Spotlight - EM HIATUS escrita por Rhyenx Seiryu


Capítulo 5
Capítulo 05 - Consciência


Notas iniciais do capítulo

Oláres,
Eu pensei muito se deveria postar esse capítulo hoje ou não, porque eu estava meio em dúvida se ele realmente transmitia as coisas como eu havia idealizado, mas, depois de lê-lo e relê-lo várias vezes, decidi dar um salto no escuro e postar.
Espero que vocês gostem.

Boa leitura.



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Três dias após o meu pequeno momento com Shannon na sala de música, eu estava largada no sofá com o telefone móvel do apartamento em uma das mãos e uma lista com os números das universidades que haviam me enviado uma carta de aprovação na outra. Todos os números que estavam grifados com caneta vermelha pertenciam às universidades que se recusavam a aceitar matrículas fora do prazo e todos aqueles que possuíam asteriscos ao lado pertenciam às universidades que, talvez, disponibilizassem vagas, caso não preenchessem sua cota de inscrições. Tendo em vista que apenas uma delas estava marcada com asterisco em minha lista com mais de dez números, só me restava esperar por um milagre. Josiah tinha feito um ótimo trabalho atrapalhando o meu futuro.

— Você não está com uma cara muito boa. – Shannon comentou apoiando os cotovelos sobre a parte de trás do sofá onde eu estava deitada, ocupando todo o espaço. Ele segurava um copo arredondado e pequeno que estava pela metade com um líquido âmbar que eu sabia se tratar de uísque e um vinco profundo marcou o espaço entre minhas sobrancelhas.

Eu tinha começado a me livrar, aos poucos, de todas as bebidas alcoólicas que Shannon mantinha naquele apartamento, mas, não importava em quantas garrafas de cerveja, vodca, tequila e uísque eu desse sumiço, parecia que ele sempre encontrava outras para substituí-las e eu já estava começando a pensar em montar uma guarda, na porta de seu quarto, só para me certificar de que ele não estava saindo de madrugada para comprar mais bebida, como havia feito na noite em que nos conhecemos naquela loja de conveniência.

— A palavra que está procurando é frustração. – Respondi apontando para a expressão de completo desapontamento em meu rosto.

— E por que você está frustrada?

Mostrei a ele a lista de telefones que tinha feito e Shannon ergueu uma sobrancelha para mim, sem entender do que se tratava.

— Recebi uma carta de aprovação de todas essas universidades quando terminei o colegial, mas, graças ao meu padrasto, que convenceu a minha mãe a jogar todas elas no lixo, eu não pude me matricular em nenhuma e, agora, perdi a vaga.

— Em todas elas?

— Provavelmente. – Apontei para a única cujo telefone não estava grifado de vermelho. – Ainda tenho uma chance remota de conseguir entrar nessa aqui, mas isso dependerá das vagas remanescentes que eu duvido que sobrarão, então, em resumo, eu estou ferrada.

Shannon deu uma boa olhada em minha lista, tentando decifrar os nomes por trás das siglas que eu anotara antes de cada telefone e, depois, estendeu a folha de volta para mim.

— Alguma dessas fica em Seattle?

Eu franzi a testa diante da pergunta, mas apontei para aquela que tinha sido a minha primeira opção e cujo número também estava grifado de vermelho.

— Tem a universidade de Washington, mas a secretaria já deixou bem claro que eles não aceitam matrículas fora do prazo, então, não há muito que eu possa fazer.

— Posso ficar com isso? – Shannon sacudiu, levemente, a folha diante de meu rosto, fazendo uma coceirinha engraçada se instalar na ponta de meu nariz quando uma parte dela roçou ali antes que eu empurrasse a mão dele para longe.

— Fique à vontade, mas se precisa tanto assim de papel, saiba que tem uma verdadeira pilha deles no seu quarto.

— Eu sei. – Shannon dobrou a folha e a enfiou no bolso de trás da calça, depois, deu um tapinha em minha panturrilha, pedindo que eu abrisse um espaço para ele no sofá. – O que vai fazer essa noite?

Eu pensei um pouco.

— Dormir? – Dei de ombros. Provavelmente na porta do seu quarto, só para garantir que você não está escapando do apartamento no meio da noite para reabastecer seu interminável estoque de bebidas, pensei, mas não verbalizei.

— O que acha de ir ao parque comigo?

