Across The Frontline escrita por overexposedxx


Capítulo 34
Capítulo 34 - Fôlego




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—Sra. Cullen, aqui é o Major Walters, da Academia das Forças Armadas de Washington. O contato da sua residência estava nos pertences de Emmett... - ele pausou, como que para checar. - Emmett McCarty. E eu tomei a liberdade de ligar para informá-los que houve um acidente o envolvendo nas nossas dependências, nessa tarde.

 

Foi a última coisa que Esme ouvira antes de levar uma mão ao peito e, depois, precisar escorar-se na mesa, para exclamar a próxima frase num tom que fez Carlisle vir até a sala com preocupação.

 

Ao passo que a ligação prosseguia, do outro lado da linha, dois corpos muito diferentes estavam repousados sobre camas paralelas, na sala mais próxima, sob lençóis brancos que os cobriam parcialmente. 

 

Janelas estavam espalhadas pelas paredes onde as cabeceiras encostavam, e a única coisa se movendo parecia ser o tecido esverdeado das cortinas sobre elas - cedendo e retirando o privilégio da vista externa, a quem pudesse ver, num embalo imprevisível. 

 

Mas,  em geral, as coisas não são o que parecem. E, muitas vezes, estão nos detalhes.

 

A vida, por exemplo, estava na forma quase imperceptível como o peito de Emmett se movia, denunciando sua respiração, por vezes, ainda irregular, enquanto dormia - ou algo parecido com isso. E em como quase o mesmo se repetia com Seth, ao seu lado, mas num ritmo mais esforçado, enquanto as máscaras de oxigênio estavam em seus rostos, ajudando na tarefa mais trivial possível mas, agora desafiante, de respirar continuamente. 

 

Ele estava vagamente consciente de seu coração batendo e seus pulmões trabalhando, enquanto submergia - às vezes mais, às vezes menos - no oceano revolto e confuso que era sua imaginação, trazendo desejos, medos e lembranças sob a forma de sonhos bizarros, que incluíam vislumbres de fogo, ruas esquecidas e rostos inconfundíveis - uns mais desejáveis que outros - em harmonia com suas vozes. 

 

Entre eles, em especial um, de olhos castanho claros, cabelos de ondas loiras e lábios cor-de-rosa bem desenhados, cujo nome continuava escapando de sua boca, enrolando em sua língua, sem que ele soubesse. 

 

Ela continuava a tirá-lo do horror como um anjo persistente, de fé inabalável e impossível, como havia feito há muitas horas atrás, parecendo soprar a vida de volta para seu corpo desacordado - ainda que só sob a forma de uma fantasia sua, um querer encorpado em sua cabeça. - junto a todos os aparelhos, mãos e divindades que o houvessem trazido de volta, de fato.

 

Emmett tivera uma parada cardíaca quase longa demais, e definitivamente muito exaustiva em todos os aspectos, que o fizera acordar só por tempo o suficiente para checar Seth - que também já estava acordado e em recuperação àquela altura, graças também à agilidade de Tyler em levá-lo para a enfermaria.

 

Depois de então, caíra num sono tentador e, para gosto de alguns observadores, longo demais - mas, segundo as enfermeiras, absolutamente normal após todos os tipos de estresse que passara.

 

Era como se seu corpo soubesse exatamente o que precisava, e ele não estava em condições de ir contra isso - o que condicionava aqueles que assistiam a não fazê-lo também. 

 

Na verdade, era por isso que o Major Walters havia encarregado os garotos mais próximos do veterano de encontrar algum contato familiar em seus pertences, e agora falava ao telefone com os Cullen.

 

Uma conversa que tinha um tópico em especial, que ele também planejara dizer a Emmett quando ele acordasse - mas, vendo que não faria isso em algumas horas, autorizara os garotos irem à enfermaria para visitá-lo e acordá-lo com mais leveza, o preparando para a surpresa que ele teria em alguns minutos.

 

Foi com as vozes dos meninos divididos entre a beira de sua cama e a de Seth que o veterano acordara, perdendo o fio de sonolência para um vazio indiferente, que logo o fizera abrir os olhos para a sala naturalmente iluminada - o que confortou seus olhos fechados há muitas horas, que certamente não teriam a mesma gratidão por luzes artificiais àquela hora. 

