— Muito bem! Quem são os próximos?

Hinata sempre tremia ao escutar aquelas palavras. Não que seu professor, o mestre em magias Hatake Kakashi, fosse um tirano; longe disso. A verdade era que ela detestava as aulas práticas em que deveria duelar com alguém – por mais que fosse algo amistoso. A pressão de ser observada por cada um ali era massacrante. E ainda havia a questão da expectativa.

A maldita expectativa.

Porque os Hyuuga nunca falhavam.

Foi com esses pensamentos em mente que ela havia se dedicado integralmente aos estudos durante as férias. O tempo que antes era dedicado às atividades com amigos fora reservado para treinos incansáveis.

Agora, com o início de um novo período letivo em Hogwarts, Hinata aguardava, ansiosa, pelas aulas práticas. Enquanto esse momento não chegava, ela continuaria a praticar. Sabia que havia evoluído, mas suas mãos ainda suavam quando imaginava o que viria a seguir. Com aquela mudança, seu pai finalmente passaria a vê-la de uma forma diferente, e ela seria, enfim, digna de encará-lo sem receios.

Ele não tornaria a chamá-la de fraca.  

. . .

Sasuke piscou algumas vezes até conseguir voltar à realidade após receber um beliscão no braço. Naruto o observava com uma expressão impaciente, embora aquilo não fosse de todo anormal. Os olhos escuros rondaram pela sala de aula, agora com apenas poucos alunos dentro enquanto guardavam o resto do material.

— Ei, Sasuke, está surdo? — Naruto indagou, a voz ainda mais alta que o normal. — Estou te chamando há tempos! A aula já acabou.

— Eu sei.

Era uma mentira deslavada, mas não importava. De modo discreto, ele virou o rosto para a janela, mas a figura que apreciava minutos atrás não estava mais lá. Sasuke suspirou, frustrado. Uma boa parte da aula de poções havia sido perdida graças à presença de Hyuuga Hinata.

Ele não soube exatamente quando, mas aquilo havia passado a fazer parte de sua rotina – observar a garota sempre que podia. Talvez, só talvez, tenha começado quando ele a flagrou treinando nos bosques do condado perto de onde moravam.

As famílias Hyuuga e Uchiha, constituídas por poderosos bruxos de sangue puro, construíram uma relação duradoura ao longo das décadas, mas não havia uma grande afinidade entre Sasuke e Hinata, que trocavam apenas curtos cumprimentos nas ocasiões em que se encontravam.

Porém, ao vê-la treinando tão arduamente no condado, Sasuke não conseguiu tirar a imagem da cabeça. Aquela atitude não era típica dele, o que acabou deixando-o apenas mais estressado ao longo dos dias.

— E então? Vai me ver acabando com os caras da sua Casa no jogo de Quadribol de hoje? — Naruto indagou, batendo no peito, orgulhoso.

Sasuke achava curioso como Naruto não parecia se importar com o fato de eles serem de Casas diferentes. Um da Grifinória e outro da Sonserina. Muitos ali naquele colégio sequer cogitariam aquela ideia, fruto de preconceitos antigos.

— Por mais que eu aprecie ver você perdendo, tenho outros afazeres. — Sasuke se levantou, não esperando por uma resposta provavelmente infantil do amigo. — Boa sorte se engasgando em suas próprias palavras.

. . .

Tudo o que Sasuke desejava era manter sua atenção totalmente focada nos livros. As provas ainda estavam longe, mas ele não considerava a opção de tirar uma nota baixa. Havia escolhido um lugar mais reservado de Hogwarts para praticar, um em que não tivesse que ouvir risadinhas ou cochichos de terceiros.

No local onde estava, o máximo que ouvia eram alguns risos que ecoavam pelos corredores de pedra da escola. Às vezes o bater de asas de alguma coruja se fazia mais presente, mas, definitivamente, era melhor do que a presença de alguém indesejado.

Após inúmeros treinos de Transfiguração, ele já estava preparado para guardar seus pertences e voltar para o Salão Comunal. Assim que o fez, notou uma figura já tão conhecida o encarando; provavelmente tinha acabado de chegar ali.

