Takeo andava pelo quarto em círculos, indo do guarda-roupa até a mala sobre a cama, para depois fazer o percurso inverso, retirando e colocando roupas, analisando as peças para depois repetir o processo.

A situação não teria nada de estranha, não fosse o fato que ele e Hayato começaram a arrumar ao mesmo tempo e quem costumava demorar era o vocalista. Estar naquela atividade há mais de uma hora era um recorde para Takeo.

— Quer ajuda pra arrumar? – Hayato ofereceu ao ver o namorado retirando todas as peças de dentro, encarando o espaço vazio com desgosto.

— Ah… não sei se essas roupas são boas pra essa viagem. – ele não sabia se elas eram boas para a ocasião, na verdade.

— Vai estar frio, precisa levar um agasalho. E suas roupas são descoladas, não precisa se preocupar em estar bem vestido, porque isso é natural do seu estilo.

Hayato só imaginou ter dito as palavras erradas ao ver o namorado analisando novamente as roupas, levando várias delas de volta para o armário e retornando com uma nova remessa.

— Está tudo bem? – Hayato pegou algumas camisetas, começando a dobrá-las para acomodar no pequeno espaço, observando as atitudes erráticas do guitarrista – Você tem certeza que quer passar o Natal com meus pais?

Um olhar apavorado foi a única resposta que teve. Takeo não costumava ser tão transparente em suas atitudes, a ponto de conseguir lê-lo tão bem. Alguma coisa muito errada estava acontecendo.

— Podemos ir pra outro lugar. Pode ser difícil trocar as passagens, mas não é impossível. Você não queria um lugar mais frio? Uma cabana em algum lugar distante do centro? Ou podemos ficar por aqui mesmo.

— Mas eu combinei com sua irmã… ela vai se chatear comigo por cancelar em cima da hora… – ele mordeu o lábio em dúvida, mas a ideia pareceu bastante tentadora, visto o brilho em seus olhos.

— Hana vai entender. Você sabe como ela é. Podemos ir em outra ocasião. – dessa vez foi Hayato quem tomou a iniciativa de tirar as roupas da mala, colocando-as na prateleira e fechando as portas – Amanhã vou ajeitar nosso acampamento na sala. Está frio para ficar lá fora. Acho que não é bom viajarmos também, vai estar muito movimentado. O que acha? Você cuida da comida?

O sorriso aberto e animado foi resposta o suficiente para saber que tudo ficaria bem. Não sabia porque o namorado colocou na cabeça que queria comemorar com seus pais, mas era óbvio que nenhum dos dois estava à vontade com a ideia.

* * *

O cheiro vindo da cozinha estava atrapalhando totalmente a concentração de Hayato. Montar as tendas foi fácil, mas quando começou a distribuir as luzes, Takeo apareceu com uma fornada de biscoitos e chocolate quente com marshmallow. Disse ainda que eram só petiscos para provar, o que deixava bem claro que o prato principal viria depois.

— Por que duas? Quer dormir separado? – o guitarrista deixou os lanches numa mesinha ao canto, aproximando para ver melhor o que o namorado havia feito.

— Não. Uma nossa e uma pro Katsuya e Mikaru.

— Eles vão vir?

— Eu convidei quando fui entregar meu presente. O garoto estava tão empolgado em montar a árvore. Espero que Mikaru não estrague a diversão dele.

— Não está muito em cima da hora para pedir milagres de Natal? – Takeo riu baixinho, sabendo que seria difícil agradar Mikaru. Querendo ou não, o amigo reclamaria de algo, para depois deixar o garoto mostrar o poder de persuasão que tinha e aceitar a sugestão – Eu vou terminar de fazer a torta e aumentar a quantidade pro jantar.

— Ok, eu vou terminar aqui e me aprontar. Que tal a gente ver um filme depois?

— Combinado!

Takeo voltou para a cozinha logo em seguida e, se segurando para não invadir o outro cômodo, Hayato deu prosseguimento à decoração do ambiente. Escolheu todos os acessórios em tom pastel, desde as almofadas até as luzinhas em volta das cabanas, criando um ambiente tranquilo e acolhedor. Deixou alguns edredons dentro do espaço montado, juntamente com os futons.

Esperava que o outro casal aprovasse a ideia de dormir ali ao invés de irem para o quarto. Gostava de fazer esses acampamentos com Takeo na varanda, aproveitando a brisa fresca das noites quentes para namorarem até o sono chegar. Se Mikaru sonhasse que estava planejando criar um clima romântico, era capaz de ir embora antes mesmo de começarem o jantar.

* * *

A ceia de Natal estava praticamente pronta e, enquanto esperavam a chegada dos amigos, Takeo e Hayato se acomodaram na sala para assistir um filme. Hayato queria um romance ou comédia, mas Takeo preferia suspense ou policial. Uma briga poderia ter iniciado, não fosse a vontade de ambos em aproveitar a companhia um do outro. Era só para passar o tempo, no fim das contas. Não importava o que veriam.