 

—Bom dia, Bela Adormecida. - Danny brincou, descruzando os braços e sorrindo para o veterano, enquanto cutucava Scott com os ombros, para que ele visse o que acontecia.

 

—Estávamos pensando que não ia acordar mais. Já está dormindo há três dias. - o outro disse, suspeitamente sério, fazendo Emmett de repente sentir-se muito acordado e incrédulo. 

 

Mas, quando ia abrir a boca para dizer, umedecendo a garganta para isso e com os olhos muito abertos, os garotos se desfizeram em risadas que colocaram um sorriso em seu rosto, e ele percebeu que estava com uma máscara de oxigênio no rosto - ao que franziu o cenho e ergueu a mão para afastá-la. 

 

—É brincadeira, veterano. - Scott mesmo corrigiu-se, ajudando o amigo a se livrar do elástico em volta de sua cabeça, que prendia a máscara ao rosto, a deixando livre em sua mão.

 

—Você dormiu bastante, mas bem menos de 24h. - Tyler quem disse então, enfiando as mãos nos bolsos. - As enfermeiras disseram que é normal, você sabe, com tudo o que aconteceu. - ele explicou, olhando de Seth de volta para ele. 

 

—Como está se sentindo? - Danny quis saber, e também descontrair um pouco da memória do ocorrido, se possível. 

 

—Eu... - Emmett ensaiou, a voz saindo mais rouca do que o usual, e tossiu um pouco para ajustá-la, e também ao incômodo na garganta. - Estou bem. Só está incomodando um pouco, a garganta. - ele explicou, sentindo a sensação de um nevoeiro no local e em seu peito, fazendo cócegas incômodas que o faziam querer tossir.

 

E quase no mesmo momento, se deu conta do que parecia um leve adereço, intrínseco à pele, incapacitando o dorso de sua mão esquerda e antebraço, junto a algo parecido acima de uma das sobrancelhas - mas que, evidentemente, ao contrário da mão, não podia levar à altura dos olhos e observar.

 

—Bem, ao menos não é tão mal. - Scott deu de ombros, tentando amenizar. - Acho que é o que esperavam, afinal, você inalou muita fumaça, segundo disseram.

 

—E abriu um corte no supercílio, além da queimadura leve na mão até o antebraço. - Danny acrescentou, cedendo com a cabeça, e os amigos lhe lançaram olhares incisivos, que o fizeram se explicar. - Mas, acho que é o melhor que poderíamos esperar daquele cenário.

 

Com um suspiro pouco profundo, o veterano acenou com a cabeça  em concordância, tendo que umedecer a garganta seca outra vez, e sem dizer nada - os pensamentos que ocorriam em sua cabeça ainda estavam discretos e lentos, então não havia muito mesmo o que refletir e dizer.

 

Ele estava feliz por estar vivo e, dando um olhar longo para o Seth adormecido na cama ao seu lado, sentiu exatamente o mesmo, uma nova vez, pelo garoto, e constatou: aquele era mesmo o melhor que poderia ter pedido para o cenário tenebroso da tarde anterior. 

 

—Você foi mesmo corajoso, Emmett. - Luisini quem disse, chamando a atenção dos olhos claros de volta, sob a concordância dos outros amigos, e acrescentou sorrindo. - Maluco, mas corajoso.

 

Com isso, ele conseguiu arrancar risadas dos outros e, inclusive, de Emmett - que, no entanto, começou a tossir um pouco ao final, e justamente em tempo de se darem conta da aproximação de uma nova presença.

 

Major Walters vinha da direção do telefone, agora já ao gancho, com um copo grande e transparente de água numa das mãos, causando nos garotos uma mudança de postura imediata e a apresentação de continência usual - incluindo de Emmett, que o fizera com um pouco mais de lentidão e, por menos tempo, assim que o superior lhe estendera o copo que carregava.

 

—Não sei por que eu esperava que seus amigos tivessem a sutileza de lhe trazer um copo d'água antes de mim. - ele brincou, dando um olhar debochado aos garotos e um sorriso contido ao veterano, que acatou a bebida sem titubear.

 

—Obrigado, senhor. - o de olhos claros acenou com a cabeça depois de generosos goles, que acabaram com a água num instante, aliviando sua garganta como um bálsamo. 

