Across The Frontline escrita por overexposedxx


Capítulo 35
Capítulo 35 - No Escuro




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Concordar que deviam conversar mais tarde e não ali, em meio à festa e todos os convidados, pareceu ser o caminho mais correto a tomar para Rosalie e Emmett, há pouco mais de uma hora atrás. 

 

Mas agora, depois de horas ensaiando o que parecia um roteiro sem fim e sem sentido, não estava sendo mais exatamente fácil defender aquele plano - e ainda menos mantê-lo. 

 

—Você é um garoto muito esperto, não é? - Emmett sorriu apesar disso, deixando Henry agarrar seu dedo com uma das pequenas mãos, enquanto se esticava para tocar a farda camuflada com a outra. 

 

—Ele é. E está adorando você, pelo visto. - Anna, cujos braços seguravam o bebê, opinou, sorrindo dele para o amigo. - Parece que ele quer ir com você. Devia tentar pegá-lo. - ela sugeriu, inclinando o garoto na direção dele. 

 

—Devia? - ele hesitou, franzindo o cenho em dúvida genuína, mas ainda com um sorriso para o garoto. - Não sei. Não lembro quando foi a última vez que eu peguei um bebê. 

 

—Você vai saber como fazer quando pegá-lo. - Matthew, o pai de Henry, foi quem disse, aparecendo entre o soldado e a mulher, captando o olhar do filho e um sorriso seu, na mesma hora. - Além do mais, Henry não é muito exigente com isso. Desde que esteja de pé, tudo bem. - ele riu, aconselhando e mexendo com o garoto no meio tempo. 

 

—É, viu só? Pegue ele. - Anna incentivou, ajeitando o garoto nos braços, na direção do amigo. - Eu estou sentindo que vou precisar de energia, de qualquer forma, pra ouvir tudo o que você definitivamente vai me contar sobre essa história de Aeronáutica e estar de volta. 

 

Emmett deu a Anna um olhar contrariado com a última parte, suspirando no meio tempo e, sob a surpresa também de Matthew - entre os dois, que não conhecia a fundo a história do veterano com o serviço militar -, estendeu os braços para Henry. 

 

A alguma distância, Rosalie, outra vez como uma espectadora atenta, acompanhou a cena de longe. 

 

Ela assistiu a forma como Emmett cuidadosamente acolhia o bebê, que ficara confortável tão rápido e parecera menor ainda em seus braços fortes, de músculos que se dobravam por sob a farda. 

 

Depois até mesmo admirou, ainda que em silêncio, sua ideia de horas mais cedo se materializando e provando diante dos olhos, conforme os rostos do veterano e de Henry ficavam na mesma direção, dando vista um ao outro. 

 

Feito um espelho e seu reflexo, separados por décadas e por traços particulares, tão leves diante da sobrecarga que as semelhanças representavam, que mal podiam ser notados. 

 

Era isso no primeiro plano de sua mente, sob a influência do que os olhos não conseguiam - e não queriam, em certa medida - ignorar, e milhares de outros pensamentos, observações e perguntas, rondando o nome do veterano ao fundo - e no mais sincero - de sua cabeça. 

 

Mas Rosalie não dissera uma só palavra enquanto tudo se passava. Apenas o copo com bebida, agora insignificante e quente, ainda dançava entre seus dedos, sob o balanço ritmado que seu pulso fazia, sem timidez ou autocrítica alguma. 

 

Para sua sorte, haviam menos pessoas ao redor agora para notar sua estranheza - com o passar das horas, alguns convidados haviam ido embora e a outra maioria parecia estar preparando-se para fazê-lo, o que não lhes dava tempo para notar o comportamento da loira, tão diferente naqueles últimos momentos. 

 

Emmett também estava facilitando as coisas para ela, em certo ponto: ele parecia estar evitando deixar seus olhares se cruzarem de novo, compenetrado em tudo de mais banal que fazia, e assim deixava para ela a tarefa apenas de esperar, com a ansiedade que já havia e nenhum quê perturbador a mais que o olhar dele poderia causar. 

