Além de uma vida escrita por Ania Lupin


Capítulo 24
Minha vida sem mim




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Ponto de vista de Bella

Respirei fundo, me concentrando no moreno à minha frente. Então era aquilo. Então eu finalmente teria alguma resposta para toda aquela insanidade. Ele me conhecia, por Deus, ele sabia quem eu era! Quem eu havia sido. A massa que crescia na minha cabeça não me deixava tão louca, no final das contas.

"Bella, é você?" Era quase engraçado como os olhos dele haviam se arregalado - estavam do tamanho de dois pratos. O homem - que aparentava seus quarenta anos - se aproximou mais, ficando a centímetros de distância de onde eu estava. Ele mesmo respirou fundo, e após certa relutância, tocou timidamente meu antebraço, como se qualquer movimento mais brusco fosse me fazer desaparecer. "É impossível. Você é humana." Ele esperava que eu fosse o que? Bella, a fantasminha camarada?

"Da última vez que chequei, sim, eu sou." respondi, sorrindo um pouco sem jeito, e foi quando fui surpreendida pela segunda vez.

Jacob era quente - Jacob era muito, irritantemente quente, mesmo estando com menos roupa do que eu, mesmo estando no meio do inverno vestindo apenas uma camisa de manga comprida. Ele cheirava como uma floresta, e era tão maior e tão mais forte do que Edward que era quase engraçado sentir tamanha familiaridade e conforto naquele abraço.

"O que aconteceu, Bells? Por onde você esteve?" Ele finalmente me soltou, me afastando enquanto voltava a me observar curioso. "Você não envelheceu um dia!"

"Você sabe mesmo quem eu sou?"

"Claro que eu sei, Bells!" Jacob sorriu, mostrando seus dentes impecavelmente brancos. "Até você sabe quem eu sou, eu sou o Jake! E você é Isabella Swan! Filha de Charlie Swan, ex-chefe de polícia de Forks." A voz dele saía com empolgação, o sorriso nunca deixando os lábios. "Renee Dwyer era sua mãe." Mas aquilo tudo era tão errado - simplesmente não conseguia retribuir o sorriso como deveria. "E nós éramos melhores amigos. Bells-"

"Jacob, espera." Finalmente me separei dos braços, fracassando em dar um sorriso leve. Fechei os olhos, me dando um minuto para perceber o quanto estava cansada - a viagem de volta seria infernal. "Meu nome é Isabella Thompson." desabafei quando voltei a olha-lo, e vi confusão naqueles olhos escuros. "Eu sou filha de Petter e Elizabeth Thompson. Minha melhor amiga é minha irmã, Alice Thompson. Nunca conheci você pessoalmente." A decepção estampou-se no rosto moreno, e foi seguida de uma nova surpresa com minhas próximas palavras. "Mas por favor, me ajude. Porque eu já morei em Forks, eu já nadei nessa praia. Eu já andei de moto com você. Eu vejo coisas que Isabella Swan viveu toda hora."

—__

"Seu chá." Peguei a xícara com ambas mãos e senti o cheiro confortável de hortelã no mesmo instante. Chá de hortelã, ótimo para dor de cabeças, mamãe sempre dizia. "Está com fome? Ainda tenho as sobras da janta de ontem." neguei, tomando um gole da xícara.

Jacob parecia uma ótima pessoa, exatamente como eu pouco me lembrava dele. Ele exalava confiança, então não foi muito difícil me convencer para acompanha-lo até sua casa, com o pretexto de me explicar tudo sobre minha antiga vida em um ambiente mais confortável. Assim, ali estava eu, sentada em uma poltrona verde escura, me aquecendo com a bebida em minhas mãos enquanto olhava ao meu redor, pensando em como recomeçar a falar sobre a Isabella dele.

"Eu não sei se você lembra de Leah." Foi só naquele momento que percebi ter parado meus olhos num porta retrato que mostrava uma mulher morena de cabelos negros até os ombros. "Ela está para chegar, Bells, digo, Isabella-"

"Pode me chamar de Bells." sorri, continuando a observar as fotos próximas. "Hoje em dia me chamam de Izzy." Havia outra com a mesma garota e um senhor muito idoso, de cadeira de rodas. E havia uma dos dois, Leah e Jacob, sorrindo enquanto ambos mostravam para a câmera alianças douradas. "Leah é sua esposa?" Jacob apenas confirmou o que eu havia visto. "Eu não lembro dela. Desculpe."