— Ao parque?

— É. – Shannon se jogou no espaço que eu desocupara para ele e puxou meus pés para cima de seu colo, tão casualmente que eu me perguntei se ele notou o olhar de completa estranheza que lhe lancei. – Tem uma feira no centro da cidade, com um parque itinerante. A gente podia ir lá essa noite.

— A uma feira no centro da cidade? – Eu ri. – Ela deve estar lotada, Shannon. A Lexy nos mataria se fôssemos.

— E quem disse que ela precisa saber? – Ele ergueu as sobrancelhas para mim para mim e aquele espírito rebelde, que eu sabia que espreitava abaixo de sua pele, reluziu em seus olhos azuis-esverdeados.

— As pessoas vão te reconhecer.

— Você não me reconheceu aquele dia na loja. Nem o atendente. – Ele observou.

— Mas a situação era totalmente diferente aquele dia, Shannon. – Agitei um pouco os braços para demonstrar o quanto. – Eu não era uma das suas muitas fãs e aquele atendente, provavelmente, estava com tanto medo de que você o assaltasse que só se preocupou em te despachar logo dali. Duvido que ele tenha sequer olhado para o seu rosto, mas, essa noite, deve haver dezenas de pessoas naquela feira que conhecessem o seu trabalho e que vão te reconhecer assim que você colocar os pés lá.

— Você não está entediada? – Shannon se virou um pouco em minha direção e o joelho dele esbarrou na parte de trás de minha coxa. – Já faz quase uma semana que está aqui. Não está cansada de ficar olhando para essas mesmas paredes todos os dias?

Refleti a respeito.

De fato, eu estava cansada da rotina. Com o apartamento limpo, não tinha muito que eu pudesse fazer além de assistir à TV e ficar na sala de música, observando Shannon compor até ele me expulsar de lá, alegando que não conseguia escrever comigo ali, olhando para ele. Eu estava tão entediada naquele lugar que tinha até me atrevido a ir ao mercado na próxima quadra, para comprar alguma comida de verdade para nós e vinha me empenhando em cozinhar todos os dias, apenas ter algo mais para fazer, mas eu também não era boa nisso. Quando a comida não ficava muito salgada, ela ficava sem sal e, da primeira e única vez que tentei fazer uma carne assada, ela ficou tão dura que nem conseguimos comê-la.

Ainda assim, por mais entediada que eu estivesse, era muito arriscado sair com Shannon naquela noite. E se déssemos de cara com um repórter? E se algum de seus fãs o reconhecesse e desse início a uma comoção geral? Será que conseguiríamos sair de lá em segurança ou precisaríamos que a polícia nos escoltasse de volta para o apartamento para garantir a nossa integridade física? E, se a polícia realmente precisasse se envolver, será que me levariam de volta para casa, de volta para as mãos imundas de Josiah?

— Espero que saiba que eu vou, com ou sem você. – Shannon revelou ao notar a indecisão em meu rosto. – Só achei que seria mais divertido se você me fizesse companhia.

Eu o encarei com raiva.

— Você não pensa nas consequências?

— Não. – Ele inclinou levemente a cabeça para o lado e, depois, deu uma batidinha na ponta de meu nariz com o dedo indicador. – E é por isso que você seria uma companhia perfeita essa noite, Tove. Você pensa demais em todas as coisas. Seria ótima no papel de consciência.

— Estou tentando te conscientizar agora de que essa é uma péssima ideia.

Shannon bufou.

— Essa é uma ótima ideia. Você só não percebeu ainda. – Ele tirou meus pés de seu colo e se levantou. – Vou sair às dez. Se você não estiver de pé aqui nesse horário, vou entender que não quer ir e vou sozinho.

Então, ele voltou para o quarto e eu dei uma rápida olhada para o relógio no visor do telefone. Eram seis da tarde. Eu tinha quatro horas para me decidir.

***

 Quando o relógio marcou dez horas, eu ainda estava andando de um lado para outro do quarto, calçando um dos pares de tênis que havia comprado com Lexy em nossa tarde no shopping e vestindo uma calça jeans azul escura e um casaco da mesma cor sobre uma camiseta vermelha estampada, enquanto pesava os prós e os contras de ir àquele parque com Shannon, pois, embora eu estivesse pronta para sair, ainda não estava totalmente convencida de que aquela era uma boa ideia.

