Nosso Segredo de Ano Novo escrita por Raposa Preguiçosa


Capítulo 1
Polaris


Notas iniciais do capítulo

~Capitulo betado~
Agradeço a minha irmã pela paciência



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A Cidade de Eel estava em polvorosa com a celebração de Ano Novo. Todos os moradores estavam animados. Desde a quebra do cristal, não era sempre que um evento grande desses acontecia na cidade: a quantidade de suprimentos já era limitada, então os habitantes se tornaram mais precavidos com os problemas adicionais que surgiram depois.

Para não deixar uma aura tensa, a Guarda de Eel faziam pequenas exceções: a chegada de alguém importante, uma celebração anual importante e o Ano Novo. Pelo que pude entender, isso era muito sagrado em Eldarya, porém acabei não ficando até o final para compreender o motivo.

Não queria celebrar nada.

Ver a árvore centenária enfeitada com lanternas de papel e vários lençóis de piqueniques ao redor era lindo. Havia uma banda tocando no quiosque central e as lojas haviam feito decorações com corais luminosos, além de vender tudo por mais dá metade do preço. O Q.G. estava aberto para todos da Cidade de Eel: além de muita comida à mostra no Grande Salão, havia o espaço no refeitório decorado por um bem-humorado Karuto, por mais surpreendente que seja, que colocou um pequeno buquê de flores chamas em cada uma das mesas.

A Guarda até mesmo havia aberto os portões da Cidade, deixando livre o translado dos habitantes, ainda que supervisionada, e decorado a entrada da floresta próxima.

Estava tudo lindo, fabuloso.

E eu só queria estar o mais longe disso tudo.

Evitei Ezarel o dia inteiro, sem querer saber de alguma “missão” de ultima hora ou de ajudar a guarda com alguma coisa. Não queria conversar com Kero com o seu sorriso gentil e olhos esperançosos. E nem mesmo estava empolgada com a ideia da Ewelein me pegando em um abraço surpresa com um ataque de cosquinhas. Eram todos adoráveis (o Ezarel nem tanto), mas não queria ver nenhum deles agora.

Afinal, a comemoração era deles, não minha.

Essa celebração só me fez lembrar que fazia quase dois meses desde minha chegada em Eldarya. Dois meses sem as teorias de conspiração de Taika, passar tempo na cafeteria Pega's Tea e dois meses sem pizza.

Dois meses longe de Iris.

Não era a primeira vez que isso acontecia. Quando fui a universidade também fiquei fora por um bom tempo, mas sempre com a possibilidade de voltar. Em Eel as coisas foram um pouquinho diferentes...

“Não vamos lembrar disso agora”, pensei com a minha bolsa pesando nas minhas costas. Peguei alguns dos meus pertences de quando cheguei e levei comigo a caminho da praia, onde ninguém da Guarda havia feito algo de especial. Isso significava que as chances de alguém aparecer lá eram baixas.

Em vez de descer a escada de pedra para chegar a praia, sentei em uma falésia grande o suficiente para me deitar e comportar todas as minhas coisas.

Tirei da minha mochila surrada uma garrafa térmica, com o chá com pétalas-de-rosa-de-ouro que havia preparado mais cedo, alguns lençóis para meu conforto no momento de deitar, algumas velas, pegas quando ninguém estava olhando, meu diário e o livro que estava lendo antes de... tudo acontecer.

— Bem, pelo menos vou saber o final dessa série, diferente das outras – Comentei comigo mesmo pegando o meu exemplar surrado de “Sonhos com Deuses e Monstros”, me servindo um copo de chá.

Deitei-me, fazendo da minha mochila de travesseiro e comecei a ler.

...

Pelo menos essa era a intenção há duas horas atrás.

“Não consigo me concentrar” pensei mau humorada, bebendo o resto do meu chá. Durante esse tempo inteiro fiquei rolando nos lençóis, tentando achar uma posição confortável inexistente, folheando o livro sem nenhuma vontade de ler. Até considerei escrever um poema no diário, mas nada vinha em mente. Mais frustrante ainda é saber que fiz tudo isso e se passou apenas meia hora.

O resto do tempo, fiquei foi olhando para as estrelas. Em Eel, essa era a única coisa que realmente me lembrava de casa. As constelações eram as mesmas e o céu era mais límpido, me fazendo ver ainda mais longe.