 

(...)

 

Foi nesse ritmo e consistência que o tempo passou, o suficiente para que, logo, restassem apenas Esme, Carlisle, Emmett, Rosalie e Mercedes sob aquele mesmo teto. 

 

Os dois mais velhos haviam acabado de se despedir da filha, quando ela voltara para a cozinha, tão concentrada quanto podia em empilhar os pratos recém lavados, antes de guardá-los, enquanto Mercedes cuidava da alguma coisa no jardim e Emmett, por sua vez, ela não fazia ideia de aonde havia ido parar. 

 

E fora só um momento, mas quando menos esperava, Rosalie estava se deixando levar por esse pensamento e dúvida, que ressoaram sua urgência quando ela, sem notar, pousou um prato sobre o outro com mais força do que o necessário, fazendo o tilintar da louça ecoar pelo cômodo e trazê-la de volta para sua tarefa. 

 

O que ela precisava era colocar aqueles pratos no lugar. E não saber aonde Emmett estava ou por que teria possivelmente ido embora, se haviam combinado de conversar àquela hora. 

 

Ironicamente, foi enquanto a loira se desdobrava com aquela tentativa que o veterano surgiu ao batente da cozinha, muito levemente para que ela ouvisse. 

 

E ele a viu, diante da bancada mais próxima à pia, de costas para ele, de frente para um gabinete alto, se esticando nos próprios pés com uma pilha de pratos entre as duas mãos. Os fios loiros estavam caindo por suas costas como usual, mas mais bonitos e dourados do que ele se lembrava, e a persistência - ou tenacidade - dela estava lá, como sempre, a fazendo sofrer em silêncio com aquela tarefa boba. 

 

E Rosalie não notou coisa alguma diferente naqueles segundos, ignorando a sensação aguda e discreta em seu ouvido, que lhe diria que alguém, em especial, estava perto. Se desdobrando persistentemente diante da dificuldade que era afastar seus pensamentos e, ao mesmo tempo, alcançar a prateleira certa no armário - para os pratos que não deviam pesar como faziam agora. 

 

Até que, no instante seguinte, pulmões se encheram e trancaram em sobressalto. Em dois pares, dois corpos próximos o suficiente para sentir a oscilação que, como o ar resguardado, queria escapar, anunciar-se em silêncio. 

 

Mas, não era necessário. 

 

Porque tão logo o calor de um corpo largo e alto aplacou o da loira, ela soube quem o emanava. 

 

Braços se erguendo na direção dos seus, esbarrando neles para se apossar da louça em suas mãos, assim como o peito forte que encontrava suas costas, a encurralando e acolhendo naquele espaço mínimo. 

 

E não fora a camuflagem da roupa se estendendo até o pulso, ou o rosto acima e atrás do seu, que o denunciara. Rosalie nem mesmo precisara prestar atenção, por querer, porque havia algo inconfundível nele que fazia seus sentidos, sem escolha, se aguçarem e serem inúteis a tudo que não fosse sobre ele e em sua direção. 

 

Ele, a quem pertenciam todos aqueles detalhes, e o tornado de sensações em seu ser, confundindo seu sangue, agitado nas veias e no coração ricocheteando em seu peito. 

 

Ela sempre saberia. 

 

E Emmett também, levemente consciente do efeito que tivera sobre ela, não fazia outra coisa naqueles instantes, ajeitando facilmente os pratos no armário alto demais para ela, senão imaginar o quanto de sua reação ela pudera perceber, como a suspeita imobilidade de seu peito, mal respirando. 

 

Porque ele, de fato, não pudera se permitir respirar demais, temendo que o perfume dela corresse por suas narinas, como veneno ou encanto que se respira, e no qual ele sufocaria de bom grado, ignorando tudo o que lhe causaria e que não pertencia àquele momento. 

 

Embora isso, é claro, não o impedisse de sentir todo o resto, que envenenaria em mesmo grau. 

