Sede de Poder escrita por Mermaid Queen


Capítulo 26
Capítulo 26


Notas iniciais do capítulo

mil anos depois.......



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A primeira coisa que Katherine viu foram as paredes rosa do quarto de princesa. E a primeira coisa que sentiu foi a dor de cabeça.

Ficou olhando para o teto enquanto se lembrava da noite anterior. Não conseguia se lembrar de como chegara até ali, mas a bandagem suja de sangue no braço dizia que nada daquilo havia sido um sonho.

Katherine puxou o curativo e encontrou um corte fechado com pontos superficiais. Literalmente fechado. Ficou imaginando o quão rápido havia se curado. Até onde essa cura se estendia. Suspirou.

 Desejava que uma de suas vítimas tivesse conseguido um golpe certeiro.

Uma nova olhada ao redor a fez perceber uma agulha enfiada no outro braço. Havia uma bolsa com um líquido escuro e viscoso pendurada em um suporte ao lado da cama, e aquilo descia para o braço dela com uma certa morbidez.

Esticou o braço em direção ao suporte, sentindo a boca se encher de saliva, mas não o alcançou. Arrastou-se pela cama e arrancou a bolsa de sangue do suporte. Expôs as presas, sentindo uma ardência já familiar nas gengivas, e cravou os dentes no plástico.

Quando sentiu o gosto, parecia que nem todo o sangue do mundo seria suficiente para saciar aquela sede. Metálico e doce, Katherine revirou os olhos e deixou aquela sensação inebriante invadi-la.

O sangue era tudo.

Katherine era uma escrava do sangue. Faria tudo por ele. Faria tudo por sentir aquele gosto outra vez. O sangue a inundava de dentro pra fora e a preenchia e a extasiava. Sangue era tudo.

Katherine soltou a bolsa vazia e se deixou cair sobre a cama, ainda salivando. Querendo mais.

A êxtase foi interrompida pelo barulho que a porta do quarto fez ao ser escancarada e bater contra a parede. Katherine se sentou na cama, sobressaltada, e observou Serpente entrar no quarto. Os olhos dele estavam fulminantes. Ela sentiu medo.

Serpente abriu a boca, mas, ao contemplar a cena em que ela se encontrava, a boca voltou a se fechar. A mandíbula se enrijeceu e Katherine fez uma careta. Estou fodida, pensou, largando a bolsa de sangue vazia.

— Você bebeu… - sussurrou ele, aproximando-se.

Sem que ela tivesse tempo de reagir, ele agarrou o braço dela que continha a agulha e puxou, erguendo-a parcialmente da cama. Jogou-a de volta com violência e Katherine olhou para ele, apavorada.

— Você se tornou um monstro insaciável – disse ele, olhando dentro dos olhos dela. Tinha as pupilas dilatadas. – E por isso começarei a discipliná-la.

Katherine esfregou o braço onde ele agarrara e ficou olhando nos olhos dele, com medo, mas ousada o suficiente para não quebrar o contato visual. Lentamente, a expressão de Serpente se suavizou um pouco.

— Chega de sangue para você – ele disse, com a voz dura, mas os olhos já eram os de Roberto, embora estivessem injetados. Katherine podia jurar que ele parecia mais forte, os músculos inchados e saltados, mas não confiava em si mesma naquele momento para julgar. – Trouxe alguém para treiná-la para combate.

— Não vai me dizer por que está me obrigando a fazer isso? – ela quis saber, tornando a olhar para as marcas dos dedos dele no braço dela. As mãos dele pareciam maiores. – Por que eu? É um teste?

Roberto sorriu, parecendo satisfeito consigo mesmo. As presas estavam um pouco aparentes e reluziram.

— É um pequeno sacrifício seu para o grande plano que eu tenho para todos nós – ele disse, simplesmente. – Vamos deixar de ser meros cordeiros e nos tornar leões.

Katherine o encarou em silêncio, absorvendo a resposta enigmática.

— Se suas crenças estão em Deus ou na natureza, não me importo – Roberto continuou, estimulado. – Mas nosso poder é inegável. Olhe para você, querida, curada de facadas e feridas mortais. Chega de fraqueza. Chega de desperdiçar o nosso poder. Está na hora de tomá-lo.

Ele se levantou e saiu do quarto. Deixou Katherine com uma sensação ruim.

Um tempo depois, a porta tornou a se abrir e Olivia entrou. Como Serpente mais cedo, parecia inspirada e satisfeita. Quando deu uma olhada em Katherine, o sorriso se tornou uma careta.