"Não tem problema, Bells." Jacob disse, sentando-se na poltrona também verde que ficava em frente à minha. Houve um silêncio desconfortável, e eu estava prestes a falar qualquer coisa para quebrar aquilo quando outra vez escutei sua voz grossa. "Eu preciso saber do que você sabe, Bells." ele parecia tão desconfortável quanto eu. "Então por favor, me conte o que te trouxe até aqui."

Memórias da minha irmã, de uma festa, de uma dança num gazebo. De um pai triste, de uma cidade úmida. Lembranças de um homem grande demais que me abraçava, de uma mulher linda demais que parecia me odiar. De uma época distante onde tudo parecia mais simples, mas minha vida ainda assim conseguia ser complicada. Ele. O que me trouxe até aqui, além de me ver numa foto antiga, foi lembrar, especificamente, dele.

"Eu acho que, para ser totalmente sincera, o que me trouxe aqui foi um tumor cerebral." foi a primeira coisa que falei, e como previa, recebi um olhar confuso, que com minhas próximas palavras logo mudou para um triste. "Eu tenho um tumor intratável no cérebro. Ele fica numa região um pouco difícil, e segundo o médico - e segundo tudo que me lembro de minha mãe - ele pode fazer com que eu tenha visões." Como eu achei que eram no começo. "Memórias falsas. Ele bagunça totalmente minha cabeça." suspirei, apoiando a xícara agora vazia em cima da mesinha de centro. "No começo eu achei que fosse isso, pelo menos. Na verdade, até dois dias atrás, eu tinha certeza de que a culpa era inteira da minha doença. Porque eu vejo pessoas que eu conheço nessas alucinações, eu vejo meu namorado nela!" Eu vejo a família inteira de Edward nela. "Mas achei a foto de Isabella no último sábado, e ela sou eu." Ainda era assustados lembrar da semelhança, se é que poderia falar semelhança: a garota era meu clone. Melhor, eu era o clone dela. "Eu vim até aqui sem pensar duas vezes. E até você me reconhecer, também pensei que isso poderia ser algum efeito do tumor. Alucinações não me surpreenderiam, ter imaginado a semelhança com a garota não me espantaria. Eu poderia estar criando tudo isso na minha cabeça, minha mãe - ela tinha o mesmo tumor -, lembro que ela me pedia desculpas por tudo que havia feito. E Elizabeth nunca fez nada além de ter uma doença." suspirei, enxaguando uma lágrima que teimava em sair. Nunca era fácil lembrar daqueles últimos dias.

"O que você lembra de mim?" Eu lembro que Edward não gostava de você. Mas achei melhor não começar com a pessoa que Jacob parecia odiar em minhas memórias, falsas ou não.

"Não muito. Nós eramos amigos, certo? Acho que você a ajudou em uma época não muito boa." Aquela Isabella, como eu, parece ter tido uma época negra. Ou aquela era a parte que meu cérebro inventava, a parte faz-de-conta que colocava Edward no meio da história a qualquer custo. Mas Jacob assentiu com a cabeça, fazendo tudo aquilo se tornar um pouco mais real. "Lembro das motos. Lembro da praia, do mergulho no rio." Lembro que você tentou me beijar, na verdade você me beijou, mas o quão estranho seria falar isso agora? "Nós brigamos uma vez. Você não queria que eu fosse viajar." Mais um silêncio - tudo que me lembrava referente à ele acabava mesmo ali.

"Mais nada?" Será que ele falava sobre o beijo?

"Desculpe." respondi, querendo que minha xícara estivesse novamente cheia para ter ago nas mãos.

