As Redfield: O Leão, A Feiticeira e O Guarda-Roupa escrita por LadyAristana


Capítulo 12
Capítulo 12




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O grupo que fora enviado para buscar Edmundo retornou com o menino ao acampamento junto com os primeiros raios de sol. O acampamento ganhou vida assim que o dia clareou, e logo as meninas estavam a caminho da tenda de Pedro, para que ele as acompanhasse no café da manhã.

Pedro já estava do lado de fora quando elas chegaram, e ao seguirem o olhar do rapaz, lá estava Edmundo tendo uma conversa com Aslam.

— Edmundo! – exclamou Lúcia feliz prestes a correr ao encontro do irmão, mas Pedro a segurou, não querendo interromper.

O que quer que Aslam dizia a Edmundo era importante, e Clarissa observou que mesmo a postura do menino estava diferente. Ainda assim, a exclamação de Lúcia chamou a atenção do menino e do leão, que aparentemente já haviam terminado sua conversa, pois, após uma troca de olhares e acenos de cabeça, foram juntar-se aos demais.

Edmundo caminhava de cabeça baixa, ombros encolhidos e mãos nos bolsos. A própria forma como ele se portava parecia diferente: mais relaxada, como se um peso houvesse sido tirado de seus ombros. Foi só quando o viu assim que Clarissa percebeu o quão assustado Edmundo estivera antes, sempre tenso e na defensiva.

Ela se lembrava de ver Sofia assim na viagem de trem que fizeram de Cambridge para a casa do Professor. Ali, a pequena Redfield lamentou não ter tentado mais ser amiga de Edmundo por conta da primeira impressão que tivera dele.

— O que passou, passou. – disse Aslam olhando cada um dos humanos com sabedoria em seus olhos dourados. – Não vale a pena falar com Edmundo sobre o ocorrido.

E assim, o Grande Leão foi tratar de outros assuntos, deixando os humanos em um silêncio desconfortável.

— Olá. – murmurou Edmundo ainda com os olhos baixos. Ele mesmo se sentia mal pelas coisas que havia pensado, dito e feito, mas não teve muito tempo para pensar nisso, porque Lúcia não demorou nada em ir abraça-lo, e dessa vez o menino correspondeu, pois havia compreendido que deveria ser mais amoroso e compreensivo com a irmãzinha.

Logo, Susana também foi abraçar Edmundo, as meninas Pevensie não conseguindo parar de sorrir diante da visão do irmão vivo e inteiro.

Pedro ficou para trás, tentando manter a compostura, mas a verdade era que ele estava prestes a chorar, pois achou que nunca mais veria o Edmundo. Sofia percebeu isso, e se aproximou para segurar a mão de Pedro, oferecendo a ele um pequeno sorriso que pareceu funcionar como forma de conforto.

— Você está bem? – perguntou Susana soltando Edmundo de seu abraço.

— Um pouco cansado. – o menino respondeu.

— Descanse um pouco. – disse Pedro, a expressão estoica, sinalizando a própria tenda.

Clarissa fez careta, mas não disse nada. Ela se sentia fora de lugar ali – afinal sempre fora sincera sobre o quanto não gostava de Edmundo –, mas não podia deixar de pensar que aquele comportamento duro de Pedro fora um dos agravantes para o quando Edmundo se tornara desagradável.

Mesmo assim, a pequena se manteve em silêncio, praticamente escondida atrás da coluna de madeira que sustentava a tenda esperando para ver se Edmundo teria outro daqueles ataques de malcriação, mas para a surpresa dela, o Pevensie simplesmente... Obedeceu.

— Edmundo! – Pedro chamou quando o mais novo havia passado por ele e então se virou com um pequeno sorriso. – Tente não se perder.

Os dois compartilharam uma risada curta antes que Edmundo fosse entrar na tenda.

Aconteceu que Clarissa continuava meio atrás da coluna de madeira, que ficava no caminho que Edmundo fazia para a entrada, resultando em um encontrão.

Todos prenderam a respiração, com a plena certeza de que um dos dois ou ambos teriam um chilique.

Mas naquele dia, Edmundo era um garoto cheio de surpresas e deu um passo para trás antes de, com as bochechas vermelhas de vergonha, dizer:

— Clarissa, eu... Eu gostaria de pedir perdão por ter te chamado de mentirosa. E por ter mentido. E por ter sido tão desagradável. Você me perdoa?

Ainda sem a certeza se realmente poderiam respirar com segurança, os olhares de Sofia, Susana, Lúcia e Pedro caíram sobre Clarissa.

— Bem... Sim. – respondeu a menina parecendo considerar suas palavras com muito cuidado. – Mas eu tenho uma condição.

— S-sim? – o garoto perguntou receoso. Talvez ela quisesse socá-lo novamente, e apesar de merecer, aquela não era uma experiência que Edmundo gostaria de repetir.

Muito divertida com as expressões apreensivas de todos, Clarissa decidiu fazer suspense, e Edmundo se sentiu como que em um espetáculo de circo, com o rufar de tambores ao fundo agitando a plateia para o ponto alto do show.

— Uma partida de xadrez. – Clarissa declarou por fim com um sorrisinho sapeca. – Ontem joguei com pelo menos três centauros, incluindo o general Oreius e nenhum ganhou de mim.

— Feito! – Edmundo concordou prontamente apertando a mão da pequena Redfield e todos relaxaram.