Nós seríamos pegos, foi o que eu repeti, para mim mesma, varias e varias vezes, enquanto me arrumava, mas quando a porta do quarto de Shannon se abriu e os passos dele ecoaram no corredor, saí do meu quarto e o encontrei a meio caminho da sala.

— Então, você vai. – Ele disse, prendendo uma pulseira fina de couro ao redor do pulso esquerdo.

Shannon também usava calça jeans, tênis e casaco, mas, com exceção de sua camiseta cinza grafite, todo o seu vestuário era constituído de peças pretas e eu me perguntei se ele tinha alguma coisa contra todas as outras cores existentes no universo.

— Já vou avisando que eu ainda acho que essa é uma péssima ideia.

Ele abriu a porta e fez sinal para que eu saísse primeiro.

— Vou deixar que você me agradeça quando voltarmos, Tove. E prometo que nem vou jogar na sua cara o fato de que você está completamente errada. – Ele sorriu e nós seguimos para o elevador.

As ruas de Seattle nos receberam com um clima frio e nublado e, no mesmo instante, me arrependi de não ter trazido um gorro como o de Shannon ou de, pelo menos, ter escolhido um casaco que tivesse capuz.

— Aqui. – Ele tirou o gorro de lã que usava e o entregou para mim quando o vento forte que soprava despenteou o meu cabelo pela terceira ou quarta vez em menos de um minuto.

Sob a iluminação precária da rua, os cabelos de Shannon pareciam mais escuros do que eram sob a luz forte do apartamento e a coruja que ele tinha tatuada na lateral direita do pescoço parecia menos chamativa também – o que poderia ser considerado um agrado para os olhos já que eu achava aquela tatuagem ridícula.

— Então, nós vamos a pé ou o quê? – Perguntei enquanto ajeitava o gorro de lã preta sobre o cabelo e passava os dedos por algumas mechas para desembaraçá-las.

— É muito longe para irmos a pé. – Shannon jogou o capuz de seu casaco sobre a cabeça e me puxou pela mão. – Vamos pegar um ônibus.

— Sério? – Eu o encarei, descrente. – Estamos tentando não ser vistos e você quer pegar um ônibus lotado?

— Táxi, então? – Ele me encarou, pensativo.

— Por favor, né?! – Revirei os olhos e Shannon sorriu para mim.

— Viu, eu falei que você seria boa nessa coisa de consciência. – Ele comentou, nos conduzindo até a avenida principal onde seria mais fácil pegar um táxi.

Como eu previra, a feira de rua estava lotada. Havia uma infinidade de barraquinhas vendendo os mais variados produtos – desde comida até bonecos feitos de papel marche – e havia uma infinidade ainda maior de pessoas aproveitando todas as atrações que a feira disponibilizava para os frequentadores. O parque itinerante do qual Shannon falara estava montado exatamente no centro de tudo aquilo e eu tive certeza de que seria impossível fazermos o que ele planejara sem que alguém o reconhecesse.

 – Essa é a hora em que eu, no papel de sua consciência, digo que é melhor darmos meia volta e irmos para casa. – Adverti, mas os olhos de Shannon estavam muito concentrados no parque diante de nós.

— Não vou a um desses desde que eu tinha oito anos. – Ele disse animado demais para o meu gosto. – Vamos nessa! – Então, ele me pegou pela mão e nos arrastou para o meio daquela balburdia.

Todas às vezes que alguém nos olhava por mais de dois segundos, eu tinha certeza de que havíamos sido descobertos, mas, por um milagre, conseguimos atravessar a feira inteira sem sermos parados por ninguém.

— Olha só isso. – Shannon me puxou até uma barraquinha que vendia pirulitos de chocolate com formato de bichinhos e apontou para uma das bandejas dispostas ali. – Parecem gostosos. Quer experimentar um?

Eu olhei para os doces. Eram bonitinhos e pareciam realmente saborosos, então, assenti.

— Pode me dar dois desses? – Shannon pediu à dona da barraca. Ele escolheu dois macaquinhos realmente engraçados para nós e, após pagar pelos doces, me entregou um. Se a dona da barraca o reconheceu, não demonstrou.

— E agora, vamos para o parque? – Perguntei, saboreando minha guloseima que estava tão boa quanto aparentava.

