Instinto & Coragem - Fanfic Interativa escrita por Soo Na Rae


Capítulo 7
7 - Salão Tarbeck


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



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SALÃO TARBECK

 

O príncipe não se importou com a derrota na penúltima justa do dia. Após vinte disputas e dez cavaleiros derrotados, o sol se punha e a maior parte dos curiosos foram embora. O fato de Príncipe Warren estar no meio das justas talvez os animasse a voltar. Mas o príncipe, de fato, não pensava nisso.

Assim que retornou para junto dos demais, sentiu o peso dos olhares sobre si. A pior parte de ser um príncipe era exatamente esses olhares. Warren não se importava com o que diziam quando vencia uma justa (normalmente diziam que os seus oponentes o deixavam vencer), mas quando perdia era como se fosse uma alta traição ou a derrota do reino em uma guerra. Esperava-se que um príncipe fosse o melhor cavaleiro do reino, o que era ridículo considerando o verdadeiro trabalho de um rei. Sinceramente, Warren preferia que seus cavaleiros fossem mais habilidosos que ele. Chamou um dos pajens para ajudá-lo a retirar a armadura. Os banhos já estavam vazios. A maior parte dos cavaleiros havia se banhado há menos de meia hora e as águas fediam a suor e sangue. Lavou-se como pôde, não chegando a molhar os cabelos. Vestiu-se de roupas limpas e imediatamente os vestígios das liças apareceram pelo corpo.

Os músculos começaram a doer e os cortes pequenos surgiram em todos os cantos. Havia um hematoma crescendo sobre as costelas, pele arranhada nos joelhos e cotovelos, até uma parte de seu dedo que estava em carne viva. Tomaria vinho com leite dos sonhos esta noite. Queria não lutar no dia seguinte, mas retirar-se do torneio após uma derrota levantaria ainda mais sussurros. “O príncipe não sabe encarar uma derrota” diriam, “Ele é orgulhoso”.

Pensando e amarrando os sapatos, não percebeu a entrada de Ronnel nos banhos. Seu amigo já havia retirado todos os equipamentos e a camisa pendia dos ombros, embebida de suor. Ronnel Reyne era seu escudeiro há três anos, mas não notou quanto melhorara com o tempo. Foi derrubado tão facilmente que se assustava.

— Você fez bem - elogiou-o, mas Ron não parecia escutá-lo. Normalmente um elogio o faria sorrir e se encher de vaidade. - Parabéns por derrubar um príncipe. O príncipe. O mais lindo e forte príncipe que o Rochedo já conheceu.

— Ah, está irritado?

— Porquê você me derrubou?! Não seja ridículo! Onde está com a cabeça? Parece que alguma princesa por aí lhe soprou um beijo...

Warren sorria, mas seu maior amigo desde os cinco anos voltou-se com a face desfigurada por horror e desespero. O Reyne, nunca perturbado, fora tomado pelo medo.

— Ajude-me, Warren, salve-me! - caiu de joelhos e começou a esmurrar a terra que lhe dava apoio - Como poderei continuar a viver assim?

— O que houve? - o príncipe jogou-se ao chão junto do escudeiro.

— Ron… - queria confortá-lo, mas não sabia como. Não sabia qual era seu problema, o que o perseguia, quais seus sentimentos, por que estava tão desestimulado. - Meu irmão, o que o preocupa tanto?

— Ah, pelos deuses - Ronnel limpou as lágrimas que surgiam com as costas da mão. - Eu jurei que não o importunaria com isto.

— Não me importunas. Diga-me.

— Sou desafortunado até o espírito. Nada tenho para acrescentar a esse mundo. Sou medíocre e cheio de vaidades; um miserável e mesmo assim cortejo o egoísmo. - ele balançou a cabeça em desordem - com egoísmo.

— Cortejas? Miserável? Você não venceu um torneio a pouco?