Hinata estava com o típico uniforme escolar, mas ao contrário dele, que possuía as vestes com detalhes verdes, ela tinha um brasão da Casa de Lufa-Lufa na blusa e um cachecol amarelo enrolado ao redor do pescoço.

— Ah — ela soltou, levando a mão até o queixo —, não sabia que você estava aqui, Sasuke-kun.  

— Já estou de saída.

Apesar disso, nenhum dos dois se moveu.

Sasuke conhecia a personalidade de Hinata. Sua timidez não deixaria com que ela tomasse o primeiro passo, mesmo que estivesse sentindo-se desconfortável com a situação. No fundo, ele acabava se divertindo com tudo aquilo.

— Vai treinar para o Clube de Duelo? — ele indagou, indicando com o queixo a varinha na mão dela.

— Sim. Ele começa no fim do mês, então...

— Hn — ele fez. Tirou sua varinha do bolso e se posicionou a alguns metros dela. Ao ver a expressão confusa no rosto feminino, ele bufou novamente. — Acha que vai conseguir evoluir se continuar treinando apenas sozinha?

Aquelas eram palavras duras para ela, e ele sabia muito bem disso, assim como também tinha conhecimento de que um animal quase indefeso, quando atiçado, daria o melhor de si em um combate.

Apesar de ainda estar acuada, Hinata sabia bem que não teria outra oportunidade como aquela. Sasuke era um dos melhores alunos de Hogwarts, e tê-lo como oponente era sua chance de obter um feedback de onde melhorar. Sabia que seria penoso, mas estava disposta a passar por aquilo.

Reunindo toda a coragem que possuía, Hinata posicionou-se à frente de Sasuke e sorriu levemente.

— Obrigada, Sasuke-kun. — Apesar da voz baixa, ele ainda conseguiu ouvi-la.

. . .

Havia virado uma prática habitual os encontros entre Sasuke e Hinata naquele mês. Pelo menos três vezes na semana eles duelavam juntos, e logo na segunda semana o caçula dos Uchihas descobriu-se extremamente ansioso na noite que antecedia aqueles momentos. Eram naquelas ocasiões que Naruto mais reclamava do mau humor do colega.

O Patrono de Hinata, antes do tipo incorpóreo, agora possuía a forma de um coelho. No dia em que ela finalmente havia conseguido dar forma àquele feitiço, sua felicidade foi tamanha que até mesmo Sasuke não pôde evitar de soltar um sorriso quase imperceptível.

— Ei, vocês dois.

Sasuke e Naruto viraram o rosto para encarar um rapaz que havia acabado de chegar no Pátio da Torre do Relógio. Os olhos negros e grandes, o cabelo escuro em forma de cuia e a vestimenta de cores vibrantes formavam uma combinação não muito comum por ali.

— E aí, Lee? — Naruto cumprimentou.

— Já viram o novo quadro do Clube de Duelo? — o rapaz indagou. Um enorme sorriso adornava seu rosto. — Parece que finalmente a menina Hyuuga vai participar.

A última frase havia capturado a atenção de Sasuke.

— Ohh, é a Hinata, certo? Ela é incrível! — A animação de Naruto podia equiparar-se a de Lee. — Se não fosse por ela, não teria passado em Poções no ano passado.

— Vai ser contra quem?

Os dois só pareceram lembrar-se de Sasuke ao ouvirem a voz dele, séria. Lee pareceu pensar por breves momentos, para só então estalar os dedos antes de fazer o anúncio.

— Sabaku no Temari.

Sasuke estreitou os olhos ao ouvir o nome completo. Não era um bom apreciador da família Sabaku, e já tivera desentendimentos com o mais novo deles, Gaara, há alguns anos. Ainda assim, não podia negar que eram bruxos bastante talentosos.

 Ele suspirou.

Odiava ter que assistir aos treinos, mas dessa vez, apenas dessa vez, faria uma exceção.

Por ela.

. . .

 De instante em instante Hinata sentia um arrepio passear por todo seu corpo. O Salão Principal estava lotado, com rostos animados e vozes estridentes. Pelo menos uma boa parte dos alunos estavam ali.

De um lado do palco, havia o professor Kakashi. Do outro, a professora Anko Mitarashi olhava para cada um ali, que tremia ao se notar ser encarado por ela.