"Isabella Swan era minha melhor amiga." Quem começava a falar agora era Jacob, e eu escutava com a maior atenção cada palavra. "Pelo menos eu a considerava assim. Ela era muito amada pelos amigos, pelos pais, e por mim." Definitivamente, nós havíamos nos beijado. "Ela era uma pessoa formidável, que conseguia ver bondade até onde não existia nenhuma. A falta dela foi sentida demais por todos que eram próximos." Olhei na direção que ele apontou, achando um novo porta retrato, que mostrava o mesmo senhor de cadeira de rodas junto com um policial conhecido. "Charlie era o chefe de polícia da cidade. Era seu pai, ele e meu pai eram muito amigos e foi por isso que nos conhecemos, Bells. Renee era sua mãe," Não havia fotos de Renee, mas se minha memória era real, sabia exatamente como era a mulher. "Ela foi o motivo pelo qual você veio para cá: casou e o marido viajava demais. Você veio morar em Forks quando tinha dezessete anos. E desapareceu com dezoito." Desapareceu. Morreu, certo? "Ficamos sabendo que Renee se foi faz um ano por causa de um câncer nos pulmões. Charlie morreu em um acidente de carro há cinco anos. Eles sofreram muito desde que você se foi, mas apesar de nunca superarem, conseguiram seguir vivendo. Existia um mínimo de felicidade. Renee viveu em Forks até o acidente de Charlie, eles casaram novamente, mas não tiveram mais nenhuma criança." Não segurei um sorriso, algo dentro de mim sentindo um certo alívio. O final da história havia sido melhor do que poderia imaginar.

"Como eu morri?" Era quase engraçado o quão casualmente havia perguntado aquilo. Você gostaria de frango para o jantar? E a propósito, como eu morri?

"Ninguém sabe. Você foi para a Itália e desapareceu." ele não me olhava enquanto falava aquelas palavras, sua expressão parecendo quase aborrecida. Brava?

Era por isso que havíamos discutido, aquela foi a viagem que ele não queria que eu fizesse. A viagem que fiz com Alice. Jacob sabia de algo além do que havia me contado, não sabia? Ele sabia de algo para não concordar com aquela viagem!

"Aperte o cinto, Bella."

"Você não vai colocar?"

"Eu não preciso disso, bobinha."

Novamente os flashes vinham nos momentos que eu menos esperava.

"Não se lembra de nada? Nada dessa parte?"

"Eu estava com a minha irmã." disse, ainda um pouco atordoada com a nova recordação. Alice tinha o cabelo tão mais curto, e usava um lenço amarelo na cabeça junto de óculos escuros, a pele totalmente coberta por um casaco apesar do sol que brilhava fora do carro. Ela era ela, mas havia algo de muito diferente - algo que eu não conseguia saber, não conseguia dizer o que era.

"Alice não era sua irmã, Bella." Jacob falou, franzindo o cenho. Algo vibrando no bolso do meu casaco me impediu de contestar naquele segundo, e ele continuou. "Você foi a única filha de Charlie e de Renee. Você era a única filha deles-"

"Alice é minha irmã, Jacob." respondi, frisando o fato mostrando a foto que aparecia no meu celular, embaixo de seu nome. "Minha irmã, que inclusive está me ligando outra vez." Não me esforcei para esconder a voz irritada. "Al?"

"Então ela morreu também?" Ele sabia quem Alice era!

"Izzy, voc-" Agradeci ao perceber ser impossível me comunicar com a baixinha no momento, o celular mostrando uma barra de sinal quase ausente. "Me fal...ndo...ar?"

"O sinal daqui é horrível. Al, não consigo te escutar!" falei um pouco mais alto, na esperança de que ela fosse conseguir entender minhas palavras, talvez tão cortadas quanto as dela. "Eu te ligo depois, ok?" A ligação caiu antes que pudesse finaliza-la. Esperando que minha irmã tivesse entendido que estava tudo bem, deixei o celular ao lado da xícara vazia e voltei minha atenção para o moreno. "Desculpe Jacob, o que você disse? Ela morreu também? Eu fui viajar com a minha- com Alice?" Ele conhecia Alice, ele conhecia Alice.

"Bella, há quanto tempo você conhece Alice?" Isso quer dizer que-

"Que tipo de pergunta é essa?" Minha resposta saiu com uma risada quase irônica. "Ela é minha irmã, eu a conheço desde que nasci, eu vi ela crescer!"

Isso quer dizer que tudo pode ser verdade? Que Edward pode ser verdade. Mas ele não estava ali no carro, ele não estava naquela viagem. Nós fomos encontra-lo? Ele morreu também? Como?