 

Os garotos assistiram com sorrisos  envergonhados ao Major, enquanto o mesmo acenava com cabeça, ensaiando sua próxima fala, de que eles pareciam já estar estranhamente cientes.

 

—Preciso falar com você, McCarty. - o mais velho anunciou, recebendo a atenção devida, e um pouco preocupada, de Emmett. - Vou ser breve, e como esses daqui já sabem, porque acabamos precisando de ajuda com suas malas, vou poupar as formalidades. - explicou ainda, gesticulando para os garotos, enquanto o cenho de Emmett se franzia, tentando acompanhar, também com sua cabeça recém desperta. 

 

—Em razão da atitude heroica que você teve no incêndio, que salvou Clearwater e poupou nossas dependências de um estrago maior, eu e o Conselho da Academia concordamos em lhe dar alguns dias de descanso em casa, como forma de agradecimento. É apenas um final de semana, mas de toda forma, é melhor até para sua recuperação e muito mais justo, quando poderá rever sua família e todo o resto. - ele disse como se fosse óbvio e sob os olhares de todos que, assim como a informação, Emmett não processava, e logo concluiu. - Nós nos encarregamos de tudo e tem alguém vindo te buscar, então esteja pronto em poucas horas. Entendido?

 

****

 

Na cozinha da nova casa de Rosalie - que tinha tons de madeira e azul esverdeado, num conceito aberto que abarcava a mesa de jantar e uma vista parcial para a sala de estar pelo batente entre os cômodos. -, a loira tinha os braços ocupados com Henry, o bebê de dois anos de Vera, e a atenção dividida entre ele, a própria amiga e Alice.

 

A criança vinha, desde o início daquela festa de inauguração, a mantendo muito entretida e agradavelmente ocupada, por tantos motivos diferentes. 

 

Desde que Edward crescera, ela sempre sentira falta de ter uma criança na família, de quem estar próxima e que incitar a alegria e calor mais genuínos em seu coração. Ela sempre achara algo quase inexplicável como as crianças podiam ser capazes de tanto, estando alheias a isso - e a todas as outras zombarias dispensáveis do mundo real.

 

Mas, depois que ficara adulta, havia ainda mais: ela achava incrível a ideia de uma pequena vida como aquela ter sido originada e depois criada por alguém; da capacidade por trás disso e o fascínio de redescobrir o mundo com ela, no caminho pra que se torne uma pessoa do mundo, crescida, como si mesma. 

 

Isso somado ao sentimento maternal que nunca pudera concretizar até então, fazia Rosalie sentir-se quase completa quando cercada por crianças, com uma em seus braços, ou aspectos do tipo. 

 

No entanto, havia algo inegável que ela não diria em voz alta, mas estava sob sua percepção o tempo todo: não era só pelo quão maravilhada a ideia de uma criança, em tantos sentidos, a deixava; ou pela inegável e engraçada simpatia do bebê em seu colo, que a loira continuava a perscrutar seu rosto com insistência, repetindo a vista de seus pequenos olhos muito azuis; as covinhas nas bochechas quando o fazia rir; e os cabelos escuros enrolados no topo da cabeça.

 

Havia alguém mais profundo do que a simples curiosidade ou admiração a incentivando, sem perceber, àquele hábito - e isso, porém, era algo que Rosalie estava decidida a não declarar em meio à conversa com a cunhada e a amiga, que poderia sacrificar também a diversão com o garotinho em seus braços.

 

—Ele gostou mesmo de você, Rose. Não é assim com todo mundo. - Vera contou, admirando a visão da amiga com seu filho, fazendo brincadeiras pela cozinha, arrancando risadas genuínas dele.

 

—Ele é um amor. - a loira respondeu, sorrindo boba para a criança, de quem não tirava os olhos. - Não é, Henry? Quem é o amor da tia Rose? - ela brincou no mesmo tom, erguendo o bebê nos próprios braços, e o trazendo de volta para beijar suas bochechas e esfregar seus narizes um no outro, suavemente.

 

—Rosalie é ótima com crianças. Elas a adoram. - Alice sorriu, concordando com Vera e observando a cena da loira com admiração, alguns pensamentos futuros rondando sua cabeça, e que não diziam respeito apenas a si. 

