Orgulho escrita por Honora


Capítulo 1
único


Notas iniciais do capítulo

Escrevi uma one-shot certa vez falando sobre a raiva que o Draco sentia, de certa forma essa é uma expansão daquela one, mas não é preciso lê-la pra ler esta.

Narrado por Scorpius.



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Era madrugada de sexta-feira quando me peguei tendo pesadelos dos quais me deixavam o resto da noite sem pregar o olho. Em ocasiões como aquela, eu costumava acordar Albus para que fossemos escondidos até a cozinha de Hogwarts e tomássemos chá com bolinhos ingleses.

Mas eu não estava em Hogwarts e Albus definitivamente não estava dormindo ao meu lado.

Eram férias de verão e ainda sim a casa parecia gélida como o habitual. Decidi caminhar pelos corredores e instigar meu cansaço para que eu talvez conseguisse dormir mais algumas horas.

Caminhar por ali fazia me sentir extremamente solitário. Nessas horas, eu gostaria que Albus estivesse aqui, ele possivelmente teria alguma ideia de distração, além de que sua presença provavelmente deixaria a casa pouco mais acolhedora.

No entanto, eu não enxergava como isso um dia poderia acontecer. Afinal, eu não tenho certeza de que meu pai aprovaria a vinda do filho de Harry Potter. Eu nem mesmo tinha certeza de que ele sabia que Albus era meu melhor — e único — amigo.

Ao mesmo tempo, eu poderia passar horas ponderando sobre esse assunto. Eu nunca havia conversado com meu pai sobre Potter e o passado dos Malfoy, todas as mínimas tentativas que fiz quando mais novo, foram ignoradas com olhares de sofrimento e angustia, o que trazia um ar ainda mais sombrio pra esse passado do qual eu não conhecia.

Claro, haviam os boatos; e eram vários deles. Todos pareciam dizer a mesma coisa: Harry Potter e Draco Malfoy tiveram inúmeras avenças em seus anos em Hogwarts. Por esse motivo, não tenho tanta certeza de que meu pai aprovaria minha amizade com o filho de Potter.

Se os boatos fossem apenas esses, minha curiosidade por trás da história de meu pai não seria tão gigantesca. Mas obviamente, as coisas não param por aí. Sendo um Malfoy — e não tão parecido com o meu pai — você acaba escutando coisas de outras pessoas, fofocas e murmúrios sobre tempos desagradáveis, tempos sombrios em que meu pai ajudou a contribuir de forma negativa.

Não costumava a acreditar quando mais novo, hoje já não tenho tanta certeza.

De qualquer forma, andando pela casa, me deparei com a porta da entrada principal entreaberta, a brisa de verão adentrava pelas frestas.

— Pai o que está fazendo aqui fora? — me deparei com meu pai sentado em uma cadeira velha de balanço, possuía uma garrafa e taça de vinho em seus pés, uma manta cobria sua cintura, parecia um senhor doente de meia-idade. Suas feições, no entanto, faziam-no aparentar setenta.

— Não consigo dormir — murmurou ele, não levando seus olhos até mim.

Apesar de muitos pensarem dessa forma, meu pai não era uma pessoa fria. Talvez reservado e calado, sim. Mas não frio e insensível. De vez em quando, se você dissesse algo certo, ele sorria minimamente, às vezes era orgulho, às vezes apenas breve felicidade.

Ele não era uma pessoa totalmente soturna. Havia se tornado um pouco mais depois da morte da mamãe. Ele ainda cuidava de mim, no entanto. Questionava sobre minha vida escolar e sobre meus amigos, minha saúde física e mental, e sempre me indagava se eu precisava de algo. Eu sentia que eu poderia pedir qualquer coisa e ele daria um jeito de conseguir pra mim — talvez isso tenha me tornado um pouco mimado, de fato.

— As férias terminam em breve — ele observou. — Você passou seus dias trancado em casa... Não possui amigos pra visitar?

— Tenho alguns — mordi a língua, detestava mentir, mas detestava ainda mais preocupá-lo.

— Você mente tão bem quanto sua mãe — murmurou, com alguns traços de tristeza em sua voz.

Mamãe havia nos deixado há quatro anos, e foram anos extremamente difíceis. Não só pra mim, como para papai também. Eu sentia que precisava ser forte por ele, evitava chorar pela casa e mostrar as olheiras de noites mal dormidas. Eu tinha Albus para me confortar, mas meu pai não possuía ninguém além de mim, e, bem, não é como se ele fosse o tipo fácil de se abrir com outras pessoas — às vezes acho que mamãe foi a única que conseguiu tal feitio.

— Mamãe mentia terrivelmente, principalmente quando eu perguntava a ela sobre o seu passado, pai — lancei a isca, mesmo que indiscretamente.