"Você conheceu Alice? Nós éramos amigas aqui?" O rosto dele pareceu se fechar, os olhos sérios pareciam até mais negros do que antes. "Jacob, por favor, o que você sabe de Alice?"

Mas ele não parecia estar mais receptivo aos meus pedidos. Jacob levantou-se irritado, passando as duas mãos pelos cabelos escuros tentando visivelmente manter a calma. Ele fixou os olhos num porta retrato na parede - em Leah, passando a mão em uma barriga enorme - e respirou fundo antes de fazer a próxima pergunta.

"Como você morreu, Bella?" Eu estava no carro, e então mais nada. Em um acidente? Eu não me lembraria se fosse um acidente, lembraria? Poderia ter sido tão rápido, eu nem mesmo teria percebido"

Mas um acidente seria uma notícia. E haveria um corpo, uma explicação, eu não teria desaparecido.

"Eu não sei Jac-"

"Pense!" A voz saiu alta, fazendo com que eu me encolhesse na cadeira. Jacob percebeu meu gesto, mas nem por isso mudou seu tom. "Como você morreu, Bella?"

"Eu não sei!" respondi com a mesma raiva, minhas mãos massageando minhas têmporas por um momento. Como se gritar comigo fosse fazer com que me lembrasse! "Por que acha que vim até aqui? Eu não sei o que está acontecendo, eu não sei como morri! Eu nem sei porque me lembro dessas coisas!"

"Se esforce mais para lembrar, Isabella!" Por que diabos ele queria tanto que eu me lembrasse daquele detalhe? Justo daquele detalhe? "Eu não posso te contar nada se não me falar como você morreu!" Por um acaso ele tinha algo a ver com o meu desaparecimento? "Você foi para a Itália," eu fui para a ITÁLIA?

"Não vá para a Itália, Bella. Não vá!"

"E eu nunca mais ouvi nada sobre você. O que aconteceu, Bella?" O que mais ele sabia?

"Nós brigamos por isso." O Jacob mais novo de minha memória não era apenas meu amigo, era claro o quanto ele se preocupava, era visível no jeito que me olhava. "Jake, nós eramos-"

"Se esforce mais!"

"Bella, eu sinto muito! Sinto tanto."

Alice parecia chorar enquanto era segurada pelos braços por dois homens, grandes demais. Mas não haviam lágrimas, havia apenas a expressão de choro. Era tão estranho.

"Como você morreu, Bella?"

Aquele lugar era tão frio. Todo aquele mármore era tão frio, tão duro, tão desconfortável.

"Jacob, pára!"

"Eu faria qualquer coisa, qualquer coisa-"

Era engraçado como não havia sangue - não havia uma gota de sangue, mas deveria haver, afinal tinha um corpo sem cabeça nem membros superiores no chão, e aquele som-

"MEU DEUS!" Quando meu cérebro juntou o som de algo se partindo com a imagem dos braços de minha irmã no chão foi o suficiente para quase me fazer vomitar. Me levantei com um salto da poltrona, não sabendo se a tontura vinda era devido ao movimento brusco, a minha doença ou a minha irmã sem vida, uma de minhas últimas memórias como Isabella Swan.

"Bells, como você morreu?" A voz parecia muito mais suave agora, quase arrependida de estar fazendo novamente a mesma pergunta.

"Nós chegamos na cidade, e Alice, ela brilhava!" Era lindo! Era como se a pele de minha irmã fosse feita de milhares de pequenos diamantes. E todos ao redor achavam a mesma coisa, todos pararam com suas atividades para ficarem apenas olhando para aquele espetáculo, maravilhados. "Ela brilhava, e então várias pessoas cobertas por mantos apareceram." Até que as pessoas de antes apareceram. Eram as mesmas pessoas, não eram? Cobertos pela mesma veste, o mesmo capuz escarlate. "Nós fomos levadas para um salão gigante, feito inteiro de mármore." O branco da pele deles combinava com a palidez do salão. Era quase estranho como todo aquele branco combinava com os olhos vermelhos sangue.

"Eu quebrei um espelho. São sete dias de azar, não é verdade?"

"Sete anos." corrigi, me recordando da memória de minha memória.

