Estava presa em um sonho eterno, ao que parecia. Uma única cena se repetia, e era eu, em uma floresta, em frente a um único espelho. O mesmo refletia minha imagem exausta, com olheiras, olhos cansados, minhas vestes estavam diferentes; um vestido branco de hospital e descalça.

Mal conseguia olhar para mim mesma e não lembrar do semblante de minha mãe. Eu e minha irmã puxamos tudo dela em questão de aparência. Chegava a ser doloroso pensar que as duas estavam em perigo também.

Desviei o olhar na hora.

Espelhos eram extremamente perigosos para mim. Mas, afinal, aonde eu estava?

Em um sonho - ou pesadelo - obviamente, mas porquê? Sonhos sempre me mostravam coisas que eu não podia ver, perceber, como um segundo ponto de vista, mas tudo que vejo são centenas de árvores, um espelho e um menina asiática na frente dele.

Olhe

Olhei para trás, procurando o dono da voz feminina.

Ninguém.

Espelho , disse novamente, mas não era como se estivesse do meu lado, e sim em minha cabeça.

— Não, isso não — disse por fim, virando de costas ao espelho, de olhos fechados — Não sei o que está tentando me mostra, subconsciente, mas não farei isso.

Encare o você, Akemi   era eu, pelo menos minha voz, séria e fria - um lado que eu não conhecia totalmente, e não queria conhecer.

Lentamente, abri os olhos, me arrependendo segundo depois.

Chegando mais perto do espelho, percebi que o local refletido no espelho era diferente. Sim, era cheio de várias árvores, mas cada árvore tinha um espelho. Porém, olhando atrás de mim, não tinha nada além de árvores comuns. Passei a mão diante do espelho, depois pelo cabelo, fiz careta e o reflexo fazia tudo exatamente igual. Erguia a mão para tocar o vidro, mas fui interrompida por um aperto no meu pescoço.

Era eu - ou deveria ser - coberta com tinta preta, algo parecido com chifres ou orelhas grandes em minha cabeça, uma cauda encharcada, caninos dourados e afiado, e olhos completamente brancos.

Ela saiu do espelho em um pulo e caiu sobre mim. A mão dela agarrou o meu pescoço e parecia que não iria sair tão fácil. Sentia a tinta caindo em meu rosto enquanto tentava tirar as suas mãos de mim. Parei de tentar desprender suas mãos de meu pescoço e furei seus olhos com as unhas. Ela gritou e caiu para trás. Aproveitei a chance e saí correndo, mesmo ainda tonta com a falta de oxigênio.

— Isso é um pesadelo — repeti a mim mesma — Sou tão burra! Por que olhei pra aquele maldito espelho?

Escondi-me atrás de uma moita, respirei fundo, tentando controlar meus batimentos cardíacos. Depois, me concentrei para encontrar a respiração dela.

Nenhuma além da minha, mas ouvi passos rápidos na esquerda e na direita.

Não pode ser … deve ter duas dela… mas como?  

Foi aí que percebi: na paisagem de dentro do espelho tinha mais espelhos! Talvez uma delas - ou mais - tenha saído de lá e está correndo atrás de mim.

Preciso. destruir. aquele. espelho.

Movimentei as mãos conjurando um feitiço de invisibilidade. Imaginei-me sendo coberta por uma capa invisível, já sentindo aquele formigamento familiar, sussurrei : Inanis Caecus. Olhei minhas mãos, que já estavam invisíveis, e corri até o espelho. Não tinha sinal nenhum da aquilo…

Avistei o espelho. Por sorte, minha katana continuava comigo nesse sonho louco. Corri até o espelho, pronta para enfinca a lâmina, mas mal cheguei perto pois algo me derrubou. Era ela, novamente, rosnando e arregalando seus olhos brancos.

— O que você quer? — me posicionei em defesa, atenta a qualquer movimento.

— Quero testar minha hospedeira. — ela sorriu maligna, e avançou.

A diferença de habilidade era enorme. Tudo que poderia fazer era defender e recuar para mais perto do espelho.

— Te peço encarecidamente que pare de tentar me matar!— ela avançou e eu defendi na hora.

Por cinco segundos, nós olhamos nos olhos. Ela parecia distraída em mim, então, aproveitei para chutar sua barriga. Ela voou metros de distancia de mim. Sorri, virando-me para o espelho e o perfurando na hora.

— Te peço encarecidamente que fique longe do lobo fedorento. — respondeu, sorrindo vitoriosa, levantando-se lentamente do chão.

Uma dor intensa me preencheu.

 Caí no chão em desespero, largando a katana e me contorcendo de dor. Era como se perfurando o espelho, tivesse me perfurado. Um riso maldoso ecoou na floresta. Meu corpo amoleceu e meus olhos pesaram. Olhei para cima e me deparei com aquele rosto coberto de tinta me encarando.

Uma chuva repentina começou. Retirando a tinta até que ela realmente se parecia comigo.

 Sua mãe não deixou a desejar tanto assim , comentou sorrindo.

Então, eu me dei por vencida e cai em um sono profundo.