— É esse tipo de cara que você gosta? – Takeo comentou após um tempo decorrido do filme, sorrindo de canto para provocar o namorado, mas não esperava que o tiro saísse pela culatra.

— O que? Do tipo galinha?

— Hei! Eu parei com essa vida, ok? – resmungou fazendo bico – Estava falando de príncipes engomadinhos, ricos e mimados.

— Ah, não… esse tipo não me atrai. Caso contrário eu teria caído de amores pelo Mikaru.

Como que aproveitando a deixa, o interfone tocou, avisando a subida dos amigos.

* * *

A comemoração havia sido divertida e animada, como costumavam ser os encontros do quarteto. Hayato e Mikaru trocando farpas, Katsuya tentando fazer o namorado amenizar nos elogios de baixo calão e Takeo apenas assistindo e zombando enquanto servia as entradas seguido do jantar. Já havia participado de brigas demais daqueles dois para saber quando realmente precisava interferir.

Várias horas de conversa e algumas garrafas de bebida depois, o clima na sala de jantar amainou. Quando Hayato começou a disfarçar os bocejos e Katsuya apoiou a cabeça no ombro de Mikaru, que para a surpresa de todos não o repeliu, ficou claro que era hora de revelar a decoração de Natal.

Os quatro se encaminharam para a sala, onde os sofás foram afastados para acomodar duas tendas de tecido presas em ganchos no teto, com luzinhas enfeitando toda a extensão. O chão havia sido forrado com tatames macios e também tapetes felpudos, além de várias almofadas de tamanhos diferentes. Katsuya observou admirado o caminho que fazia, reparando em cada detalhe. Hayato já havia comentado sobre essas noites ao ‘ar livre’ que fazia com Takeo e até tentou montar sua própria versão, mas não esperava por algo tão caloroso. Pequenas lanternas elétricas postas em suporte para velas davam um ar mais intimista e completavam a decoração. A árvore ao fundo, apesar de menor que a que fez para Mikaru, não deixava nada a desejar.

— Tem cobertores e travesseiros no fundo. – Takeo apontou para os montinhos dobrados, soltando as pontas da entrada da tenda para dar privacidade ao casal quando fossem dormir – Vou trazer um pouco de chocolate quente e marshmallow pra gente.

— Parece que você pensou em tudo que fôssemos precisar. – Mikaru acenou em aprovação, entrando na tenda atrás de Katsuya, que já estendia o cobertor para os dois – Obrigado pela noite.

— Agradeça ao Hayato também. A maior parte foi ideia dele! – foi impossível não rir não da cara de desgosto do empresário, que foi se sentar ao lado de Katsuya, resmungando contrariado por aprovar algo que Izumi fez.

Nunca revelaria em voz alta que havia gostado de algo que o vocalista havia feito. Podia não sentir mais a raiva que sentia por ele quando se conheceram, mas também não era amizade verdadeira, como a relação que mantinha com Takeo. Talvez lá no fundo, bem fundo mesmo, considerasse Izumi um cara legal. Mas ele não precisava saber disso. Assim como não precisava saber que havia aprovado o convite, o jantar e a decoração. Gostava daquele tipo de iluminação e seu lado profissional teimava em gritar que o trabalho ali havia atingido as expectativas.

Após voltar com as bebidas, Takeo imitou o outro casal, se acomodando no espaço com o namorado, que curiosamente parecia desperto, diferente de minutos atrás.

— Perdeu o sono? – perguntou baixinho, puxando-o para se aconchegar entre seus braços.

— Não… só lembrei de algo que me incomodou um pouco mais cedo.

— Que seria?

— Por que você insistiu tanto em ir pra Kanagawa comemorar com meus pais? Minha mãe e a Hana iam gostar, é claro, mas não acho que Sadao fosse nos receber de braços abertos.

— Eu sei… bom, só queria oficializar pras famílias… sabe, nossa união e tudo mais, convidar para a festa…

— Ah… isso… – Hayato se remexeu incomodado, um pouco incerto de como continuar aquele assunto.

— Não é que quero a benção dos seus pais, nem nada. Só achei que devesse avisar. E implicar com minha sogrinha também, ver as recomendações que ela daria pra cuidar melhor do bebê dela.

— Ela não me trata assim. – riu baixinho, voltando a relaxar, tirada a dúvida – Podemos ir outro dia e ficamos num hotel. Convidamos as duas para um passeio e contamos todos os detalhes.

— Combinado! Fazemos igual quando você for falar com meus pais?

— Falar com eles? Eu? – encarou o namorado surpreso.

— Eu falo com os seus, você com os meus. Não é uma troca justa? – riu sacana.

— Talvez… por que não deixamos pra ver mais próximo da data, que ainda nem marcamos?

— Não acredito… – veio o resmungo de Mikaru da outra tenda, antes de elevar a voz – Casem escondido! É o melhor ato de rebeldia que vocês dois podem fazer!