A partir daí, o grupo decidiu que esperaria que Edmundo descansasse e tomariam café da manhã com ele, então cada um foi para um lado.

Clarissa e Lúcia – às quais logo se juntaram Ralph, Ligeirinha, Atara e Aticus – foram atrás de Oreius para pedir seu jogo de xadrez emprestado.

Susana foi procurar os castores, para informá-los sobre o retorno de Edmundo.

Pedro não queria ficar longe de Edmundo, então subiu na rocha próxima e sentou-se lá para tomar sol.

— Bem, um problema resolvido. Ufa. – declarou Sofia sentando-se ao lado do rapaz. Ela não obteve resposta nenhuma, e isso não só a preocupou como também a deixou insegura. Talvez o que acontecera na noite anterior tivesse deixado as coisas estranhas? Ela esperava que não. – Pedro?

Quando o Pevensie se virou para olhá-la, tinha os olhos cheios d’água e parecia estar fazendo um esforço incrível para não chorar. Com um suspiro empático, Sofia o puxou para um abraço.

— Desculpe. – Pedro fungou com o rosto afundado no ombro de Sofia. – Eu só... Eu realmente achei que nunca mais veria o Ed. Achei de verdade que a Feiticeira o mataria.

— Ei, está tudo bem. – a moça garantiu com um carinho nas costas de Pedro para acalmá-lo. – Eu entendo. De verdade. E agora está tudo bem. Edmundo está vivo, está bem e está seguro.

— Obrigado. – ele murmurou, saindo do abraço, mas mantendo um braço ao redor dela. – E sobre ontem...

— Não precisamos falar disso agora se você não quiser. – Sofia se apressou em dizer sentindo as faces coradas e desviando o olhar para o chão.

— Eu só queria dizer... Com todo o respeito, é claro... Espero que possa se tornar um hábito. – disse Pedro sem jeito, certo de que estava tão vermelho quanto ela. E ficou ainda mais desconcertado quando Sofia soltou um risinho soprado e sorriu de canto. – O-o que foi? Eu disse algo de errado?

— Não. Mas você também não é muito bom com declarações. – riu a moça antes de voltar a olhá-lo nos olhos. – E eu também não sou, então... Eu também espero que possa se tornar um hábito.

O casal de adolescentes riu antes de compartilhar um beijo, aproveitando a paz do momento.

Mais pra frente, Clarissa e Lúcia seguiam para a via principal do acampamento seguidas por sua trupe de animais falantes.

— Eu tinha certeza que você ia pedir pra bater nele. – disse Lúcia com uma risadinha.

— Ei! Eu não sou nenhuma selvagem! – exclamou Clarissa ofendida. – Dessa vez ele estava arrependido de verdade!

— Mesmo assim! – Lúcia deu de ombros rindo.

— Você percebeu que hoje Sofia e Pedro estão bem mais bobos do que antes? – perguntou a Redfield.

— Ontem eles ficaram sozinhos quando fomos dormir... – refletiu Lúcia franzindo a testa e fazendo um bico de lado antes de arregalar os olhos e agarrar o braço da amiga. – Será que eles se beijaram?!

— ECA! – Clarissa fez uma careta de nojo.

— Eu adoraria que eles namorassem! – Lúcia continuou com um olhar sonhador. – A Sofia e bonita, e inteligente e tão legal! A mamãe e o papai iam gostar muito dela! E ela e a Susana são melhores amigas! E eu acho que o Edmundo não tem nada contra ela, se agora ele está sendo tão legal até com você... Oh, e então quando crescermos você pode namorar com o Edmundo e seremos todos da mesma família!

— Lúcia, não viaja! – ralhou Clarissa fazendo ainda mais careta. – Eu e o Edmundo? ECA! Eca, eca, eca!

Lúcia começou a gargalhar das caretas da amiga. Bem nesse momento elas chegaram na via principal do acampamento e viram Oreius com Aslam na parte aberta da tenda do Grande Leão, os dois olhando para um mapa de Nárnia.

Qualquer um dos mais velhos teria receio de se aproximar, mas as pequenas entendiam de um jeito inexplicável que, mesmo sendo muito importante, Aslam também era alcançável e ficaria feliz em falar com elas, então elas se aproximaram – Lúcia ainda rindo um pouco e Clarissa ainda carrancuda.

— Ora, bom dia, minhas queridas. – Aslam cumprimentou ambas com um olhar sereno e carinhoso.

— Majestade. Milady. – disse Oreius com uma reverência.

— Bom dia. – disseram as garotas em uníssono, Lúcia muito animada apesar da careta da amiga.

— Por que a careta, Clarissa? – questionou Aslam em tom divertido.

— Lúcia tem muita imaginação. – respondeu a pequena Redfield.

— Não vejo como isso possa ser um problema. – riu Aslam. – Do que precisam, minhas queridas?

— Viu? – sorriu Lúcia cutucando a amiga.

— Eu gostaria de pedir o jogo de xadrez do Oreius emprestado, por favor. – disse Clarissa com uma carinha pidona irresistível. – Edmundo e eu queremos jogar uma partida.

— Pobre rei Edmundo... – disse Oreius sacudindo a cabeça, tendo perdido três partidas para a garotinha do dia anterior. – Claro que podem pegar emprestado.

— Até mesmo eu estou curioso para o resultado dessa partida. – concordou Aslam sorrindo. – Agora, meninas, o café da manhã as espera.