— Agora mesmo, quando o derrubei na arena tentando me exibir a vossa irmã, Gaemon arranjou-me um casamento. Enquanto eu a olhava com orgulho, meu próprio irmão me amaldiçoava! Estou disposto a morrer antes de perdê-la.

Warren conhecia os sentimentos de seu amigo há anos, mas ambos sabiam que o Rei nunca casaria sua única filha com o segundo filho de uma Casa aliada. Era preciso criar laços com inimigos, principalmente após a ameaça de Dorne no extremo sul do reino. Não imaginava que isso lhe seria um fardo, mas começava a se preocupar com a paixão de Ronnel. “Morrer” seria dramático demais. Nenhum jovem em sua idade estava a salvo das mentiras do coração.

— Não diga algo assim! - segurou-o pelos ombros e sentiu-o desfalecer sob sua força. - O amor é apenas um de muitos sentimentos. Você pode encontrar outro amor em sua esposa, ela é uma mulher, amar uma mulher é como respirar. Inspira-se e expira-se.

— Eu sei que nunca amarei outra mulher, Warren. - havia lágrimas escorrendo por seu rosto. - Por favor, tens de me ajudar!

— Como? Sou apenas o príncipe, todos os meus poderes se resumem a esse nome.

— Você é o príncipe! - Ronnel ecoou, mas agarrando-o pela roupa e com os olhos esperançosos. Warren duvidava que alguém realmente entendesse a sua situação como "filho do Rei". - Hoje no banquete, unja-me vosso Guarda Real, para que meu irmão não me obrigue a casar com uma qualquer e eu possa permanecer perto de Anne, nem que seja apenas para vê-la ao longe.

— Você se esquece que, um dia, Anne há de se casar e deixará o castelo, enquanto você estará preso pelo resto da vida a um juramento à Coroa e aos deuses. - tentou colocar um pouco de juízo em Ron, pois temia muito por ele. - Por favor - soltou-o e olhou dentro de seus olhos, brigando que ele também o encarasse. - Eu o amo como a meu irmão. Não posso concordar com isso.

O rosto de Ronnel se endureceu de imediato e ele assentiu. Parecia uma pessoa diferente. Se ele havia compreendido ou apenas o descartado como uma solução, Warren não sabia, mas imaginou que havia dito algo errado. Ferira-o. Ron se afastou e tomou o sabão, começando a se esfregar. Ele também tinha lesões e hematomas, mas raspava a sujeira da pele com tanta intensidade que provavelmente não era capaz de sentir a dor, ainda.

— Tudo bem - ele fungou, não escondendo as reações de minutos atrás. - Irei me lavar agora.




O torneio tomou a tarde inteira e, quando já podia descer do tablado, suas pernas estavam duras e mal sentia o colo do vestido deslizando por seu corpo. As damas a acompanharam até seu quarto e quando as despachou para trocar de roupa, viu-as suspirando aliviadas. Ao fechar a porta, também suspirou de alívio. Sentia o cansaço como se carregasse o céu sobre os ombros. Desamarrou o espartilho, puxando os laços com as unhas e jogou-se na cama.

Ainda conseguia visualizar mentalmente o momento em que Ronnel saltou do cavalo e olhou em sua direção, dizendo silenciosamente “Se eu fosse o vencedor do torneio, te nomearia a Rainha da Beleza”. Seu rosto, sem o capacete, estava corado e ele ofegava. Os cabelos pingando suor sobre as pestanas. Não se parecia em nada com um cavaleiro ou um príncipe, mas fazia seu coração acelerar mesmo assim. Annelise não compreendia o que levava as damas a suspirarem por músculos ou olhos azuis. Talvez ela fosse muito estranha. Apertou-se e esperneou consigo mesma, flutuando e, ao mesmo tempo, caindo.