— Você nunca toma banho? – perguntou com desagrado. – É algum tipo de protesto?

Ela tinha razão, de certa forma. Katherine gostava do sangue nas roupas, na pele e enchendo-lhe as narinas com o odor pungente como um lembrete. Um lembrete das atrocidades que andava cometendo, e de como o poder a fazia se sentir bem. Não gostava daquilo.

O cheiro de sangue servia para que ela se lembrasse de quem era antes. Porque estava se tornando alguma coisa assustadora. Um monstro insaciável, como Serpente bem colocara. E para se lembrar de como o sangue estava próximo do poder.

Quanto mais bebia, mais desejava.

Encolheu os ombros para Olivia, sem expressar reação.

— Não é problema meu – ela murmurou. – Vou leva-la para o seu treinamento de combate. Estou certa de que o seu pai já lhe falou sobre.

Katherine assentiu.

Olivia entregou a ela um conjunto de roupas de ginástica. Katherine notou que os dedos dela estavam sujos, e mancharam o tecido.

— Isso é maquiagem? – perguntou com estranhamento, aceitando as roupas. Analisou o rosto de Olivia, completamente limpo. – Estava maquiando alguém?

Olivia assentiu, olhando para ela com os olhos apertados de desconfiança.

— Você é curiosa demais. Troque de roupa logo e vamos ver se uns tabefes acabam com essa sua esperteza toda.

Katherine fez uma careta para ela, mas obedeceu. Quando estava pronta, Olivia a conduziu para fora do quarto. Teve somente um vislumbre do corredor antes de Olivia colocar uma venda nela.

— Por que isso? – Katherine perguntou, cansada. Deixou-se ser conduzida por Olivia com uma mão em suas costas.

— Caso resolva fugir – Olivia respondeu simplesmente.

Entraram em um elevador. Katherine ouviu as portas se fecharem, e sentiu um frio na barriga quando ele se moveu.

— Daí vocês matam toda a minha família – respondeu secamente para Olivia.

— Verdade. Tinha esquecido – Olivia replicou com ironia.

Katherine sentiu vontade de bater nela. Tinha plena consciência de onde Olivia estava, o quão perto estava, o quanto teria que jogar a cabeça para trás para quebrar o nariz dela. Mas respirou fundo. Tinha medo pelos outros. Já tinha muito sangue nas mãos.

As portas do elevador se abriram e elas continuaram andando pelo prédio, até que uma porta se fechou e Olivia puxou a venda.

Katherine piscou um pouco e seus olhos se acostumaram com a claridade. Analisou a sala à sua volta. O chão coberto por tatame, instrumentos de treino, alguns bonecos e sacos de pancada. Lembrou-se de Ellen imediatamente.

Sentiu o estômago se revirar e contraiu o rosto, lutando contra a náusea que a invadia. A culpa por colocar a família em risco a abateu novamente como uma doença súbita.

— Que cara é essa? – Olivia perguntou, desconfiada.

— Acho que vou vomitar.

Olivia olhou para ela sem dar muita atenção.

— Você não come nada há dias, não há nada aí para vomitar. Estou indo embora. Não vomite no tatame, se possível, e espere aí pelo professor.

Katherine deu de ombros e se sentou no chão, esperando a cabeça parar de rodar. Nem cogitava mais fugir ou desobedecer, o que a enfurecia. Serpente criticava tanto a submissão ao mesmo tempo em que criava o seu próprio monstro domesticado de estimação.

Ela queria tentar se comunicar com alguém mentalmente. Procurar por David, ou Jack. Mas só havia tentado aquilo com Evan, e era doloroso demais voltar à ilha que dividiam e se deparar de novo com tudo aquilo destruído. Mas ela era uma assassina. Merecia aquela desolação como lembrança.

— Olá, Kate.

A voz nova desviou a atenção dela e a assustou. Ela se virou para olhar, mas não disse nada. Só ergueu as sobrancelhas.

— Meu nome é Travis – disse ele, com os braços cruzados. – Travis Copeland.

Katherine assentiu, ainda com as sobrancelhas erguidas. Travis era musculoso, porém esguio. Sorridente demais. Estranhamente familiar.

— Você parece desconfiada – ele observou, sorrindo. Diante do silêncio dela, acrescentou: – e quieta.

— Minha mãe me ensinou a não falar com sequestradores – retrucou ela, cruzando os braços também.

