O show dos Cuecas e das Chiquititas no abrigo naquele mês foi ainda melhor do que no anterior, principalmente pelas doações que trouxeram para as crianças, elas ficaram muito felizes! As Chiquititas continuavam com um pouco de receio de terem que ir a um orfanato, mas mesmo assim conseguiram ficar bem felizes naquele dia também, estavam melhor preparadas psicologicamente daquela vez. A única coisa ruim era que Sandy estava evitando Joaquim, mas as crianças do abrigo provavelmente nem perceberam, já que os dois não tiveram que cantar um com o outro.

Mas Davi percebeu. E, assim que chegou em casa, foi falar com Joaquim. Ele até teria conversado sobre isso alguns dias antes, mas além de não ter tido muito tempo, queria ter certeza de que realmente tinha alguma coisa estranha acontecendo entre a menina e o filho.

— Você viu que os seus irmãos cantaram duetos com as meninas hoje e você não, né?

— Ah, é? Nem percebi... Mas ainda bem, porque a minha voz fica muito melhor sozinha!

Davi lançou-lhe um olhar de reprovação e o menino disse:

— Brincadeira! Eu gosto de cantar com outras pessoas também...

— Você e a Sandy brigaram de novo?

— Não. Na verdade, faz tanto tempo que a gente não briga, que eu acho que é um recorde!

— Mas então... o que aconteceu entre vocês?

— Nada... Por que você acha que aconteceu alguma coisa?

— Porque a Sandy não quis cantar com você. Ela tá te evitando e eu sei que tem algum motivo!

— Hum... Talvez ela não queira que a gente brigue de novo, esse é um bom motivo pra você?

— Joaquim!

— Ah, eu não sei por que ela tá assim! Depois daquele dia que ela desmaiou eu nunca mais falei com ela direito...

— Por quê?

— Por que o quê?

— Por que você nunca mais falou com ela? Deve ser por isso que ela tá te evitando: você se afastou dela primeiro.

— Eu não me afastei, eu só... tô gostando de outra menina, então...

— Que menina?

— A Bel, eu já tinha te falado! Até saí com ela, lembra?

— Ah... Joaquim, você gosta mesmo dessa menina ou só tá usando ela pra se afastar da Sandy?

— Por que eu faria isso?

— Eu não sei... Talvez porque eu te aconselhei a não se preocupar com essas coisas de paixão... — Joaquim ficou com uma expressão de desconforto ao ouvir a palavra, mas não disse nada, deixou Davi continuar: — Olha, eu sei que às vezes pode ser difícil pra você ficar perto da Sandy, mas, antes de tudo, vocês são amigos, apesar de brigarem constantemente... Você pode até achar que é bom se afastar dela, mas vai se arrepender depois! Além disso, não são só os seus sentimentos que importam, mas os dela também. Imagina como deve estar sendo confuso pra ela você ter sido tão atencioso no dia do desmaio e depois agir com tanta indiferença? Ela também gosta de você e você tá sendo muito egoísta.

— Ué, mas eu não sou egoísta, mesmo? É o que todo mundo sempre diz... Eu nem devia ter ajudado ela naquele dia, aí agora você fica esperando que eu seja bonzinho sempre...

Joaquim sabia que não devia ter dito isso, arrependeu-se no segundo seguinte ao que falou. Ele só estava com muita raiva. Não gostava quando as pessoas ficavam dizendo que ele gostava da Sandy e blá, blá, blá... Essa conversa o estava deixando muito desconfortável. Ele não se arrependia por ter ajudado a menina naquele dia, na verdade, faria tudo de novo se ela precisasse novamente, mas sabia que um gesto grande como aquele não havia passa despercebido e que todos achavam que ele estava perdidamente apaixonado por ela...

Davi não respondeu, sabia que Joaquim estava nervoso e tinha falado aquilo da boca para fora. Apenas disse ao filho que pensasse sobre o que acabaram de conversar e chegasse sozinho à conclusão do que deveria fazer. Mas a verdade é que Joaquim estava com muito medo de pensar nessas coisas, sempre tinha medo daqueles sentimentos... então, sua conclusão era que devia continuar com Bel, tinha a impressão de que ela já estava prestes a se apaixonar por ele e não resistir mais. Na verdade, ela nunca mais tinha falado sobre aquele tal outro menino que ela gostava e Joaquim também não costumava vê-la passar mais tempo com algum menino que não fosse ele mesmo, ou seja, ela já devia ter esquecido do dito cujo aí...