 

A pele gélida das mãos dela nas suas quentes, em toques acidentais que mais pareciam arrepios, e a textura dos fios loiros roçando em seu pescoço conforme se inclinava, ou a consciência degradante de seu corpo morno muito perto, agregando e competindo com sua temperatura. 

 

E ele estava tão atento e ciente de tudo, num instante. Tudo sobre ela, Rosalie, que o fazia precisar de ar, trair sua determinação em não respirá-la, enxaguando seu estômago em adrenalina, como se nunca antes tivesse estado tão perto dela. 

 

—Obrigada. - ela disse, para a surpresa de Emmett, mas ainda assim séria, depois de recuperar o fôlego. E se virou para ele, sem perceber o que havia feito. 

 

Sem perceber o quão perto os havia deixado - face a face, corpo a corpo, mais do que antes. Vulneráveis e livres para encarar, de fato, os detalhes um do outro - ou se aprisionar neles. 

 

E antes que ele pudesse dispensar o agradecimento com qualquer palavra gentil que, tamanho o impacto daquele instante, não ecoava em sua cabeça ainda, a viu franzir o cenho com os olhos tomados pelos seus, uma ideia nublando suas íris.

 

—O que foi? - o veterano perguntou de pronto, suavemente dividido entre a preocupação e a confusão, enquanto quebrava a tensão do momento entre eles.

 

—Dejá Vu. - a loira respondeu simplesmente, e suspirou antes de fitar a farda dele, na altura do peito, se dando conta da pouca distância, e se afastou seguramente.

 

Uma vez perto de outro balcão, ela passou os dedos por algumas mechas do cabelo, casualmente tentando se desfazer da postura ansiosa.

 

 –Achei que tivesse ido embora. - e confessou, enfim, demorando a erguer os olhos na direção dele, outra vez.

 

—Eu disse que ficaria, te dei minha palavra. - ele respondeu como se fosse óbvio, colocando uma mão no bolso da farda, e fitando os olhos dela à distância. - Não faltaria com ela.

 

—Você também disse que daria notícias quando estivesse longe, mas não escreveu e nem ligou. - ela retrucou, mais rápido do que desejava, e enrijeceu o maxilar, evitando olhá-lo. - Não para mim.

 

—Eu tentei ligar. - ele devolveu, também apressado, o coração se agitando ao falar em voz alta o que, até então, ocupava tanto de sua mente. - No dia do seu aniversário, mas você não atendeu.

 

Então, houve um silêncio de estranheza entre os dois, como se tentassem alinhar as perspectivas tão diferentes, que giravam engrenagens pesadas em suas cabeças. 

 

—Eu estava ocupada, não ouvi tocar. - Rosalie franziu o cenho, supondo a falta de sincronia na ocasião; um alívio duvidoso e breve, que outra ideia engoliu rapidamente. - Mas você podia ter tentado outras vezes. Antes, ou para avisar que estava vindo.

 

—Eu não sabia que viria. - Emmett ergueu os ombros e as sobrancelhas, se inquietando à frente do balcão. - Foi uma surpresa pra mim também. 

 

—E vai me contar como isso aconteceu? - a loira emendou na fala dele, cruzando os braços sobre o peito, e então andando até a ilha no meio da cozinha, ergueu as sobrancelhas com ironia. - Parece ser tão grande coisa que não pôde contar antes. 

 

—Não é. - o moreno negou sem esforço, ignorando o tom provocativo dela. - Não contei porque, honestamente, nem sabia se você iria querer saber... - e fez uma pausa para explicar, remexendo oportunamente nos bolsos da calça. - Não sabia se iria querer falar comigo, na verdade, por isso não liguei antes também. 

 

—Bem, só havia um jeito de você descobrir. - ela continuou enfim, impassível, mas menos carregada da ironia de antes, enquanto observava os movimentos dele à distância. 

 

—Eu sei. - ele afirmou, relutante, e cerrou os dentes em silêncio antes de deixar-se retrucar. - Mas você podia ter escrito também. Sabia o endereço, então eu tomei isso como uma negativa, e quando cheguei aqui... 