— Como todos já sabem do que se trata, vou dispensar as apresentações. Novatos, se contentem com o folheto que entregamos mais cedo — Anko foi a primeira a falar. A voz desafiadora saiu alta e imponente. — Onde estão meus primeiros soldados?

Hinata suspirou. Aquela postura da professora não a estava animando de jeito nenhum. De qualquer forma, tudo o que ela fez foi subir no palco sob os olhares de desconhecidos. Conseguiu ouvir um “Vai, Hinata-chan” ao longe e logo pôde reconhecer a cabeleira loira de Naruto ao fundo. Por mais que apreciasse aquela torcida, seus olhos procuravam por uma outra pessoa.

— Muito bem. — A voz de Anko ressoou pelo salão.

Foi só nesse momento que a garota notou que sua oponente estava diante de si. Temari tinha uma postura altiva e um olhar despreocupado, como se estivesse ali apenas para passar o tempo. Ela retirou a varinha e se posicionou.

Hinata segurou sua própria varinha, pronta para repelir qualquer ataque. No entanto, tudo que Temari fez foi soltar um sorriso cínico.

— Pode começar.

Sentiu o coração acelerar, mas agora não havia mais para onde fugir. Ela lembrou-se imediatamente dos treinos que havia feito com Sasuke e do quão agressivo ele era ao lançar os feitiços.

A melhor defesa é o ataque, ele costumava dizer. Nada melhor do que surpreender seu oponente.

Não sabia exatamente como fazer algo daquele tipo ali, mas também não desistiria tão fácil. Ela começou com um feitiço básico, mas Temari desviou e atacou de volta. Hinata cambaleou para trás ao receber o ataque da outra.

— E então? Como vai ser? — perguntou a mulher loira, ainda sorrindo. — Quando vamos iniciar isso de verdade?

Hinata soltou um gemido baixo após uma sucessão de ataques mal sucedidos. Acabava acertando um ou outro, mas nada que pudesse fazê-la vencer.  Piscou algumas vezes, e então, de esguelha, conseguiu notar a figura de Sasuke a encarando. Por mais que ele estivesse com a feição impassível, ela conseguiu ver uma faísca nos olhos dele.

Naquele momento, no meio daquela troca de olhares, Hinata soube exatamente o que se passava pela mente dele, e sabia que, se pudessem se falar, ele diria algo como Não ouse perder; não depois de ter treinado comigo.

— Ei, Hyuuga, está me ouvindo?

Mal Temari terminou de falar e um pedaço de luz branca surgiu da ponta da varinha de Hinata, atingindo a outra com precisão. Ela foi lançada para trás com força, cambaleando sobre o palco. Vendo que aquilo não seria suficiente e que não poderia perder tempo, foi feita uma aposta em um último ataque.

Ela recitou as palavras e girou a varinha no ar. Um clarão saiu de sua varinha e atingiu Temari no mesmo instante, fazendo-a colidir intensamente contra a parede. A loira colocou as mãos no estômago e escorreu de maneira lenta até o chão, tossindo algumas vezes.

Assustada, Hinata arregalou os olhos e já estava pronta para aproximar-se de sua oponente, mas esta logo tratou de levantar a palma da mão.

— Não — disse Temari, voltando a se levantar. Todo o salão havia ficado em silêncio. — Eu sei reconhecer quando sou derrotada, Hyuuga. E saiba você que isso não acontece muitas vezes.

Não soube se aquilo era para ser um elogio disfarçado, tampouco teve tempo para pensar sobre. Kakashi voltou a subir no palco rapidamente, também surpreso com o resultado final.

— Vitória de Hinata Hyuuga.

Hinata ouviu alguns murmúrios pelo salão. Ao olhar para trás, viu que muitos alunos tinham um olhar assustado nos rostos; alguns não se esforçavam para esconder a admiração. Ao longe, ela viu novamente Sasuke encostado na parede. Dessa vez, toda a tensão havia se dissipado, e dessa vez, ela viu um pequeno sorriso nos lábios dele.