As mãos deles eram tão geladas. Mas os rostos, eles eram tão lindos. Eram como se fossem deuses esculpidos na mesma pedra que construía o salão.

"Era verdade os sete anos de azar." falei outra vez, após alguns segundos de silêncio. Minha mão foi instintivamente para minha garganta ao me lembrar de minha última sensação - ela se rasgando. Eu sangrava, diferente de Alice. "Eles mataram nós duas."

"Não podemos, de jeito nenhum, chamar a atenção dos Volturi, Bella."

Notava agora que até a voz de Alice era diferente naquele tempo.

"E chamar a atenção é o que Edward quer fazer."

Era melódica, como se pudesse cantar tudo que falava usando as notas mais afinadas. Era afinada, como se fosse a voz dele.

"Quem matou vocês, Isabella?"

Alice era gelada naquela época.

"O que eu sou, Isabella?"

Edward continua gelado.

"Pense. O que eu sou?"

Ele tem a pele tão branca como nossos assassinos, e continua gelado.

"Vampiros."

E continua com os mesmos olhos amarelos de minhas memórias.

"Eram vampiros."

—__

Ponto de vista de Alice

Eu odiava tempestades do fundo do meu coração. Odiava a chuva cegando o trânsito, odiava os raios cortando o céu, odiava os trovões fazendo meu coração tremer por um segundo, enquanto ensurdeciam momentaneamente qualquer conversa. Tempestades nunca eram boas. Tempestades para mim, eram sempre um mau agouro. Tempestades haviam me tirado duas pessoas importantes. Por que diabos estava dirigindo no meio de uma?

Provavelmente porque eu não estava dando a mínima para as coisas no começo daquela semana. Porque eu já havia ido trabalhar de má vontade apenas para não precisar lidar com Jasper e todas as suas perguntas, todas as suas preocupações. Já havia inventado uma doença para não ter que lidar com as pessoas do trabalho, e saído mais cedo - muito mais cedo -, um pouco feliz com a possibilidade de ficar sozinha em casa sem ninguém me incomodando. Aliviada por poder ficar mais um tempo sozinha, na verdade. Era muito mais fácil me afundar no sofá vendo Netflix do que não parar de pensar.

Eu só precisava que minha irmã atendesse a droga do telefone para poder ficar em paz.

"Izzy, vamos lá, atenda."

Forks. Ela resolvera ir para Forks, do nada, sem maiores explicações, sem ter, provavelmente, nenhum conhecido lá. Ou será que havia? Independente disso, aquela ação era muito não Isabella. Era tão estranho quanto o que eu fazia com meu agora namorado.

"Atenda, atenda, atenda."

Ok, então eu nunca havia tido um relacionamento de verdade, e não era a melhor pessoas em relação a garotos, mas tinha consciência de que o estava machucando ultimamente. Tentara compensar no sábado, mas eu sabia que ele sentia, simplesmente sabia. Jasper tinha consciência de que eu estava me distanciando, e naturalmente ao perceber aquilo tentava fazer de tudo para se aproximar ainda mais. E me doía ver que eu o estava machucando, ao mesmo tempo que me doía ficar ao lado dele, nessa ilusão de que tudo estava bem, de que eu estava bem.

"Izzy!" Praticamente gritei quando ouvi a voz do outro lado da linha. "Você sumiu o dia inteiro!" cobrei, aumentando a intensidade do limpador de para-brisas - toda aquela água estava se transformando num caos no vidro da frente. "Você ia me falar quando estivesse voltando!"

"Al, não con...te...ar" Xinguei alto quando notei a qualidade péssima do sinal daquela maldita cidade - e Isabella com certeza não ouviu. "Ligo depois-" E então, apenas o silêncio do outro lado da linha.

"Izzy?" A ligação havia caído, e eu joguei o celular no banco do passageiro, irritada. "Mas que inferno." Apenas mais alguns minutos para chegar em casa - nem estava trânsito naquele dia!

Liguei o rádio, e a primeira música que tocou foi a que havíamos dito ser nossa música. Com certeza estava na rádio de músicas antigas de Izzy tanto gostava. Sorri ao lembrar dos gostos antigos de Isabella, e de como Jasper, naquele aspecto, era tão parecido.