 

As palavras quase se apressaram boca afora, mas Emmett as conteve sabiamente. Ele umedeceu os lábios, desencostando-se do balcão e desviando o olhar do inquisitivo dela, por um instante. 

 

—Você estava ocupada e parecia contente com seu... - ele procurou pela palavra, engolindo o amargo em sua saliva. - Amigo. Brian? - e fitou-a de volta, finalmente, mais firme. - Enfim, eu não queria interromper. 

 

—Interromper? - ela pensou ter entendido o tom dele, e franziu o cenho com um leve riso, negando com a cabeça. - Brian é meu amigo do colégio, estávamos conversando. - e acrescentou, em tom mais ameno, debruçada sobre a ilha. - Nada importante o suficiente. 

 

—Você parecia estar se divertindo. - Emmett ainda constatou, como se não tivesse ouvido, e então deu de ombros, inspirando para retomar o foco. - De toda forma, não é nada demais. Eu voltei porque estive num pequeno acidente, ajudei um garoto, então acharam que eu merecia. Só isso.

 

Mas, a tentativa de atribuir pouca importância ao evento apenas deixou Rosalie mais atenta às palavras exatas. Fora como se, por um momento, Emmett nem estivesse ali e fossem apenas ela e essas, as palavras que ele tentara evitar, presas no cômodo, frente a frente. 

 

—Você o que? - ela começou, a voz cheia de indignação e crescendo em tom, conforme sua expressão clareava. - Um acidente? - e repetiu, piscando muitas vezes, o cenho franzido. - Que tipo de acidente? 

 

—Um incêndio. - o veterano respondeu, no tom mais displicente que pôde, de novo, e completou ainda. - Não muito grande. 

 

—Um incêndio?! - Rosalie repetiu descrente, o tom preenchendo o ambiente, de repente sem escrúpulos. - Emmett, o que... - e ofegou, a boca aberta sem palavras no próximo instante. - O que deu em você? Honestamente, um incêndio! - ela gesticulou para o teto, espalmando as mãos no balcão, na direção dele, seu rosto corando violentamente. - Um mês fora e você volta com um novo senso de como me esconder coisas e me evitar! 

 

—Eu não estou te evitando! - Emmett retrucou de pronto, a voz raspando na garganta conforme se elevou muito súbita, a pele se avermelhando também. - É só que você e... - ele gesticulou ao redor, procurando fôlego e palavras. - E tudo isso, é muito pra processar!

 

—É muito pra processar pra mim também! - a loira devolveu. - Você acha que eu só sentei e esperei por esse dia? Eu nem sabia que você viria! - e as palavras saíram entre um riso irônico. - Acha que eu não pensei que você estivesse me odiando de longe, sem nenhum sinal de vida seu, a não ser pelos outros? Você se envolveu num acidente e eu fui a última a saber!

 

—Eu sei disso, e não queria que fosse assim! Eu nem estava tentando te evitar, só não sei como fazer você entender isso! -  ele expressou, frustrado, passando as mãos pelos cabelos com nervoso.

 

—Você pode falar comigo, Emmett, só isso! - ela devolveu, igualmente frustrada, agonia enchendo sua voz e o cômodo antes que percebesse e, com esforço, regulou os pulmões pra respirar pacientemente. - Eu estou ouvindo. - ela cedeu, embora ainda séria, sob um suspiro dele. 

 

—Foram muitas coisas de uma vez. - ele começou, baixo e então tomando ritmo. - Meu pai, as lembranças e logo eu tive que ir embora, sabia que não teria espaço para isso lá. E, mesmo assim, - ele deixou escapar um riso sem humor entre as palavras. - pensei demais nas coisas que eu disse e as que você disse, em como parti e fiquei fazendo suposições, sobre como seria quando nos víssemos...

 

Rosalie o assistia quieta, oscilando com o corpo entre a bancada e alguns passos atrás. De onde estava, ele parecia muito honesto e indesculpavelmente bonito, ela devia notar - mas, não dizer, claro. 

