Para Sempre - A Escolha escrita por AlanRod1830


Capítulo 16
Mensagem de despedida




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Miguel

 

Às vezes me arrependo de ter contado a Adrian aquele maldito sonho; de não ter guardado só para mim aquelas malditas suposições. Talvez devesse ter ficado de boca fechada. Talvez tivesse feito alguma diferença. Será?

Eu, em minha ingenuidade, achei que revelar ao meu melhor amigo o que estava pressentindo o ajudaria a ficar mais atento. Jamais pensei que ele fosse levar o assunto tão a sério, a ponto de quase arrebentar a minha cara. Depois disso, o medo de expressar minhas intuições e anseios – por mais tolos e insignificantes que fossem – passou a me perseguir como se fosse minha própria sombra. A preocupação em não tornar a vida do meu melhor amigo mais difícil do que já estava era tamanha que, desde aquele último desentendimento que tivemos, eu nunca mais soube o que é ter uma noite de sono tranquila. Na verdade, sempre desconfiei que eles não fossem profundamente felizes, mas se Larissa nunca tivesse reaparecido na vida dos dois, com certeza teriam conseguido levar esse relacionamento por muito, muito tempo.

Mas a vida é imprevisível. Nada acontece por acaso. Tudo tem o seu motivo, sua hora, seu lugar. Neste mundo não existem coincidências, por mais que nos digam o contrário. Mas existe providência. Destino.

E, infelizmente, surpresas são inevitáveis.

Mas, felizmente, nem tudo é mal.

***

Soa uma sirene. Deve ser um ataque aéreo. Ou o apito de um navio. Ou o alarme de um carro. Ou, quem sabe, a ansiedade dos sinos de uma igreja. Não! É o despertador. Minha mente está em completa resistência para se manter em um lugar onde nada é real, porém o único em que ela implora para permanecer. Sem sorte alguma, acabo desistindo e aos poucos vou abrindo os olhos. Viro o rosto para o lado de onde vem uma discreta iluminação amarelada e me deparo com os seguintes números: 07:30.

Céus! Já são sete e meia da manhã!

Me espreguiço o máximo possível, tendo a certeza de que nenhuma parte do meu corpo está dormente, e bocejo. A cama cheira a um suor rançoso e eu permaneço um tempo imóvel, até acumular coragem e energia suficientes para enfrentar o inevitável. Tenho que estar no colégio às oito em ponto, mas se dependesse de mim, nem sairia de casa. Voltaria para a cama e depois – bem, bem depois – desceria para o café e curtiria as férias no meu quarto, jogando videogame ou navegando na internet.

Infelizmente, isso não depende de mim. Poderia fingir que estou doente, mas não levo o menor jeito para mentir. Poderia simplesmente dizer que não quero ir e ponto final, mas minha mãe com certeza iria querer saber o motivo, e eu não estou nem um pouco a fim de dar explicações. Ela não entenderia se eu dissesse que o único motivo para eu não querer ir nessa viagem é mais um dos meus miseráveis pressentimentos. Sinto que alguma coisa ruim vai acontecer. Não faço ideia do que seja. Só sei que é uma coisa ruim. O quão ruim? Infelizmente não tenho a resposta.

Desligo o despertador e cambaleio até o banheiro, onde, sem pensar duas vezes, me enfio debaixo do chuveiro. A água está gelada, mas logo esqueço desse detalhe. Finalizando o banho, me seco e visto uma roupa casual – short jeans e uma blusa cinza regata, sem estampa, acompanhados por tênis verde neon. Ponho um casaco e desço para a sala de jantar, onde meus pais e um saboroso café da manhã me aguardam. E depois de um café da manhã requintado, estou pronto para começar mais um capítulo da minha vida. Tudo vai começar dentro de algumas horas, e tudo acabará dentro de uma semana, quando eu finalmente voltarei à minha rotina de sempre.

A caminho da escola, tento de todas as maneiras convencer a mim mesmo de que nada ruim vai acontecer nessa viagem, que tudo dará certo e que vou acabar me divertindo. Afinal de contas, o que eu adoro mais do que ouvir histórias de aventuras é vivê-las. E, desde pequeno, sonho em ir para o Campo dos Sonhos. Não posso deixar que um simples pressentimento estrague tudo.

Quando chego ao internato, o ônibus já está de saída. Um minuto mais e eu teria perdido. Vejo meus colegas embarcando com suas mochilas de camping e, mais que depressa, me despeço do meu pai e corro para alcançá-los.

— Miguel! – grita Roberta assim que me vê. – Vamos!

Roberta dá um tapinha no meu ombro e sobe depressa depois de mim. Corremos para o fundo do ônibus, cumprimentando os que já haviam se acomodado. Todos estão aqui, alguns obviamente empolgados, outros nem tanto. Vejo quem eu não esperava ver: Adrian, sentado na última poltrona, olhando para fora da janela. Larissa está ao seu lado, de braços cruzados, encarando o encosto da poltrona à sua frente. Imagino se eles ficarão assim a semana toda, sem se falarem nem se olharem.