"Moon river, wider than a mile,"

"I'm crossing you in style some day." Cantei junto com a voz vinda das caixas de som, pouco antes dessa mesma música, numa versão instrumental, começar a tocar no meu celular.

Sim, eu odiava tempestades, e odiava tudo que elas causavam e tiravam de mim. Eu sempre odiei, antes mesmo do acidente todos aqueles barulhos me aterrorizavam quando pequena, toda aquela água que caía me deixava com a pior das sensações. Mas então, naquele dia frio, no meio daquela lanchonete, uma tempestade havia me trazido ele. E por mais que eu tentasse negar, por mais que eu quisesse afasta-lo, algo lá no fundo o queria sempre perto. Eu o queria até o fim, do mesmo jeito que papai fora a coragem de mamãe até o último instante.

"Oi Jazz." atendi e forcei um pouco mais de animação na voz, acelerando quando o sinal voltou a ficar verde.

"Queria saber se vai ficar até às oito no trabalho." Ok, ele tinha motivos, e muitos, para não falar com a mais feliz das vozes. E ele só ficaria mais aborrecido com as próximas frases.

"Ah, eu já saí!" Como essa. "Desculpe, esqueci de falar." E essa, que o faria realizar uma coisa que não o deixaria exatamente contente.

"Você está dirigindo nessa chuva?" Sim, Jazz estava irritado, para não dizer extremamente puto. Em tão pouco tempo juntos aquilo eu já sabia muito bem reconhecer.

"Eu sou uma ótima motorista, faça chuva ou faça sol!" Tentei amenizar, falando aquela verdade com um sorriso nos lábios - havia lido em algum lugar, fale com um sorriso e sua voz automaticamente sairá mais alegre. Pareceu funcionar, e escutei uma risada leve do outro lado da linha, a voz dele já saindo diferente na próxima frase.

"Eu me preocupo com você, pequena." Eu sei. "Você parece distante ultimamente." Eu sei.

"Desculpa, Jazz." Mantive o sorriso, tentando evitar que minha voz falhasse, mas não consegui evitar mais uma lágrima teimosa. Desculpe por te afastar, desculpe por não ser a melhor das namoradas, desculpe por estar doente. Respirei fundo e esfreguei os olhos molhados com a mão que segurava o telefone, me esforçando para não começar a chorar.

"Al-"

Eu nunca consegui escutar o resto da frase, o celular longe de minha mão no segundo seguinte.

Foi instintivo ao sentir o carro aquaplanar meu pé ir direto para o freio - e com certeza foi a pior das ideias. Primeiro o carro rodou, o que já me deixou tonta, e então quando um mini caminhão bateu na minha lateral esquerda, minha vertigem apenas aumentou. Senti minha cabeça bater em algo e agradeci por ter me lembrado do cinto de segurança naquela tarde: mesmo de olhos fechados, percebia que o carro capotava, o barulho de tudo aquilo ensurdecedor.

Todo o acidente não deve ter passado de meio minuto, mas pareceu uma eternidade até o carro enfim parar de se mexer. A primeira coisa que senti era que algo escorria pela minha testa, e em seguida um cheiro metálico invadia minhas narinas. A pressão que sentia me fez perceber antes de abrir os olhos que estava de ponta cabeça. Abri a boca, mas ao invés de fazer minha voz sair, só consegui sentir o gosto de sangue.

Precisava sair de dentro do carro mas não tinha forças para aquilo. Engoli, sentindo que algo dentro de mim parecia ter se rompido - era difícil respirar, era difícil me mexer, era difícil continuar com os olhos abertos. Senti a chuva molhar meu rosto, percebendo só naquele momento o para-brisa estilhaçado.

Eu realmente odiava tempestades, do fundo do meu coração.


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Notas finais do capítulo

Gente, obrigada a todos que deixaram um comentário! Pode parecer bobinho, mas todo comentário incentiva aqui, é gostoso ver que tem alguém interessado, afinal, se não tiver é mais cômodo escrever só pra mim rs

Espero que tenham gostado do capítulo! Talvez vocês queiram me matar com o final, mas gente calma que a vida vai se resolver! Rs

Um beijão,

Ania.



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