 

A forma como o estresse tingia seu pescoço em vermelho e as bochechas apenas levemente, e como o cenho franzia, endurecido sobre os olhos escurecidos em preocupação. E as mãos, de veias saltadas no dorso, gesticulando com intensidade, fazendo os braços flexionarem demais sob a farda - soava como uma pintura viva, naquela luz, em frente a todo o azul e amadeirado de sua cozinha.

 

Era como se tudo nele e naquele momento de sua composição apelassem para fazê-la pôr fim à discussão. 

 

Mas, não, ela era mais racional do que aquilo - foi o que pensou, sacudindo a cabeça. Um gesto que confundiu um pouco ao veterano que, no entanto, continuou falando. 

 

—...E tudo só se tornou mais difícil de entender quando cheguei aqui. - ele deu ar de conclusão, sacudindo os ombros com obviedade. - Eu não sabia que você estaria numa casa nova, com novos amigos e um... - e então oscilou, chamando a atenção de Rosalie, quando gesticulou para o nada, mudando de tom. - Um cara, dando em cima de você ou o que seja. 

 

—Oh, é claro. - ela despertou então, rindo com sarcasmo. - Eu sabia que era a isso que você estava querendo chegar falando dele. - ela balançou a cabeça em negativa, a sensação de riso crescendo em seu peito, até que ergueu apenas os olhos para vê-lo. - Está dizendo que está com ciúmes? 

 

Houve segundos o suficiente de silêncio para uma ou duas janelas se batendo, fechadas pelas mãos de Mercedes, no andar de cima. A tensão era quase tangível: Rosalie não atreveu-se a mover o queixo para encara-lo mais do que aquilo, e ele permanecia de braços e pernas cruzadas, olhos muito interessados nos próprios sapatos, até cortar a atmosfera. 

 

—Talvez eu esteja. - Emmett disse simplesmente, erguendo a cabeça decididamente, a fitando direto nos olhos. - Isso é um problema? 

 

—Não pra mim. Você me diga. - a loira disse de bate-pronto, o riso irônico de novo. - Está sendo difícil, então? 

 

E conforme ela o disse, Emmett quase pôde sentir seu sarcasmo afiado, brilhando na ponta da língua dela e em suas pupilas, na forma como o encarou de volta, alongando os lábios num sorriso discreto. 

 

—Ha. Fico contente em te divertir. - ele ironizou de volta, irritado, e se moveu para outro canto da cozinha, dando as costas a ela.

 

—É divertido mesmo. - Hale confirmou, com uma ousadia muito sua, se virando para acompanhar o rumo dele com os olhos. Na sua garganta, mais palavras arderam, e ela as libertou. - Ou pareceu, quando falamos da Anna. 

 

Emmett, tal qual a loira ao ouvir o ciúmes queimando no nome de Brian sob a voz dele, sentiu a confirmação de sua suspeita refrescar e, ao mesmo tempo, incendiar seus neurônios. 

 

—Anna era uma situação completamente diferente. - ele argumentou simplesmente, sério e tão sóbrio quanto possível diante da mistura que os dois assuntos faziam em sua cabeça. - Você até está amiga dela, pelo que eu ouvi. 

 

Mas, Rosalie mal foi capaz de esperar o som das últimas palavras dele cessarem, para retrucar:

 

—E eu ouvi falar que vocês eram namorados, antigamente. Isso mantém a situação completamente diferente?

 

Agora, o tom da loira era quase retórico, seu rosto inquisitivo, intimidante. E contendo a cólera que queria expandir em sua garganta, explodir em mais palavras, ela apenas o encarava, impassível; como se a vista não fizesse influência ou papel algum agora, além de evidenciar sua boca se abrindo. 

 

—Por que você escondeu isso de mim? - ela conseguiu perguntar apenas e esperou, trincando os dentes. 

