Quantas voltas escrita por DiHen Gomes


Capítulo 17
17 - Heloísa




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Hoje minha mãe vem comigo na Terapia!

É uma sensação estranha. Lembro-me de que há uns meses eu nem gostava de ficar dentro de casa com ela. Não conversávamos muito; praticamente nada. Eu ficava na minha ou, às vezes, com a companhia das outras meninas da rua. Nas raríssimas vezes em que minha mãe deixava, entrávamos em casa para brincar. Odiava as brincadeiras delas, odiava coisas de menininha, como maquiagens e cor-de-rosa, mas aceitava apenas para driblar a solidão. E maquiagem, só preta.

Nesses últimos meses, porém, não senti mais solidão. Comecei a falar com minha mãe, o que foi difícil na primeira semana. Continuo falando com as outras meninas da rua, mas não tanto. Elas estão muito ocupadas ultimamente, com seus namorados. Só eu ainda estou sozinha.

Por enquanto.

*

— Gostei mesmo, Helô.

É chato fazer isso, mas tenho que repetir a frase: É uma sensação estranha! Acontece que minha mãe e eu não tínhamos conversa por não termos nada para compartilhar. Pelo menos da minha parte pensava assim. E hoje saímos da Terapia comentando a palestra.

— Então, mãe, toda quinta tá tendo uma lição diferente. Pode vir comigo semana que vem pra você ver.

— Essa história de que o homem tem que ser líder, pareceu bem diferente do que eu sabia. Já ouvia dizer que a mulher devia respeitar o homem, mas… Mas tem situações que não dá.

Posso imaginar aonde minha mãe quer chegar.

— Quem me dera se o Róger estivesse aqui para ouvir. Ele tinha que estar aqui.

Sinto uma baqueada dentro do peito. Não tão forte quanto a que senti aquela vez quando vi Arnaldo com outra menina (que burra eu, com ciúme de um amigo…), mas perceptível. Róger, aquele homem que nem parece homem. Não está nem aí para minha mãe, nem para a filha. Não traz comida, não paga as contas, vive mais fora do que dentro de casa, nunca me nota, nem vai na reunião de pais, nem notou quando fiz minha primeira tatuagem…

— Ah, Helô, me desculpe, não quis…

— Não, mãe, tudo bem. — Engulo seco e finjo um sorriso. Ajeito o cabelo atrás da orelha e olho para o chão, na tentativa de tirar mais alguma palavra dela. Sem imaginar qual poderia ser. Mas não sai nenhuma.

— Oi, Heloísa!

É ele, meu amigo.

— Oi! Arnaldo, essa é minha mãe. Trouxe ela pra Terapia hoje.

— É? A senhora…

— Tuane.

— E a senhora gostou, dona Tuane?

Marca ponto pra Aser, gente nova na Terapia, hein! — estico-me para alcançar o ouvido de Arnaldo ao sussurrar, o que traz o olhar da minha mãe para mim.

— Hum — a mãe volta a fitar Arnaldo. — Sim, é bacana. A palestra foi supimpa, só faltou meu marido comigo.

— Não se preocupe, dona. Persevera firme, vem toda quinta, pratica o que for ensinado e logo seu marido vai vir também. Imagina — Arnaldo se dirige a mim — você, sua mãe e seu pai juntos, que legal?

Apenas sorrio forçadamente, outra vez, antes de me despedir dele. Para voltar com minha mãe, saio logo do Centro de Ajuda, antes mesmo de Arnaldo juntar o grupinho dele.

— Gostei dele.

— O quê, mãe?

— O rapaz. É cheirosinho, limpinho, arrumado. Eu deixo.

— Deixa o quê?

— Deixo você ficar com ele.

— Ah, para, mãe. Tá vendo coisa que não existe, coisa da sua cabeça. Chifre em cabeça de cavalo. Piolho em cabeça de prego. Ah, besteira, de onde tirou essa ideia, mãe?

Acho que falei demais. Ela não para de me encarar e ainda ri até chegarmos em casa.


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