Ambas agradeceram e logo correram para onde o café da manhã era servido, com leite cremoso, café fresquinho, sucos de fruta, ovos cozidos, um bolo de frutas maravilhoso, torradas, manteiga e uma variedade de geleias.

Clarissa achava que havia algo de especial em tomar café da manhã ao ar livre sentados em almofadas na grama com o vento fresquinho e o sol.

— Eu tomaria café da manhã assim todos os dias! – ela exclamou espalhando geleia em uma de suas torradas.

— Concordo. É divertido! – sorriu Lúcia tomando um gole de leite.

— E acho as formigas narnianas especialmente educadas. Ainda não tivemos que espantar nenhuma. – acrescentou Susana.

— É verdade! – Sofia, sentada entre Susana e Clarissa, se juntou à brincadeira e olhou para o chão. – Muito obrigada pela consideração, donas formigas!

Nem Edmundo e nem Pedro comentaram nada. Pedro porque estava mais afastado, encostado nas rochas ali perto com a cara fechada – Clarissa se perguntava como Sofia ficava toda boba até olhando a cara de sério do rapaz. Edmundo porque estava atacando a comida como se aquela fosse a última refeição de sua vida.

— Nárnia não vai ficar sem torradas. – brincou Lúcia vendo a determinação com a qual o irmão comia. Pelo que pareceu a primeira vez, Edmundo riu do comentário da pequena.

Aquele não se parecia nada com o Edmundo chato e respondão de dois dias atrás.

— Preparem alguma coisa pra viagem de volta. – disse Pedro chamando a atenção de todos.

— Viagem de volta? – perguntou Sofia franzindo as sobrancelhas.

— Vamos pra casa? – questionou Susana tão confusa quanto.

— Vocês. – foi a resposta de Pedro. – Eu prometi à mamãe que ficariam seguros. Não quer dizer que eu não possa ficar para dar apoio.

— Boa sorte tentando me arrastar de volta! – disse Clarissa cruzando os braços.

— Ele não está falando de nós duas, Clare. – falou Sofia, pousando a mão no ombro da irmãzinha.

— Mas precisam de nós. – argumentou Lúcia e ao receber olhares em branco dos irmãos, reforçou: – De todos nós!

— Lúcia, é muito perigoso. – discutiu Pedro. – Você quase se afogou! Edmundo quase foi morto! Vocês meninas foram atacadas por lobos!

— É por isso que temos que ficar. – Edmundo falou pela primeira vez com o olhar baixo antes de olhar Pedro nos olhos. – Vi o que a Feiticeira pode fazer. E ajudei a fazer. Não podemos permitir que esse povo sofra por isso!

Houve uma troca de olhares significativa entre os humanos, e Clarissa finalmente entendeu o quanto aqueles dois dias haviam mudado Edmundo.

Ele não era mais o menino respondão, petulante e insuportável. Na verdade, a pequena Redfield estava certa de que podia ser amiga desse novo Edmundo. Ela certamente gostaria de tentar.

Ela se perguntou se era isso que Nárnia fazia nas pessoas. Clarissa conseguia perceber a mudança nos outros e em si mesma. O quanto ela estava mais paciente e compreensiva. O quanto Sofia parecia mais determinada e segura de si. O quanto Lúcia estava mais forte por dentro. O quanto Susana estava mais tolerante e humilde. O quanto Pedro parecia mais paciente. E principalmente o quanto Edmundo estava mais gentil e generoso.

Lúcia segurou a mão de Edmundo e Susana se levantou determinada rumando para onde suas armas descansavam contra um banco de madeira esculpida:

— Então já está decidido.

— Aonde você vai? – perguntou Pedro.

— Treinar um pouco. – respondeu Susana pegando seu arco e as flechas. – Você vem testar seu crossbow direito dessa vez, Clarissa?

— Nem precisa pedir duas vezes! – exclamou a pequena ficando de pé em um pulo, pegando o pequeno arco automático e seguindo a Pevensie mais velha.

— Isso eu não vou perder! – exclamou Lúcia nem hesitando em ir atrás.

Os meninos piscaram antes de se voltar para Sofia, que espanava migalhas do vestido.

— Se você quiser, posso te mostrar como fazer aquele movimento que eu fiz com o taco de críquete com a espada, Edmundo. – ela ofereceu sorrindo.

— Sério?! – o garoto exclamou animado antes de murchar de novo. – Eu não tenho uma espada...

— Então é melhor resolvermos isso logo! Vamos falar com o Oreius e enquanto isso você pode usar uma das minhas. – disse Sofia enquanto prendia as bainhas às costas com facilidade, pois as correias foram feitas em forma de colete, de forma que ela passava os braços por tiras de couro mais finas ajustáveis e afivelava na cintura uma tira de couro mais larga que servia quase como um corpete. – Vem!

Prontamente, Edmundo enfiou o resto da torrada na boca e se levantou, espanando as migalhas da roupa enquanto acompanhava Sofia.

— É muito difícil? – ele perguntou, notando pelo canto do olho que Pedro os seguia.

— Um pouquinho no começo, mas aposto que logo você pega o jeito. – a moça respondeu liderando o caminho para onde ela havia visto que as armas eram forjadas. – Edmundo? Eu não fui muito legal com você, e não fui justa. Na verdade eu estava sendo malvada de propósito. Você me perdoa?

— Considerando que eu fui muito pior que você... Não tem o que perdoar. – respondeu Edmundo encolhendo os ombros.