 

—Oh, Deus. - ele murmurou sob um suspiro, e negou com a cabeça antes de olhá-la, cedendo à uma explicação firme. - Tudo bem, nós éramos, há muitos anos atrás. Eu escondi isso porque não achei que fosse relevante ou saudável na época. Você ficou transtornada no dia em que nos reencontramos sem saber disso, então saber só pioraria. - ele fez uma pausa, e admitiu num tom mais baixo, contrariado. - Além do mais, teria que te contar muito sobre aquele período, antes do quartel, da guerra e tudo. Preferi adiar essa parte.

 

Com a conclusão, para a qual o veterano esfregou uma mão nos cabelos escuros, houve apenas um instante de silêncio, entrecortado pelo suspiro audível de Rosalie.

 

—Continue fazendo isso, Emmett. - disse ela, irônica, cerrando os punhos sobre a ilha entre eles. - Adiando as coisas comigo. Não foi por isso que nós brigamos quando você partiu? - e instigou, nervosa, o tom se elevando conforme olhava para ele, inquirindo seu olhar.

 

—Não venha com isso outra vez. - ele retrucou de imediato, se virando para ela bruscamente. - Não como se fosse só eu! - e seu tom igualou ao dela, gesticulando com ansiedade. - Você não me conta coisas, adia conversas comigo também. Ou você se lembra de algum momento que eu não? - então foi a vez dele de ser irônico, embora mais sério. - Alguma conversa sobre Royce? Ou mesmo sobre sua melhor amiga, Vera, que eu conheci hoje, e até sobre Brian e essas pessoas da sua adolescência...? - aqui, o silêncio de Rosalie, por instantes, foi seu álibi pra continuar. - Você não pode me julgar se vai fazer o mesmo.

 

—É diferente! - a loira, no entanto, teimou, categoricamente. - Porque eu evito falar sobre coisas e partes de mim de que não me orgulho, é só isso. Eu não me orgulho da pessoa que eu era nessas épocas. - aqui seu tom amenizou e, ainda que contrariada, ela continuou. - E ela se foi, em vários pedaços se quer saber, com Royce e tudo o mais. E eu tomei isso como uma chance de reconstruir uma versão de que eu gostasse. Mas, ainda não estou inteira, estou tentando, ainda processando, - e assumiu um tom defensivo, evitando olhá-lo. - então me dê um tempo aqui porque a pessoa que eu era tem culpa em partes de tudo que passei, as escolhas que eu fiz, como eu agia. Você não tem, das coisas que aconteceram com você. 

 

Sob o paradoxo que fora o tom nessa última frase de Rosalie - firme, quase impassível, mas complacente, cedendo por um lado. -, Emmett levou apenas segundos para reagir, ao passo que seus olhos - antes muito atentos ao chão para, de algum jeito estranho, dar mais ouvidos às palavras que ela dizia. - correram até os dela. 

 

O que se misturou em seu estômago àquelas palavras era quase indecifrável. 

 

—Eu não tenho? - ele riu sem humor, saindo da posição imóvel imediatamente, sem tirar os olhos dela; a encarando o mais fundo que ela jamais achara ser possível. - Rosalie, eu literalmente matei pessoas. Atirei para definitivamente ferir e, com sorte - acrescentou com desgosto - matar, muitos. 

 

—E sei que não fui o único, que fiz o que devia fazer, que haviam outros fazendo o mesmo, mas nada disso importa. - Emmett sacudiu a cabeça, com veemência e um novo riso débil morrendo nos lábios - Não torna mais agradável. Eu matei homens na linha de frente, eu destruí lares, famílias e sabe-se lá senão mulheres e crianças no meio de tudo! Por muito tempo pensei até mesmo que tivesse matado meu melhor amigo, e agora entendo que isso não foi o caso, mas e todo o resto? Todas as outras pessoas? - ele parecia perguntar de verdade agora; e Rosalie só soube engolir a seco, enxergando o tormento que ele encarnava, os olhos afetados e vidrados ali. 

 

—Eu também não estou inteiro. Não consegue ver? - ele concluiu depois de uma pausa, o tom se refreando em renúncia. - Eu mal posso falar sobre isso em voz alta sozinho, quanto mais com você. Deixar você ver essa parte... - e suspirou, procurando uma palavra ruim o suficiente. - assustadora de mim... Não tem nada a ver com orgulho.