— A noite é uma criança, Tove. Porque não aproveitar tudo que esse lugar tem a oferecer? – Shannon questionou e eu nem tive tempo de responder antes que ele me arrastasse para outra barraca de comida. Eu parecia uma criança de cinco anos sendo conduzida, de lá para cá, pelo pai.

— Vamos ter que conversar sobre essa sua mania de me arrastar para os cantos. – Comentei e Shannon riu.

— Desculpe. Vou tentar me conter. – Ele prometeu, mas não cumpriu.

Pouco mais de duas horas depois, nós já tínhamos experimentado quase todas as coisas que eram vendidas ali, tanto as doces quanto as salgadas e já tínhamos dado algumas voltas na maior parte dos brinquedos do parque itinerante, embora eu tivesse me recusado a entrar em todos aqueles que pareciam muito radicais, como os que viraram de ponta-cabeça.

— Se não quiser que eu vomite em alguém, vai precisar um escolher um brinquedo com menos giros dessa vez. – Esclareci quando saímos de uma espécie de carrossel com balanços vermelhos suspensos por longas cordas e que, por muito pouco, não me fez colocar tudo o que havíamos comido para fora.

— Então, nada de irmos naquele? – Shannon apontou para uma espécie de pêndulo cujos assentos não apenas davam voltas em sentido horário e anti-horário, como o próprio brinquedo balançava, para lá e para cá, em alturas absurdas.

— Nenhuma chance de irmos naquele. – Afirmei sem qualquer sombra de dúvida. Aquele seria um brinquedo ao qual eu não iria mesmo se não estivesse prestes a explodir depois de tanto comer.

— E quanto àquele? – Shannon apontou para a roda gigante. – Não dá para ser mais entediante que aquilo, Tove, pelo amor de Deus.

Eu ri de sua cara de desespero, porque era óbvio que a roda gigante não era o seu brinquedo favorito, na verdade, acho que ela nem entrava nessa lista.

— Podemos ir naquele. – Assenti e ele estendeu a mão para me ajudar a levantar do meio fio onde eu havia desabado após sair do último brinquedo.

A fila para a roda gigante estava maior do que eu esperava, mas antes mesmo que tivéssemos chegado ao final dela, senti Shannon me puxar na direção contrária e fiquei alerta.

— O que foi? – Olhei ao redor, esperando ver alguém correndo em nossa direção, mas tudo parecia normal, então, voltei um olhar questionador para Shannon e percebi que ele estava olhando para uma cabine de fotos instantâneas. – Você quer...

Mas nem consegui terminar a pergunta, antes dele me puxar na direção da cabine e me empurrar para dentro dela, sentando-se ao meu lado um segundo depois. Shannon colocou uma moeda na máquina e se inclinou para mais perto de mim.

— Faça as piores poses que conseguir. – Disse e eu mal tive tempo de pensar em uma pose que fosse minimamente engraçada quando o primeiro flash disparou. Fizemos caretas ridículas e poses mais ridículas ainda a cada vez que o flash disparava pela cabine, mas, na última foto, quando eu estava me preparando para fazer mais uma careta boba, Shannon simplesmente me abraçou e beijou minha bochecha. – Para a posteridade. – Ele disse quando a máquina cuspiu nossa tirinha de fotos reveladas.

Eu ri com cada uma das caretas e poses que fizemos, mas corei um pouco ao ver a última das dez fotos, onde Shannon estava beijando minha bochecha e eu estava com uma expressão surpresa, com os olhos azuis arregalados e a boca meio aberta por causa daquela atitude repentina.

— Ficaram perfeitas. – Ele partiu a tirinha de fotos ao meio e me entregou a metade que continha a foto do beijo. – Roda gigante? – Perguntou e eu apenas assenti, ainda muito concentrada nas cinco fotos que agora tinha nas mãos.

Começamos a caminhar para o fim da fila da roda gigante, mas antes que chegássemos lá, alguém gritou o nome de Shannon e, ainda estávamos tão absortos por causa das fotos, que simplesmente nos viramos para olhar, dando a, seja lá quem o tinha chamado, a certeza de que ele realmente era quem pensavam.

— Shannon, uma foto! – O homem que o chamara gritou já erguendo uma câmera, daquelas que apenas os fotógrafos profissionais usavam, em nossa direção.

Talvez fosse o instinto adquirido após anos convivendo com paparazzis, mas antes que o flash da câmera disparasse em nossa direção, Shannon me puxou para si e me aninhou em seu peito me livrando, por pouco, de ter o meu rosto totalmente exposto naquela fotografia.