— Ótimo. Então vamos ignorar o que aconteceu e de hoje em diante somos amigos, combinado? – disse Sofia oferecendo a mão para o menino.

— Combinado! – concordou Edmundo apertando a mão dela. Na opinião do garoto, não era uma proposta nada ruim. Sofia lhe parecia o tipo de pessoa que conseguiria salvá-lo de toda e qualquer enrascada.

Com isso, os três alcançaram a pequena forja do acampamento, que era comandada por um autoritário anão vermelho chamado Dunkin e seu amigo Kannius, um sátiro que sempre fazia todos rirem com suas piadas.

— Majestades. – cumprimentou Kannius curvando-se e cutucando Dunkin para que o anão percebesse a presença dos humanos. – Milady.

— Vossas Graças! – exclamou Dunkin tirando sua máscara de proteção e luvas, limpando as mãos num pano que pendia do bolso na frente de seu avental. – Em que posso ajudá-los hoje?

Os três humanos se entreolharam antes que Sofia tomasse a frente com um sorriso simpático:

— Viemos pedir uma espada para o Rei Edmundo. Com toda a bagunça que aconteceu, ele acabou ficando sem nenhuma.

— Ah sim! Sim! Venham comigo! Venham, venham! – chamou Dunkin animado guiando os humanos até uma tenda com a frente aberta no centro da forja que servia como escritório para Dunkin. – Já havíamos pensado nesse problema, e apesar de não podermos forjar a espada com Sua Majestade fora, eu deixei alguns projetos prontos.

— Por que não conseguiam fazer a espada sem mim? – questionou Edmundo polidamente, observando muito interessado os desenhos que o anão apresentava.

— Forjar uma espada é uma arte muito precisa, Majestade. Ela não pode ser muito pesada, o equilíbrio deve ser medido de acordo com sua força, o punho deve ser feito na medida para a mão certa e o punho deve ser na medida certa para Vossa Majestade. – explicou Dunkin abrindo um baú e tirando algumas amostras de couro, as dispondo diante dos humanos. – Pode escolher, Majestade!

— Eu gostei desse punho aqui. – disse Edmundo mostrando o desenho de um punho simples e muito elegante, com a ponta arredondada como uma gota com duas pequenas asas fazendo com que se assemelhasse com uma flor de lis. Dentro do punho, um desenho de gota esculpido assim como três pequenas estrelas e uma estrela grande em relevo no centro. Onde a gota terminava, começava o couro, que se estendia até um pouco antes das abas do punho, que desciam em um leve arco para baixo, terminando triangulares. – Você desenhou todos...?

— Dunkin! – exclamou o anão ao perceber o porquê da pergunta ter sido deixada no ar. – Fui eu sim, Majestade. Meus antepassados têm sido mestres-forja por gerações, desde a criação de Nárnia. Foi meu pentavô quem forjou as coroas do rei Franco e da rainha Helena, os primeiros rei e rainha de Nárnia.

— É um trabalho genial, Dunkin! – elogiou Pedro e mostrou uma amostra de couro bege com alguns desenhos em dourado para o irmão. – Que tal esse, Ed?

— Um pouco demais. – Edmundo negou passando pelas amostras de couro.

— Que tal esse azul? Acho que combina com você. – opinou Sofia para um azul marinho com arabescos pirogravados.

— Eu gosto de azul, mas acho que prefiro um que se pareça mais com os de vocês. – disse o menino tirando da pilha um couro vermelho escuro com um intrincado desenho pirogravado que fazia o couro parecer trançado. – É este!

— Bela escolha, Majestade! – elogiou Dunkin usando um lápis para fazer anotações nas bordas do desenho do punho que Edmundo escolhera e usando um clipe para prender a amostra de couro escolhida ao desenho. Então o anão vermelho abriu outro baú e retirou três espadas de madeira de tamanhos diferentes. – Vossa Majestade poderia testar qual lhe serve melhor?

Foram os três humanos e o anão para fora da tenda e Dunkin explicou que Edmundo deveria testar alguns golpes com cada um dos três modelos para ver qual era melhor. Pedro se ofereceu para trocar alguns golpes de espada com o irmão, e logo ficou determinado que o segundo modelo era melhor.

Dunkin assegurou que em algumas horas teria a espada pronta, pois o metal que precisaria havia começado a ser preparado no nascer do sol. O mestre-forja previra que Edmundo precisaria de uma espada.

Depois disso, o grupo foi abordado por Oreius, que ofereceu lições de esgrima.

Cada um recebeu uma espada de madeira – no caso de Sofia, duas – e um espantalho no qual deveriam desferir os golpes que o centauro ensinava.

Quase ao meio dia, quando considerou que seus pupilos estavam bons o suficiente, Oreius decidiu acrescentar cavalos na equação, dificultando o trabalho dos humanos, pois os cavalos narnianos não usavam sela, arreio ou rédeas.

Sofia teoricamente teria menos dificuldade que os meninos, por ter aprendido a montar com um dos cavalos do Professor quando os pais ainda eram vivos, mas a falta de sela e rédeas, assim como o fato de ter cada uma das mãos ocupadas por espadas tornou a tarefa mais difícil do que o esperado, apesar do quão solicita e compreensiva era sua montaria – uma égua Palomino cor de café com leite e de crina branca chamada Tophee.

Para Pedro e Edmundo a experiência fora um suplício.