Sua criada entrou e a ajudou a despir o resto das roupas. Esfregou-a com um pano úmido para limpar o suor e por fim rearranjou seu cabelo, entendendo todas as suas necessidades, sem que fosse preciso lhe dizer uma palavra. Quando Noelle a deixou, abriu o baú e procurou por sua capa de inverno, tirou as botas de debaixo da cama e escondeu o rosto com um cachecol de lã fina e macia. Vinha tanto a Salão Tarbeck que era provável que nenhum guarda a impedisse de chegar ao Salão Menor, onde ela e suas amigas encontravam-se sempre que estavam na fortaleza.

Alguns já se recolhiam, mas os jovens conversavam nos salões, em grupos estabelecidos por nascimento, idade, sexo e minimamente afinidade. Tinha sorte de suas melhores amigas terem um bom nascimento, assim não precisava se preocupar com o que os outros diriam sobre ela. Passou rapidamente, a fim de que ninguém a reconhecesse, mas era improvável que uma moça encapuzada fosse identificada como a princesa. O salão pequeno separado para o lazer de Lady Tarbeck ficava ao lado dos termas e do jardim que levava à floresta de caça de Lorde Tarbeck. Era um salão a céu aberto, com colunas de pedra circundando-o, uma árvore grande e milenar em seu centro, um caminho para passear e diversos locais escuros para beber vinho escondido do rei e da rainha.

Passou para dentro do Salão Menor. Lady Barbare raramente o usava, então apenas um guarda vigiava o local, velho demais para ouvir seus passos de dama.

Estava escuro, pois já havia escurecido, de dentro do salão via-se apenas as janelas da fortaleza, como que flutuando. Tateou o ar até alcançar a árvore-coração, sentando-se entre suas raízes para esperar Myrcella e Lanna.

Após os primeiros dez minutos, Anne começou a ficar impaciente. Se ambas estivessem no banquete, ao invés de dividirem pão e vinho, teria de ralhar com as amigas. Suas costas já doíam quando ouviu um galho estalando no chão e a luz de um candelabro aproximando-se da árvore.

— Myrcella? - a sombra não respondeu de imediato, como seria como à Reyne - Lanna?

Mas novamente foi respondida com o silêncio.

O silêncio a colocou em alerta, do modo que havia aprendido nas masmorras de sua própria fortaleza, Rochedo Casterly. Desde a invasão dos homens de ferro, Annelise nunca mais esqueceu que era uma princesa, filha de um rei, irmã de um herdeiro. Sua cabeça valia o reino inteiro e assassinos podiam penetrar facilmente a segurança até mesmo do castelo do Rei do Rochedo. Levantou-se já pronta para gritar por socorro, mas assim que a vela balançou sua chama próxima do rosto do invasor, sua voz falhou e o coração descompassou uma batida.

— Por que…

— Anne - eles se sentaram novamente nas raízes da árvore - Espero não tê-la assustado.

— Você foi tão pouco sutil que imaginei ser um assassino dornês. Mas não se preocupe. Como sabia que eu estava aqui?

— Myrcella me disse onde encontrá-la. - ele explicou - Preciso falar com vossa alteza, por obséquio.

— Diga qual o problema, Ronnel! - apenas de imaginar que Ron precisava da sua ajuda a enchia de motivação para ajudá-lo. Seu peito novamente parecia mais quente.

— Hoje Gaemon, meu irmão, contou-me de um contrato que arranjou com Lorde Tarbeck para me casar com Lanna. - seu rosto estava tenso e assim que ouviu o problema de Ron, Annelise foi tomada por uma luva que apertou seu coração, assim como se aperta a massa para fazer o pão.

Lanna, sua amiga, não tão próxima quanto Myrcella, mas ainda assim uma confidente sincera. Ela sabia de seu amor por Ronnel, sabia que o olhava desde que viera para a Corte. Como seria capaz de algo assim? Não conseguia imaginá-la tramando para fazer aquilo. Tudo deveria ter sido arranjado por seu pai, sem consultá-la. Anne não queria sentir raiva, mas lentamente a imagem de Lanna no lugar de ‘Senhora Reyne’ a fez corar levemente. Enrubescida, mas ainda assim uma princesa, Annelise queria gritar com Lorde Tarbeck e com Ronnel, por estar lhe contando aquilo.

