Chove sobre a cidade...

Essa cidade nunca foi muito receptiva com a chuva, mas ela não se importa.

Chove sobre o Balto* entre as árvores;

Chove sobre o Charging Bull* entre os prédios;

Chove sobre os mercadores americanos na marina*;

A chuva não tem preconceito.

Ela chove sobre todos.

E o telefone toca…

Eu ouço, até desvio os olhos das pessoas correndo pela Park Avenue*‎, mas não atendo. Porque será que eles correm? É tão surreal correr pela chuva, afinal se você já está molhado porque não aproveitar. Me lembro de uma vez em que corremos pela chuva junto a alguns amigos para se esconder e você vinha caminhando atrás com o rosto pro alto de olhos fechados e respirando sentido a chuva. Parei e fiz o mesmo.

E o telefone toca…

Passo por ele, vou até a cozinha, pego mais um pouco de chá. O filme que estava assistindo está pausado na parte exata em que aprendi a assistir com você. “La Bastille”*, sua musica predileta está tocando e fico a sorrir, pois se tornou a minha também e no momento, bem correta, com os acontecimentos. Afinal “Il pleut des cordes sur le génie de la place de la bastille”* e aqui chove sobre a estátua na ilha da liberdade. Eu rio a sós com essas brincadeiras linguísticas. Percebo, isso aprendi com você.

E o telefone toca…

Eu aposto que agora você gostaria de poder brincar comigo novamente. Foram dezoito meses, certo? Você me moldou, eu mudei, aprendi bastante e não me arrependo. Aposto que você se arrepende de ter brincado comigo. Eu sabia como você era e mesmo assim brinquei para valer. Bom… apenas escolhi o jogo errado. Você não é um jogo para um só jogador. Tomo mais um gole do chá.

E o telefone toca…

Não atendo, sei o que irá dizer. Eu já estive aqui antes, já vivi tudo isso antes. Você não pode me salvar agora. Estou aqui tomando meu chá, vendo um filme francês e curtindo o meu jogo solitário. Quando você partiu e eu fechei a porta, abri muitas janelas. Porem hoje chove lá fora e elas estão fechadas. Hoje não estou com disposição para desvendar os seus segredos.

E o telefone toca…

Me pergunto como será que você está. A ultima vez que lhe vi, você estava no Experimental* com outra pessoa. Talvez seu novo brinquedo, pela forma como você falava com ela. Parecia estar mostrando as famosas bebidas francesas e falando de filmes e musicas. Eu fui lá com você pela primeira vez e foi quando você me contou tudo isso. Como os filmes, esse bar se tornou mais uma coisa a se gostar, porem não volto lá desde aquela noite. Fugi de você e me escondi no Death & CO*. Sabia que por lá não poderia te ver. Você odiou o lugar quando lhe apresentei e por isso, ele se tornou meu lugar predileto atualmente.

E o telefone toca…

Você me deu esse telefone, disse algo sobre ser chique ter um telefone em casa na era dos celulares. Bom, como eu disse na época, ninguém me liga por ele. Então, sei que só pode ser você ligando. Como será que você anda ? Ainda usa o mesmo carro básico, será que mudou de apartamento como sempre quis fazer. Eu mudei, vim morar na rua em que conversamos sempre. Me lembro do quão pequeno era seu apartamento e quantas vezes ficamos presos nele por causa da chuva. Imaginei que você ligaria hoje.

Tomei mais um gole do chá.

O telefone toca.

Eu suspiro.

Eu atento.

— Oi — Afinal, você só me liga quando chove lá fora e chove pouco nessa cidade.