Olhar para elas me fazia lembrar de Iris: de como ficávamos deitadas no jardim procurando constelações e apostando quem conseguia acertar mais, mesmo que Iris ganhasse sempre – não pegou leve comigo uma vez sequer! As pessoas que nos criam, normalmente, nos deixam vencer em brincadeiras bobas assim, para ficarmos com aquela sensação de ‘donos do mundo’, mas Iris nunca fez isso - até esfregava na minha cara que o quanto eu não sabia sobre o assunto. Fiquei com vontade de chorar muitas vezes por conta disso, mas sempre que ela percebia, me pegava no colo e me contava a história de cada constelação. Dizia que um dia, eu saberia bem mais do que ela, que seria capaz de ver mais que ela.

“Porque?” perguntei criança, levantando a cabeça tentando enxergá-la.

“Porque as estrelas foram feitas para você, Magnólia” respondeu, enquanto eu via seu sorriso de relance.

Depois disso tio-avô Leonidas iria nos chamar para a nossa ceia de ano-novo com o resto da família. Ele iria sentar a minha esquerda e vovó Iris a minha direita, conversando e comendo sem nos preocupar com nada, vendo o mar no horizonte, brilhando com a luz refletida das estrelas.

A minha frente o mar se estendia para o infinito e brilhava com a luz das estrelas, mas dessa vez não havia ninguém a minha direita ou esquerda. Eu estava sozinha, nesse mar de estrelas.

Levei à mão aos olhos, querendo esconder daquele céu as minhas lágrimas. Não queria pena daquele céu. Só queria...

De repente, reparei que havia algo do meu lado e rapidamente levantei pronta para pegar uma poção na bolsa que faria o que quer que fosse cego por alguns dias. Porém, deitado do meu lado, com olhos de pidão, não era um Black Dog ou qualquer outra criatura maliciosa, e sim um Black Gallytrot.

— Shaïtan? – Perguntei. Ele só levantou e deitou no meu colo como quem diz “Agora que me chamou, quer dizer posso deitar no seu colo”.— Como adivinhou que eu estava aqui?

— Ah, não foi tão difícil, não é como se você usasse um perfume discreto. – Respondeu uma voz suave com um tom de divertimento.

— O que você quer Nevra? Vai se divertir com o seu fã-clube, com os meninos, com a sua irmã... O que você quer aqui? – Recolhi as minhas coisas espalhadas e limpei meu rosto discretamente para ele não reparar que eu estava chorando um pouco.

— Poderia fazer essa mesma pergunta a você. – Nevra se sentou do meu lado sem ser convidado, fazendo um carinho em Shaïtan no meu colo. – Não entendo como ele fica assim perto de você. Eu tentei, e isso me custou um bocado. – Disse apontando para o tapa olho, sorrindo. Bufei e comecei a fazer carinho atrás da orelha de Shaï, entrando na brincadeira.

— O meu poder de sedução é mais efetivo que o seu Nevra, simples assim.

— Hahaha, com certeza. Mas acho que o seu perfume é a razão.

— Admitindo a derrota tão rápido Nevra? Esperava mais de você. – Comentei, tentando disfarçar o rosto levemente corado. – E não estou usando nenhum perfume, se quer saber.

— Quando o assunto é sedução eu nunca perco, mas para você abrirei uma exceção. E não estou falando daqueles perfumes envidraçados e sim do seu natural. – Nevra aproximou o seu rosto, botando o seu nariz perto da minha clavícula e o rosto quase enfiado no meu cabelo. – Agora você está cheirando a... Suor, brisa do mar, magnólia e... poeira estrelar.

— Você quer levar outro tapa por acaso? – Perguntei ríspida, esticando o meu pescoço na direção contrário, tentando afastá-lo sem perturbar Shaïtan. – Daquela vez foi um acidente, admito, mas esse não.

— Okay, Okay. – Se afastou rindo e em gesto de redenção. – Não tive a intenção de ofender, desculpa.

— Não ofendeu... Só não é legal quando alguém fica invadindo o seu espaço pessoal do nada, só isso.

— Não acho, quer tentar fazendo isso comigo? – Sugeriu, um sorriso tão largo que dava para ver as suas presas. Não resisti e soltei uma risada.

— Você bem que queria receber um beijo que não fosse da minha mão. E me explica, desde quando poeira estrelar tem cheiro?