— Corre. – Ele me alertou e, acho que naquele segundo e meio que estávamos ali, eu também tinha adquirido algum instinto de fuga porque minhas pernas começaram a se mover antes mesmo que meu cérebro processasse a informação.

Shannon e eu nos embrenhamos às pressas por entre as barraquinhas da feira, desviando do máximo de pessoas que conseguíamos e nos esbarrando naquelas que tinham menos sorte e, enquanto corríamos, eu podia ouvir o fotografo em nosso encalço, correndo também.

— Shannon, ela é a sua nova namorada? – O fotógrafo perguntou, disparando fotos a esmo enquanto nos perseguia.

— Não olhe para trás. – Shannon me advertiu e eu nem pensei em desobedecê-lo quando os flashes explodiram às nossas costas.

— Foi por isso que você se afastou da música, Shannon? Porque queria viver um romance como um jovem comum?

Chegamos a uma parte da feira com um conjunto de barraquinhas muito próximas uma da outra e que barrava a nossa passagem, então, Shannon nos conduziu por outra rota, esbarrando-se em todos que vinham na direção contrária a nossa sem pedir desculpas. As pessoas xingavam à principio, depois ficavam confusos com o fato de estarmos sermos perseguidos por um fotógrafo e não demorou muito para que a multidão em volta entendesse que toda aquela correria era por causa de uma celebridade, então, os celulares começaram a ser sacados de bolsos e apontados diretamente para nós, na esperança de capturarem qualquer vislumbre de Shannon.

— Sai da minha frente, porra! – Shannon esbravejou, enquanto empurrava um homem com um celular enorme para fora de nosso caminho e eu tentava proteger o meu rosto da imagem com uma das mãos. – Maldita tecnologia!

Continuamos correndo até eu sentir que meus pulmões estavam prestes a explodir e, quando chegamos ao final da feira, Shannon me puxou para uma das avenidas, fazendo-me derrapar um pouco na curva e continuamos correndo. Viramos esquinas, entramos em vielas e a todo o momento eu podia ver o clarão que os flashes da câmera do fotógrafo projetavam nas ruas, enquanto ele acelerava o passo atrás de nós.

— Precisamos de um táxi! – Eu gritei, em desespero. Sabia que tinha sido uma péssima ideia irmos àquele parque.

— Merda! – Shannon praticamente nos jogou na frente do primeiro táxi que surgiu e eu esperei pelo impacto mortal quando os pneus do carro guincharam ao frear, mas, para a nossa sorte, ele parou a trinta centímetros de nós e Shannon e eu corremos para dentro dele tão rápidos quanto um raio.

— Para onde? – O motorista perguntou e eu abri a boca para lhe passar o nome do edifício onde Shannon morava, mas ele foi mais rápido e disse:

— Qualquer lugar longe daqui. Apenas dirija depressa.

E acho que os taxistas devem fazer algum curso de como se comportar em situações como essas ou, então, eles assistem a muitos filmes de fuga envolvendo táxis porque, no mesmo instante, o homem acelerou pela avenida tirando-nos dali. O fotografo ainda conseguiu se aproximar da janela do carro, mas não foi rápido o suficiente e o flash de sua câmera disparou quando já tínhamos partido.

— Ele vai nos seguir, não vai? – Perguntei olhando para trás para verificar se tínhamos escapado realmente.

— Ele deve ter fotografado a placa do carro e vai colocar a gangue de abutres dele em peso atrás desse táxi.

— Gangue? – O taxista nos observou através do espelho retrovisor e diante da preocupação em seus olhos, eu fiz questão de corrigir aquela informação, usando o que ainda me restava de fôlego.

— Gangue de fotógrafos, não de criminosos.

— Ah. – Ele relaxou um pouco no assento, mas seus olhos se cravaram no rosto de Shannon, que agora estava sem o capuz e o reconhecimento tomou conta de suas feições no mesmo instante. – Ei, cara, você não é aquele cantor famoso? – Shannon desviou o rosto para a janela, mas já era tarde. – É você, sim! Shannon Reed, não é? Ah, mano, que loucura isso! Não acredito que tem uma celebridade no meu táxi! Mas, espera aí, você não estava em uma clínica de reabilitação? Tem um vídeo circulando na net, de um dos seus últimos shows da turnê, em que você está tão chapado que nem consegue cantar direito. E também teve aquela vez, naquela boate famosa lá em Vegas – o taxista olhou para trás, rapidamente, falando com Shannon como se eles fossem velhos amigos –, você saiu carregado pelos brigadistas do lugar. Foi a maior loucura! Todo mundo falou que tinha sido uma overdose.

