Princesa escrita por André Tornado


Capítulo 1
Capítulo único


Notas iniciais do capítulo

Esta história vai dedicada a duas mulheres muito especiais.

A primeira é obviamente a Carrie Fisher, porque hoje se completa um ano da sua união com a Força.

A segunda é a maravilhosa Elane Santiago, alma terna e luminosa.

Uma história imprevista, mas quis fazer a homenagem à Carrie e deixar a Elane menos tristonha...

Ah, um aviso importante: contém (quase) spoilers de Os Últimos Jedi/The Last Jedi - mas nesta fase acho que toda a gente já viu o filme, certo?



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Sabia que não lhe restava muito tempo.

Tinha essa impressão – de um fim. Em breve.

Os seus dedos fletiam-se sobre o enxadrezado da pequena mesa de jogo, desligada, arranhando levemente o tampo, mais numa carícia do que numa agressão. Crait ficava longe, afastava-se numa distância absurda quando viajavam à velocidade da luz, e também ficava longe tudo o que se tinha perdido.

Era um alívio poder distanciar-se do que tinha acontecido, mas por outro lado um passado de fantasmas construía-se no rasto que ia deixando pela galáxia.

Já tanto a tinha atravessado, tanto se tinha desvanecido, tanto se tinha transmutado que ela iria também ser um desses fantasmas.

Naquele preciso lugar, cobertor sobre as costas, colocado por um atencioso Poe Dameron, sentada naquele assento semicircular que rodeava a pequena mesa de jogo, dentro da Millenium Falcon, podia convocar muitas memórias – a começar por aquela primeira que tivera nessa mesma nave, nesse mesmo sítio, quando ela também cobrira, atenciosa, as costas de um rapaz devastado com a sua perda, quando escapavam da terrível estação espacial do Império e não havia tempo para lamentações porque tudo se jogava naquele suspiro.

Afastou os espíritos que significam os dias de ontem e concentrou-se nos sobreviventes que estavam com ela, dentro da nave, a respirar o ar filtrado que tinha um odor específico de velho metal e de saboroso lar.

Desejava estar e apreciava sinceramente a companhia daquele punhado de lutadores que constituíam a faísca que iria reacender o fogo da Resistência que haveria de lutar contra a imponência maligna da Primeira Ordem.

E entre todos os rostos cansados, abatidos, resistentes estava a daquela jovem mulher que inspiravam-na e faziam-lhe o interior gelado acender-se com o fogo da esperança. Rey. Ah, jovem e querida Rey! Naqueles pequenos, mas firmes ombros repousava toda a alegria da galáxia. A luz.

O testemunho fora passado. Primeiro por Han. Depois por Luke.

Agora era a vez dela, Leia.

Sorriu, os lábios secos arrepanharam-se.

Sabia que não lhe restava muito tempo e por isso deveria apressar-se para deixar todos os ensinamentos possíveis sobre política, diplomacia, democracia, jogo de forças, a subtileza, o encantamento, a nobreza, a energia, a teimosia, a inteligência, o ardor, a paixão, a crença, o altruísmo.

Ela, um dia, fora uma princesa.

Riu-se de si para si.

Han lembrava-lhe sempre que ela pertencia à realiza galáctica, mesmo depois do fim de Alderaan, mesmo depois de tantos anos e quando ela já voltara a ser senadora, quando era mãe e uma mulher combativa, sempre demasiado ocupada.

Podia contar com o corelliano para recordar a sua ascendência majestosa. E quando ela retrucava que não gostava desse título, que o apodo era deslocado, Han acrescentava que pertencia aos Skywalker, esses sim, os verdadeiros reis coroados da galáxia devido à sua ligação única com a Força.

Talvez, concordava ela relutante, talvez essa explicação fosse mais satisfatória.

E ao pensar nela própria como uma princesa, o peito enchia-se de esperança.

Ela, um dia, fora uma senadora.