Veja, é terrivelmente frustrante quando você tem quinze anos — beirando os dezesseis — e não possui muitas informações sobre a história do próprio pai. E eu sei que muitos não dariam importância para isso como eu dou, afinal, passado é passado, certo? Certo. Mas é difícil quando você sabe que algo extremamente importante como a Guerra Bruxa aconteceu e seu pai participou dela de uma forma inesperada e não muito... certa.

E como se lesse meus pensamentos, meu pai questionou:

— Isso faz você mudar seus pensamentos sobre mim? — vendo meu olhar confuso, ele continuou — Os boatos sobre minha história fazem você mudar sua visão sobre mim? — seu rosto era sereno e seus olhos pareciam tranquilos e brilhantes, supus que ele havia bebido uma quantidade considerável de vinho.

— Não, claro que não. Eu só gostaria de ouvir vindo de você. É frustrante ouvir fofocas maldosas sobre o seu nome e não poder ao menos confrontá-las pois não sei se são de fato verdadeiras — aconcheguei-me em sua frente, sentado no chão, com um pouco da manta que ia, aos poucos, caindo do colo de papai.

— Seu amigo Potter é quem as conta pra você? — indagou, deixando-me surpreso.

— O quê? Não! Albus não me fala sobre essas coisas — sussurrei, de certa forma falando a verdade.

O fato é que Albus sabia tão pouco quanto eu; ele costumava ouvir as coisas que seu tio, Ron, contava, mas não sabia dizer se eram exageros ou verdades. Seu pai não tocava no assunto “Malfoy”.

— Como sabe que Albus é meu amigo? — perguntei, não com tanto medo agora. Talvez o pensamento de que meu estava bêbado e fosse esquecer isso no outro dia me acalmasse, apesar de saber que não era exatamente isso que me confortava.

— Você fala enquanto dorme — respondeu, dando de ombros.

Senti minhas bochechas corarem furiosamente, e o medo de que meu pai desaprovasse minha amizade com Albus já não me preocupava tanto.

De certa forma, eu suspeitava que meu pai sabia sobre essa amizade haviam anos. Minha mãe sabia e ela provavelmente contou a ele. Isso não me incomodava, mas também não me dava liberdade para trazê-lo para passar uns dias aqui em casa — era essa a ideia da qual eu não tinha tanta certeza se meu pai autorizaria, e eu nunca me incomodei em perguntar.

— Albus é meu amigo desde que ingressei em Hogwarts, mas ele não fala sobre você, não é como se ele soubesse muito.

— E por que você também não se contenta em “não saber muito”? — perguntou como se fosse óbvio.

— Porque eu sou seu filho, Albus não — ele se calou, mas eu podia ver um sorriso pequeno em seu rosto.

Ele me fitou, finalmente encarando meus olhos. Éramos parecidos; tínhamos os mesmos cabelos e os mesmos olhos, mas as personalidades eram totalmente diferentes. Enquanto eu era mais desengonçado e atrapalhado, meu pai era rígido e possuía uma série de bons costumes que eu não aprenderia nem se me esforçasse. Ele parecia ter sido criado com frieza, daquele tipo de pai que usava dinheiro e fama ao invés de carinho e atenção — eu conhecia meu avô, sabia que ele se importava mais com o respeito de seu sobrenome do que com sua família em si.

Meu pai não era igual meu avô, Lucius, e era visível o quanto ele se esforçava para ser diferente, mesmo que as vezes acabasse sendo rígido como seu pai era. Papai teve o que eu chamo de um pai abusivo. Não era o meu caso, e talvez fosse por isso que eu o amasse e admirasse tanto.

De qualquer forma, eu não sei exatamente o que fiz ou o que falei, mas meu pai murmurou de forma exausta:

— O que quer tanto saber, Scorpius? — havia um peso em seus ombros, era quase palpável, sua voz também parecia cansada somente em pensar que teria de revirar todas aquelas feridas feias, não totalmente cicatrizadas.

E apesar disso, eu não hesitei em perguntar.

— Você foi um comensal da morte? — ele não parecia surpreso com a pergunta, mas soltou um longo suspiro antes de responde-la. Também pegou sua taça de vinho e a encheu, pois tanto eu como ele sabíamos que ele iria precisar.

— Você já sentiu raiva, Scorpius? — sua resposta-pergunta me frustrou completamente, mais uma vez ele estava se esquivando e eu não podia pressioná-lo, não era certo.

— Muitas vezes — respondi, a contragosto.

— É natural sentir raiva, gana, ira, aversão e desprezo. O ser humano o sente alguma vez ou outra, alguns com pouca frequência, outros constantemente. Ainda sim, é normal — disse ele, bebericando de seu vinho vez ou outra.

— Por que está me dizendo isso? — “me dizendo o que já sei” senti vontade de dizer, mas não me atrevi.

