baixo, dois pares de meias, desodorante e perfume, a sua carteira com os seus documentos, a chave de casa e um pacotinho de ursinhos de gelatina. Estava com tudo pronto para ir e passar o final de semana todo. Ainda não tinham tido tempo de ficarem sozinhos, sozinhos, então isso seria interessante.

Colocou a mochila nas costas e ajustou as alças. Luis abriu a porta e saiu com ele. Notou Wanda ouvindo uma música baixa na cozinha enquanto misturava alguma coisa no liquidificador velho. Ela murmurava a letra baixo para não incomodar e Luis não gostava disso, ele preferia quando ela cantava alto pois dava a impressão de que aquele apartamento tinha vida além deles.

“Oi”, disse rapidamente. Wanda se virou e sorriu. Com os lábios e com os olhos.

“Oi”, ela retrucou. “Estou fazendo vitaminada, você quer? Acho que tem o suficiente para três”, Wanda explicou.

“Fica para outra oportunidade. Eu vou passar o final de semana fora, então isso quer dizer que a casa é sua e o Luis. Cuidado para ele não fazer nada que destrua o nosso lar”, piscou.

“Pode deixar, eu cuido dele”, o sorriso dela se modificou um pouco, percebeu. Era como se tivesse perdido alguma coisa. Não entendeu.

“Você vai ficar bem?”, perguntou preocupado com essa pequena mudança.

“Vou, pode ir, não precisa se preocupar comigo”, o tom dela assumiu um aspecto um pouco decepcionado. “O Luis já tinha comentado que queria que eu fosse assistir uma partida de softball com os primos dele. Eu vou ficar bem”.

“Você pode dormir no meu sofá, se quiser. Pelo menos vão ser duas noites sem ter alguém puxando o seu cabelo ou fazendo cócegas nos seus pés à noite”, riu, estava tentando justificar.

“Sim, eu sei”, o riso fraco apareceu logo depois da fala dele.

“É melhor eu ir, o trem vai estar cheio a essa hora. Boa noite, Wanda”, se aproximou e tocou o ombro dela, beijou a cabeça da garota e roubou um pedaço pequeno de morango.

“Boa noite, Scott”, ouviu enquanto ela tornava a ligar o liquidificador.

Sentiu uma coisa estranha quando se distanciou, como se ela não estivesse feliz ou algo assim. O tipo de coisa que muda quando a gente ouve o que não esperava. Tinha sido isso com Wanda? Tinha sido isso consigo mesmo? Deu um último aperto de mão em Luis e fechou a porta atrás de si encarando o corredor com os mais diversos tipos de vizinhos que tinham.

A viagem durou exatos cinquenta minutos já que teve que pegar um ônibus depois para poder chegar no prédio de Hope. O porteiro dela o olhava de um jeito estranho. Ela era rica e ele era ferrado, entendia o recado. O cheiro do elevador era algo metálico novo com limpeza extra. Se lembrou de casa e como gostava do cheiro que o apartamento de Luis ficava quando Wanda o limpava.

As portas da caixa de aço se abriram e o apartamento de Hope era o último à esquerda no vigésimo oitavo andar. A vista de Manhattan era maravilhosa dali. Quando chegou no 28-D, tocou a campainha e a porta mal abriu, só se sentiu sendo puxado para dentro do local por Hope.

As duas mãos dela no seu rosto o puxavam e denunciavam o quanto ela estava sentindo a sua falta. Agarrou a cintura dela e empenhou um beijo dos que sabia que ela gostava. Demorado e intenso. Adorava ficar assim, sentir o perfume dela depois que quebravam o contato e enterrava o seu rosto no pescoço da mulher. Fez isso e desajeitadamente a deitou no sofá macio da sala. Acarinhou o rosto de Hope e com o dedo do meio, enrolou uma mecha do cabelo escuro dela com um pouco de dificuldade nele. Os cabelos dela não eram tão compridos quanto os de Wanda.

Se assustou com o que havia pensado.

“Por que você parou?”, as palavras saíam dos lábios avermelhados da mulher  e precisou piscar algumas vezes para crer que quem estava ali era Hope, não Wanda.

“Eu... eu... eu preciso de um pouco de ar, não estou me sentindo bem”, enrolou Hope e tomou um pouco de distância. Isso nunca havia acontecido.

“Aconteceu alguma coisa? Eu estranhei que você demorou a me procurar”, ouviu certa amargura no que ela dizia.

“Eu precisei reorganizar a minha vida, muitas coisas aconteceram desde que o Capitão América me recrutou”, omitiu o fato de que uma certa garota sokoviana agora dormia em um colchonete ao lado do seu sofá na sala de Luis.

“Desde que você conseguiu perder o traje do Homem-Formiga entrando em uma briga que não era nem sua. Você não deveria ter ido”, Hope cortou.

“Mas... o Capitão América me recrutou! E aquele traje havia sido um presente do seu pai”, estava tentando, mas estava difícil.

“Eles são os Vingadores, deixasse que eles se matassem por causa daquela garota estranha. Nós temos responsabilidades aqui fora, nós poderíamos proteger aqueles que eles não protegeriam por causa daquele Acordo”, Hope continuava afiada.

Não gostou do modo como ela se referiu a Wanda. O mundo inteiro já chamava Wanda de perigosa, arma, vários sinônimos para o que haveria de pior, ela não era assim. Era só uma garota. “Você não está sendo razoável...”.

“E você quer que eu seja como? Ela explodiu uma bomba na África e matou pessoas em um prédio, Scott, você não lê mais os jornais?”, já estava sentindo Hope se enraivecendo.

“Não foi porque ela quis, ela não sabia controlar essa coisa que ela tem. Foi um acidente”, agora sim estavam brigando.

“Por que você está defendendo demais essa garota?”, percebeu que ela parecia desconfiada. “Por que esse interesse repentino nela? Que eu saiba o tal do Soldado Invernal, o seu assassino psicótico, também estava lá e você não teceu um comentário sobre ele?”.

“O Bucky estava de boa, conseguimos trabalhar em equipe. Ele só é tudo isso que vocês viram quando alguém fala algumas coisas para ele”, isso não estava ajudando.

“Vá embora, Scott”, Hope disse alto. “Só... vá embora. Nós já brigamos sobre isso várias vezes desde que você voltou, eu disse a mim mesma que a próxima seria a última e que a próxima seria a última e eu acho que essa é a próxima e última. Chega disso. Nós não conseguimos concordar em nada”.

“Hope, eu não quero terminar o que temos, é sério. Me desculpe”, pediu. Tudo sempre terminava com ele pedindo desculpas a Hope e ela relutava um pouco em aceitar.

“Chega, Scott. Vá para casa”, um suspiro longo saiu dos lábios de Hope e aí percebeu que tudo isso era sério. Estavam acabando. Tinham acabado quando foi levado pelo Gavião Arqueiro até o Capitão América, tudo isso por intermédio do Falcão.

Agora estava com dor de cabeça. “Espero que você me perdoe por eu ter feito o que era certo, não o que era fácil”, disse ferido.

Se levantou, pegou a sua mochila do chão e a colocou nas costas. O caminho para o Brooklyn seria enjoativo por conta dos dois transportes. Agora seria uma boa hora para a vitaminada que tinha recusado.

(Before We Disappear – Chis Cornell)

Mas em algum lugar lá fora além da tempestade encontra-se o abrigo do seu coração


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Notas finais do capítulo

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