***

Clipe musical: "Brincadeira de Criança" por Joaquim, Sandy, Samuca, Janete, Téo e Eleanora.

***

Janete e Eleanora também perceberam que Sandy estava estranha em relação a Joaquim. Até conversaram com ela a respeito, mas não sabiam o que fazer para mudar a situação. Ao contrário de Davi, não achavam que Joaquim as ouviria se falassem com ele...

Na semana seguinte, algumas meninas da turma tiveram a ideia de chamar os meninos e brincar de Salada Mista na hora do recreio. Janete não quis brincar e Eleanora, apesar da curiosidade, sabia que só tinha 10 anos, era mais nova do que todos os meninos da sala. Mas achou que Sandy deveria brincar. Esta não parecia muito interessada, principalmente porque imaginava que Joaquim ia querer brincar só pra beijar a Bel e não estava nem um pouco a fim de ver isso... Eleanora respondeu dizendo que Joaquim não seria o único menino que participaria da brincadeira e que Sandy podia beijar alguém bem mais bonito e legal do que ele, o que seria ótimo, pois ela tiraria Joaquim da cabeça.

— Até que é uma boa ideia... — disse Sandy, e ficou pensativa.

Ela nunca tinha se dado conta, mas, desde que chegara àquela escola, o único menino para quem olhava era Joaquim. Ela sempre havia tido uma quedinha por ele, mesmo antes de conhecê-lo pessoalmente, já que era fã dos Cuecas. Mas Eleanora tinha razão, tinham outros meninos muito mais legais e bonitos do que ele, e se Sandy desse a sorte de beijar algum deles e acabar deixando de gostar de Joaquim finalmente? Estava com um bom pressentimento sobre essa brincadeira...

Assim como Sandy havia imaginado, Joaquim queria brincar só pra beijar Bel, e já sabia como conseguir isso: trapaceando. Ele pediu para que, quando Samuca estivesse cobrindo seus olhos enquanto na hora da brincadeira, o irmão apertasse eles bem no momento em que os colegas apontassem para Bel, assim, não teria como Joaquim escolher outra menina pra beijar. Obviamente, Samuca não concordou por isso, mas Joaquim estava insistindo tanto (e até prometendo coisas aleatórias), que achava que o irmão acabaria cedendo.

Chegou o momento tão esperado. Logo depois de o sinal do recreio tocar, todos arrastaram as mesas da sala, as meninas foram para um lado e os meninos para outro.

— Você vai brincar, Samuca? — Perguntou Bel.

— Não tô muito a fim... — Ele não estava muito interessado se Janete não ia brincar... — Acho que só vou tapar os olhos dos outros, mesmo...

Hum, parecia que ele estava se convencendo a colaborar com o plano de Joaquim, afinal... Só que não. Samuca tinha seu próprio plano: na vez de Joaquim, apertou os olhos dele, sim, mas não enquanto apontavam para Bel. Acontece que Samuca não aguentava mais ver o irmão falando o tempo todo dessa menina sabendo que ele não gostava dela de verdade... parecia que ele tinha a necessidade de ficar falando dela e fazendo planos, mas não com o objetivo de conquistá-la, e, sim, de convencer a si mesmo de que estava apaixonado por ela. Mas ninguém na casa dos Civil caía nessa, então por que não dar uma forcinha para com a menina de quem ele realmente gostava?

— É essa? — Perguntou a sala, em coro.

Sandy já estava ficando vermelha.

Joaquim esperou um pouquinho, pra não dar na cara que "sabia" que era pra escolher aquela menina, e depois falou:

— É!

— Pera, uva, maçã ou salada mista? — O coro voltou a perguntar.

— Salada mista!

— UUUUUUHHHH!!! — Joaquim havia sido o primeiro com coragem de pedir "salada mista", por isso essa reação dos colegas com gritos e aplausos.

Sandy ficava mais vermelha a cada segundo, estava tão nervosa, que chegou a pensar que desmaiaria na escola de novo (mas que bom que não aconteceu!). Joaquim, por sua vez, estava mais confuso e envergonhado do que nervoso quando viu que havia escolhido Sandy. Qual era o problema de Samuca???