Eu olhei de esguelha para Shannon. Boate em Vegas? Overdose? Eu realmente estava por fora das coisas.

— Será que dá para parar o carro na próxima quadra? – Shannon perguntou e minha testa se franziu.

— Parar? Nós temos que voltar para casa, Shannon.

— Não podemos voltar agora. Se descobrirem onde eu moro, o prédio vai estar cercado de repórteres pela manhã.

— E aí você quer descer em uma esquina qualquer a essa hora e fazer o quê? Andar até em casa? São quase duas da manhã!

— Até parece que você nunca perambulou pelas ruas de madrugada.

— Não com um bando de repórteres loucos atrás de mim.

— Ah, claro, porque isso é tão mais perigoso que perambular por aí fugindo do seu padrasto estuprador, não é?! – Ele disparou para mim e eu apertei os lábios em uma linha fina diante de seu comentário desnecessário e me inclinei para o taxista.

— Pode parar aqui mesmo. Eu vou descer.

— Ah, não vai não! – Shannon tentou segurar o meu braço, mas o puxei para longe dele com rispidez.

— Nem ouse! – Adverti e ele me encarou com raiva.

— Você não quer descer na próxima quadra, mas acha que tudo bem descer aqui mesmo, sozinha, só porque não gostou de ouvir uma verdade? – Ele pontuou. – Muito maduro, Tove. Muito maduro mesmo.

— Ah, você quer falar sobre maturidade? – Eu me virei para ele. – O quão maduro você foi quando decidiu ir àquela droga de parque, mesmo quando eu te disse mil vezes que era uma péssima ideia?

— Pode não ter sido uma das minhas melhores ideias, mas eu não me lembro de ter te forçado a ir junto. – Shannon retrucou e eu pensei em revidar, mas preferi ficar calada, porque ele tinha razão. Eu decidi ir por conta própria, afinal, eu poderia muito bem ter ficado no apartamento onde era seguro, mas achei que seria bom fugirmos um pouco daquela rotina, apesar dos riscos, então, eu não tinha direito de reclamar agora, apesar de querer muito.

— Tá! A gente desce na próxima quadra, então! – Foi o que eu disse em vez de mandá-lo ir à merda, que era o que eu estava planejando fazer meio segundo antes.

Os olhos do taxista encontraram os nossos através do espelho retrovisor e ele abriu um sorriso.

— Vocês estão namorando?

— Não! – Shannon e eu respondemos em uníssono e, depois, viramos a cara um para o outro, como duas crianças fazendo birra, mas, pelo menos, eu podia dizer que minha atitude imatura devia-se ao fato de que eu ainda era, praticamente, uma adolescente. Agora, qual era a desculpa dele?!

Ao chegar a próxima quadra, o taxista parou em uma das ruas menos movimentadas e Shannon e eu saltamos para fora do carro rapidamente.

— Fique com o troco. – Shannon atirou três notas de cem dólares para o taxista e imaginei que aquilo seria tanto para pagar pela corrida quanto para comprar o silêncio do homem e ele também pareceu entender o recado, porque piscou para Shannon e fez um gesto com a mão como se estivesse trancando a própria boca. – Vamos. – Shannon pousou a mão na parte inferior de minhas costas e começamos a andar.

Eu não fazia ideia de em qual parte da cidade estávamos ou a que distância nos encontrávamos do apartamento, mas como Shannon parecia saber qual caminho tomar, eu o segui em silêncio. Mais uma vez, dobramos várias esquinas e percorremos algumas vielas estranhas, pelas quais eu não me atreveria a passar se estivesse sozinha, até que, por fim, depois de quase quarenta minutos caminhando, avistei o edifício de Shannon e respirei aliviada quando vi que a movimentação ali permanecia a mesma. Nada de fotógrafos, nada de curiosos, nada de fãs, só a boa e velha calma do anonimato.

— Me lembre de nunca, nunca mais embarcar em outra situação dessas com você. – Grunhi, me jogando no sofá da sala, assim que entramos no apartamento e Shannon trancou a porta.