Não concordo com isso. Aliás, nunca entendi por que Adrian despreza tanto essa garota enquanto ela move céus e terra só para chamar sua atenção. Certo, no começo Larissa podia não ser atraente o bastante para despertar seu interesse, mas nada impedia que os dois fossem amigos. Isto é, duas coisas impediam: A) O grande amor que Larissa dizia sentir por ele, e B) o orgulho tolo típico de um cara como Adrian, que jamais olharia para uma garota de óculos e aparelho e da qual ninguém lembra o nome. Mas agora as coisas são diferentes. Larissa mudou sua aparência e seu jeito de ser de uma forma extraordinária. Está incrivelmente linda – o bastante para abalar as emoções de qualquer um, e, assim, muito mais facilmente poderá conquistar alguém cuja vida amorosa já não estiver lá grande coisa. Obviamente, não é isso o que ela quer. E é óbvio também que continua apaixonada por Adrian. Mas mesmo assim ele insiste nesse orgulho tolo típico dele. A despreza como antes.

Adrian encara o relógio a cada dois minutos e olha para fora da janela, mas nem se preocupa em olhar para a garota que está ao seu lado. Larissa olha para ele de vez em quando, mas ele não olha de volta. E é assim durante toda a viagem. Mesmo não concordando com o que ela está fazendo, não posso evitar lamentar por ela.

Ela não merece esse desprezo. Não merece ser considerada "a que sobrou".

***

O ônibus pára em frente a um grande portão cujo topo ostenta uma arcada florida. Perto dele, há uma placa com a frase BEM-VINDOS AO CAMPO DOS SONHOS escrita em tinta marrom opaca. Do outro lado do portão, uma área de camping enorme, situada na encosta de uma montanha gigantesca. Em ambos os lados de um caminho de cascalho – que conduz ao interior de uma magnifica floresta de rododendros –, um jardim imaculadamente tratado, onde podemos ver as mais belas espécies de flores e árvores frondosas que se estendem até um rio de águas transparentes.

Estou encantado com a beleza deste lugar. A perfeição dos canteiros, a mistura harmônica das cores das plantas e flores silvestres, o amor que emana da terra, libera uma sensação de bem-estar que flui no ar e que é possível sentir no corpo e na alma literalmente. Aqui, posso ouvir a suave melodia dos pássaros, o barulho da água corrente, das árvores farfalhando... Posso sentir o calor do sol no rosto e a grama macia entre os dedos dos pés. E o melhor: posso me refugiar das preocupações que vêm tomando conta de mim nesses últimos tempos. Enfim, posso respirar tranquilo, sem me preocupar com nada.

Assim que montamos as barracas, guardamos as mochilas e, acompanhados de um guia, seguimos por uma trilha através da floresta de rododendros, passando por belíssimas quedas d'água, até chegarmos a um enorme lago de águas cristalinas, onde há bonitos peixes coloridos e algumas vitórias-régias boiando sobre o espelho d'água. No meio do lago, uma pequena ilha na qual cabem aproximadamente cinco pessoas. À esquerda, uma pequena cachoeira cai entre as pedras.

Um aroma forte e balsâmico vem da floresta às nossas costas, enchendo o ar com um perfume que inebria os sentidos. A água – que murmureja com um ruído agradável – cintila sob os raios dourados do sol. Olho para Adrian, imaginando que, talvez, ele esteja curtindo o passeio, mesmo que seja apenas um pouquinho. Ele está correndo pela margem do lago, junto com Henrique e Alex, chutando água na cara uns dos outros. Riem como loucos, o que me dá vontade de ir até lá e participar da brincadeira. Procuro por Larissa. Vejo-a perto dos arbustos, junto com Roberta, Jéssica e Leticia, observando as flores. As quatro riem e conversam animadamente. Fico feliz pelo fato de ambos não estarem sozinhos, mas, para que minha felicidade seja completa, desejo que Adrian abra mão do seu orgulho e dê a Larissa a oportunidade de se aproximar. Talvez ele nunca possa corresponder ao amor dela, mas quero muito que ambos se tornem amigos.

Depois de uma tarde agradável conhecendo as maravilhas do Campo dos Sonhos, voltamos para o acampamento, onde nos preparamos para a primeira noite longe do barulho da cidade e perto da mãe-natureza. O guia – um homem chamado Jack Antonoff, bem-humorado e que usa um chapéu de cowboy – prepara uma fogueira e, em seguida, nos convida para sentar em torno dela, comendo fatias de pêssego em lata. Depois de mostrar a todo mundo que sabe tocar violão muito bem e de contar vários 'causos' da sua infância, Jack olha para o céu noturno e começa a falar sobre as estrelas. Diz que, diferente do que costumamos ouvir por aí, não é possível enxergar milhões de estrelas em uma noite de céu limpo, pelo fato de não existirem tantas estrelas assim perto do nosso planeta. Diz também que, em uma noite estrelada como esta, é possível ver entre duas mil e cinco mil estrelas de uma única vez, e que da próxima vez que alguém disser que viu um milhão de estrelas no céu, deixemos de ser amigo dele, que ele é um mentiroso!