Travis deu de ombros, sem parecer se importar muito com a grosseria dela. Ele tinha a pele negra, cabeça raspada e um sorriso bonito. Depois pegar a si mesma admirando a beleza dele, Katherine desejou que Travis desse uns bons chutes nela para ela deixar de ser idiota.

— Já lutou antes?

— Não.

Ele sorriu, mas Katherine continuou a encará-lo sem expressão.

— Você não parece gostar disso.

— Não gosto mesmo.

— Bom – começou Travis, entrelaçando os dedos. – Vou ensinar Krav Maga. Conhece esse estilo?

Deu de ombros para ele.

— É uma luta de combate corporal focada na defesa pessoal – explicou ele. – Foi pensada para neutralizar rapidamente ameaças, muitas vezes com um só golpe. Alguns golpes são capazes de matar.

— Normalmente eu sou a ameaça – observou ela, sem muita animação. – Sabe, quando vocês me mandam invadir a casa das pessoas e sequestrá-las.

— Primeiro – ele ergueu um dedo no ar, mas estava sorrindo. –, eu não mando você invadir a casa de ninguém. Estou aqui para treiná-la, e só. E segundo, isso é para evitar que você tenha que lutar de fato. É para que consiga resolver as coisas rapidamente e sair logo de lá. Quem sabe evitar uma facada?

Katherine apertou os olhos para ele. Eu não mando você invadir a casa de ninguém. A frase soara estranha para ela. Quase uma crítica. Acreditou por um segundo que ele estava do lado dela, mas achou melhor cair na real: Travis só estava tentando ganhar a confiança dela.

— Não tenho escolha – disse ela secamente. – Se eu não obedecer eles matam alguém que eu amo.

Ela olhou para ele, esperando por alguma reação. Estava tentando testá-lo, mas Travis ignorou a provocação e começou a explicar os exercícios.

— Você não precisa ganhar força, obviamente. Já vamos direto para exercícios de técnica então. Existem alguns golpes com facas, e é por isso que eu estou com duas na cintura, mas não sei se vamos usá-las hoje.

Katherine baixou os olhos para a cintura de Travis. Ele tinha mesmo um cinto com duas facas.

Ela passou o que lhe pareceram horas infinitas fazendo séries de chutes e socos. Depois, Travis mandou-a fazer exercícios de rolagem no chão, e de cair e levantar com agilidade. Quando finalmente a deixou fazer uma pausa, ela estava no chão, sibilando, exausta.

— Vamos. Última lição, e eu libero você. Nada de força. Fugir de estrangulamento.

Katherine ergueu o olhar para ele. Tentou manter a máscara de arrogância, mas não conseguia esconder o terror nos olhos.

— Não quero fazer isso.

Travis parou, sem jeito. Claramente não sabia como agir.

— Eu sinto muito, Kate, mas…

— É Katherine – ela corrigiu secamente.

Ele pigarreou, desconfortável.

— Katherine, tenho ordens estritas.

— Ordens estritas de quem? – ela ousou questionar. Estava questionando demais. Mais uma pergunta, e podia apostar que Olivia aparecia ali para ameaçá-la de novo.

— De Serpente.

Katherine engoliu em seco. Ordens estritas para ensiná-la a fugir de enforcamento. É claro que Serpente sabia sobre Alex. Ele havia se enfiado na mente dela, vasculhado e bagunçado tudo o que podia. Aquilo era tortura psicológica, não treinamento.

— Vou simular o ataque, e primeiro você tenta fugir do seu jeito. Depois, eu ensino. Tudo bem?

Ela respirou fundo. Não tinha escolha.

— Tudo b…

Antes de ela terminar de falar, Travis passou o braço pelo pescoço dela e apertou um pouco. Katherine tentou empurrá-lo para trás, assustada, mas ele não se mexeu. Em seguida, tentou dobrar o corpo para frente, mas o pescoço só ficou mais apertado. Por fim, Travis soltou.

— Isso não é sobre força, Katherine. É claro que você pode ganhar usando a força, mas a técnica serve para vencer um adversário maior que você ou mais forte que você, apesar de eu não saber se isso existe.

Ela estava tremendo. Tentou se acalmar. Era só um mata leão, só isso. Em um ambiente totalmente controlado. Nada demais.

— Não use a força dessa vez – disse ele, olhando nos olhos dela. Falava sério. – Se alguém um dia privá-la da força, você deve ser capaz de lutar sem ela.

Katherine assentiu e tentou se concentrar na explicação dele, apesar da mente dela protestar. Quando Travis se posicionou para estrangulá-la de novo, tentou repetir os passos na cabeça.