 

—Vai ser uma tia esplêndida para o novo pequeno Cullen aqui. - ela acrescentou ainda, levando uma mão à barriga pouco crescida.

 

Ela havia contado horas mais cedo, assim que chegara com Jasper à casa nova da cunhada, sobre a gravidez que descobrira há alguns dias - que contara a Esme, Carlisle e Edward também naquele dia, mas pela manhã, quando passara à antiga casa do marido apenas para isso. - e que traria um novo membro à família Cullen em alguns meses - o que, evidentemente, também era boa parte do que alegrara ainda mais o humor de Rosalie naquele dia.

 

—Ou nova pequena Cullen. - a loira instigou ainda, sorrindo satisfeita enquanto voltava a sustentar Henry em um dos braços, dando a ele um brinquedo que estava na mesa. Alice e Vera concordaram, sorrindo. 

 

— Estou tão ansiosa pra conhecer esse bebê, você não faz ideia. - ela riu consigo mesma, negando com cabeça. - Vou ser tia! Dá pra acreditar? E com certeza vou ser a favorita. - ela se gabou, dando de ombros, enquanto observava Henry. 

 

—Você vai ser a única tia, na verdade, Rose. - Vera lembrou, com um tom de diversão e sarcasmo oportunos. Ao receber os olhos da loira nos seus, ela deu de ombros. - Jasper só tem você de irmã.

 

—Bem, - Rosalie começou, depois de estreitar os olhos para ela, a fazendo rir. - ele ou ela nunca vai desejar ter outra tia, então. - e completou, concentrada na brincadeira com o garotinho. - Vou ser mais legal do que as de todas as outras crianças, sem dúvidas. 

 

—Eu tenho certeza que sim. - Alice disse sinceramente, ainda rindo com leveza, ao lado de Vera. - E Jasper também tem, sabe. Na verdade, ele ficou dizendo por dias o quanto você ficaria feliz em saber, e ainda mais quando ele ou ela nascer. - então acrescentou, com um tom de riso, sob o olhar inspirado e, de repente, adocicado, de Rosalie. - Tive que segurá-lo para não contar antes do exame.

 

Enquanto as garotas riam dessa revelação, antes de seguir para o assunto seguinte, sons de passos foram ouvidos se aproximando do cômodo e, logo, Brian Dawson - uma figura mais alta que Rosalie, de cabelos loiro-escuros e olhos esverdeados. - estava se juntando a elas.

 

—Com licença, garotas. E Henry. - ele sorriu, ao que as mulheres acompanharam inevitavelmente, parando para fitá-lo. - Anna e Jasper estão procurando por vocês, Vera e Alice. 

 

—Oh, verdade, esqueci de avisar que viríamos pegar a mamadeira de Henry. - Vera lembrou subitamente, arregalando os olhos com surpresa e se virou para pegar o item repleto de leite no balcão, antes de ir até o bebê nos braços da loira.

 

—E eu esqueci que tínhamos vindo à cozinha só para isso. - a outra confessou, rindo suavemente antes de despedir-se da cunhada. - Nos vemos logo, Rose. 

 

Ao assentir dela, Alice, Vera e Henry saíram do ambiente, deixando uma Rosalie com resquícios de riso no rosto alegre, enquanto via suas figuras se afastarem e se tornava consciente de Brian se aproximando, bem ao seu lado, com duas taças de champanhe nas mãos.

 

—Achei necessário trazer essa para você. - ele disse, erguendo uma das taças para ela. - Está sem beber nada, só recebendo as pessoas, lá e cá, desde que chegamos. Um refresco deve ajudar. - ele sorriu, e Rosalie fez o mesmo enquanto acatava ao cristal.

 

—Obrigada, Brian. - ela assentiu e tocou a taça à dele com leveza, antes de bebericar o líquido suavemente amargo. - Apesar de um pouco cansativo mesmo, eu estou gostando de receber as pessoas. É divertido, ainda mais com todo o novo cenário. - ela sorriu, admirando os arredores.

 

—Eu imagino que sim. É uma casa realmente linda, Rose. - ele concordou, copiando o sorriso dela e o olhar para o cômodo, recostando-se no balcão ao lado. - Você deve estar feliz em tê-la, depois de toda a coisa com Royce. - e sob o olhar curioso da loira, explicou. - Eu ouvi algumas coisas.