Entretidos em uma agradável prosa, não vemos o tempo passar. Quando chega a hora de dormir, o bem-humorado Jack arruma suas coisas e se despede de nós com um 'boa noite' bem alegre. Quando ele vai embora, nos preparamos para dormir. Há três barracas à nossa disposição. Como somos 12, precisamos nos dividir em três grupos de quatro, de modo que nenhuma das barracas fique lotada demais.

À esta hora da noite, os sons que vêm da floresta são espantosos. É como se a floresta inteira estivesse cantando em uma harmoniosa orquestra noturna. Uma mistura dos mais variados sons. Animais e o próprio vento dão à esta noite um toque sombrio e ao mesmo tempo aconchegante e belo. Com tudo isso, não fica difícil adormecer.

***

Eu rio ao lembrar do quanto nos divertimos essa semana. Passeamos de caiaque pelo grande lago, nadamos, pescamos peixes grandes, andamos de tirolesa, escalamos a montanha, apostamos corridas de saco-cama, brincamos de Verdade ou Desafio, caçamos animais e, graças a Jack, o simpático guia, conhecemos um lugar onde há pessoas que garimpam diamantes. Essa foi uma das melhores experiências de toda a minha vida.

Adrian compartilha da mesma opinião. Para ele, essa foi a semana mais incrível da sua vida, mas confessa que teria sido melhor se Hannah também tivesse vindo. Aproveito para perguntar se tudo vai bem entre eles. Adrian fica em silêncio, e sua expressão entristecida apenas confirma meus piores temores. Adrian e Hannah terminaram o namoro. Larissa, com algum propósito, talvez por mera vingança pessoal, conseguiu separá-los. O que mais falta acontecer?

A semana passou voando e, para a tristeza de todos, as férias agradáveis chegaram ao fim. É chegada a hora de arrumar as coisas e voltar para a escola. Às oito da manhã o ônibus já está parado perto da entrada, mas ninguém está querendo ir embora. Nem mesmo eu. Acho que nunca me diverti tanto. Espero poder voltar em breve. Mal posso esperar pelas próximas férias.

Algumas horas depois, o ônibus estaciona na Rua dos Antiquários, nosso destino final. Quando chegamos ao quarto, tiramos a roupa e nos preparamos para tomar banho. Estou louco para tomar uma ducha bem quente, mas logo vejo pela cara de Adrian que ele precisa disso mais do que eu, e por isso deixo que vá primeiro. Adrian murmura um "valeu" tão baixo que eu mal consigo escutar e, em seguida, entra no banheiro.

— O que há com ele? – pergunta Henrique.

— Ele brigou com a Hannah. Os dois terminaram.

— Sério? Caramba! Isso sim é que é uma surpresa. Confesso que, no começo, eu duvidava que esse namoro pudesse dar certo, pois, assim como você, achava que a chegada daquela novata iria causar um certo rebuliço no relacionamento deles. Mas nunca pensei que isso fosse realmente acontecer. Claro que nem tudo é um mar de rosas, mas... Tem certeza de que isso é definitivo? Sei que o Adrian ama a Hannah, e tenho certeza de que ela o ama também. Não acho que esses dois possam ficar separados por muito tempo.

— Lamento ter que dizer o contrário, amigo. Mas, por mais difícil que seja para mim dizer isso, o Adrian e a Hannah nunca mais poderão reatar o namoro deles. Porque isso se tornou praticamente impossível.

— Do que está falando, Miguel? Como assim "impossível"? Claro que não é impossível. Aqueles dois se adoram. Tudo bem que só o amor não basta para que duas pessoas fiquem juntas. Mas ele pode mudar tudo. Pode superar barreiras, mudar o destino. Espere só alguns dias e logo você os verá juntos novamente.

— Você não está entendendo, Henrique. Eles não dispõem de tempo algum para voltarem a ficar juntos. Isso não será possível.

— Por que não? Me explica isso direito.

— Tem uma coisa que eu não contei ao Adrian, e não encontro coragem para dizer de uma vez.

— Que coisa? É sobre a Hannah? Aconteceu alguma coisa com ela? Fala, Miguel!

— Enquanto voltávamos do acampamento, eu recebi uma mensagem da Hannah. Sabe o que ela disse?

— Claro que não. Como vou saber?

Pego o celular, que está no bolso do casaco.

— Veja você mesmo.

"Miguel, estou indo embora para o Canadá. Minhas precárias condições financeiras já não me permitem continuar morando aqui. Lamento ter que ir embora sem poder me despedir de ninguém, e muito menos do Adrian. Estamos brigados. Ele me pediu um tempo, mas, infelizmente, não disponho de tempo algum. Por favor, diga ao Adrian que o amo muito, e que jamais vou esquecê-lo. Também não vou me esquecer de nenhum de vocês. Adeus. Hannah."

Henrique me devolve o celular, boquiaberto.

— Entendeu agora? A essa altura, Hannah deve estar bem longe daqui. E o pior: o Adrian nem sequer desconfia que isso esteja acontecendo.

— Quando pretende contar isso a ele?

— Eu não sei. Mas, de qualquer maneira, cedo ou tarde ele vai acabar descobrindo. E só Deus sabe o que pode acontecer depois.


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