Baixar o queixo, erguer o ombro.

Ele começou a fazer força. Era extremamente incômodo.

Baixar o queixo. Erguer o ombro.

Não estava adiantando muito e ela não estava aguentando. Começou a puxar a mão dele para baixo, mas ele não a deixou baixar a mão.

— Sem força – disse ele.

O aperto aumentou, e o pânico começou a dominá-la. Tentou de novo puxar o braço dele para baixo e ele apertou mais. Katherine empurrou o braço dele, em pânico, sem sucesso. A visão começou a embaçar com as lágrimas que se formavam.

— Chega – Katherine gritou, mas não ouviu som algum além de um chiado. – Alex.

Abaixa o queixo e empurra com o ombro!

Katherine parou, aterrorizada. Era a voz de Evan que acabara de falar na cabeça dela. Ela podia jurar. Podia jurar.

A visão dela começou a escurecer e ela parou de lutar. Deixou a cabeça pender, mergulhando nos sonhos em que Evan ainda vivia e falava com ela.


— Finalmente você voltou. Precisa me avisar!

 Katherine virou a cabeça lentamente na direção da voz. Viu Travis e respirou fundo, sentindo-se enjoada.

De relance, um brilho atraiu o olhar dela. Travis sacara uma faca do cinto. Ela gritou, levantou rápido e a sala começou a girar de novo.

— Quer desmaiar de novo? – ralhou Travis, apoiando-a para levá-la de volta ao chão.

— O que está fazendo? – disse ela, assustada.

— Estou alimentando você, já que eles não estão fazendo isso – resmungou ele, e cortou o pulso. O sangue brilhante brotou e Katherine comprimiu os lábios, forçando-se a desviar o olhar.

— É melhor não – murmurou ela. – Ele não me quer mais perto de sangue.

— Nem de comida, pelo visto. Não é assim que se disciplina alguém – retrucou Travis com a voz dura. – Beba.

Katherine continuou olhando para o outro lado, embora o cheiro estivesse enchendo o nariz dela.

— Ele vai te matar. Pare antes que ele veja e te mate.

— Não há câmeras na sala de treinamento. Vá em frente.

Katherine fez que não com a cabeça, fechando os olhos com força. Estava com mais medo de si mesma que de Serpente.

— Eu já matei – ela sussurrou, quase como uma confissão, sentindo ódio de si mesma. – Não consigo me controlar. Vou matá-lo.

— Tenho duas facas na cintura e uma faixa preta em Krav Maga. Se não confia em si mesma, confie em mim. É só não morder.

Uma gota pingou na mão de Katherine, e ela pôde ainda sentir o calor. As presas saltaram para fora imediatamente, mas ela se obrigou a recolhê-las. Aproximou a boca do pulso de Travis devagar, com pressa de sentir novamente aquele gosto, mas tentando se controlar. Lambeu a gota que escorria e em seguida pousou a boca sobre o corte, contendo-se o máximo que conseguiu.

Sangue nunca tinha o mesmo gosto, era o que ela estava descobrindo. Travis era metálico, espesso e vivo. Beber dele fez o coração de Katherine acelerar, e o ar começou a encher os pulmões dela como nunca.

Ele puxou o braço com delicadeza, e Katherine abriu os olhos devagar. Levou a mão à boca para limpá-la e notou que os dedos estavam tremendo.

— Isso foi meio… - começou Travis, com a testa franzida.

Sexy? – sugeriu Katherine, arrependendo-se imediatamente. Sentiu o rosto esquentar.

— É, acho que sim. – concordou ele. Ainda estava com a testa franzida, mas agora as orelhas também ficavam vermelhas. – Sinto muito por isso.

Alguém bateu na porta e a abriu. Era Olivia. Katherine congelou ao vê-la, mas ela só pareceu entediada.

— Está na hora de voltar.

Katherine ficou um pouco aliviada com a interrupção, e mais aliviada ainda ao notar que Olivia mal estava prestando atenção a ela, então não estava ali para puni-la. Ela se levantou e olhou de relance para Travis.

— Não sinta – falou, abrindo um meio sorriso para amenizar a situação constrangedora.

Antes de ver a reação dele, Katherine deu as costas a Travis e foi até Olivia. Sem dizer nada, Olivia colocou a venda nela e seguiram para o elevador.

Agora você não escapa do banho – disse Olivia, quando a porta do elevador fechou diante delas com um som suave.


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Notas finais do capítulo

e esse travis einnnnn



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