 

Hale assentiu consigo mesma num novo sorriso de conclusão - como se a resposta dele fosse a única e mais óbvia possível, e devolveu num mesmo tom. 

 

—Estou, e como. - ela enfim sorriu, sorrindo largo, os olhos cintilando. - É um sonho que eu não sabia que havia em mim, até alguns meses atrás. - e pausou, refletindo consigo mesma. - Quero dizer, isso tem sido um sentimento frequente, com vários aspectos, depois de Royce. É como uma vida nova. - e cedeu um olhar para Brian, que assentiu de pronto.

 

—É como parece, mesmo. Dá pra ver nos seus olhos. - Dawson sorriu com sinceridade, olhando nos olhos dela pelo que pareceu tempo demais, até cruzar as pernas e voltar a falar. - Inclusive, fiquei muito surpreso quando recebi a notícia do casamento de vocês, justamente por todas essas... - ele procurou a palavra, remexendo os dedos sob a taça. - Coisas de Royce, esses rumores sobre ele e a família, que sempre ouvíamos. Você sabe melhor que eu. - e concluiu, dando de ombros.

 

—Agora eu sei, realmente. - Rosalie concordou, entendendo. - Se soubesse na época, muitas coisas teriam sido diferentes. - e riu um pouco sem humor, refletindo brevemente sob o olhar atento do homem ao lado, que bebericou de sua própria taça no meio tempo silencioso, e voltou a dar a ela um olhar que traduzia muito mais do que atenção.

 

—Agora, - a loira mudou de assunto, esvaziando a taça com um último gole e gesticulando dela para Dawson. - isso estava mesmo ótimo, Brian. Foi muito observador e gentil da sua parte, obrigada. - ela confessou, rindo. - Bem como eu e Vera nos lembrávamos de você, costumava ser assim mesmo na escola, não é?

 

—Eu me esforçava pra isso, sim. - ele concordou um pouco com a cabeça, acompanhando o riso leve dela e a mudança de tom. Então, deu-se um momento de pausa, para olhá-la com um tom intimista que corou suas bochechas. - Mais com você do que no geral, para ser honesto. Mas, você com certeza sabia dessa parte.

 

Diante da confissão e do tom questionável da última frase, Rosalie pausou um pouco em frente a pia, aonde deixava sua taça vazia, e com a sensação estranha do rumo da conversa, optou por retornar numa vertente alheia ao que ele parecia querer incliná-los.

 

—Na verdade, eu tinha só suspeitas. - ela riu oportunamente, dando mais veracidade à confissão honesta. - Vera quem estava muito certa disso, na época, mas para ser sincera, tantas coisas e pessoas mudaram com os anos na escola, que eu nunca tive certeza que não era apenas o seu jeito com as pessoas. 

 

—Bem, agora você sabe que não era. E isso, entre tantas coisas, não mudou. - ele disse, se virando para encará-la melhor, numa pausa que fez imagens e frases passarem pela cabeça de Hale, incluindo a de uma pessoa em especial, que em oposição à ideia de Brian à sua frente, de repente fez seu estômago embrulhar. - Você sabe, Rose, sempre houve algo ou alguém entre nós e agora eu acho que, finalmente...

 

Mas, de repente, sem sequer ter tempo de pensar em seu próximo passo, uma movimentação atípica e muito sonora vinda da sala de estar fez Rosalie ser incapaz de atentar-se ao que Brian falava. Porque de repente a adrenalina estava despertando de seu âmago e partindo para as pontas dos dedos, tornando difícil ignorar a sensação (ou intuição) de que aquilo que, indiretamente, a chamava, era algo importante, e de que devia mover-se para ver o que era.

 

Ela, no entanto, com o esforço para ser educada e a ideia de que sua ansiedade, acima da média naquele dia, podia estar lhe sussurrando coisas demais sem haver razão em todas, ainda conseguiu voltar os olhos para Brian algumas vezes, e forjar um sorriso quando o viu sorrir, sem ouvir uma palavra do que ele dizia. 

 

Entrementes, na sala de estar, dividido entre a novidade do ambiente, tudo o que ele significava e da recepção calorosa de - quase - todas as pessoas que amava, estava Emmett. 