— Eu já disse que não te arrastei comigo hoje, Tove, você foi porque quis.

— Ainda assim, tudo isso poderia ter sido evitado, se você tivesse me dado ouvidos, mas não! Você só faz o que quer.

— Oh, inferno! Você tá falando igual a Lexy, caralho! – Ele reclamou e seguiu para a cozinha, onde pegou uma garrafa de Jose Cuervo e um copo para shot e se serviu de uma dose.

— Talvez ela esteja certa. – Eu o segui até o balcão da cozinha e observei enquanto ele apanhava um limão na geladeira e o cortava em quatro pedaços. – Essa é a sua resposta para tudo? – Apontei para a garrafa de tequila sobre o balcão. – Se está triste, você bebe. Se está com raiva, você bebe. Se está feliz, adivinha, você bebe. É só o que sabe fazer, Shannon?

— É! E você deveria experimentar fazer o mesmo de vez em quando. Talvez assim deixasse de ser tão certinha e controladora. – Ele esticou a mão para pegar a dose de tequila, mas fui mais rápida e apanhei o copo, virando-o na boca de uma vez só.

Minha intenção era ingerir a bebida, bater o copo no balcão e encerrar a cena com chave de ouro, perguntando “isso é tudo?”, mas quando o líquido ardente desceu queimando por minha garganta, só o que consegui fazer foi sufocar e tossir como um ganso tuberculoso.

— Você é doida. – Shannon sacudiu a cabeça e serviu outra dose para si, virando o copo, como eu havia feito, mas colocando um pedaço do limão na boca logo em seguida.

Ele mal fez careta, enquanto eu ainda estava sentindo um dos meus olhos se repuxar e me perguntei se eram necessários anos de prática para chegar naquele nível ou se eu é que tinha feito alguma coisa errada.

— O limão ajuda a atenuar o gosto forte. – Shannon explicou e encheu outro copinho de tequila, empurrando-o para mim junto com um dos pedaços que haviam sobrado do limão. – Tenta de novo.

Eu o encarei.

— Tá louco?!

— Foi você quem pegou a minha bebida e já foi virando, sem nem saber o que estava fazendo. Eu só estou tentando te ensinar o jeito certo de beber para ver se, assim, você para de passar vergonha.

— Ah, vá a merda! – Mostrei a ele o dedo médio e, depois de alguns segundos de silêncio, Shannon começou a rir. Não apenas a rir, mas a gargalhar com se não houvesse amanhã e eu não sabia se ficava com raiva dele por isso ou se ria junto porque a forma como ele estava rindo, na verdade, era meio engraçada.

— Você é a pessoa mais sem sentido que eu já conheci. Ou você fica irritado comigo ou ri de mim, Shannon. As duas coisas é demais para processar.

— Eu não estou irritado com você. – Ele entornou a dose que eu havia recusado e serviu outra. – Pelo menos, não muito. Essa foi a noite mais engraçada que eu tive em onze meses, Tove.

— Engraçada? Você achou engraçado nós sermos perseguidos daquele jeito no meio de uma feira de rua? Por Deus, Shannon, acho que eu derrubei o refrigerante de um cara no meio da nossa fuga e eu tenho certeza de que ele me xingou de coisas que eu não teria nem coragem de repetir agora.

Shannon riu ainda mais depois de meu comentário e, após um instante de hesitação, não consegui evitar rir junto, lembrando-me de toda a maratona que tínhamos percorrido. De certa forma, agora que estávamos em segurança e que toda a tensão do momento tinha passado, eu também estava começando a achar que aquela tinha sido uma das noite mais engraçada que eu tivera nos últimos meses. Não que eu tivesse vontade de repeti-la, é claro.

— Aquilo que o taxista disse é verdade? Você realmente teve uma overdose em Las Vegas ou esse é só mais um boato que a imprensa inventou?

Shannon entornou a última dose de tequila que havia servido e, mais uma vez, encheu o copo.

— Troco uma dose por uma verdade. – Ele empurrou o copo de volta para mim.

Eu o encarei.

— É sério? Você realmente vai me obrigar a beber para descobrir.