— Mas por quê? Como? - sua voz gaguejou levemente.

— Ele disse que já estou na idade de me ocupar com os deveres de um homem. Gaemon quer que eu seja seu herdeiro e, para isso, preciso me casar. Não é certo que seja Lanna, mas é a única das pretendentes que eu conhecia. - Ronnel balançava a cabeça - Gamon chegou a me perguntar, mas…

— Você disse a ele que preferia Lanna? - Anne soltou sem esperar e imediatamente cobriu a boca, condenando-se. - Que horror… Não posso nem sequer sonhar que esse dia já chegou para você… Significa que todos nós estamos envelhecendo muito rápido… - escondeu sua dor com um sorriso de compaixão.

— Não posso fazer isso. Não é justo com Lanna, nem comigo mesmo. Não há a menor chance de que eu vá fazê-la feliz e… não posso ser feliz com ela. Ajude-me, Anne!

— E como devo ajudar?

— Convença Warren a me eleger um cavaleiro da Guarda Real. Prefiro usar uma capa branca pelo resto da vida.

— Isso é impossível, você deveria falar diretamente com Warren!

— Ele não quer me ajudar… - o rosto de Ronnel estava sério, Annelise nunca o vira daquela forma. Parecia-se com um homem, não com Ron. - Só posso contar com você, Anne. Por favor…

— Apenas o Rei pode nomear um cavaleiro da guarda. Se Warren se recusou, então não há chance. Meu pai não me ouviria - pensou em sua mãe lhe dizendo que todos já sabiam de seus sentimentos por Ronnel. “Mas nós sabíamos que esse dia chegaria. Não podemos correr”

— Você não está fazendo isso para me ferir, está? - Ronnel sentia-se traído - Se este noivado fosse seu, eu a ajudaria a fugir de todas as formas possíveis!

— Não estou gozando dos seus sentimentos, jamais faria isso! - Annelise mal conseguia acreditar que Ron a acusava tão friamente. - Eu me importo com você tanto quanto me importo com Warren. Conversou com seu irmão? O que ele lhe disse? Por que esta decisão tão precipitada?

— Gaemon não é de ouvir qualquer um e enão sou mais que qualquer um para ele. Só quer se ver livre de mim.

— Mas se você será seu herdeiro, como ele não se importaria?

— Anne… - A voz de Ronnel falhava, como se ele oscilasse entre lhe confidenciar algo ou se afastar imediatamente. - o título e a Casa Reyne pouco significam para meu irmão. Quem realmente cuida da fortaleza e das relações diplomáticas é Myrcella, por isso Gaemon não pode abrir mão dela, ainda. Gaemon é mau e sádico, ele destruiria a vida de todos antes de largar o poder que a primogenitura lhe deu. - Ronnel soltou um suspiro cansado. Anne havia esquecido de suas justas durante o dia e dos hematomas por seu queixo e mãos. Quanta dor estava carregando física e mentalmente?

— Não desista tão rápido - tentou ser consoladora, mas soava como se dissesse aquilo a si mesma.

— Então não há chance alguma de me ajudar?

Annelise continuou em silêncio, afinal não havia o que responder. Ela era impotente como uma princesa, nenhuma voz lhe seria dada em relação à diplomacia ou a opiniões pessoais. A menos que conseguisse convencer Warren ou seu pai de alguma coisa, era tão expectadora dos atos da Coroa quanto os demais.

— Posso lhe perguntar uma coisa, a qual você necessariamente deve responder?

— Ron… - ela sentia medo daquilo, mas percebeu que nada mais melhoraria o ânimo de seu amigo. Que mal lhe faria ser sincera com ele, mesmo sem saber no que deveria ser honesta. - Sim.