 

Fardado, exibindo o corte - em cicatrização - no rosto e os olhos muito azuis que iam de pessoa em pessoa conforme se aproximavam, ele não tivera tempo de pensar muitas coisas - ainda. 

 

Ele estava, de fato, sentindo mais do que pensando sobre o que via, porque seus pensamentos ainda eram uma instituição perigosa e desordenada demais para inaugurar: havia uma adrenalina boa, unida ao calor em seu peito, despertando conforme pairava os olhos em cada um dos Cullen no seu campo de visão - a mesma sensação que tivera ao receber Carlisle e Esme na Academia horas atrás, e a que podia acostumar-se muito bem, apesar da forma súbita como viera. 

 

Mas, havia uma coisa em comum e diversa dos demais, entre o ambiente e as vozes que o preenchiam, que dizia a ele que havia muito mais novidades - em pessoa ou acontecimentos - para que ele devia despertar, e acostumar-se.

 

Rosalie estava numa nova casa, e ele estava positivamente surpreso e feliz por ela. 

 

Era só a ideia de mudança generalizada por trás dessa novidade, unida a todas as preocupações que vinha nutrindo sobre ele e a loira na mesma frase, que o intrigava. O que mais havia mudado, que ele não sabia?

 

E incitando esse conjunto delicado, havia o fato de que não a estava vendo em canto algum - o que, no entanto, com o caráter precoce daquele dia, ele não sabia se era algo bom ou ruim. Não tinha certeza se estava preparado para tudo que aquela espécie inesperada de reencontro reservava, apesar de haver parte sua que não se cansava de querer achá-la entre as pessoas, varrendo o ambiente com os olhos.

 

—O que...? - ele ouviu a voz de Edward, num tom confuso ao seu canto esquerdo, dizer, conforme adentrava mais a sala. - Emmett? O que está acontecendo aqui? - ele franziu o cenho, mas um sorriso se formou nos lábios corados, e ele avançou para cumprimentar o veterano.

 

—Isso é surpresa ou desapontamento que eu estou ouvindo? - o de olhos azuis brincou, embarcando no abraço que o mais novo providenciou, e acompanhou a risada que veio enquanto se afastavam.

 

—Isso depende. Te expulsaram de lá? - o outro retrucou com zombaria, e Carlisle sorriu por detrás de Emmett, enquanto Esme deu ao filho um olhar de reprovação leve.

 

—Isso seria impossível. É bem o caso oposto, não é, querido? - ela gabou-se, afagando as costas do moreno, que enfiou as mãos nos bolsos e negou levemente com a cabeça para o caçula, que manteve o sorriso e a expressão curiosa no rosto. - Mas, Emmett pode te contar depois. Não vamos sobrecarrega-lo, certo? - e concluiu, mencionando mover-se com o veterano.

 

—Sim, senhora. - Edward concordou, intrigado pela palavra que a mãe usara, e deu um tapinha nas costas de McCarty antes que ele saísse do lugar. - É bom te ver, Emm.

 

—É bom te ver também, Ed. - Emmett respondeu sinceramente, sorrindo e dando um olhar genuíno ao caçula, enquanto deixava-se caminhar na companhia de Esme, que ficava ao seu lado indiscutivelmente, como se ele pudesse vacilar um passo e cair fatalmente a qualquer momento.

 

O que, apesar da descrença de Emmett, passou a se tornar um risco iminente no próximo minuto, porque seus olhos se aventuraram demais numa direção - que ele não sabia dizer se era a certa ou errada - e se encontraram com todas as coisas que não estavam prontos para receber; para que não havia aviso ou amparo suficiente. 

 

Uma colisão que não fez nenhum som, mas estremeceu sua alma e o fez esquecer seu coração no peito, como se uma corrente de ar tivesse passado através da cavidade, o fazendo sentir, ao mesmo tempo, como nunca tivesse sido tão oco e também tão cheio de fôlego - um contraste impossível, que só ela era capaz de causar.

 

Rosalie.

 

Ela e a harmonia impecável no rosto conforme seus lábios se esticavam num sorriso, como se fossem feitos para aquilo - no que ele acreditava fielmente.  Mas, principalmente, ela e o castanho claro de seus olhos, cintilando enquanto ria, só para desvelar surpresa mista à uma espécie de tempestade, ameaçadoramente bela, quando colidiram com a maré resoluta que se fez nos dele, a refletindo de longe.