— Bem, é verdade que gostaria de receber outro tipo de beijo. – Comentou galanteador, mexendo exageradamente as sobrancelhas, me arrancando mais uma risada. – O que seria isso nos seus olhos além de poeira estrelar, Allba? – Sua mão acariciou o meu rosto, o polegar limpando os vestígios de lágrima nas minhas pálpebras, obrigando-me a olhá-lo nos olhos.

Tudo em Eldarya me fazia sentir pequena, vulnerável. Os olhos cinzentos de Nevra não deveriam ser diferentes de nenhum outro que já vi em situações bem parecidas como essa, mas eles ainda me faziam sentir despida. Vendo demais dentro de mim, e isso eu não queria.

— Que romântico, admito que ninguém nunca tinha me dito que as minhas lágrimas eram poeiras estrelar. – Respondi, forçando um sorriso e afastando meu rosto da sua mão, olhei para o ponto onde o céu e o mar se confundem. – Não é nada demais, ainda não superei que provavelmente estou presa em Eldarya para sempre, é só isso. Eu sei já deveria ter aceitado, já fazem dois meses afinal. – Comecei a acariciar Shaïtan um pouco brusca demais, fazendo ele se sacudir e levantar o rosto para mim, um pouco irritado.

Nevra segurou a minha mão e entrelaçou os nossos dedos.

— Nunca vou entender como deve ser difícil, então não vou fazer pouco caso com o que está passando.

Um silêncio desconfortável se instalou entre nós, até mesmo Shaï ficou incomodado, olhando ganindo baixinho.

— Não... entenda errado. Eu... agradeço ter vindo para Eel, porque se eu tivesse... ficado na Terra provavelmente não estaria viva agora...

— Porque? – Não respondi, voltando a acariciar a orelha de Shaï – Porque você nunca nos diz o que aconteceu com você para chegar aqui? Você é a única pessoa, que eu me lembre, de ter chegado em Eldarya sem um círculo de cogumelos e você sempre evita falar sobre o assunto. – Continuei sem responder. Eu olhava para o céu procurando alguma forma de mudar o assunto.

— Você sabe porque o céu estrelado de Eldarya é tão parecido com o da Terra? – Falei subitamente. Nevra reparou a minha intenção e, por um momento, pareceu incomodado com a mudança nada sutil de assunto, mas não fez perguntas.

— Não, mas acho que já ouvi a minha avó dizer algo parecido.

— As constelações estão um pouco diferentes, entretanto.

— Como? – Perguntou se deitando.

— Vejamos... – Me deitei do seu lado. – A estrela Sirrah na constelação de Andrômeda não devia estar tão perto da constelação de Pegasus. As estrelas Kaus Borealis e Kaus Australis estão ao contrário, o que faz a constelação de Sagitário parecer que pegou o arco ao contrário. Polaris está um pouco longe da constelação da Ursa Menor, fazendo parecer que o rabo é maior que o corpo e...

Fui interrompida quando fogos de artificio começaram a estourar a distância. O brilho e o barulho chegavam bem de leve, considerando de onde estávamos. Levantei e virei a cabeça na direção dos fogos, vendo os brilhos estonteante em cima do céu do Q.G.

— Vocês têm fogos de artificio?

— Claro que temos! Isso já existia quando chegamos em Eldarya e também é o motivo de eu estar aqui. -  Olhei para o meu colo ao sentir Shaïtan tremendo, Nevra começou a acariciar o seu pescoço. – Normalmente as mascotes não parecem se incomodar, mas por algum motivo Shaï parece ficar um pouco... temeroso com o barulho.

— Lá em casa era a mesma coisa... κουδουνίστρα, nosso cachorro, se escondida debaixo do assento da minha avó com medo. – Olhei mais uma vez na direção do Q.G. – Só que esses fogos não são... normais. – Comentei, vendo um dragão vermelho subindo no céu como se tentasse alcançar a lua, mas explodindo em um milhão de cores, era lindo.

— Ah, é um cara que aparece no Q.G. nessa época do ano. Acho que o nome dele é Gandoulf? Alguma coisa assim.

Dessa vez não consegui me segurar e comecei a rir alto, sem parar.

— O que foi? – Perguntou Nevra, confuso.

—Até parece que seria ele! Só pode ser uma piada, Nevra. – Respondi entre risadas me virando para ele, que me olhava estranho.