— Eu sempre pensei que raiva fosse um sentimento que fizesse parte de mim, fazia parte do meu pai. Eu observava e via que ele estava sempre com medo ou raiva, dificilmente outro sentimento o consumia. Para mim, era normal. Era o que eu era. — sua voz se tornou mais rouca, seus olhos pareciam perdidos no que eram provavelmente lembranças — Minha mãe, porém, tendia a me alertar sobre a raiva, pregava sermões extensos dos quais eu escutava de cabeça baixa, pois fui ensinado com grande respeito. Mas eu não a escutava, não de verdade. Talvez se eu tivesse escutado uma única vez, as coisas poderiam ser diferentes.

Sua voz não parecia sonhadora com essa ultima sentença, ele parecia aceitar que as coisas foram como foram, e nada poderia ter mudado isso — e se pudesse ter mudado, não o fez.

— Meu pai, Lucius, era um homem raivoso. A Inveja e a aversão vinham junto com toda a ira que ele possuía, e é claro que ele arrastou seu único filho para isso. Às vezes acho que ele não teve escolha, mas não tenho tanta certeza sobre isso — sua voz parecia melancólica, eu não conseguia imaginar como era sua vida com a minha idade. Como era Draco Malfoy com seus quinze anos?

— Ele era um comensal?

— Meu pai foi educado e criado a acreditar em coisas das quais eram simplesmente erradas. Mas é claro que eu não enxergava isso como enxergo agora, afinal, eu também era um comensal da morte, um aliado de Voldemort, assim como meu pai fora. — um frio correu por minha espinha, imaginar meu próprio pai fazendo coisas ruins era... horripilante.

— Não posso acreditar que seu pai o carregou pra isso — resmunguei, com raiva contida em minha voz.

— Não se engane, Scorpius. Meu pai pode sim ter me influenciado, mas fui apenas eu quem tomei as decisões. Eu fui um covarde, não consegui nem mesmo deixar-me pensar por muito tempo, pois eu sabia que se eu pensasse demais eu provavelmente fugiria. E fugir significava manchar meu nome e tornar-me inimigo de Voldemort, algo do qual eu não era corajoso o suficiente para encarar. — ele pareceu exausto, como se tivesse corrido uma maratona sem sair da cadeira — Eu fui tudo que repudio agora, filho. E eu tento educá-lo, e também espero que você não cometa os mesmos erros que a criança tola que fui cometeu.

Eu suspirei, sentindo vontade de chorar.

— Harry Potter salvou mesmo sua vida? — me atrevi a perguntar.

— Mais vezes do que eu gostaria de admitir. Algo abriu meus olhos, e eu não sei se foi a bondade dele ou a minha experiência de quase morte, talvez tenha sido os dois. De qualquer forma, isso me mudou completamente, da mesma forma que a raiva havia me moldado — comentou ele, meio que em devaneios.

Sua voz não possuía desagrado, nem mesmo parecia que um dia ele havia sido inimigo de Potter, como o irmão de Albus me contou. Mas eu sabia que, se um dia eles tivessem sido inimigos, isso já não costumava fazer diferença para o papai agora.

Eu entendia. Era a raiva. Ele a deixou para trás, a deixou nos escombros da guerra. Ainda sim, o peso em seus ombros era grande — não era como se ele não se envergonhasse de seu passado ou como se ele pudesse apagá-lo. Além do mais, sua adolescência em Hogwarts não trouxe grandes amizades, grandes títulos ou grandes felicidades.

Ele pagou por seus erros de uma maneira dolorosa, mas ainda sim, não havia mais dívida. E isso fazia com que minha admiração por ele aumentasse ainda mais.

— Essa conversa me deixou com sono. Está tarde, vá descansar um pouco. — disse ele, levantando-se da cadeira e caminhando vagarosamente para dentro.

Eu sabia que ele não iria dormir, se tentasse não conseguiria de qualquer forma. Mesmo assim lhe desejei uma ótima noite e bons sonhos.

— E pai! — ele se virou, o rosto sossegado e os olhos ainda brilhantes — Eu tenho muito orgulho de dizer que você é meu pai, independentemente de suas decisões do passado.

Ele me fitou pelo que pareceu ser horas, mas sorriu no fim e adentrou a casa silenciosamente.

Eu imaginei que se um dia tivesse essa conversa com meu pai, ela seria diferente. Papai não respondeu nem metade de minhas perguntas, e os detalhes ficaram para trás. Mas isso de maneira alguma me decepcionou, apenas me fez perceber que, de fato, algumas coisas não importam mais, porque passado é passado e ele está bem onde está enterrado.

De qualquer forma, estou contente em saber o suficiente sobre meu pai. Eu entendo porque mamãe se apaixonou e se casou com ele; Draco Malfoy pode ser um homem engenhoso, mas definitivamente possui um coração bondoso.


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