Adorava o palco político, a luta feita com a ideia e a palavra. O debate, a argumentação, a cedência para almejar a vitória seguinte, os interesses dos povos sopesados numa balança cuidadosamente afinada, sem nunca perder de vista a igualdade e a liberdade, a essência da democracia, o respeito pelo outro. Adorava até tudo ter sido corrompido pela iniquidade da ditadura, das falsidades impostas pelo Império.

Mesmo nesses tempos negros nunca desistiu de lutar.

Disseram-lhe que era inútil candidatar-se ao Senado Galáctico, um grupo decadente de fantoches do Imperador que tudo controlava e manietava. Ela não aceitou desistir antes de combater. Mesmo que os outros fossem fantoches, ela não o seria e empenhou-se em todas as causas. Porque ela era construída de esperança.

Ela, um dia, fora uma rebelde.

Arma laser fumegante empunhada com determinação, guerreira em ação em cenários inóspitos, na linha da frente sem qualquer hesitação ou sequer indício de medo. Mas ela sentia medo, um terror paralisante de não estar à altura do que esperavam dela. Medo de morrer como uma traidora ao Império? Isso, nunca! Medo que aqueles que a rodeavam desistissem da luta? Sim, muitas vezes! Empenhou-se em muitas decisões polémicas para inspirar os seus companheiros, para que nunca perdessem… a esperança.

Ela, um dia, fora uma mãe.

No início, a impressão foi de estranheza, confessava para a sua alma. Não sabia como reagir perante o filho, as inconsistências e as espontaneidades de uma criança que se mostrava especial desde tenra idade. Extraordinária… e assombrada. Amou o seu filho com todo o seu coração, embora lhe fosse difícil expressar melhor esse sentimento do que realmente o fez. Depois, as coisas mudaram e aconteceu aquele fosso que ela nunca conseguiu diminuir por lhe faltar os instrumentos adequados. O amor, todavia, esse amor quente e puro sempre existiu por aquele filho único. Sempre teve esperança no seu filho.

Ela, um dia, fora um general.

Ainda o era, líder inspiradora e ajuizada que debitava a melhor estratégia a seguir. Gostava de orientar, de controlar, de definir, de inspirar. De demonstrar que o caminho se fazia por esta ou por aquela direção, confiança absoluta na sua palavra, os outros a cumprir as suas ordens, que podiam significar perdas e descalabro, mas sobretudo vitórias, mais esperança.

Tinha de passar o testemunho e deixar de ser o que tinha sido, tudo aquilo, desde princesa a senadora, desde rebelde, mãe (desistiria também de ser mãe? Sim, o seu filho estava perdido para sempre, infelizmente…) até general.

Espreitava entre as pestanas e via que estava em condições de deixar o seu legado. Em paz com a sua consciência, em paz porque o seu papel estava cumprido. Apropriadamente cumprido e maravilhosamente encerrado.

Tinha Rey, a luminosa Rey. Tinha Poe, o destemido Poe.

Estava pronta. Em breve faria a sua despedida, exigindo que não a lamentassem. Não suportava que se recordassem dela com aflição, tristeza, lágrimas e pena. Não tinha feito todos aqueles sacrifícios, não tinha brilhado como o fizera para que no momento derradeiro ficasse um contorno murcho e sombrio na sua ausência. Quando ela não estivesse, deveria haver sempre felicidade e luz. Ela também iria pertencer à Força, ela era uma das suas filhas legítimas.

Sentiu a carícia transparente na mão que raspava ao de leve a pequena mesa de jogo. Ele dava-lhe a mão… Murmurou, tranquila:

— Luke…

Sentiu o perfume almiscarado a envolvê-la. Houve um arrepio de reconhecimento… Murmurou, encantada:

— Han.

Sabia que não lhe restava muito tempo.


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Notas finais do capítulo

Muito obrigado pela leitura.

Acabei de escrever e publiquei. Perdoem-me por algum erro ou incongruência.