Bom, não tinham por onde correr, segundo as regras da brincadeira, teriam que dar aquele beijo.

— Pode ser maçã? Salada mista eu não tenho coragem... — Disse Sandy.

Todos começaram a gritar: "BV! BV!", mas ela não ligou, não era obrigada a dar o primeiro beijo de língua na frente da sala toda, numa brincadeira e com um menino que (no momento) ela não suportava! Enfim, deu um selinho em Joaquim e alguns gritaram de alegria, outros disseram "ah...", decepcionados.

Joaquim e Sandy estavam mais vermelhos do que tomate. Se estavam se evitando antes, passaram a fingir que nem se conheciam depois desse acontecimento, estavam constrangidos demais! Nem preciso dizer que nenhum dos dois quis conversar sobre isso com a família, né?... E Joaquim ficou MUITO irritado com Samuca.

***

Chegou o tão esperado dia do jantar.  Foi na sexta-feira daquela mesma semana. Téo tinha ajudado Davi a fazer a comida (na verdade, foi o contrário, Davi ajudou Téo, mas isso são detalhes). Os meninos estavam muito animados, e o pai, muito nervoso. Joaquim havia sido alertado várias vezes para ser educado e não ser inconveniente, mas era preocupante mesmo assim. Joaquim e Samuca andavam brigando muito nos últimos dois dias, não podiam fazer um papelão na frente da visita. Além disso, Davi estava com um pouco de medo que em algum momento Clarinha falasse do Vilarejo dos Sonhos e sobre o convite que fizera a ele. O homem ainda não tinha se decidido sobre o assunto e não sabia se queria falar com os filhos a respeito...

Quando Clarinha chegou, os meninos foram bem educados e simpáticos, Joaquim e Samuca não estavam dando impressão de que se odiavam (os dois, na verdade, resolveram não falar muito um com o outro para não envergonhar Davi). Clarinha Gostou dos três meninos logo de cara, como havia imaginado que aconteceria quando Davi falava deles.

Estava tudo indo maravilhosamente bem. "Bem até demais...", pensou Davi, estranhando. Ele não queria pensar assim, queria acreditar que tudo correria bem até o final da noite, mas era inevitável, tudo era muito imprevisível com aqueles meninos... E então aconteceu: do nada, bate em Joaquim uma curiosidade de saber como Davi era na escola.

— Ele tem cara de que era bem nerd, que nem o Samuca hahaha.

O irmão não ligou para o comentário, estava decidido a não brigar com Joaquim durante aquela noite.

Clarinha, por sua vez, sorriu, sem jeito, e disse:

— Ele era muito inteligente. Era muito bom em Português, Literatura... Nossa, a comida tá ótima!

— Agradeça ao Téo, ele que fez a maior parte! — Disse Davi, desesperado pra mudar de assunto.

— Sério??? Você cozinha muito bem, Téo!

— Ah, obrigado! Eu queria ser chefe de cozinha, se não fosse cantor...

— E como ele era em matemática? — Disse Joaquim, ainda curioso a respeito do assunto anterior.

Clarinha tentava mudar de assunto, mas foi ainda pior, pois, agora, além de Joaquim, Samuca e Téo também ficaram curiosos. Não necessariamente sobre a matemática, mas queriam saber como o pai era na infância/adolescência. Clarinha acabou contando que ele sempre levava o violão pra escola e ficava tocando no recreio.

— Ele tinha um pouco de vergonha, mas tocava mesmo assim. E todo mundo gostava!

— Levar um violão pra escola... — disse Joaquim. — Por que eu nunca pensei nisso???

A noite foi passando e eles foram falando mais sobre a infância e o Vilarejo dos Sonhos. Quando percebeu que Clarinha não falaria sobre certas coisas de que ele não gostaria que os filhos soubessem (o fato de ter largado a escola, não ter uma boa relação com os pais, essas coisas...), Davi ficou mais tranquilo e até contou algumas historinhas também. E o jantar acabou sendo muito divertido para todos os cinco.

Apesar de ter gostado muito da noite, Clarinha estava incomodada com uma coisa. Era uma pessoa muito compreensiva, mas não gostava da ideia de Davi esconder o passado dos filhos... Será que era melhor conversar com ele sobre isso ou estaria se intrometendo demais em sua vida?...