— Não. – Shannon suspirou e se jogou na cadeira a minha frente. – Só esperava que você desistisse de saber a resposta. – Ele puxou o copo de tequila de volta para si, mas me inclinei sobre o balcão da cozinha e o tomei de suas mãos, entornando todo o conteúdo do copo para, em seguida, chupar um dos pedaços do limão, como Shannon fizera. O gosto da tequila ainda era forte, mas o sumo ácido da fruta ajudou a apaziguá-lo um pouco.

— Agora você me deve uma resposta. – Eu bati com o copo sobre o tampo de mármore e voltei a me sentar. Podia sentir que minha língua estava começando a ficar meio dormente por causa do álcool, mas jamais admitiria isso para Shannon porque, provavelmente, ele faria algum comentário engraçadinho sobre o assunto.

— Sua coragem é algo admirável, Beethoven. – Ele encheu outro copo e o ergueu em minha homenagem, antes de virá-lo garganta abaixo. Eu tinha perdido a conta de quantos copinhos daquele Shannon já bebera, mas esperava que ele respondesse à minha pergunta antes de ficar bêbado. – Então, você quer saber sobre a minha última noite em Las Vegas?

Fiz que sim e Shannon meneou um pouco a cabeça como se tentasse lembrar.

— Eu realmente saí carregado daquela boate e tem vários vídeos na internet que podem comprovar isso, mas não. Eu não tive uma overdose em Vegas.

A forma como ele disse “em Vegas” me fez pensar que isso pudesse ter acontecido em outro momento, então, precisei perguntar:

— Mas você já teve uma overdose?

Shannon relanceou os olhos para o copo vazio de tequila e suspirei, audivelmente, antes de assentir para que ele o enchesse. Se eu precisasse virar uma dose todas as vezes que quisesse uma resposta dele, eu terminaria aquela noite debruçada sobre a privada.

— Agora responda. – Exigi após cumprir minha parte naquele acordo que, até então, eu nem sabia que estava valendo.

— Nunca tive uma overdose, mas já tive algo bem próximo de uma, em minha casa, na Califórnia, alguns dias depois desse episódio em Vegas. – Shannon admitiu. – Foi por pura estupidez minha, é claro. Eu sabia que não podia misturar os remédios com a bebida, mas... – Ele deu de ombros e eu nem precisei perguntar de qual tipo de remédios ele falava, pois estava bastante óbvio, para mim, que se tratava de antidepressivos.

— E foi aí que te mandaram para a reabilitação? – Perguntei já estendendo a mão para pegar a próxima dose que deveria beber, mas Shannon afastou o copo de mim.

— Tequila é muito forte para você. A gente tenta esse jogo de novo, outro dia, com alguma coisa mais fraca.

— Então, você não vai mais responder às minhas perguntas?

Shannon me lançou um sorriso.

— Talvez. Se você conseguir me convencer.

Eu franzi as sobrancelhas para ele, sentindo que meu cérebro estava começando a ficar um pouco lento demais.

— Não tenho nem ideia de como posso começar a te convencer disso.

Aquele sorriso nos lábios de Shannon se alargou e ele se inclinou um pouco mais sobre o balcão, aproximando-se de mim.

— Mas eu sei.

Eu demorei alguns segundos para interiorizar a frase, mas assim que a entendi, cruzei os braços diante do peito e me inclinei um pouco mais para trás.

— Posso não estar tão sóbria quanto deveria, Shannon, mas ainda não estou tão bêbeda ao ponto de aceitar transar com você. – Brinquei.

No mesmo instante, Shannon parou de sorrir e me encarou com algo que parecia além da raiva e da indignação. Era quase como se eu tivesse acabado de lhe dar um tapa e não entendi o motivo de sua reação até que ele disse:

— Posso ter vários defeitos, Tove, mas não sou como o filho da puta do seu padrasto. Eu não me aproveito de garotinhas estúpidas e indefesas!

Então, ele se levantou e saiu rapidamente da cozinha, levando a garrafa de tequila consigo e foi apenas quando ouvi a porta de seu quarto se fechar com um baque, que me dei conta de que ele havia acabado de me xingar.

Estúpida.

Shannon me chamara de estúpida!

Me levantei e fui atrás dele para tirar satisfação.


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Notas finais do capítulo

Então, galerinha, por hoje é só. Eu espero que tenham gostado do capítulo e espero que já estejam a espera do próximo. Agradeço a todos que estão acompanhando a fic e comentando e, em breve, eu apareço aqui com o próximo capítulo.
Até lá!



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