Os meninos de cidade grande haviam tido pouquíssimo contato com cavalos antes, e mesmo o mais velho – que cavalgava um unicórnio branco – teve problemas em não cair.

— EU VOU CAIR! – exclamou Edmundo apavorado em certo ponto, nada disposto a se soltar do pescoço de seu cavalo baio.

Felizmente, não existe nenhum professor de equitação melhor que um cavalo, e não demorou nada para que todos pegassem o jeito.

Enquanto isso, não muito distante dali, uma série de alvos havia sido disposta para treinar os arqueiros.

Enquanto o crossbow de Clarissa tinha um uso mais intuitivo, Susana precisou de algumas instruções vindas de Liena, a esposa de Oreius e líder dos arqueiros do exército narniano.

Enquanto isso, Clarissa aproveitou os alvos para testar a própria mira, que era boa, mas acertar o centro dos alvos era difícil por conta da estatura de criança da menina.

— Talvez eu deva pedir algumas adagas, pra se alguém chegar muito perto? – a Redfield cogitou olhando para Lúcia, que mexia impressionada em um arco longo que parecia ter duas vezes o tamanho da pequena.

— Ou você pode simplesmente usar uma das suas flechas como se fosse uma adaga. Sabe? Pega o cabo e usa a ponta pra se defender. – opinou Lúcia tentando levantar o arco meio desajeitada. – Acha que consigo atirar com um desses?

— Acho que esse aí é grande demais até pra Susana. – respondeu Clarissa e então sem sair do lugar onde estava em pé, disparou três flechas em sequência, cada uma num alvo diferente, acertando as três na mosca. – É, nada mau...

— Você é boa. – sorriu Susana se aproximando pronta para praticar por conta própria.

A Pevensie ajustou sua posição, ficando meio de lado, uma perna ligeiramente afastada da outra. Ela segurou o arco usando o polegar, o indicador e o dedo médio e encaixou a flecha primeiro na corda, o indicador sobre a flecha, o dedo médio e o anelar sob o projétil, com o polegar segurando levemente os dois últimos e o dedo mínimo recolhido de forma a dar estabilidade para a mão. A ponta da flecha foi descansada sobre as juntas dos dedos que seguravam o arco.

Sem pressa, Susana trouxe o braço direito para cima ao mesmo tempo que o braço esquerdo puxava a corda da forma que Liena havia ensinado: ombros retos, cotovelo erguido, as penas da flecha tocando o canto da boca da menina. Ela fechou um olho, avaliando sua mira e soltou a flecha ao mesmo tempo que expirava.

A flecha voou ligeira com um zap e com um tump acertou o segundo círculo interno do alvo próximo à borda.

Enquanto Susana franzia as sobrancelhas com um olhar extremamente autocrítico para o próprio tiro, um sorriso animado cresceu no rostinho de Lúcia. Como se uma lâmpada se acendesse sobre a cabeça da pequena Pevensie, ela alcançou o pequeno punhal que ganhara de presente.

— Talvez seu braço esquerdo estivesse um pouco baixo? – sugeriu Clarissa educadamente.

Susana não teve tempo de responder, porque com outro zap e outro tump o punhal de Lúcia acertava o alvo bem na mosca.

As meninas se entreolharam e riram.

— É, acho que precisamos arrumar um arco do seu tamanho. – disse Clarissa para a amiga.

Colina acima vinham cavalgando Sofia, Pedro e Edmundo, muito mais confiantes de suas habilidades de cavalgada e já autorizados a usar espadas de verdade, a espada novinha em folha de Edmundo reluzindo ao sol.

— Vamos Ed! Espada pra cima, como Oreius nos mostrou! – exclamou Pedro.

En garde! – disse Edmundo erguendo a espada.

— Agora bloqueia! – instruiu Sofia vendo os meninos lutarem, antes de tocar Tophee para se juntar aos dois.

— Ou! – reclamou Edmundo quando a luta se tornou dois contra um.

Sofia soltou uma risadinha, assim como as outras meninas que assistiam.

— PEDRO! EDMUNDO! SOFIA! – chamou o Sr. Castor correndo colina acima e interrompendo o trio.

Assustado, o cavalo de Edmundo – que fora convencido a usar rédeas e sela – empinou e felizmente o menino conseguiu se manter na sela.

— Wow, cavalinho! – disse Edmundo, acalmando sua montaria.

— Meu nome é Phillip! – respondeu o cavalo resignado.

— Ahn... Desculpe. – murmurou Edmundo. Ele duvidava que fosse se acostumar aos animais falantes tão cedo.

— O que houve, Sr. Castor? – questionou Sofia empurrando para trás alguns fios de cabelo que haviam escapado de sua trança.

— A Feiticeira exigiu um encontro com Aslam! – disse o castor. – Está vindo para cá.

O coração de Edmundo acelerou com uma onda de medo. Ele olhou primeiro para o irmão e então para Sofia.

A Redfield tinha um olhar determinado ao embainhar suas espadas e desmontar. Ela andou até perto da cabeça de Phillip e o segurou pela rédea antes de olhar para Edmundo com um sorriso reconfortante:

— Fique de pé nos estribos e passe a sua perna direita por cima da parte de trás do cavalo.

Edmundo prontamente obedeceu as instruções da moça enquanto Pedro também desmontava de Moonstone, o unicórnio.

— Vai ficar tudo bem. Estamos com Aslam agora. – disse Sofia para os meninos enquanto caminhavam até onde estavam as outras meninas.