 

—Emmett, eu tento entender que se sinta assim, mas... - ela suspirou, angustiada por ele, sua voz adoçada por compaixão. - Você também precisa tentar entender que realmente não foi culpa sua. Não havia escolha. Era uma situação de vida ou morte para muitos países e pessoas. Você não estava no comando de tudo. - e fez uma pausa, diminuindo timidamente a distância entre eles, tentando fazê-lo encará-la, a voz amena, mas categórica. - E sei que vai dizer que não mudam nada, esses fatores; mas na verdade podem te dar um pouco de perspectiva: agora - ela frisou a palavra. - você está no controle. De você, da sua vida. E seria ótimo se escolhesse confiar em mim, pra lidar com essas coisas. 

 

Diante dessa última parte, que soou como um pedido, e a dose de calmaria que o tom de Rosalie ofereceu à tensão no ambiente, Emmett engoliu a seco, fitando as mangas da própria farda, braços cruzados no peito e que se desfizeram, enquanto erguia os olhos para olhá-la, com ressalvas. 

 

—Eu quero confiar em você pra isso, Rose. Quero mesmo. - ele afirmou, a voz de repente tímida também, sob um suspiro pesado. - Mas parte de mim não consegue esquecer de como você recua às vezes, sem explicar. - e confessou, a maré indecisa de seus olhos encontrando os dela, pegos de surpresa pelas palavras. - Eu sei que posso ter sido ruim em me comunicar, lá quando estava prestes a partir, mas você me evitou também antes daquele dia. Ficou se colocando distante de mim até que eu parasse de tentar estar perto e fosse tarde demais, não foi? 

 

Com a pergunta, ele amenizou o olhar que dirigiu a ela, como uma brecha pra que ela abaixasse a guarda, se encontrasse com ele naquele meio fio que tentava tomar forma. 

 

De uma vez só, então, ela cedeu, deixando as palavras irem junto ao fôlego reunido. 

 

—Tudo bem, sim, eu meio que fiz isso. - ela deu de ombros, se apegou ao tecido da roupa por instantes, sem jeito, até se apressar em esclarecer. - Mas não foi por nada do que você insinuou. Por falta de confiança e fé em nós, em você, ou qualquer coisa do tipo. Eu só... - e encolheu os ombros, se convencendo de que não soaria estúpida demais, para dizer de uma vez. 

 

— Senti que não estava nos seus planos, que você estava partindo pra algo melhor, que gosta tanto, e então seria difícil querer voltar. Por isso eu tentei me acostumar a sentir sua falta: afinal, por um motivo ou outro, teria que lidar com isso. - ela terminou em tom baixo e, sem perceber, abraçando a si mesma, mãos afagando os braços subitamente gelados. 

 

Ao ouvi-la e vê-la, mais atentamente do que ela tomara nota, Emmett sentiu seu coração tropeçar no peito. Ele se deixou percebê-la, a exposição que ela estava se deixando fazer, contra todos os costumes e teimosias que eram tanto de seu feitio, pra entrar em acordo com ele, para deixá-lo vê-la. 

 

E ali ele realmente vira, reconhecida na imagem dela - ao mesmo tempo esplêndida e simplória -, a garotinha de sua memória, que ficara de repente sem jeito, tímida, enquanto seu pai a incentivava a cumprimentar os convidados - ele e sua mãe, tantos anos antes. 

 

O jeito como ela tentava confortar a si mesma e a expressão igual no mesmo rosto, tão idênticas quanto deveriam, mas certamente agora mais do que ele jamais fora capaz de conhecer e, principalmente, do que jamais tivera o privilégio de acolher daquela forma, inimaginável como o futuro que se desenhara sob a forma daquele momento, presente. 

 

Mas que pareciam ambos tão certos,  assim como a sensação avassaladora que o estava fazendo mover na direção dela, feito magnetismo irrecusável, que o fez aproximar o bastante para tocá-la. 