Ronnel Reyne sabia que se não tomasse uma atitude daquele momento, nunca mais sua vida seria comandada por si mesmo. Um homem de verdade aceita as adversidades como uma chance, mas também admite os seus sentimentos sem medo de ser repudiado. Era provável que Anne recebesse declarações a todo momento, já que era uma princesa, bela e gentil, mas não conseguia afastar a timidez e os pensamentos estranhos sobre já se conhecerem há anos.

— Incomodou-lhe de alguma forma o que te contei agora?

Annelise engoliu em seco, pois sabia que era uma pergunta dúbia. Nenhum dos dois era uma criança para não entender o que as palavras abriam espaço para sentir. Lentamente, assentiu a cabeça, segurando a barra de sua capa de inverno com a ponta dos dedos.

— Estou feliz - Ronnel abriu um sorriso e olhou para as estrelas, logo acima deles. A noite fria mal os havia incomodado, mesmo que os ventos invernais soprassem suas roupas para os galhos da árvore-coração. Annelise era a mulher mais linda da face do mundo e ele se sentia o homem mais sortudo por ter sua imagem apenas para si, naquele ínfimo espaço de tempo da existência.

Annelise não costumava ficar em silêncio por tanto tempo, mas não sabia o que dizer enquanto Ron olhava para cima e respirava compassivamente. Ele parecia se conectar com o mundo aos poucos e aceitar o seu futuro. Parte dela gritaria para que ele não fizesse isso, para que nunca encarasse a verdade e fugisse do destino cruel, mas a outra parte, a parte da princesa, estava calada e petrificada, tão expurgada de sentimentos que quase dissolvia-se ao vento. Quando Ronnel voltou a olhar para seu rosto, imaginou que ele se inclinaria e lhe beijaria os lábios, com um único e último trágico beijo de amor, mas talvez ambos estivessem já envolvidos demais pela realidade para se deixarem levar por aquilo. Sentimentos.

— Vou voltar. Você deveria também, pegará um resfriado se continuar aqui. - Ron se levantou, bateu a calça com as mãos e acenou desejando boa-noite.

Esperou que ele desaparecesse de volta para a fortaleza, antes de se abraçar e encostas o rosto contra os joelhos. Tremia de frio e de medo. O que havia acontecido ali, as palavras ditas e as verdades esclarecidas, tudo a enchia de medo. O seu mundo perfeito não era tão perfeito assim. Embora soubesse disso desde criança, havia se apegado tão firmemente às felicidades da vida…

Levantou-se algum tempo depois, quando suas pernas já estavam duras e a pele enrigelada. Caminhou para o quarto, sem lembrar-se do caminho, mas agradeceu pelos cobertores quentes da cama. Enrolou-se como um bebê no colo da mãe e não deixou nenhuma lágrima escapar da dor que sentia silenciosamente. Aquele não era o seu quarto propriamente dito, mas servia-lhe perfeitamente. No travesseiro ao lado, a sonolenta menina de cachos dourados acordou e a envolveu com um abraço, não sabendo aquilo que se passava no coração de sua amiga, mas pressentindo que era o melhor a se fazer por ela.

Enquanto a noite avançava para o seu fim, as últimas almas despertas finalmente adormeciam.