Edmundo concordou e acelerou o passo. No fundo, ele sabia que algo assim aconteceria mais cedo ou mais tarde.

Pedro segurou a mão de Sofia. Ele não conseguia ser corajoso sozinho agora.

— Me ajuda a recolher as minhas flechas? – Clarissa perguntou para Edmundo, vendo o quanto ele parecia consternado. Ele fez que sim e caminhou atrás dela para o alvo mais distante. – Ontem Aslam me disse uma coisa quando eu perguntei se ficaríamos bem.

— O que ele disse? – perguntou Edmundo, colocando a mão no ombro de Clarissa para impedi-la de se esticar quando viu que seria mais fácil para ele alcançar a pequena flecha.

— Ele disse que sempre existe esperança. – a menina respondeu com um pequeno sorriso, pegando a flecha que Edmundo lhe estendia. – Vai ficar tudo bem. E se você tiver medo, é só olhar pra Aslam.

Edmundo sorriu. Porque ele tinha certeza de que Clarissa tinha razão.

— Obrigado. – ele disse.

— É pra isso que são os amigos. – ela deu de ombros.

Todos juntos se direcionaram de volta à via principal do acampamento e Edmundo fez o que Clarissa sugerira: quando ele tinha medo, olhava para Aslam.

— A rainha de Nárnia! Imperatriz das Ilhas Solitárias! – anunciava o anão Ginabrik acima das vaias do exército de Aslam enquanto a Feiticeira era carregada em um trono de metal escuro por ogros.

Os olhos de Aslam se estreitaram e ele soltou um rosnado baixo, mais ferocidade em sua cara de leão do que os humanos haviam visto até agora.

Clarissa não deixou de notar o quanto a brancura e a beleza cruel da Feiticeira pareciam fora de lugar naquele acampamento tão vivo e colorido.

O dia de sol se tornara nublado, e um vento frio corria pelo acampamento quando o trono da feiticeira foi baixado e ela encarou Aslam, impassível, pálida e fria como a morte.

Aslam ficou de pé e também encarou a Feiticeira. Um rosto dourado e um rosto nevado.

O exército parecia aos pouquinhos se aproximar mais dos humanos, e os humanos de Edmundo conforme a Feiticeira se aproximava de Aslam, lançando aos Pevensie e às Redfield um olhar de desprezo.

Edmundo tremia, não sabia se de frio ou de medo. Todos tinham medo nos rostos, menos Lúcia e Clarissa. Os coraçõezinhos de ambas estavam firmes na certeza de que Aslam era sim mais poderoso que a Feiticeira, e enquanto estivessem ao lado dele, estariam seguros.

— Você tem um traidor entre os seus, Aslam. – disse a Feiticeira em um tom que era quase desdenhoso. Suspiros se espalharam pelo acampamento e olhares caíram sobre Edmundo.

— A ofensa dele não foi contra você. – disse Aslam em um tom calmo cheio de autoridade. Clarissa entendeu porque o Sr. Castor o chamara de “verdadeiro rei de Nárnia”.

— Vejo que se esqueceu das leis sobre as quais Nárnia foi construída. – o tom da Feiticeira era cheio de uma insolência convencida, como se ela acreditasse verdadeiramente que estava em pé de igualdade com o Grande Leão.

“Ela é louca!”, pensou Clarissa ao tempo em que Aslam rosnou alto:

— Não cite a Magia Profunda para mim, Feiticeira! Eu estava lá quando foi escrita.

Toda a comitiva da Feiticeira tremeu, desviou o olhar e até deu um passo para trás e mesmo o exército de Aslam baixou a cabeça em temor, mas ela permaneceu ali, parada como uma rocha.

— Então se lembra bem de que todo traidor pertence a mim. – disse a Feiticeira parecendo quase ofendida. – O sangue dele é minha propriedade.

Pedro teve o suficiente e desembainhou a espada. Soldados do exército de Aslam fizeram o mesmo e o próprio Edmundo tinha as juntas brancas de segurar o punho da própria espada.

— Tente pegá-lo! – desafiou o menino mais velho, verdadeiramente corajoso o bastante para enfrentar a Feiticeira.

O general da Feiticeira ergueu seu machado de guerra, mais mãos voaram para punhos de espadas, Clarissa carregou seu crossbow, Susana apertou seu arco e ficou na frente de Lúcia, a postura de Sofia se tornou defensiva e Aslam soltou um grunhido gutural de descontentamento.

— Acha mesmo que a força bruta vai tirar o meu direito... Reizinho? Aslam sabe que a menos que eu tenha o sangue dele, como manda a lei, toda Nárnia será subvertida e perecerá em fogo e água! – anunciou a Feiticeira olhando para o exército e então apontou para Edmundo. – Esse menino morrerá na Mesa de Pedra!

Ela fez uma pausa e se deliciou na aura de desespero que se espalhou pelo acampamento antes de continuar:

— Como diz a tradição. – voltou a olhar para Aslam. – Não ouse recusar.

— Ela não pode fazer exigências dessa forma, pode? – questionou Sofia em voz baixa para os outros humanos.

— Sempre existe esperança, Edmundo. – murmurou Clarissa, muito insatisfeita com a situação toda. Ela finalmente conseguira parar de odiar Edmundo.

— Basta! – exclamou Aslam, e todos os olhares se voltaram para ele. – Quero falar com você a sós.