 

Uma combinação tão alarmante e, ainda assim, tentadora. O trovão ressoando no peito de Rosalie, seu coração abalando o corpo sem aviso, criando ventanias que esfriaram sua pele e uniram-se perfeita - e catastroficamente - com as ondas ressoando pelos tendões de Emmett, sob a forma de um redemoinho atraente e perturbado, envolvendo-os em seu ciclo vicioso. Impossível de deixar.

 

Um que, enquanto isso se dava, se alimentava também do fato e companhia do homem que estava, há um segundo atrás, fazendo Rosalie brilhar daquela maneira, agitando tudo de pior que Emmett não sentira em muito tempo - um gosto amargo inundando sua boca, provocativamente, como veneno para o qual franziu os lábios, o mais discretamente que pôde, antes de ser repuxado, sem aviso, para fora daquele silencioso caos, por outra voz familiar. 

 

Como ser salvo de um redemoinho, aquilo parecera, ao mesmo tempo,  um golpe de ar fresco e de dano. Como se não mais girar e ser levado, se envolver, ainda que naquele perigo, o fizesse sentir errado. Por que não estava mais girando? 

 

Ele devia ter se mantido parado na correnteza? 

 

—Emm! Meu Deus! - dessa vez, foi Alice que ele ouviu, enquanto perscrutava as paredes e pessoas novas adiante, que começavam a olhá-lo com muita dúvida e curiosidade.

 

Quando se deu conta, Emmett já estava sendo atingido pela pequena moça morena, que se jogara na direção dele com braços abertos e sem aviso, além de uma expressão surpresa e absolutamente feliz, que ele devia ter previsto do que se seguiria.

 

—Alice! - Esme exclamou como que para impedir o baque, que parecia perigosíssimo em sua concepção, mas já era tarde: Emmett se obrigara a quebrar o contato visual de antes e estava abraçando-a de volta e a tirando do chão por um instante, em retribuição à sua felicidade em vê-lo.

 

—Aí está você! - ele riu feliz, descontraindo e recebendo os pequenos braços dela pressionados ao seu redor, e a colocando no chão de volta com um resquício de riso que acompanhou o dela. Alice nunca falhara em fazê-lo sentir-se bem vindo. - Você está ótima, Lice. Como sempre.

 

—Ah, obrigada, Emm! - ela sorriu, afagando o próprio vestido e sorrindo longamente. - Eu poderia dizer o mesmo de você, como sempre, mas - e pausou, estreitando os olhos enquanto perscrutava o rosto dele. - não voltou tão inteiro quanto partiu, não é? 

 

Emmett riu com a constatação, e deu de ombros, se esforçando para realinhar os pensamentos enquanto fitava a própria farda, levando uma mão ao machucado no supercílio.

 

—Alguns pedaços a menos, mas nada com que se preocupar. - ele brincou e garantiu, e sob o olhar rígido de Alice, apesar do sorriso nos lábios, emendou. - É uma novidade para outra hora.

 

—Certo, você sabe que vou cobrar. - ela avisou e o veterano concordou na mesma hora, tendo certeza daquilo, quando ela continuou inesperadamente. - Eu, por outro lado, tenho uma novidade para agora! Eu e Jasper, na verdade. - e fez uma pausa, ao que Emmett arqueou as sobrancelhas e acompanhou o olhar dela, adiante na sala de jantar. - Jazz!

 

Num instante, Jasper apareceu no batente do cômodo e, caminhando com serenidade, se deu conta da presença de Emmett quase no mesmo momento em que colocou os olhos na esposa - ao que seu semblante se iluminou, do sereno para um bastante surpreso e naturalmente alegre.

 

—Emmett? - ele perguntou retórico, e mais surpreso conforme se aproximava, com se não conseguisse crer nos próprios olhos. 

 

Mas, conforme o sorriso de covinhas se desenhou no rosto do veterano, a certeza arrebatou o loiro, e foram apenas instantes de riso genuíno até que os dois finalmente se alcançassem num abraço forte.