Assim que despertou, mandou que um pajem lhe trouxesse pomadas para as dores e os machucados do torneio. Com a dor e a vitória, as consequências dos combates também eram agradáveis, a dor que sentia em cada músculo dos pés até as mãos era como um grito de entusiasmo de seu corpo cansado. As cicatrizes já estancavam sozinhas, graças a sua vitalidade juvenil. Sentou-se em frente a escrivaninha e pousou o pulso sobre o papel amarelado e duro. A pena deslizava com aspereza e a tinta gordurosa espalhou-se conforme escrevia para seus pais, contando do torneio e do banquete. Seus pais nunca aprovaram suas idas a competições como aquela, mas desde que lhes escrevia sempre, não costumavam discutir quando avisava que sairia. Além disso, o prêmio dos torneios eram quase sempre gordos e recompensadores. Riverspring não era usada demais para que o lucro das colheitas e dos impostos não cobrisse sua manutenção. E riqueza significava muito naqueles tempos pós-guerra. Famílias certamente cairiam em desgraça e outras, mais fortes e mais inteligentes, ocupariam seu espaço. Jasper tinha esperança de trazer glória para a Casa Sarwyck, pela primeira vez na história.

Escreveu remetendo a mãe, mas também escreveu a seu pai, sobre os lordes e as tramas das famílias. Comentou uma breve conversa com seu tio Plumm e a amizade recém adquirida de Jeffrey Serrett. Sem que percebesse, já havia escrito duas páginas e não tinha planos de terminar o monólogo tão cedo. Mas, cordialmente, se limitou a desejar uma boa semana de colheitas em Riverspring e jurar que sentia saudades da calmaria dos campos.

Um meistre veio visitá-lo pouco depois do desjejum. Estava avaliando a condição dos cavaleiros do torneio, embora não fosse competir aquele dia. O homem reaplicou as pomadas em suas costas e mãos, os locais mais atingidos pelos oponentes, e disse que se descansasse apropriadamente, estaria pronto para as justas finais do dia seguinte.

Quando vencia todos os combates do primeiro dia, Jasper não explorava a fortaleza ou o castelo de seu anfitrião, preferia permanecer o dia inteiro em seu quarto, dormindo.  Salão Tarbeck era um lugar irresistível para não se explorar, mas também sentia que deveria continuar ali, em sua cama. A solidão muitas vezes o ajudava a não perder a cabeça em meio a nobreza e aos banquetes. Sua família era tão participativa das colheitas de Riverspring quanto os próprios fazendeiros. Seus pais nunca deixaram o castelo antes do período da safra e com a chegada precipitada do inverno, dificilmente estariam sossegados. Culpava-se por ter partido sem ajudá-los, mas era um torneio importante que lhe daria uma ampla visibilidade, se vencesse. Mamãe e papai entenderiam.

Ele sabia o que a maioria dos nobres pensavam a seu respeito: um jovem tolo e com habilidade na espada, que provavelmente aceitaria ser um cavaleiro da Guarda Real, mesmo sendo o único herdeiro de sua Casa. Jasper, na verdade, passava essa imagem junto do título de Cavaleiro da Primavera: erguendo suspiros das damas, assobios dos cavaleiros e cochichos dos velhos. Durante o jantar da noite passada, fora parado mais de uma vez para falar com Senhores entre trinta e quarenta anos que se interessavam peculiarmente pelas condições climáticas de Riverspring e o solo fértil da terra dos rios. Precisou explicar que, mesmo o castelo sendo uma construção milenar e gigantesca, a maior parte de sua estrutura estava comprometida e utilizavam apenas os quartos principais e um salão para as refeições, respondeu educadamente às perguntas sobre suas pretensões para casamento e mais de uma vez foi apresentado a donzelas vermelhas de vergonha que mal sabiam falar o próprio nome.

Esse tipo de atenção não era tão apreciada por ele, na verdade. Ser o centro das atenções de pais ambiciosos normalmente causava mais dores de cabeça que os combates podiam causar de dores nas costas.

Adormeceu e acordou apenas quando as trombetas dos arautos anunciaram no pátio do torneio o início do segundo dia de justas.


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Notas finais do capítulo

Olá, especialmente aos dois leitores que comentam em todos os capítulos ♥, tudo bom com vocês?
Como devem ter percebido, esta história focará muito mais nos dramas pessoais de cada personagem que morte, guerra, etc. Espero que não decepcione ninguém!
Beijos da Mell!



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