O Grande Leão não esperou resposta, e virou-se para entrar na própria tenda.

A Feiticeira empinou o nariz antes de seguir.

Um burburinho tomou o acampamento. Um minuto se passou. Então cinco minutos. E então quinze.

Clarissa, percebendo que o assunto demoraria, se sentou no chão com o tabuleiro de xadrez que ela estava carregando por aí e começou a dispor as peças.

— Você pode jogar com as pretas, se quiser. – disse ela puxando a barra da túnica de Edmundo.

Após breve consideração, o menino se sentou e observou as peças. O xadrez narniano era o mesmo em princípio, mas as peças eram diferentes. Havia o rei e a rainha humanos, e então faunos no lugar dos bispos, centauros no lugar dos cavalos, árvores no lugar das torres e anões no lugar dos peões.

— Pode começar. – disse Edmundo.

Com um sorriso encorajador, Clarissa moveu seu peão da rainha para o centro do tabuleiro.

Os outros também se sentaram, Susana trançando algumas folhas de grama, Lúcia observando o jogo entediada e Sofia e Pedro abraçados, cada um parecendo perdido em pensamentos.

Edmundo bloqueou o peão de Clarissa. Clarissa moveu seu cavalo. Edmundo moveu outro peão. Clarissa moveu o cavalo de novo. Edmundo também moveu seu cavalo. Clarissa moveu seu peão. Edmundo moveu de novo seu cavalo. Clarissa fez o mesmo. Edmundo capturou o cavalo de Clarissa com seu peão.

O movimento no acampamento voltou ao normal, salvo alguns soldados que permaneceram vigiando a comitiva da Feiticeira.

Clarissa moveu seu peão. Edmundo moveu seu cavalo. Clarissa moveu outro peão. Edmundo insistiu no cavalo. Clarissa capturou o cavalo de Edmundo com seu bispo. Edmundo capturou o bispo de Clarissa com seu peão.

Enquanto Clarissa movia outro peão com um suspiro resignado, Pedro foi o primeiro a notar Aslam e a Feiticeira saindo da tenda. Ele se levantou, puxando Sofia consigo e chamando a atenção de todos.

A Feiticeira parecia estar em algum lugar entre satisfeita e furiosa enquanto saia dramaticamente, com passos duros e o olhar predatório fixo em Edmundo.

Uma onda de tensão tomou o acampamento novamente e Clarissa percebeu que grande parte do medo que a Feiticeira impunha vinha da postura dela: ela parecia sempre pronta para atacar.

Aslam saiu logo atrás, a imagem da calma. Mas não uma calma relaxada, e sim a calma imponente de quem sabia que não tinha o que temer.

Susana abraçou Lúcia. Sofia abraçou Clarissa. Edmundo deu um passo para ficar mais perto de Pedro. Todos de olhos fixos no Grande Leão, que tinha o olhar tão pesaroso que imediatamente corações aceleraram de medo.

— Ela renunciou ao direito do sangue do Filho de Adão! – Aslam anunciou para que o acampamento inteiro ouvisse.

Com um suspiro aliviado coletivo, Edmundo mal soube o que o atingiu quando foi abraçado por todos os irmãos e pelas amigas ao mesmo tempo.

— Como vou saber se manterá a promessa? – questionou a Feiticeira, já de pé em seu trono móvel, muito insatisfeita com toda a felicidade ao redor.

Aslam rugiu, e toda a terra pareceu tremer. Todo o ar vibrou com magia poderosa e a Feiticeira caiu sentada em seu trono, que agora aos outros parecia nada mais que uma cadeira enfeitada.

Nunca, em todos os mil anos em que vivia naquele mundo, a Feiticeira Branca fora motivo de piada, mas naquele dia o exército de Aslam gargalhou alto.

O Grande Leão, coroado por sua resplandecente juba, tinha a cabeça erguida e a postura do soberano que era quando a Feiticeira foi retirada de lá às pressas.

Gritos de comemoração se espalharam pelo acampamento de ponta a ponta, e Edmundo – que normalmente não era um grande fã de abraços – foi abraçado e abraçou a todos que o congratulavam.

Mas enquanto todos festejavam a vida de Edmundo, Lúcia notou outra coisa que ela logo cutucou Clarissa para mostrar: Aslam, baixando a cabeça, parecendo terrivelmente consternado, e mesmo quando seu olhar cruzou com os das Filhas de Eva, ele não conseguiu disfarçar sua tristeza.

Enquanto todos celebravam, Aslam voltava para sua tenda de cabeça baixa e ombros caídos.

Clarissa não pensou muito a respeito, certa de que a Feiticeira era uma pessoa extremamente cansativa e se tivesse passado tanto tempo conversando com ela, qualquer um ficaria de mau humor. Provavelmente Aslam queria apenas descansar um pouco.

Lúcia por outro lado passou o resto do dia incomodada.

O acampamento organizara uma pequena celebração, Sra. Castor até fizera um bolo. Os faunos e centauros arrumaram uma mesa com dois banquinhos e armaram o tabuleiro de xadrez para Clarissa e Edmundo jogarem.

O exército e os refugiados se dividiram em dois times para torcer, o general Oreius foi feito de juiz enquanto Ralph marcava o tempo e Ligeirinha fazia uma narração digna dos narradores de jogo de futebol nas rádios inglesas. Leões e árvores, as moedas narnianas, corriam nas mãos dos soldados.