 

—Você não precisa fazer isso, Rose, - ele disse, roçando o dorso da mão numa bochecha dela, cuidadosamente, acompanhando seus traços com os olhos. - porque eu sempre vou voltar. - garantiu, procurando os olhos dela, que se deixou entregar aos dele, bem como ao seu toque leve, desfazendo-se da tensão em instantes. 

 

—Eu fiquei animado pela aeronáutica, é claro, - ele continuou, ainda a apreciando de perto. - porque é a primeira coisa que eu pude conquistar por mim mesmo, sozinho, depois de todo o caos, e que gosto. Mas... - balançou a cabeça, dando de ombros, deslizando os dedos de seu rosto para suas mãos, que haviam voltado ao lado do corpo, livres. - Você é o meu plano e o meu futuro, Rose. Não há competição. - confirmou, sorrindo um pouco. - É por isso que a única escolha a ser feita é a sua. E eu sei que você tem muitas possibilidades, então eu te dou o benefício da dúvida. - e baixou os olhos, fitando as mãos que se entrelaçavam. - Você tem coisas o suficiente pra lidar. 

 

Então, foi a vez da loira fazer seu movimento, para o qual ela subitamente agarrou a mão dele, que tentava se embrenhar na sua, com firmeza, e procurou seus olhos decisivamente dali de onde o via, fazendo fitá-la. 

 

—Eu não preciso de nenhum benefício, Emmett. - ela afirmou na mesma hora, e diante do olhar ainda imóvel dele, concretizou. - Na verdade, agora o estou oficialmente recusando. Eu estou aqui, já fiz a minha escolha e escolhi você. - ela então sorriu levemente, erguendo uma mão para tocar seu rosto com cuidado, como se ele nem mesmo fosse real, os olhos perdidos entre seus traços e memórias por trás deles. - No momento em que você entrou pela porta da casa dos meus pais a primeira vez, não havia outra escolha pra mim. Foi como estar com os olhos vendados por tempo demais, quando você tirou a venda. - então ela riu entre as palavras, dando de ombros, voltando à realidade. 

 

—E apesar do desconforto no começo, eu aprendi a gostar de enxergar de novo e principalmente a querer ver mais, e agora estou insistindo pra me deixar ver todos os lados e versões que há de você. Porque eu já amo o que conheço, mas é tão fácil, com essa parte atenciosa, correta e honesta de você. - e quase riu, como se fosse óbvio, fazendo uma pausa. 

 

—Eu quero ver e amar o que é tão terrível, Emmett. - ela disse o olhando nos olhos, o cenho franzido com seriedade e, ao mesmo tempo, súplica. - Me deixe ver você. As partes assustadoras, difíceis, as suas favoritas e as que você odeia. A que aparece quando não há mais ninguém, só você. - e fez uma pausa, para confidenciar. - Eu prometo que não vou correr. 

 

E com essa confissão, o tempo fora pouco demais para que os olhos de ambos não os delatassem, notando-se perdidos nos padrões inexistentes dos lábios um do outro, selando-se como a distância - sem razão de ser - ainda impedia. 

 

Até perceberem que ela, como as coisas no ambiente haviam subitamente se tornado, era inútil e estava fadada a deixar de existir, como os rostos convergindo lhe diziam, as respirações quentes sussurravam às peles muito próximas, as mãos cada vez menos discretamente ávidas - de Emmett, uma na cintura e outra na nuca da loira, e as dela em sua farda e seu rosto. - e finalmente, os lábios que se encontraram e perderam um no outro por severos instantes. 

 

E que pausaram apenas pra deleitar os ouvidos com as palavras pelas quais, de alguma forma, ambos ansiavam ao mesmo tempo - por dizer e ouvir. 

 

—Eu te amo. 

 

Como disseram ao mesmo tempo, em tons muito similares, de maneira que os fez sorrir com admiração antes de selar os lábios, saudosos demais para qualquer formalidade precoce, novamente.


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