Fui parando de rir aos poucos e reparei que ele sorria também.

— O que foi?

— Nada, só não imaginei que o meu desejo de ano novo fosse se realizar tão rápido, só isso.

— O que, você desejou me ver sorrindo nesse ano que nos aguarda?

— Talvez.

— Sinto muito dizer, mas o seu perdido foi completamente desperdiçado.

— Você que acha. Tenho certeza que pediu algo relacionado a mim também.

— Até parece que ia gastar um desejo com você.

— E se eu fizer essa cara, você gasta? – Nevra fez uma cara de pidão, com olhos brilhando e um biquinho que era fofo demais. Voltei a rir.

— Feliz ano novo. – Ele sussurrou.

— Feliz ano novo. – Sussurrei de volta.

— Ah, se eu pudesse guardar esse momento. – Murmurou distraído.

— Mais um desejo Nevra?

—Ahn? Ah, quero dizer... – Ele pareceu envergonhado por ter sido pego distraído, soltei uma risadinha.

— Quer saber? Esse desejo posso realizar. – Sem explicar muito, abri a minha mochila e de lá tirei a minha Polaroid Sun 600 LMS. Nevra arregalou os olhos em choque, como se tivesse tirado um Black Dog de dentro da minha bolsa.

— O que raios é isso? – Perguntou perturbado.

— Já, já eu te mostro agora senta aqui do meu lado. – Ele se levantou e ficou do meu lado. – Vem Shaïtan, você também pode aparecer na foto.

— Foto? – Perguntou. Não respondi, esperava Shaïtan se posicionar do meu lado, mas ele acabou ficando entre eu e o Nevra. – Ei.

— Deixa, assim vai ficar mais legal. – Falei, posicionei a câmera numa posição que acredita que ia pegar todos nós, não era a primeira vez que tirava uma foto minha com a câmera polaroid.

— Digam todos: Polaris!

— Polaris?

— WHOUF!

Tirei a foto nesse momento, com o flash estourando nos nossos rostos. Nevra gritou de susto, pensando que alguém tinha jogando uma bomba de luz, eu só ri. Esperei mais alguns segundos e logo a foto saiu.

Peguei a foto e ri com o resultado. Estava um pouco fora de foco, mas aceitável. Um dos meus olhos estava fechado enquanto beijada o nariz de Shaïtan enquanto Nevra só estava confuso com essa “mágica”. Entreguei a foto para ele:

— Pronto, desejo realizado.

— O que? Como assim? O que é isso? E não foi isso que pedi.

— Exatamente o que você pediu: esse momento está eternizado nessa imagem. Você pode pegá-la quando quiser e BOOM sempre vai lembrar desse momento. E isso que eu fiz é uma foto! Vamos deixar isso entre nós, Okay?

— Porque?

— Evitar perguntas. O que, não gosta de ter um segredo só de nós dois? – Sugeri sedutora, Nevra pigarreou.

— Bem, falando desse jeito... Não me importo. – Corou de leve, soltei mais uma risada. Aproveitei a guarda baixa e beijei a sua bochecha.

— Bem vamos, todo mundo está no Q.G. se divertindo e eu quero encontrar esse Gandoulf antes dele ir embora. – Me levantei rapidamente pegando as minhas coisas e com Shaïtan me seguindo.

— Espera! O QUE?! – Ele se levantou, desperto do seu transe e veio até a nossa direção, nos alcançando sem problema. – O que foi isso agora? 

— Considere isso a sua recompensa. – Ele abriu a boca querendo falar, mas o interrompi antes que o fizesse. – Apenas dessa vez Nevra, não pergunta e aproveite o momento, pode ser?

Nevra me encarrou, parecendo chateado, mas logo sorriu e voltamos lado a lado para o Q.G.

Naquele momento o meu desejo havia sido realizado.

Naquele momento eu não estava sozinha.


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Notas finais do capítulo

~ Espero que tenham gostado desse one-shot
~ Fiquei até com pena do Nevra não ser o paquera dela (ele só tem um crush não correspondido por ela, sorry)
Algumas coisas que podem não ter ficado claro:
Taika é uma amiga dela do mundo humano
Iris é a avó dela que a criou como se fosse sua filha.
κουδουνίστρα é um cachorro
Allba tem origem grega
~ Dúvidas, por favor mandem
~ Feliz ano novo :*



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