O jogo terminou em um empate, e logo os faunos e dríades fizeram surgir seus instrumentos musicais. No curto tempo de convivência, já haviam feito músicas inspiradas pelos novos reis, rainhas e ladies.

Música embalou o acampamento, todos dançaram até os pés doerem, riram até chorar e se divertiram como se tivessem todo o tempo do mundo e como se tudo fosse acabar amanhã.

Aslam não aparecera para nada disso.

E durante tudo isso, aquele cantinho do coração de Lúcia continuava incomodado. Já era tarde, e a menina de jeito nenhum conseguira dormir. Revirava-se na cama e suspirava descontente. Principalmente queria saber o que deixara Aslam tão triste.

— Lúcia, tenha insônia mais baixo! – sussurrou Clarissa, cuja cabeceira da própria cama ficava encostada na cabeceira da cama da amiga.

A pequena Pevensie apenas suspirou e virou para outro lado. E então as duas ouviram passos na grama do lado de fora da tenda. Ambas se sentaram abruptamente – Clarissa até ficou um pouquinho tonta – e viram a silhueta de um leão passando por elas.

— Sofia!

— Susana!

Elas sussurraram ao mesmo tempo.

Nenhuma das meninas mais velhas havia adormecido completamente, e abriram os olhos a tempo de ver as pequenas calçando os sapatos e pegando seus presentes e capas.

Com uma troca de olhares, Sofia e Susana fizeram o mesmo, acompanhando as pequenas tenda a fora bem a tempo de verem a cauda dourada de Aslam sumir atrás de uma árvore.

As quatro se entreolharam por um segundo antes de irem atrás o mais silenciosamente que podiam, se escondendo atrás de árvores e mal ousando respirar. Estavam convencidas de que não seriam descobertas quando Aslam parou e disse:

— Não deveriam estar na cama?

— Não conseguimos dormir. – disse Lúcia, sendo a primeira a sair do esconderijo e se aproximar, seguida de Clarissa, Susana e Sofia.

— Por favor, Aslam... – começou Susana um pouco insegura. – Não podemos ir com você?

— Ficarei contente com a companhia por enquanto. – respondeu Aslam enquanto as meninas o ladeavam, Susana e Sofia de um lado, Lúcia e Clarissa do outro. – Obrigado.

— Nós é que agradecemos. – murmurou Sofia suavemente. Ele parecia tão terrivelmente triste.

Foi quase sem perceber que Lúcia estendeu a mão e engalfinhou os dedos na juba dourada do Grande Leão. Clarissa fez o mesmo, e logo Susana e Sofia. Então voltaram a andar todos juntos.

O momento parecia tão pesado e triste que mais nenhuma delas ousou falar, até que Clarissa se lembrou que tia Polly sempre cantava essa música de O Mágico de Oz para ela quando estava triste, e ela sempre ficava mais feliz.

Quase inconscientemente, Clarissa começou a cantar na esperança de que Aslam não fosse ficar tão triste:

Somewhere over the rainbow, way up high, there’s a land that I heard of once in a lullaby…

Somewhere over the rainbow, skies are blue, and the dreams that you dare to dream really do come true. — com um pequeno sorriso, Sofia acompanhou a irmãzinha.

E então as Pevensie começaram a cantarolar baixinho também e enquanto caminhavam o único sol além de seus passos era o canto baixinho das meninas.

Quando a música acabou, continuaram a seguir em silêncio, a atmosfera ainda pesada, mas não tanto quanto antes.

A noite ficou mais escura e o luar mais prateado, e então Aslam parou. Virou-se para as meninas e olhou cada uma com os olhos cheios de pesar e também de gratidão.

— É a hora. Daqui, devo seguir sozinho.

— Mas Aslam, queremos ir com você. – disse Clarissa.

— O seguiremos para onde for. – concordou Sofia.

— Por favor. – disse Susana enquanto Lúcia acenava com a cabeça.

— Têm que confiar em mim, pois deve ser feito. – disse Aslam com uma certeza abaladora. – Obrigado, Susana. Obrigado, Lúcia. Obrigado, Sofia. Obrigado, Clarissa. Adeus.

As meninas assistiram paralisadas enquanto Aslam se virava e ia embora.

Nem Sofia e nem Susana estavam prontas para desistir de seguir o Grande Leão, e trocaram um daqueles olhares que eram uma conversa sem palavras. Elas queriam seguir Aslam para onde quer que o vento soprasse.

Tocando os ombros das irmãs, as meninas mais velhas seguiram diagonalmente pelo mesmo caminho que Aslam fora.

***

 


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Notas finais do capítulo

Autora entra em pânico quando Netflix tira Nárnia do catálogo, não consegue achar seu DVD de O Leão, A Feiticeira e O Guarda-Roupas, acha que terá que esperar a Disney+ e comemora ao encontrar o filme em pedaços no YouTube, pois escreve a fanfic lendo o livro e assistindo o filme, entenda o caso.

Eu estou me preparando psicologicamente para escrever a cena do sacrifício de Aslam, porque é uma cena que me pega de jeito desde a primeira vez que eu vi o filme 15 anos atrás. É uma cena tão triste e ao mesmo tempo tão cheia de significado que eu não aceito menos que a perfeição ao escrevê-la. Eu me orgulho de nunca ter chorado escrevendo uma cena, mas tenho plena certeza de que vou chorar escrevendo essa.


Votem e comentem, beijos de luz, LadyAristana



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