 

Da cozinha, Rosalie ainda estava retomando os sentidos e recolhendo a si mesma do momento com Emmett - e do simples fato de tê-lo visto, tomado ciência da sua presença impossível, bem ali, a alguns metros de distância. 

 

Num instante, havia tantas perguntas em sua cabeça. Tantos pensamentos enchendo seus ouvidos e cada canto do cérebro, tantas coisas que sentir, transbordando de seu peito para os ossos e a carne, aonde podia sentir a mudança súbita e estúpida que ele lhe causara, inundando com urgência cada parte de seu ser, antes que pudesse subir as barreiras. 

 

Como é que ele, de repente, estava ali? E por que? Na sala de sua casa, acompanhado de seus pais, cumprimentando pessoas como se fosse a coisa mais normal do mundo, e aquela na qual era melhor, porque as pessoas subitamente sorriam por vê-lo - e ele, para sua maldição, sorria de volta, como ela havia esquecido gostar tanto de ver.

 

Como ela tivera o impulso de fazer em resposta, e estaria fazendo, se não fossem tantas vertentes de coisas sobre ele e ela em que pensar, a impedindo.

 

—Íamos escrever a você contando. - ela ouviu Alice dizer para Emmett, enquanto Brian continuava a falar também, mas ela não o ouvia. - Mas, eu estava com uma sensação de que iriamos vê-lo antes disso e disse a Jazz para esperar. De toda forma, cá estamos nós. E  eu... - e ela fez uma pausa, sob o olhar de expectativa do veterano. - Estou grávida! 

 

Dali, Rosalie assistiu Emmett reagir com a maior surpresa e alegria genuínas que pensava ter visto em seu rosto até então, e tudo seguiu-se de uma sequência de abraços entre os três, de Emmett para cada um dos novos pais, com igual entusiasmo e palavras que a loira, em sua infinita atenção ao rosto do veterano, não ouviu - apenas julgou, pelos risos que vieram, enchendo a casa e encaixando-se com o momento em que ela percebeu um silêncio do homem à sua frente.

 

—Com licença, Brian. - ela disse então, o fitando com tanta simpatia quanto pôde antes de voltar os olhos à figura alta na sala de estar e caminhar para lá com mais determinação do que reconhecera, enquanto seu coração sumia no peito, subindo à garganta, a fazendo se esforçar para não vacilar. 

 

Parte do que a manteve seguindo foi a ideia de que, apesar do que seus olhos e ouvidos contavam, ele não podia ser real. Era impossível que ele estivesse ali, de repente, sem explicações, com naturalidade.  

 

A loira estava certa de que quando estivesse perto o suficiente, estenderia a mão ou diria seu nome, e seu vulto desapareceria como uma lufada de fumaça translúcida no ar de sua sala, a deixando no meio das pessoas como se estivesse desajustada. Com algum problema de sanidade. 

 

—Emmett? - ela arriscou, firme apesar da dúvida, tendo esquecido o quanto o nome dele deslizava perfeitamente por sua língua ao falar em voz alta, e ficou atrás do que seria sua efígie fardada entretida com Jasper. 

 

Ao contrário de sua imaginação, no entanto, depois do nome, ele não se desfez. 

 

Entre eles e o restante da família, ecoou um silêncio resoluto, e tanto Emmett, quanto Rosalie, imaginavam que o ricocheteio em seus peitos pudesse ser ouvidos desavergonhadamente naquele intervalo. 

 

Quando ele se virou para encará-la, tão descrente quanto ela, e os olhos se cruzaram outra vez, mas agora tão mais coloridos e tangíveis, de perto, soou como se as coisas ao redor tivessem parado de respirar; de acontecer. Como se tudo prendesse o fôlego. 

 

Para Rosalie, ser puxada para fora de sua desilusão tão subitamente, foi como enfiar seu corpo quente em água fria. A sensação gélida subindo de seu estômago para o peito, num arrepio de dentro, a fazendo sentir que precisava puxar o ar como se, de repente, ele fosse rarefeito. 

 

—Rosalie. - Emmett enfim disse, impressionado em como as letras que eram dela soavam em voz alta; em sua voz. Uma constatação menos simples do que qualquer outra. 

 

Um calafrio longo correu por sua coluna enquanto, acorrentado ao olhar dela, se lembrava de retomar o fôlego.


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