Anko fez um novo anúncio, chamando pelos novos duelistas, e tudo aquilo iria começar novamente. Hinata não estava interessada naquilo, não naquele momento. Fez um esforço para desviar dos outros alunos, agradeceu rapidamente aos que a cumprimentaram e quando, enfim, chegou em um ponto mais afastado, conseguiu respirar.

— Aliviada?

Sasuke também pouco se importava com o próximo duelo. O que havia acabado de acontecer, sim, capturou sua atenção.

— Sim! — respondeu, cansada e animada ao mesmo tempo. No próximo instante, porém, sentiu o rosto esquentar. — Eu não tinha certeza se você viria...    

Viria me ver, era o que quis dizer, mas as palavras morreram ainda em sua garganta. Não soube dizer o porquê de a presença dele ser tão importante naquele momento. Em momento algum durante o duelo havia pensado em seu pai, figura que constantemente assombrava seus pensamentos. Ao contrário disso, Sasuke foi a pessoa quem preencheu sua mente quase que o tempo todo.

E agora isso tudo estaria prestes a mudar.

Sasuke se fez presente até aquele momento, mas agora que ela havia finalmente conquistado o que queria, não havia mais motivo para ele ficar. Aquilo era tudo que Hinata conseguia pensar naquele momento, enquanto se percebia ser encarada pelo olhar tão penetrante dele.

Imaginar uma semana sem aqueles encontros rotineiros fez seu coração bater mais rápido. Era mais do que claro que não queria aquilo, mas o que poderia fazer? Não iria obrigá-lo a ficar com ela, e com certeza Sasuke deveria ter algo mais importante a fazer.

— Que cara é essa?

— Não é n...nada — respondeu, encarando os próprios pés. — Só estava pensando que esse é nosso último... encontro.

Hinata arriscou olhá-lo. Para sua surpresa, Sasuke ostentava mais um de seus sorrisos presunçosos.

— Não pense que vencer uma luta já te coloca já te torna invencível — ele disse, cruzando os braços. — Ainda não terminei de te treinar, Hyuuga. Só estará realmente preparada quando puder me vencer.

Hinata não soube o que responder àquela frase. Pensou por breves momentos. Não sabia se podia vencer Sasuke, mas certamente daria um bom trabalho a ele. Para isso, apenas algumas semanas de treinamento não bastaria, de modo que precisaria treinar por mais algum tempo. Com ele.

Ela não pôde conter o sorriso que insistiu em aparecer.

— No fim de semana te darei um novo desafio — Sasuke revelou, colocando o cachecol verde de volta ao pescoço e já pronto para ir à direção oposta. — Mesmo lugar e mesma hora.

Naquele momento, foi como se o corpo de Hinata tivesse se movido sozinho.

. . .

Sasuke surpreendeu-se ao se ver sendo abraçado. Não estava esperando por aquilo, de modo que tudo o que fez foi ficar estático. Quis fechar os olhos e congelar aquele momento. O toque, o cheiro e o corpo dela colado ao seu. Por um momento, sentiu medo de ela conseguir ouvir as batidas fortes de seu coração.  

Quando sentiu os braços dela afrouxarem, ele finalmente a fitou. O rosto estava ainda mais vermelho do que o normal, e ele sabia bem que aquilo não era apenas pelo frio que fazia. Em um ato impulsivo, levou sua mão até o queixo dela e o ergueu. Seus lábios tomaram o dela, num toque suave.

Não durou mais que alguns segundos, tampouco havia sido o suficiente, mas a voz dos professores anunciando um novo vencedor fez com que ambos voltassem a realidade, quebrando aquele contato.

Sasuke quis dizer o quanto havia ansiado por aquilo. Sua vontade de repetir era quase incontrolável, mas o dispersar dos alunos fez com que seu autocontrole voltasse à ativa. Quando pousou seus olhos sobre a figura de Hinata, ela também o encarava. Os lábios rosados e entreabertos estavam ainda mais convidativos.

— Ahn... É...

Ele sabia que nada de produtivo sairia dali. Não naquele momento. Tudo o que pôde fazer foi afagar os cabelos escuros dela como em um ato de despedida, acabando por bagunçá-los um pouco.

— Até mais, Hinata Hyuuga.

Mas ele sabia que ainda a veria naquele mesmo dia. E no seguinte. Sasuke sempre estaria a observando.